Fanfics Brasil - Confiança - Parte 2 O garoto do cachecol vermelho - Vondy

Fanfic: O garoto do cachecol vermelho - Vondy | Tema: Vondy


Capítulo: Confiança - Parte 2

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— Que lugar é este? — perguntei, enquanto ele dirigia por uma pequena estrada contornando a orla.


— Praia das Pedras Miúdas. Ilhabela.


 Desci o vidro, sem acreditar que ele havia me levado até ali. Era lindo. A água era cristalina, e a areia, branca. O sol não estava muito forte. Típico de um céu limpo das nove da manhã. Não havia muita gente circulando na calçada, muito menos na praia. Vi alguns vendedores ambulantes perambulando pela areia e uns gatos-pingados no mar, que era calmo e não tinha ondas. Christopher seguiu caminho por mais alguns minutos, até chegarmos a uma casa gigante perto da orla. Tinha uns três andares. Era branca, cheia de colunas, e seu estilo era moderno. Grandes janelas de vidro nos permitiam ver uma sala de estar enorme no térreo e uma área com churrasqueira e forno de pizza no segundo andar. O portão elétrico se abriu assim que Christopher se aproximou com o carro.


— Onde estamos? — eu quis saber, confusa.


— Você vai ver — ele respondeu, estacionando atrás de um Range Rover branco lindo.


 Saímos do carro, e ele levou consigo apenas o violão. Estendeu a mão para mim enquanto íamos em direção a uma portinha. Confesso que fiquei um pouco hesitante em pegar a mão dele. Já estávamos naquele nível de amizade? Ou era só uma desculpa para me segurar e impedir que eu fugisse quando visse o que me aguardava do lado de dentro? Abriu a porta, me puxando para o interior da casa. Aquela devia ser a entrada dos fundos, já que fomos parar na cozinha. Era... enorme. Cheia de eletrodomésticos de inox, armários brancos e mármore marfim. Mais para a frente podíamos ver uma sala imensa, com sofás também em tom próximo ao do mármore e paredes claras. Logo de frente havia uma parede inteira envidraçada, que era a que eu tinha avistado ao chegarmos. À esquerda havia uma estante longa e alta, cheia de filmes e jogos, com uma TV de tela plana de cinco bilhões de polegadas. À direita ficavam três sofás que deviam comportar umas dez pessoas cada. Atrás deles, duas poltronas, viradas para outra estante, esta repleta de livros. Meu queixo caiu. A casa era três vezes maior que a minha casa, que já era enorme.


— Mãe! Pai! Chegamos! — ele anunciou. Eu arregalei os olhos.


— Mãe?! Pai?!


— É. Aqui é uma das casas que nós temos pra passar férias, feriados, fins de semana — respondeu, como se fosse a coisa mais simples do mundo. — Não se preocupe. Não vim te apresentar “oficialmente” pra eles. Só achei que iríamos precisar de um lugar pra passar a noite.


— Passar a noite?! Você podia me avisar de coisas desse tipo! E não simplesmente me falar que vamos sair e me sequestrar por dois dias.


— Relaxa, Dul. — Ele se virou para mim depois de deixar as chaves em cima de um dos balcões da cozinha. — Só... aproveita o momento. Dul?


 Agora nós tínhamos aquela intimidade? Começaríamos a nos chamar por apelidos e dormir um na casa do outro? Acho que, para ele, sim. E eu não tinha o que fazer, já que não estava de carro e havia um acordo a cumprir.Não haviam se passado dez segundos quando uma garota apareceu na sala, usando apenas biquíni preto. Ela tinha o cabelo comprido e cacheado, da mesma cor dos dele. Era extremamente magra e alta. Ele a abraçou com força, fazendo-a rir quando a tirou do chão.


 Fechei a cara, cruzando os braços. Que baixaria era aquela? Quantas meninas ele tinha levado até lá? Duzentas? A próxima a aparecer seria quem? Diana? Fernanda? Millah? Quando finalmente se afastaram, ele recuou um passo, voltando a ficar ao meu lado. A garota me analisou da cabeça aos pés, curiosa.


— Helena, esta é a Dulce. — Ele passou um braço por cima dos meus ombros. Precisei de muito autocontrole para não me afastar. Não faria parte do harém dele. Nem se pedisse de joelhos. — Uma amiga minha. — Passou o olhar para mim. — Dul, esta é a Helena. Minha irmã mais nova.


— Ah! Ah, tá! Entendi... Irmã — falei, surpresa, cumprimentando-a com um aperto de mão. Não pude deixar de me sentir aliviada.


— Que bom! Eu já estava começando a pensar que não era a única garota que você sequestrou e trouxe pra cá.


— Então essa é a famosa Dulce! — a menina disse. — Que bom finalmente te conhecer.


— Digo o mes... — comecei.


— Mas vocês vão ter que me contar que história é essa de “amizade, ciúme e sequestro” — ela me interrompeu, num tom fingido de confusão. — Parece bem interessante. — Abri a boca, prestes a perguntar de que ciúme ela estava falando, quando Helena abriu um sorriso radiante e deu um soco de brincadeira no ombro do irmão. — Não sei o que você está fazendo, mas está dando certo.


 Christopher baixou o olhar, e suas bochechas ficaram rosadas. Ele, sem graça e sem uma resposta na ponta da língua? Bom... eu queria saber o que “estava dando certo”, só para poder usar aquilo mais tarde e fazê-lo calar a boca.


— A dona Marcia não está em casa — ela disse. Helena também chamava sua mãe pelo nome? — Foi dar uma volta com o papai na praia.


— Bom saber. Não acho que ela iria gostar de saber que acabei chegando adiantado. Ainda mais trazendo visita.


— Espera. Todo mundo sabia que eu vinha? — perguntei. — Menos eu?


— Exatamente — ele respondeu. — Agora, vai com minha irmã arranjar alguma coisa mais apropriada pra vestir. A gente se encontra aqui em quinze minutos.


 Disparou na direção da escada ao lado da cozinha antes que eu pudesse pensar em protestar. Helena e eu nos encaramos por alguns segundos. Aquele provavelmente era o momento em que ela me ameaçaria de morte se eu o magoasse ou algo assim, e eu já estava esperando que o sorriso em seu rosto sumisse, quando ela o abriu ainda mais. Os olhos grandes, azuis como os do irmão, pareciam brilhar como estrelas. O rosto era fino, e o nariz e a boca, delicados. Parecia uma fada. Perguntou:


— Vamos? O Christopher não costuma reagir muito bem a atrasos.


— Ah, sim. Claro — respondi.


 Eu ainda tentava esconder a surpresa por estar ali. Ele havia planejado tudo em segredo, e sem o meu consentimento. Agora só me restava aceitar e ser gentil. Pelo menos na frente da família dele, porque, assim que ficássemos sozinhos, eu iria gritar até seus ouvidos sangrarem. Ela me levou até seu quarto, no andar de cima. Era preto, da mesma cor de seu biquíni e do esmalte nas unhas, e cheio de pôsteres de bandas de rock. Os móveis eram brancos, e alguns estavam pichados. Aquele era o quarto dela? Parecia tão delicada! Abriu o guarda-roupa, depoisde dizer que eu podia ficar à vontade, e jogou uma mochila cheia de coisas para mim. Explicou, enquanto revirava uma das gavetas:


— O Chris pediu que eu te comprasse um biquíni e um maiô, já que não sabia qual você prefere, uma saída de praia, protetor solar e tudo o que você vai precisar. Está aí dentro. — Ela se virou para mim, vestindo uma camiseta e um short por cima do biquíni. — Se você não gostar de alguma coisa, a culpa é minha. Ele só me falou que você era uma menina e que tinha o corpo parecido com o meu. Então...


 Abri a mochila, que tinha um tom de roxo forte, e analisei o que havia lá dentro. O maiô era conservador demais, fechado demais, então decidi que o biquíni, que era rosa-fluorescente, daria para o gasto. Usei o banheiro para me trocar. Ela havia comprado um short jeans, uma camiseta branca que com certeza ficaria transparente se eu a colocasse por cima do biquíni molhado e uma sandália preta de borracha. Felizmente, para o meu orgulho, tudo serviu. Só a camiseta ficou um pouco justa demais, porque eu tinha... mais corpo que Helena.


 Saí do banheiro depois de passar protetor e arrumar o cabelo em um coque alto. Tinha de admitir que, apesar da combinação estranha de cores, eu estava parecendo uma daquelas garotasCalifórnia. Coloquei a mochila nos ombros, vendo que Helena me esperava na porta do quarto, a fim de mostrar o caminho de volta para a cozinha.


 Quando chegamos lá, Christopher não tinha voltado ainda, o que nos levou ao momento constrangedor de “não te conheço e não sei como puxar assunto”.


— Então quer dizer que você é a nova namorada do meu irmão? — a menina perguntou, sentando num dos balcões.


— Foi isso que ele disse?


— Não. Eu concluí pelo jeito que você olha pra ele. E vice-versa, convenhamos — respondeu, dando de ombros.


— Não — cortei, antes de começar a ficar vermelha. Deixar os outros sem graça parecia ser o talento daquela menina. — Não sou a namorada dele.


— Você não iria querer entrar para a lista — falou Christopher, aparecendo de repente na cozinha. Ele usava camiseta azul-clara, bermuda cinza-escura e continuava com seus óculos de sol. Sem o cachecol vermelho, parecia estar faltando alguma coisa. 


— Lista? — eu quis saber.


— É. A minha enorme lista de relacionamentos — falou, abrindo a porta da geladeira e pegando uma garrafa de água.


 Antes que se virasse novamente para mim, olhei para Helena e perguntei silenciosamente se aquela lista era verdadeira. Ela balançou a cabeça, rindo e murmurando algo como “Não cai na dele”. Quando Christopher se voltou novamente para mim, apesar das lentes escuras, eu soube que estava analisando com atenção as roupas curtas e apertadas que sua irmã tinha escolhido para mim, o que me fez sorrir de forma maliciosa. Ele, para minha surpresa, retribuiu. Pegou o violão de cima do sofá, onde o tinha deixado, e depois veio até mim. Passando o braço pela minha cintura e me apertando contra o balcão para alcançar a chave da casa atrás de mim, falou:


— Chega de enrolação. Temos muita coisa pra fazer ainda.


— Você podia simplesmente ter pedido licença — sussurrei, enquanto ele se afastava.


— Eu sei — sussurrou de volta, indo em direção à porta.


 Nos despedimos de Helena com acenos de cabeça e, em vez de ir para o carro, apenas seguimos em direção à praia. Não pude deixar de ficar triste por não poder entrar na água. Ainda usava a atadura elástica ao redor do peito por causa das costelas trincadas. Mas pelo menos eu podia tomar sol. Se ele deixasse. Christopher estendeu um lençol azul na areia debaixo da sombra de alguns coqueiros e colocou suas coisas em cima, pedindo que eu fizesse o mesmo. Depois, ao contrário do que pensei que fosse fazer, se sentou. Aquele era o plano? Ir à praia? Foi exatamente isso que eu perguntei a seguir.


— Ainda precisamos nos conhecer um pouco melhor antes que eu comece a fazer planos mais elaborados. Como pensei que você iria gostar de vir pra cá, levei a ideia adiante.


— Ok — falei, me demorando um pouco mais na primeira letra enquanto me sentava na frente dele. — O que você quer saber?


— Que história era aquela do seu professor de matemática do primeiro ano? — ele perguntou, como se já estivesse com o assunto preparado desde que chegamos ali.


— Ah, aquilo...


 Baixei o olhar. Nunca havia contado a ninguém. Nem mesmo para minha mãe. Era uma história muito mais complicada do que tirar uma nota baixa. Era sobre... um monstro. Se eu queria compartilhar aquilo com Christopher? Talvez. Ele estava tão disposto a me ajudar e suas intenções pareciam tão boas que eu sentia que poderia contar qualquer coisa a ele. Respirei fundo, criando coragem para começar.


— Eu tinha catorze anos na época. Minha mãe já estava começando a ganhar fama na área dela, mas ainda não tínhamos dinheiro suficiente para que eu frequentasse uma escola de primeira. Eu estudava naquele tipo de escola que te dá nota apenas por comparecer às aulas — comecei, e ele me observou com atenção. — Só que tinha um professor, o único, que realmente se interessava em ensinar. Por causa dele, muitos alunos repetiam de ano ou ficavam de recuperação. Ele levava tudo muito a sério, e eu não era a melhor aluna da escola. Foi quase... quase como se tivesse que acontecer.


  Fiz uma pausa. Era difícil falar, então é óbvio que eu não conseguiria contar toda a história de uma vez. Passei os dedos na areia, evitando qualquer tipo de contato visual. Tinha vergonha do que aconteceu, como se, de certa forma, tivesse sido culpa minha. Como se eu tivesse provocado.


— Matemática nunca foi o meu forte, e era a última prova do ano. Eu realmente precisava de uma boa nota, mas naquela mesma semana ia acontecer o recital anual de balé da minha antiga escola. Como eu era a solista principal da minha turma, precisava treinar bastante à tarde. Não tinha tempo pra estudar o suficiente; eu sempre priorizava mais os treinos do que a escola. — Sorri um pouco ao acrescentar a parte seguinte. — Eu sei. Uma garota de catorze anos não tem que levar o mundo tão a sério a ponto de escolher entre o balé e a escola, mas pra mim era importante. A minha mãe não costumava cuidar muito de mim, então eu não tinha ninguém com quem contar. Era eu contra o mundo, e todas as minhas escolhas já tinham o poder de melhorar ou estragar completamente a minha vida.


 Parei mais uma vez, agora encarando o mar à nossa frente, embora não estivesse realmente olhando para ele. O que eu via eram as imagens do pior dia da minha vida, voltando à minha mente. Tão nítidas e brilhantes quanto um filme em uma tela full HD. Se eu fechasse os olhos e me concentrasse, também poderia reviver a mesma sensação. O frio da chuva enquanto eu corria, o medo, a dor...


— Como você já pode imaginar, eu não estudei pra prova e realmente me dei mal. Tão mal que corria o risco de perder o ano, pois estava com problemas em outras duas matérias. Decidi que o melhor a fazer era tentar conversar com o professor. Contar o motivo de eu ter deixado de estudar e pedir desculpas. — Balancei a cabeça, sem acreditar que pude ter sido tão estúpida. — Naquela época, me pareceu uma boa ideia. Talvez ele entenda e me dê uma nota melhor, foi o que eu pensei.


— Ele estuprou você, não é? — Christopher perguntou, finalmente. Eu entendia que ele queria resumir aquilo tudo, tentando diminuir o sofrimento que aquelas lembranças me causavam, mas era tarde demais.


— Ele disse que, se eu ficasse depois da aula, me deixaria fazer outra prova — continuei, ignorando sua pergunta. — E eu aceitei, mas... não sabia de que tipo de prova ele estava falando. E preferia não ter descoberto. — Inspirei fundo, tentando controlar minha respiração, que começava a ficar mais acelerada, me dando a sensação de sufocamento, só com a lembrança daquele dia. — Depois que todos os alunos saíram da sala, eu fiquei na minha carteira, esperando ele me dar a prova. Alguns minutos depois, ele levantou e foi até o corredor, olhou para os lados, voltou e fechou a porta. Naquele momento eu senti que tinha alguma coisa errada, mas não consegui me mexer. Fiquei ali parada, olhando pra ele.


— Dul, não precisa me falar mais nada. Lembrar disso tudo é horrível — Christopher disse, quando eu parei de falar por alguns segundos, imersa em pensamentos.


— Ele veio até mim, dizendo que eu era inteligente e bonita. Fazendo questão de lembrar que aquela nota era importante pra que eu passasse de ano. Eu só pensava em como tinha sido burra por ter me colocado naquela situação. Quando ele me puxou pelo braço, me levantou da carteira e me apertou contra ele, eu desliguei. Foi como se tivesse transportado a minha mente para outro lugar, e quando voltei já estava correndo para casa.


 Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu franzi o cenho. Não iria chorar mais uma vez na frente dele. E não iria chorar mais uma vez por causa daquele monstro. Mantive o olhar grudado no horizonte enquanto mandava cada uma das lágrimas de volta para o lugar de onde nunca deveriam ter saído. Apertei os dedos no lençol no qual estávamos sentados o mais forte que consegui, sentindo todo o ódio guardado naquele dia voltar a se agitar.


— Ele aumentou a minha nota, como prometido. E a minha mãe conseguiu um bom emprego e me mudou de escola no ano seguinte. Eu nunca mais vi aquele professor, mas, só de pensar que ele pode ter feito aquilo com outras crianças porque eu não contei pra ninguém...


— Você estava assustada. Era só uma criança, não sabia o que fazer — ele disse, como se aquilo pudesse me reconfortar de alguma forma. Mas só serviu para fazer o contrário. Voltei a encará-lo, sentindo o ódio tomar conta de mim mais uma vez, como sempre acontecia quando eu me sentia vulnerável na frente de alguém. Como um mecanismo de proteção contra qualquer um que pudesse pensar que eu era fraca.


— O meu medo, a minha covardia me impediram de contar o que aconteceu, e ele sabia que isso iria acontecer. Ele tinha certeza que eu não contaria, tinha certeza da impunidade. Hoje eu sei que devia ter falado, devia ter pedido ajuda, devia ter denunciado, mas na época tive muita vergonha do que aconteceu. Eu me sentia culpada. Não é isso que dizem? Que a mulher sempre procura por isso quando usa uma roupa curta, ou se comporta de forma “sensual”? Eu aceitei ficar sozinha com ele naquela sala, o que acha que falariam de mim? Então eu me calei e aguentei as consequências sozinha. E sofri por isso. — Tentei controlar a raiva que estava sentindo naquele momento. — O medo me impediu de me conectar emocionalmente com as pessoas. Por causa do que aconteceu, eu me fechei dentro de mim e afastei todos que tentavam se aproximar. Não confio completamente nem mesmo em mim, e só de pensar em dormir com qualquer homem, eu... eu... — Não consegui terminar. 


 Não existia palavra no mundo que descrevesse o que eu sentia só de pensar em me aproximar realmente de alguém.


— Aquelas imagens voltam à minha cabeça sempre que algum cara tenta “levar o relacionamento para outro nível”, e eu entro em pânico. Era assim com Pedro. Nós nunca chegamos até o fim, e eu sempre arrumava uma desculpa pra cair fora antes que as coisas passassem do limite que eu estabeleci.


 Christopher continuou me encarando por mais alguns segundos, analisando meu rosto com atenção e decidindo o que fazer a seguir. Eu o entendia. Acho que nem eu mesma saberia o que dizer. Aliás, eu nunca soube. Mas decidi tentar ajudá-lo um pouco:


— Só não me diga que sente muito, porque não sente. Ninguém nunca vai sentir, porque ninguém entende o que eu passei naquele dia, a não ser que já tenha passado pela mesma situação. Você só precisa... mudar de assunto. Só isso.


— Certo — ele disse, desviando o olhar e assumindo sua postura animada mais uma vez, embora eu pudesse ver que estava se forçando a fazê-lo. — Agora eu acho que é a sua vez de fazer perguntas. Já havíamos passado por aquilo antes.


 Aquele joguinho de perguntas me irritava um pouco, já que Christopher não costumava responder à maioria das minhas. Só que, olhando nos olhos dele agora, ainda mais depois de eu ter contado algo tão pessoal, acho que ele teria a decência de me responder.


— Qual é a do cachecol vermelho?


— Você quer mesmo saber, né? — murmurou.


— Bom... quando eu tinha dez anos, minha avó, a mãe da minha mãe, ainda era viva. Ela tinha Alzheimer, e um bom passatempo para ela era tricotar cachecóis. Um para cada membro da família, e cada um de uma cor. Só que chegou um ponto, no último ano, em que ela não lembrava nem mesmo o que tinha feito na semana anterior. Foi aí que chegou a minha vez de ganhar um cachecol. — Sorriu um pouco, para si mesmo, achando engraçada a parte seguinte da história. — Cada vez que a gente ia visitar a minha avó, ela me dava um cachecol vermelho, sempre esquecendo que já tinha me dado um na semana anterior. Foram cinquenta cachecóis, e ela se chateava se não me visse usando o presente. Por isso eu fiquei conhecido na minha escola como o garoto do cachecol vermelho. Ganhei muitos outros, tanto porque queriam zoar com a minha cara quanto porque achavam que eu realmente gostava de usá-los. — Mordeu o lábio, segurando o riso. — E o engraçado é que hoje eu tenho uns trezentos cachecóis. Todos vermelhos. E, pra falar a verdade, eu nem gosto de vermelho.


 Não pude deixar de rir. Quer dizer... cinquenta cachecóis?! Em um ano? Todos de uma cor de que ele nem gostava? E ele ainda se dava o trabalho de usar todos eles, todos os dias, mesmo sabendo que a avó se esqueceria disso na semana seguinte? Engraçado.


— Mas e depois que ela morreu? Por que você continuou usando?


— Decidi que seria uma boa homenagem pra ela — respondeu, dando de ombros. — Ela passou tanto tempo da vida se dedicando a mim que eu não achei justo simplesmente deixar os cachecóis largados no armário. E os outros? Bom... virou um tipo de marca registrada minha, então não vejo problema algum em usar.


 Eu o encarei por alguns segundos, enquanto ele passava os dedos pela areia, ainda sorrindo para si mesmo. Eu nunca tinha visto uma atitude tão generosa. Quer dizer, apesar de ser uma coisa simples, ele fazia só para os outros, sem nenhum tipo de ganho próprio. O que me fez pensar: será que alguma vez na vida eu já fiz alguma coisa sem pensar no que iria ganhar em troca? Não. Nunca.


— Sua vez — falei, antes de começar a ficar constrangida demais com meu egoísmo.


— Em que você estava pensando quando dançou aquela música no ensaio? — ele quis saber, finalmente, depois de pensar por alguns segundos. — Você parecia ter se desligado do mundo. Como se estivesse pensando na única coisa que realmente importava pra você, e estivesse dançando por isso.


— Acho que vou passar essa — retruquei, baixando o olhar.


— Ah! É tão complicado assim?!


— Ok. Se você prometer não rir, eu falo. — Ele levantou as mãos ao lado da cabeça, como se se declarasse inocente. Curioso. Resisti ao impulso de revirar os olhos.


— Eu estava... eu estava pensando...


Pfffffffff. Não aguentei e comecei a gargalhar de puro nervosismo antes de conseguir terminar a frase. Não queria confessar que era nele que eu estava pensando. Ainda mais depois de ele ter dito aquilo sobre a forma como eu estava dançando. Não. Isso já era demais para mim.


— Tá bom. Eu respeito a sua privacidade — falou, num tom que deixava muito claro que mais tarde tentaria arrancar a resposta de mim.


— Agora me diga você — ataquei. — O que houve na sala da sua mãe antes de a gente se encontrar no auditório? No dia em que ela anunciou que eu faria parte da apresentação?


— Uh, essa é difícil — murmurou, se mexendo de forma desconfortável e tirando os óculos de sol, dobrando as hastes e colocando no lençol. O sorriso sumiu de seu rosto, e o que tomou lugar foi uma expressão de seriedade. — Mas eu vou responder. Se você prometer que não vai rir. — Me mantive imóvel, fuzilando-o com o olhar.


 Ele realmente achava que eu iria rir de algo que havia terminado numa briga entre ele e a mãe? Eu não era tão insuportável assim.


— Eu vi você dançando — começou, finalmente. — Tinha ido ao banheiro e errei o caminho de propósito pra ver você na aula. Acabei chegando na hora certa. — Eu o encarei, e minha boca foi abrindo. Mas o que...? — Esperei a minha mãe sair da sala, já que eu sabia que ela escolheria alguém pra fazer parte da apresentação, e disse que, se ela não escolhesse você, seria o pior erro da vida dela dentro daquela faculdade. Ela não gostou, e disse que eu só estava dizendo aquilo porque gostava de você. — Meu queixo caiu mais ainda. Ele... ele gostava de mim?! Daquele jeito?! — Eu não disse que era verdade. Só repeti as palavras dela. Não fique tão empolgada. — Bati em seu ombro com força, o que quase o fez tombar para trás, rindo da minha cara de surpresa. — Ei, espera! Eu não terminei! Eu falei que o que ela estava dizendo era uma besteira das grandes, e que ela precisava admitir que você era boa. Depois nós gritamos um com o outro sobre você e se você merecia ou não participar, e eu saí irritado. No fim, acabei ganhando a briga e aqui estamos. Satisfeita?


 Sorri, encarando-o com uma mistura de gratidão e algo que eu não sabia ao certo o que era. Ele desviou o olhar, parando no mar a sua frente. A mandíbula estava rígida, e as bochechas um pouco coradas, de um jeito fofinho. Os cachos grossos e definidos cor de ouro brilhavam sob a luz do sol que passava pela copa das árvores. Um dos raios iluminava seus olhos, deixando-os em um tom de azul mais claro e vivo que o normal. Os cílios pareciam brancos àquela luz. Meio hesitante, coloquei a mão sobre a dele, que estava servindo de apoio. Desviei o olhar quando vi a expressão de surpresa em seu rosto e levei a mão de volta ao meu colo, tentando me fazer de desentendida ou algo assim. Ele não podia simplesmente agir com naturalidade? Não! O idiota tinha que fazer aquela cara de surpreso.


— Não! Não! Tudo bem! — falou de repente, apressado e sem graça ao mesmo tempo. Suas bochechas agora pareciam tomates.


— Desculpa.


— Não! Desculpa eu! — comecei, tentando me explicar, me sentindo tão constrangida quanto ele. — É que tinha um bicho e eu estava tentando tirar. Eu não queria que... — Quando me dei conta de que não iria colar, decidi mudar rapidamente de assunto. — Olha, qual é o plano mesmo? Ficar aqui fazendo nada?


— Não, é... Vamos andar um pouco


 . E eu me levantei. Me levantei tão rápido que o mundo inteiro pareceu girar. Cambaleei para o lado, e Christopher me segurou, impedindo que eu caísse. Me afastei dele rapidamente, murmurando algo parecido com um “obrigada”. Ele fez um gesto com a cabeça, seguindo em direção ao mar. Eu o acompanhei, e nós caminhamos por alguns metros com os pés na água, indo e voltando naquele quilômetro quadrado. Não queríamos nos distanciar muito das mochilas.


 Depois, como se quisesse me deixar mais sem graça ainda, ele tirou a camiseta, dizendo que queria entrar no mar. Cretino. Olha! Olha só! Exibindo o corpo para mim e fingindo que não sabia como era... atraente. Entrou no mar antes que eu tivesse a chance de reclamar, e voltei para o lençol a fim de deixar a camiseta dele lá. Não iria ficar segurando. Aproveitei para pegar um sol também, tirando a camiseta e a atadura elástica. Se não podia entrar na água por causa do impacto das ondas, pelo menos pegaria uma corzinha, e não queria uma marca daquela no meu bronzeado. Fiquei alguns minutos deitada na areia, de olhos fechados, apenas curtindo o calor do sol, até sentir algumas gotas de água em meu rosto. Eram quentes e concentradas demais para serem de chuva. Suspirei antes de olhar o que ou quem era, mesmo já sabendo a resposta.


— Eu poderia matar aquele desgraçado — disse Christopher, e eu segui seu olhar, que estava grudado nas minhas costelas. Foi quando me lembrei da enorme mancha roxa que havia se formado no lugar onde elas haviam sido trincadas. Por reflexo, cobri o hematoma com as mãos. Perguntei, sentando na areia:


— Você não estava nadando?


— Cansei — respondeu, desviando o olhar de mim e sentando ao meu lado.


— É comum você cansar tão rápido das coisas?


 Ele se limitou a sorrir, murmurando algo sobre eu não precisar me preocupar, pois só ficaria ao meu lado em silêncio e me deixaria tomar sol em paz. Pegou o violão, tirando-o de dentro da capa, e começou a afiná-lo. Quando vi que realmente me deixaria fazer o que quisesse, voltei a me deitar, fechando os olhos. Eu sabia que aquela paz não duraria muito tempo e que, em poucos minutos, ele começaria a puxar assunto sobre alguma coisa, então tinha que aproveitar.



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Autor(a): GrazihUckermann

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 21



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  • candy1896 Postado em 01/09/2017 - 18:11:49

    CONTINUAA

  • candy1896 Postado em 23/08/2017 - 19:55:54

    Continuaa

  • candy1896 Postado em 22/08/2017 - 10:12:11

    CONTINUA

  • candy1896 Postado em 14/08/2017 - 18:55:10

    Continuaa

  • AnazinhaCandyS2 Postado em 03/08/2017 - 22:25:16

    Pelo menos ela disse obrigada depois dele ter ajudado ela! Continua!

    • GrazihUckermann Postado em 07/08/2017 - 18:52:42

      Um grande passo para ela kkkk

  • AnazinhaCandyS2 Postado em 02/08/2017 - 18:39:44

    Dulce ñ baixa essa guarda, Christopher tenta ser legal mas ela ñ coopera. Adorei quando ela viu a 'lata velha' kkkkkk. Continua!!

  • AnazinhaCandyS2 Postado em 01/08/2017 - 19:12:50

    Fernanda ta de olho no Christopher *0* Dulce elogiando o Pedro só pq ele é um playboyzinho mas la no fundo ela preferia ta comendo um cachorro quente com o vadalo, nossa viajei aqui kkkk. Continua!

  • AnazinhaCandyS2 Postado em 28/07/2017 - 19:45:51

    Huum Dulce pensando no delinquente pichador amo *-* Pedro ñ desiste né, espero que ele ñ faça nd errado! Continua!!

    • GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:14:28

      Tenho uma raiva muito grande por esse Pedro, queria muito que ele não fizesse nada de errado...

  • AnazinhaCandyS2 Postado em 26/07/2017 - 18:49:20

    Dulce tem que ser mais querida, ela ta muito insensível, acho que o Christopher vai fazer uma grande mudança na vida dela *-* Continua!!

    • GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:15:31

      Ele vai ter que ter muita calma e paciência para mudar a Dulce kkk

  • AnazinhaCandyS2 Postado em 24/07/2017 - 18:56:39

    Dulce ñ foi mesmo com a cara do Christopher, mas eu adoro esse jeito dele *-* Continua!!

    • GrazihUckermann Postado em 24/07/2017 - 19:01:52

      Christopher é um amor, já me apaixonei por ele s2 Como ele consegue ser tão calmo com uma Dulce dessa? kkkkk


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