Fanfic: O garoto do cachecol vermelho - Vondy | Tema: Vondy
O impensável
Foi minha mãe quem me levou para a faculdade no dia seguinte, apesar de todos os meus protestos. Quanto menos tempo passasse com ela, melhor eu me sentia. Suas tentativas de puxar assunto durante o percurso me deram vontade de pular pela janela do carro. Mas agora eu estava bem. Ela havia ido embora e eu estava, finalmente, sozinha mais uma vez.
Na entrada do campus, rezei para que ninguém viesse me encher o saco. É óbvio que minhas preces não foram atendidas: Christopher me esperava, de braços cruzados, encostado na parede. Vestia uma camiseta azul, uma jaqueta de moletom cinza-escuro, jeans, os All Stars surrados de sempre e, como de praxe, um dos vários cachecóis vermelhos que tinha. Se aproximou quando me viu, apesar da minha tentativa frustrada de passar por ele sem ser notada. Ainda tínhamos alguns minutos antes do início da aula, e, naquele caso, eu não tinha muita certeza se isso era bom ou ruim.
Antes que eu pudesse correr para a sala, ele entrou na minha frente, sorrindo de um jeito malicioso. Cruzei os braços, encarando-o em silêncio e com as sobrancelhas levantadas enquanto esperava ouvir o que tinha para me dizer. Como ele ficou tempo demais em silêncio, apenas me encarando, perguntei:
—Tem algo pra dizer, ou vai ficar aí o dia inteiro me encarando feito um idiota?
—Hum, acordou de bom humor hoje, Srta. Savinon — disse, abrindo ainda mais o sorriso antes de continuar. — Hoje o nosso acordo começa a valer, e quero te lembrar de que uma parte do combinado era você ir aonde eu fosse e ficar com quem eu ficasse.
Me limitei a andar para longe dele em silêncio, esbarrando com força em seu ombro ao entrar na sala. Não era um bom dia para alguém me encher o saco. As aulas do dia eram teóricas e passaram lentamente até o primeiro intervalo. A cada vez que eu olhava no relógio, haviam se passado poucos minutos. Uma tortura, mas o que eu podia fazer? O meu futuro dependia daquilo. E da resposta ao vídeo de audição para a Juilliard.
Quando o sinal finalmente tocou, fui a primeira a levantar e disparar para fora. Estava passando pela porta quando avistei Christopher, o único aluno no corredor, encostado em um dos armários azuis de metal perto da entrada. Suas mãos estavam nos bolsos da jaqueta. Parei à sua frente e cruzei os braços, suspirando. Perguntei, antes que ele tivesse qualquer chance de falar besteira ou algo do tipo:
—Qual é o plano?
—Vem comigo — foi o que ele respondeu, desencostando dos armários e começando a caminhar para o fim do corredor. Segui-o sem protestar. Ainda não tinha motivo nenhum para fazer isso, né? Pois bem... então eu fui.
Christopher me guiou até o lado de fora da faculdade, onde diversas muretas cercavam os pequenos jardins que rodeavam o terreno. A grama estava seca, e não havia sinal de flor alguma. Quando vi que ele estava perto demais de um grupo cuja proximidade faria meu status naquele lugar cair consideravelmente, parei. E ele percebeu. Christopher se virou para mim, me encarando de um jeito desafiador enquanto eu sentia o estômago começar a revirar. Me lembrava de tê-lo visto andando com aquelas pessoas antes, mas nunca imaginei que me faria chegar perto delas. Aleijados, obesos e sem nenhum senso de moda? Não. Aquilo era demais para mim. Ninguém falava com aquelas aberrações.
—Não. Isso não. — Balancei a cabeça. Ainda não haviam notado nossa presença. — Você só pode estar brincando comigo.
— Temos um acordo, não temos? É só por um tempo. Além disso, qual é o problema? São pessoas. Pessoas como eu e você, de carne e osso.
—Não são pessoas. São... mutações da natureza. Anormais. Não vou chegar perto d...
—Ei! — disse, antes que eu pudesse terminar. — Eles não têm nada contagioso. E não são mutações. — Se aproximou, colocando um dos braços por cima dos meus ombros e praticamente me arrastando para perto daquela gente. — Você vai ver.
Paramos em frente ao grupo, e Christopher manteve o braço onde estava, praticamente me segurando para que eu não fugisse. Senti o estômago revirar. Estávamos perto demais. Perto demais. Eram quatro. O primeiro era um cara exageradamente gordo, com o cabelo castanho-claro mal cortado e olhos escuros. Suava feito um porco, ainda que o dia não estivesse quente, e segurava um lenço para secar o suor da testa. A segunda era uma garota magrela com roupas de roqueira gótica e o cabelo sujo e escorrido tingido de preto. O penteado dela era estranho, com presilhas e grampos à mostra. Nós a chamávamos de Carrie na faculdade. Carrie, a estranha. A terceira, também uma garota, era a mais normal dali. Era até bonita, com seu cabelo loiro comprido e cacheado e olhos cor de esmeralda. Sardas cobriam o rosto inteiro, e as curvas estavam no lugar certo. Eu poderia ser amiga dela se não fosse outra das mutações da natureza. Apesar do aparelho auditivo, que dava para ver quando se chegava perto, eu sabia que ela não ouvia nada, e a voz fanha chegava a me dar agonia. Eu já tinha visto Christopher conversar com ela em linguagem de sinais. Os dois pareciam ser grandes amigos. A última... pessoa era um cara de cadeira de rodas. O cabelo era raspado quase completamente, e ele usava óculos de aro metálico acima do nariz longo e reto.
Eles pararam de conversar, nos encarando, e sorriram para mim em expectativa, como se esperassem que eu dissesse algo. Apenas engoli em seco e me mantive em silêncio.
—Ok. Já que ninguém vai se apresentar, eu vou fazer as honras — Christopher anunciou quando o silêncio começou a ficar constrangedor. — Este aqui — ele disse, apontando para o gordo — é o Bruno. Aluno de direito. Ela é a Emília, mais conhecida como Millah — continuou, falando da roqueira gótica —, que é do curso de medicina. Provavelmente vai ser neurologista, certo?
A garota sorriu para ele, dando de ombros. Parecia ser a mais nova deles, e a menos interessada em mim. Os outros me encaravam como se eu fosse um animal no zoológico. Christopher passou para a garota seguinte, reproduzindo cada uma de suas palavras na linguagem de sinais para ela:
—Esta é a Diana, aluna de artes cênicas, péssima em linguagem labial e minha melhor amiga também. — A garota riu, respondendo da mesma forma. Provavelmente era algo que eu não poderia saber, tipo um código.
Eu já tinha ouvido aquela menina falar e sabia que podia fazê-lo se quisesse. Analisei-a mais uma vez, com os olhos um pouco cerrados. Melhor amiga, é? Bom saber. Muito bom saber. Se ela tentasse interferir no tal acordo ou participar mais do que deveria, era com a vida social dela que eu ia acabar. Estava começando a arquitetar um plano maligno quando Christopher apresentou seu último amigo. O nome dele era Victor.
Depois das apresentações, ele me fez sentar com eles e ouvi-los conversando pelos vinte e cinco minutos seguintes. Me mantive em silêncio, fingindo prestar atenção. A única coisa que eu queria era sair dali, e não me enturmar. Ainda mais porque todos que passavam pelo lugar me encaravam de um jeito confuso e debochado. Precisei respirar fundo e me segurar para não levantar e ir embora. Só teria de aguentar aquilo por mais algumas dezenas de vezes e depois estaria livre. Só mais cinquenta e nove dias. Quando o sinal tocou, fui a primeira a levantar, disparando entre as pessoas na direção da minha sala. Encontrei Fernanda no meio do caminho, e ela me abriu um sorriso radiante:
—O que aconteceu com você hoje? Sumiu por quê?
—Sei lá. Fiz um acordo idiota com o Christopher, e agora preciso andar com ele.
—Que acordo? — O segundo sinal, que indicava o início da aula, tocou, e ela balançou a cabeça: — Quer saber? Vamos sair mais tarde. Aí você me explica isso direito.
—Não posso — respondi. — Tenho que ficar com ele até as cinco.
—Então eu apareço na sua casa às seis.
Mas quanta insistência! Assenti, aceitando seu autoconvite e me dirigindo ao meu armário para pegar minhas coisas e correr para o estúdio de dança, que ficava no fim do corredor. A aula seguinte seria prática: técnicas de dança. Depois de deixarmos nossas mochilas no estúdio, fomos nos trocar no vestiário. A maioria das pessoas do meu curso era mulher, então nos vestíamos uma na frente das outras sem problemas. Ainda mais porque, quando tínhamos aula prática, já vínhamos para a faculdade de collant e meia-calça por baixo da roupa. Prendi o cabelo em um coque apertado e voltei até a sala, segurando o novo celular que Regina tinha comprado para mim. O aquecimento começaria em breve, mas ainda tínhamos algum tempo livre. Encarei a tela, verificando se havia recebido alguma mensagem. Apenas uma, de Christopher. Revirei os olhos. Que cara chato!
Esqueci de desejar boa sorte
Respondi, completamente confusa:
Boa sorte com o quê?
Não houve resposta. Provavelmente seu limite de mensagens durante a aula tinha acabado. Quanta rebeldia! Sorri ao imaginá-lo tentando esconder o celular do professor. Antes que me demorasse demais, perdida naqueles pensamentos, a professora entrou e eu deixei o telefone em cima de uma das caixas de som, como a maioria dos alunos fazia.
Houve uma longa série de aquecimentos, e depois nós treinamos alguns movimentos. Eu gostava do fato de a professora me usar como exemplo para a sala. Ela sempre dizia que fazia tempo que não via uma bailarina precisa e dedicada como eu. Tudo que eu podia fazer era concordar com ela, enquanto as outras reviravam os olhos e se remoíam de inveja. Pouco tempo depois, ela pediu que nos juntássemos à sua frente para ouvir um anúncio. Subiu em um banquinho de madeira, a fim de enxergar todos os rostos. Eu me mantive atrás da turma, abaixada no chão, enquanto apertava um pouco mais a fita das sapatilhas. Falou:
—Como todos vocês sabem, esta faculdade foi criada pela nossa reitora, a dra. Marcia. Ela está avaliando os cursos pouco a pouco, assim como os alunos e professores, e hoje, daqui a alguns minutos, ela virá nos assistir. — Me endireitei, esticando um pouco o pescoço para vê-la melhor. Apesar do banquinho, ela não era alta o suficiente para se destacar entre os alunos. — Ela me pediu que orientasse vocês para fazer pequenas... audições. Cada apresentação vai ter dois minutos, e vocês mesmos vão criar suas coreografias, sem deixar de usar a técnica e tudo que aprenderam. Sim, a intenção era pegar vocês de surpresa. O objetivo é justamente avaliar o aprendizado, e, para isso ser eficaz, não podíamos permitir que vocês se preparassem antes.
Ah, então era disso que Christopher falava. Uma sequência de passos e movimentos inundou minha cabeça, tentando se encaixar em uma música. Vinham tantas em mente que eu mal conseguia organizar tudo. Precisava me concentrar. Uma apresentação para a reitora? Aquilo não acontecia todos os dias. Era a minha chance de me destacar, e não a perderia de forma nenhuma.
A professora nos deu alguns minutos enquanto a dra. Marcia, mãe de Christopher, não chegava, para pensarmos no que faríamos, e é óbvio que me pediu para ficar por último.
—O melhor fica para o final — ela me disse quando se aproximou para ligar seu computador, onde os alunos iriam tocar as músicas escolhidas.
Não haviam se passado vinte minutos quando a reitora entrou no estúdio. Era uma mulher consideravelmente alta, esguia, com cabelo loiro comprido e liso. Seus olhos eram acinzentados como o céu de uma tempestade. Era tão pálida quanto um fantasma, o que deixava suas olheiras ainda mais visíveis. Eu não sabia se era impressão minha, mas ela parecia umas duas vezes mais magra do que na última ocasião em que eu a tinha visto. A não ser pelo tom dourado do cabelo, Christopher não se parecia em nada com ela.
A dra. Marcia caminhou ao encontro da professora e ambas trocaram algumas palavras. Em seguida, nos cumprimentou com um “bom-dia” educado e nos encarou de forma severa enquanto éramos chamados, um a um, para fazer nossas apresentações. Revisei em minha mente, umas mil vezes, os passos que usaria e quando, mas apenas no momento em que meu nome foi chamado escolhi, definitivamente, a música. Me aproximei da professora e de seu notebook velho. Murmurei, sabendo que os olhares de todos estavam sobre mim:
—“Young and Beautiful.”
A partir do um minuto e cinquenta e cinco. Ela assentiu e eu me dirigi ao centro do estúdio, encarando a madeira clara sob meus pés. Respirei fundo. Senti o peso dos olhares sobre meus ombros, me empurrando contra o chão. Fechei os olhos. Dançar em público sempre foi um problema, e, apesar de já ter feito inúmeras apresentações, ainda ficava incomodada com os olhares fixos em mim. Ainda mais sendo da mesma turma e estando ali para me julgar e torcer para que eu caísse e pagasse o maior mico na frente da reitora.
A partir do segundo em que o primeiro acorde ecoou pela sala, eu “entrei na bolha”. Me desliguei de tudo e todos que estavam ao redor, me concentrando apenas no que tinha que fazer. Não iria me arriscar nem colocar energia demais em nenhum ponto da coreografia. O seguro era mais fácil, e tinha mais garantias de sucesso, então era o que eu faria. Me deixei levar pelas notas da música que eu conhecia tão bem. Meu corpo se movimentava de forma leve e fluida pelo estúdio, meus braços se moviam delicadamente e os giros eram limpos e precisos. Não fiz muitos fouettes e executei apenas um grand jeté. Simples e limpo, como deveria ser. Quando terminei, agradeci os aplausos com uma reverência e voltei à minha posição inicial, perto das caixas de som, sob o olhar curioso da reitora. Fomos dispensados logo em seguida. Voltei direto para o vestiário, querendo pegar minhas coisas e tomar uma ducha.
No banho, me demorei um pouco mais, sabendo que Christopher esperava por mim para seguirmos com o acordo. Vesti meu jeans escuro de cintura alta, a regata branca de cetim e, por cima, o blazer preto. Peguei minha bolsa preta de couro com franjas e reforcei o batom roxo-escuro antes de sair. Quando cheguei ao corredor, nem sinal de Christopher. Eu não sabia se deveria ficar preocupada ou aliviada. Ele era minha carona para casa! Não deveria me largar daquele jeito. Certo? Fui para o lado de fora, irritada. Quem ele pensava que era? Tínhamos a porcaria de um acordo, não? O que eu faria agora?! Mal havia cruzado a saída quando a porta de madeira pintada de cinza ao lado dela se abriu. Era a sala da reitoria. Christopher saiu, como um tornado. Vi sua mãe lá dentro. Estranhei quando ele simplesmente passou por mim, disparando para o lado de fora. Parecia furioso. Eu não sabia se deveria perguntar o que havia acontecido. Era da minha conta? Bom... era, se isso o faria ir embora sem me dar carona. Antes de me decidir, ouvi a voz da reitora me chamando. Dei dois passos para trás, voltando a entrar na faculdade e rezando silenciosamente para que ela não fosse me punir por algum motivo. Eu não tinha feito nada de errado... tinha?
—Dulce, certo? — ela perguntou, parando à minha frente.
—Isso — respondi, cumprimentando-a com um aperto de mão.
—Vejo que você já conhece o meu filho. — Essa frase me fez perguntar se, de alguma forma, eu estava envolvida no motivo que fez Christopher ficar tão irritado quanto parecia estar. — Ele parece ter certo favoritismo com relação a você.
—Desculpe... O que a senhora quer dizer com isso? — Tentei não parecer tão surpresa quanto estava. Aonde ela queria chegar?
A dra. Marcia me encarou por alguns segundos, pensativa. Olhei de relance para o lado de fora, vendo o garoto correr em direção ao auditório. Marcia pigarreou, o que voltou minha atenção a ela. Continuou:
—Eu é que peço desculpas. Isso não vem ao caso agora. — Fez uma longa pausa. — Creio que você saiba da apresentação que a nossa faculdade faz todo final de ano. — Assenti. — Pois então... Depois de ver a sua performance hoje, achei que seria interessante para ambas as partes que você se apresentasse conosco este ano.
Eu a encarei por alguns segundos, confusa, ainda querendo saber aonde pretendia chegar com aquela história de “seria interessante para ambas as partes”.
—Se você aceitar participar da nossa apresentação, eu posso pedir à sua professora que escreva uma carta de recomendação para a Juilliard. Eu soube que você está muito interessada em pedir uma transferência, então acho que isso poderia ajudá-la bastante a conseguir o que quer.
Agora ela estava falando a minha língua. Eu já tinha uma carta de recomendação do professor da Joffrey, onde tinha feito um curso de verão no ano anterior. Mais uma não seria má ideia. Sorri com gentileza ao aceitar o convite, e ela retribuiu o sorriso da mesma forma, pedindo que eu não contasse a Christopher até que ela mesma o fizesse. Tinha um sorriso frio que não lembrava nem um pouco o do filho. Me despedi e finalmente saí do prédio, caminhando para o auditório a fim de me encontrar com o vândalo. Acho que esse se tornaria o apelido permanente dele. Assim que abri a porta, vi que ele estava em uma das cadeiras da fileira do meio. Parecia estar afinando o violão. Desci os degraus o mais silenciosamente possível e me sentei ao seu lado. Christophr mal olhou para mim.
—Você não está tendo um bom dia, não é? — perguntei.
—Você está? — ele perguntou de volta, sorrindo de forma quase imperceptível.
—Relativamente, sim — respondi, dando de ombros. — Não perdi minha carona. Isso já é lucro.
Chritopher se manteve em silêncio, concentrado na tarefa de afinar o instrumento. Parecia estar tendo dificuldade com uma das cordas, então me limitei a observá-lo enquanto fazia o que tinha de fazer. Mordeu o lábio em algum ponto do processo, e pude ver que seu canino direito era lascado na ponta. A única falha em seus dentes perfeitos e brancos. Talvez aquilo tivesse acontecido no mesmo dia em que conseguiu a pequena cicatriz que provocava a falha na sobrancelha do mesmo lado. Eu tinha de reconhecer que ele era bem charmoso, mas, antes que pudesse admitir mais alguma coisa boa que tivesse a ver com sua aparência, desviei o olhar.
—Ufa — murmurou, segurando mais um sorriso.
—O que foi? — Mantive o olhar grudado no palco.
—Ainda bem que você parou de me encarar daquele jeito. Eu estava começando a ficar sem graça. — Bati em seu braço, xingando-o de idiota, o que o fez rir. Senti o rosto corar quando deixou o violão de lado e ficou me observando em silêncio por alguns segundos. — Fica mais fácil lidar com a sua atração por mim se você a admitir, sabia?
—Eu prefiro deixar que você faça as honras — murmurei.
Era o máximo que conseguia fazer naquele momento. Ele estava me deixando constrangida demais. Jogar aquilo de volta para ele foi a coisa mais inteligente que eu podia ter feito. Pelo menos isso o fez ficar quieto e evitou mais comentários constrangedores. Graças ao bom Deus, quando ele falou mais uma vez, não foi sobre nenhum tipo de atração:
—Vamos. Vou te levar pra almoçar. Ainda temos um tempo antes dos ensaios.
Sem dizer nada, eu o segui para fora do auditório. Não podia recusar por causa do nosso acordo, e, falando a verdade, acho que, se realmente tivesse escolha, acabaria aceitando pelo simples fato de estar curiosa sobre ele e sobre o que pensava.
No carro, ele me deixou escolher um CD para ouvirmos durante o caminho até o shopping. O único que eu conhecia era X, do Ed Sheeran, então esse foi o escolhido. O shopping mais próximo era o Higienópolis, e seriam mais ou menos vinte minutos até lá. Com aquele trânsito, era muito provável que fôssemos demorar o dobro do tempo. É claro que pareceu ainda mais que isso, já que eu fui inteligente a ponto de escolher um CD cheio de músicas românticas. Era cômica a maneira como evitávamos olhar um para o outro quando alguma canção bem lenta começava a tocar. Quando a música era animada, Christopher chegava a batucar no volante, mas, se fosse um pouco mais lenta, tudo o que fazia era apertar os dedos no volante com força e encarar o lado de fora através da janela ao seu lado.
—Qual é o plano para hoje? — eu quis saber, quando finalmente me senti à vontade para fazer qualquer coisa além de me manter imóvel e tensa no banco do passageiro.
—Acho que essa foi a coisa que você mais me perguntou nos últimos dois dias. — Ele fingiu estar um pouco ofendido. — Mas, como sou um cara legal, vou continuar respondendo a cada vez que perguntar.
—E a resposta é...?
—Não sei. Você vai assistir ao ensaio, e depois... depois é depois. Ainda não decidi o que vamos fazer. Mas, se quer saber, já tenho todo o nosso fim de semana programado. E não, não vou te contar aonde vamos. É surpresa.
—Não gosto muito de surpresas.
Ele deu um sorriso torto, ainda olhando para o tráfego à sua frente. Estávamos esperando que os carros andassem só mais um pouquinho para que pudéssemos entrar no estacionamento. Eu não sabia exatamente por que estávamos ali. Poderíamos muito bem almoçar em algum lugar mais perto da faculdade, mas, se eu devia segui-lo, não tinha nada que discutir. Desde que me levasse para casa na hora em que havia prometido. Estávamos subindo a primeira escada rolante, que dava em frente a uma pet shop, quando ele decidiu fazer sua primeira pergunta do dia.
—O que aconteceu ontem? Entre você e o Pedro?
—Ele estava irritado. Nós brigamos e eu o mandei embora. — Foi tudo o que me permiti responder.
—Mas... ele te machucou?
Mantive o olhar grudado no chão, admirando minhas botas pretas de cano curto e salto alto. Achei que ele entenderia, pelo meu silêncio, que a resposta era sim. Pedro não tinha deixado hematomas nem nada do tipo, mas... o simples fato de ter me segurado e empurrado daquele jeito foi o suficiente para me deixar magoada. Apesar de não gostar tanto assim do garoto, não queria que nosso relacionamento tivesse tomado o rumo que tomou.
—Eu posso te ajudar com isso, se você quiser — Christopher disse, e senti o peso do seu olhar sobre mim. — Quer dizer... você nem deveria ficar perto daquele cara depois que ele te segurou daquele jeito. Isso é inaceitável.
—E o que você vai fazer? — perguntei finalmente, um pouco irritada, agora olhando para ele. Eu sabia tudo o que ele estava dizendo. Não precisava que repetisse em voz alta. — Vai tirar satisfação? Vai proibir o Pedro de encostar em mim? Arrumar uma briga? Não. Não é disso que eu preciso.
—Se isso for necessário pra evitar que ele te machuque de novo, então é o que eu vou fazer. — Seu tom foi baixo e determinado, mas ainda assim cauteloso.
Subimos a segunda escada rolante e eu continuei a encará-lo, surpresa e confusa, tentando entender o porquê de ele estar disposto a arranjar uma briga ou se meter com um cara mais forte só para me proteger. Christopher tirou do pescoço o cachecol de lã vermelho-escuro, como se o lugar de repente tivesse ficado quente demais, e o enrolou ao redor do braço.
—Por que está fazendo isso por mim? Pra que toda essa dedicação e esforço pra mostrar que a minha vida pode ser melhor? Pra quê?!
—A pergunta certa é: por que não fazer isso? Se você conseguir me dar uma boa resposta, talvez eu mude de ideia.
—Eu nunca falei com você. Nem sabia que nós estávamos na mesma faculdade. Nunca fiz nada de bom pra você nem pra nenhum dos seus amigos...
—Eu pedi uma boa resposta — ele me interrompeu. — Essa aí não foi boa.
Qual era o sentido daquilo? Nem pude perguntar, já que ele me puxou para dentro de uma loja. Era uma livraria. Não pude deixar de rir com a empolgação dele enquanto percorria os corredores me segurando pela manga do blazer. Só parou quando entramos na área de obras sobre arte. Ele me soltou e pegou um livro qualquer sobre Michelangelo.
—Está vendo isto aqui? — Ele havia aberto em uma página que mostrava uma foto da Capela Sistina. — Isto é arte. É a história do mundo ilustrada em afrescos. É... é incrível.
Encarei as pinturas com atenção, tentando encontrar naquelas cores a mágica que se refletia nos olhos azuis de Christopher, mas não consegui. Ok, era incrível, magnífico, mas não conseguia sentir a mesma admiração que ele. Eu não via o mundo com seus olhos. Ele passou o olhar para mim, só naquele momento se dando conta de que nós estávamos muito próximos. Apenas aquele livro nos separava, e Christopher estava levemente inclinado para a frente, o que diminuía mais ainda nossa distância. Ele sorriu, o rosto se iluminando como se tivesse visto um anjo.
—Você viu.
—Vi o quê? — perguntei, franzindo a testa. Nosso tom era baixo, não só por estarmos em uma livraria, mas também pela proximidade.
—Tudo — foi o que ele respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
—Não no livro ou na pintura. Você viu através disso.
—Ok. E a resposta é...?
—Você viu que não pode ver.
Abri a boca, prestes a perguntar o sentido daquilo (como sempre tinha vontade de perguntar com relação a qualquer coisa que ele dissesse, porque nunca vi uma pessoa falar tanta coisa aleatória e desconexa quanto aquele cara), mas logo a fechei, sabendo que não encontraria palavras para dar a resposta que ele queria ouvir. Então, simplesmente parti para o lado do humor, porque aquela era a única linguagem na qual nos entendíamos sem brigar:
—Você fumou o que antes de vir pra cá? Quer dizer, eu posso até não ser tão inteligente, mas chega um ponto em que a gente consegue reconhecer o limite entre a burrice e o probleminha. E eu não tenho um probleminha.
—Isso quer dizer o quê, exatamente?
—Que isso que você disse não faz o menor sentido, e que eu sei que não faz sentido porque não sou burra o suficiente para simplesmente não entender nada do que você fala.
E ele riu. Aquela risada que nos faz sentir orgulhosos de a termos provocado. Não pude deixar de sorrir enquanto o observava. Christopher continuou rindo conforme fechava o livro e o guardava no lugar, depois voltou a se aproximar, tanto quanto antes. Sussurrou, e eu pude sentir o sopro de ar vindo de seus lábios em meu rosto quando falou:
—Eu não sou louco nem fumei nada. Isso é só um efeito do deslumbramento que eu sinto toda vez que vejo uma coisa tão linda quanto um anjo deveria ser.
—Isso é tão másculo saindo da sua boca — sussurrei de volta, mantendo o tom irônico de antes, ainda que ele parecesse estar falando sério. — Mesmo que você esteja falando da obra de arte feita por um cara velho cheia de homens pelados ou seminus.
—Eu não estou falando deles — Daniel respondeu depois de uma longa pausa, antes de colocar o cachecol vermelho, que estava enrolado em seu braço, ao redor do meu pescoço e se afastar em direção à saída da livraria, me deixando completamente atônita, parada no lugar.
Autor(a): GrazihUckermann
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 21
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candy1896 Postado em 01/09/2017 - 18:11:49
CONTINUAA
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candy1896 Postado em 23/08/2017 - 19:55:54
Continuaa
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candy1896 Postado em 22/08/2017 - 10:12:11
CONTINUA
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candy1896 Postado em 14/08/2017 - 18:55:10
Continuaa
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AnazinhaCandyS2 Postado em 03/08/2017 - 22:25:16
Pelo menos ela disse obrigada depois dele ter ajudado ela! Continua!
GrazihUckermann Postado em 07/08/2017 - 18:52:42
Um grande passo para ela kkkk
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AnazinhaCandyS2 Postado em 02/08/2017 - 18:39:44
Dulce ñ baixa essa guarda, Christopher tenta ser legal mas ela ñ coopera. Adorei quando ela viu a 'lata velha' kkkkkk. Continua!!
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AnazinhaCandyS2 Postado em 01/08/2017 - 19:12:50
Fernanda ta de olho no Christopher *0* Dulce elogiando o Pedro só pq ele é um playboyzinho mas la no fundo ela preferia ta comendo um cachorro quente com o vadalo, nossa viajei aqui kkkk. Continua!
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AnazinhaCandyS2 Postado em 28/07/2017 - 19:45:51
Huum Dulce pensando no delinquente pichador amo *-* Pedro ñ desiste né, espero que ele ñ faça nd errado! Continua!!
GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:14:28
Tenho uma raiva muito grande por esse Pedro, queria muito que ele não fizesse nada de errado...
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AnazinhaCandyS2 Postado em 26/07/2017 - 18:49:20
Dulce tem que ser mais querida, ela ta muito insensível, acho que o Christopher vai fazer uma grande mudança na vida dela *-* Continua!!
GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:15:31
Ele vai ter que ter muita calma e paciência para mudar a Dulce kkk
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AnazinhaCandyS2 Postado em 24/07/2017 - 18:56:39
Dulce ñ foi mesmo com a cara do Christopher, mas eu adoro esse jeito dele *-* Continua!!
GrazihUckermann Postado em 24/07/2017 - 19:01:52
Christopher é um amor, já me apaixonei por ele s2 Como ele consegue ser tão calmo com uma Dulce dessa? kkkkk