Fanfic: O garoto do cachecol vermelho - Vondy | Tema: Vondy
Reencontro
Alguns dias depois, quando o despertador tocou, precisei de alguns minutos para me convencer a não jogá-lo pela janela. Foi difícil, mas consegui. Levantei cambaleando e fui direto para o banheiro, as mãos na frente dos olhos para protegêlos da luz. A cabeça latejava, o estômago revirava e o gosto metálico me obrigava a vomitar com urgência. Ressaca. Das piores. Tomei um banho demorado, enrolando para me arrumar. Primeiro dia de aula do segundo ano na faculdade. O dia em que eu teria que encarar os nerds esquisitos e imbecis e as garotas idiotas que ficavam tentando me imitar. O dia em que eu teria que lembrar a todo mundo quem mandava naquele lugar. No caso, eu.
—Dul, você já está vindo? — Fernanda perguntou, ao telefone. Parecia mais empolgada que o normal.
—Meu Deus! É a quarta vez que você pergunta, Fê! Relaxa! — respondi, enquanto tentava enfiar um suéter azul-celeste pela cabeça sem borrar a maquiagem. —O que você tem?
—Eu quero ver se os calouros são tão gatos quanto as meninas disseram — ela murmurou. Provavelmente estava perto dos pais.
Revirei os olhos. Minha melhor amiga tinha que ficar com todos os caras bonitos antes de qualquer outra. Não foi surpresa nenhuma quando ela terminou o namoro com Cadu uma semana antes do início das aulas: ela queria estar disponível para novas oportunidades. Fernanda não fazia ideia do que as pessoas a chamavam pelas costas. Nada que não fosse muito a cara dela: vadia. Quando me dei conta, faltavam vinte minutos para a primeira aula e eu ainda não tinha nem tomado o café. Peguei a bolsa em cima da escrivaninha e corri para a cozinha.
—Bom dia, Dul. O que você vai querer? — Vera, que estava na meia-idade e trabalhava com a gente desde que eu tinha uns cinco anos, estava a postos para me atender. — Quer que eu faça umas torradas?
— Não vou comer nada, Vera. Estou superatrasada — expliquei, já abrindo a porta que dava acesso à saída de serviço e seguindo para a entrada da garagem. — Eu como alguma coisa na faculdade.
—Nada disso, mocinha. Pode voltar aqui e pegar pelo menos uma fruta. — Aquele tom de repreensão já era meu velho conhecido. Ela sempre fingia que estava brava comigo.
Voltei a contragosto e peguei uma maçã na fruteira em cima do balcão da cozinha, sabendo que, se não fizesse isso, era bem capaz de ela me seguir até a sala de aula e me entregar uma lancheira cheia de comida saudável, como fez uma vez quando eu estava no jardim de infância e esqueci de levar meu lanche.
— Pronto. Satisfeita? — Dei uma mordida enquanto saía da cozinha.
Pude ver por cima do ombro o olhar triunfante de alguém que tinha vencido uma guerra. Ela era a única pessoa de classe mais baixa que eu respeitava no mundo inteiro. Havia me criado, ensinado tudo o que eu deveria aprender, e sempre teve paciência para aguentar meus chiliques. Vera era tudo o que minha mãe deveria ser. O carro da Regina estava bem na frente do meu. Olhei para o relógio. Tinha só mais quinze minutos. Chutei o pneu do carro, irritada, e peguei a chave no para-brisa.
—Que se dane. Eu vou com o seu carro, mamãezinha — ironizei, sentindo a raiva borbulhar nas veias.
Eu não gostava do carro dela. Era uma lata-velha preta do ano anterior. Não era nada comparado à minha Mercedes SLR McLaren preta, mas, àquela altura, não daria tempo de manobrar os carros. Sentei ao volante, com a irritação crescendo dentro de mim, arrumei os espelhos e ajustei o banco. Dei a partida e apertei o controle para abrir o portão. Com um pouco de sorte, eu conseguiria chegar em dez minutos. Era tempo suficiente para estacionar e correr para o prédio onde ficava a minha sala. O caminho até a faculdade era tranquilo, já que eu pegava o contrafluxo do trânsito. Felizmente, quase todos os faróis estavam abertos. Cheguei em exatos nove minutos. Não havia nenhuma vaga livre perto do prédio 2, que concentrava os cursos de artes em geral, então estacionei na vaga de deficientes. Não estava a fim de andar. Se algum deles chegasse, que desse um jeito.
Saí do carro correndo, cruzando com um monte de calouros aglomerados na frente da escadaria que levava ao segundo andar. No topo da escada estava um garoto, com um megafone na mão, dando instruções para os recém-chegados. Não prestei atenção nele de início e também não ouvi o que falava. Fui logo empurrando todo mundo para abrir passagem. Tinha só dois minutos antes de o professor entrar na sala e eu ficar para fora. Quando finalmente consegui chegar lá em cima, o garoto do megafone entrou na minha frente, e foi então que o reconheci. Era o mesmo cara que eu tinha visto na noite de Ano-Novo pintando o asfalto. O mesmo com o qual eu havia brigado.
O garoto do cachecol vermelho. Por sinal, ele estava usando o mesmo cachecol vermelho-vivo de lã, só que agora estava com uma camiseta preta, jeans azul-escuro e All Star preto.
— Sai da minha frente, garoto! — Eu o empurrei.
—Calminha aí, senhorita. Aonde pensa que vai? Os calouros têm que ir para o portão 3 e entrar no ônibus. O trote solidário começa daqui a pouco — ele explicou, voltando a bloquear minha passagem e me mandando o sorriso mais sexy que eu já tinha visto.
—Quem disse que eu sou caloura, seu babaca? Estou atrasada e, se não entrar na sala nos próximos dez segundos, vou perder a primeira aula. Então, sai da minha frente! — Empurrei o garoto mais uma vez e, antes de dar mais um passo em direção à sala de aula, vi o professor entrando e fechando a porta. Bufei, revirando os olhos e voltando a olhar para ele. —Não acredito nisso... Tá vendo o que você fez, seu retardado? Satisfeito?! Eu perdi a primeira aula por sua culpa! — esbravejei, dando um soco no ombro dele, que se encolheu de dor.
—Ai!! Tá louca? Se a senhorita tivesse saído mais cedo de casa, não teria chegado em cima da hora e estaria sentadinha na sua cadeira quando o professor chegou. Então, a culpa é sua, não minha. — Ele fez cara de deboche e abriu mais um sorriso, que me tirou o ar por um segundo. —Agora, já que você perdeu a aula, que tal fazer parte de uma coisa realmente importante? Estamos indo para a ABrELA. Vamos fazer um show de talentos com os calouros lá. Você vai gostar. Prometo que não vou colocar nenhum nariz de palhaço em você.
—Vai sonhando que vou a qualquer lugar que seja com você. Eu não saio com marginais. Muito menos para um lugar com um nome ridículo como esse... Abreu. Abréu. Abrele... — retruquei. Nem morta iria sair dali com aquele cara. — Enfim... eu tenho coisas mais importantes para fazer. Eu sabia que todos os calouros estavam nos encarando, e essa não era exatamente a primeira impressão que eu queria causar, mas aquele... vândalo estava me irritando. Nem deveria estar ali! De onde ele saiu? Dos portões do inferno?!
—É ABrELA — ele corrigiu, erguendo uma sobrancelha. — Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica. E, para sua informação, senhorita, o trabalho que desenvolvem lá é muito mais importante do que qualquer coisa que você tenha para fazer — ele explicou, se aproximando de mim e falando cada vez mais baixo. — Uma visitinha lá iria fazer muito bem para você. Quem sabe assim você se dá conta de que o mundo é muito maior do que o seu umbigo?
—Que tal a gente fazer um acordo? Assim que você aprender a ter educação, eu vou com você. Que tal?
Antes que ele pudesse responder, eu o empurrei e saí andando o mais rápido que pude. Queria ficar longe daquele idiota. Era quase como se fôssemos ímãs que se repelem. Exatamente como tinha acontecido da última vez, não tínhamos conseguido trocar duas frases sem bater boca. Eu nunca tinha cruzado com alguém que não fizesse o que eu queria no momento em que eu exigia. Minha mãe, eternamente culpada por suas ausências, sempre dava um jeito de providenciar o que eu mandava. Acredito que pais que trabalham muito sentem essa necessidade de bajular os filhos, dando o que eles querem para suprir a carência de afeto. Sempre que minha mãe deixava de ir a algum evento da escola, fosse uma apresentação de teatro ou uma comemoração do Dia das Mães, aparecia com um brinquedo. Com o tempo, aprendi a tirar proveito disso e passei a exigir essas compensações. A última vez foi quando me formei na turma de balé e ela não pôde ver a apresentação porque estava fora da cidade, trabalhando em uma campanha de cirurgias de correção de lábio leporino. As crianças carentes ganharam lábios novos, e eu ganhei um carro. Troca mais do que justa.
Agora aquele garoto queria me enfrentar, dizer o que eu deveria fazer. Hahaha. Ninguém manda em mim. Ninguém ousa determinar o que eu devo ou não fazer. Ninguém se atreve a falar na minha cara que as minhas coisas não são importantes.
—Idiota! — xinguei, baixinho, enquanto caminhava na direção da sala de aula, sabendo que ele ainda me acompanhava com o olhar. Bati à porta, rezando para o professor abrir uma exceção para mim pelo menos naquele dia. Por sorte, ele estava de bom humor e entendeu que a bagunça do hall de entrada me impediu de chegar a tempo. Mesmo assim eu precisei me humilhar um pouco para ele liberar minha passagem. Eu mal tinha me ajeitado na cadeira quando alguém interrompeu a aula. Grudei o olhar na carteira, examinando o livro sobre dança contemporânea que eu tinha trazido, sem me preocupar em verificar quem tinha entrado.
—Bom dia, professor Roberto — alguém o cumprimentou, na entrada da sala, parado em frente à porta. — Será que eu poderia, por favor, dar um recado para a sala? É sobre o trote solidário. — Trinquei os dentes. Aquela voz... De novo, não.
—Mas é claro! Pode entrar, Christopher — o professor consentiu.
Não acompanhei com o olhar o tal Christopher entrar na sala. Mantive a cabeça baixa, folheando o livro da forma mais despreocupada possível. Só que um tornado estava se formando dentro de mim.
—Bom dia, pessoal — o garoto começou a falar.
Eu quase podia senti-lo parado à minha frente, de pé, me encarando. Eu costumava sentar nas primeiras carteiras. Para conseguir logo a minha transferência para a Juilliard, eu precisava de notas altas, e sentar no fundo não me ajudaria nessa parte.
—Todos aqui sabem que a nossa faculdade leva os calouros para se apresentar na ABrELA todos os anos. A ideia é entreter aqueles que são assistidos pela associação — continuou. Sua voz parecia animada demais para o meu gosto. — Tem uma baita burocracia para levar algumas dezenas de alunos para lá, por isso nós sempre contamos com a ajuda tanto da diretoria quanto de vocês, alunos veteranos. — Só aí eu arrumei coragem para olhar para ele. Não me surpreendi nada ao ver que seus olhos azuis estavam colados em mim. — Este ano, uma aluna desta sala, Dulce Maria, decidiu contribuir com o nosso trote.
—O quê?! — murmurei, fuzilando-o com o olhar.
—Ela se ofereceu para ir com a gente e ajudar na organização do evento. Foi uma iniciativa que a gente não vê todo dia — anunciou, parecendo orgulhoso de si mesmo por estar mentindo tão bem. — Então, antes que ela saia da sala para nos acompanhar, eu gostaria de pedir uma salva de palmas para o seu gesto generoso e solidário.
Ele estendeu a mão na minha direção, enquanto a sala começava a bater palmas, fazendo muito barulho. Eu estava sendo desafiada a dar andamento à mentira dele. Se negasse tudo, a imagem queimada seria a minha, então tudo o que pude fazer antes de me levantar foi fuzilá-lo com o olhar mais furioso de todos os tempos, guardar tudo o que tinha tirado da bolsa e xingar o garoto mentalmente com todos os palavrões que existiam e mais alguns que eu consegui inventar ali na hora. Saí da sala sem nem olhar para a turma, que ainda batia palmas, e atravessei sem pedir licença o mar de calouros que me esperava. Tinha descido o primeiro degrau da escada, prestes a fugir dali o mais rápido possível, quando Christopher me alcançou, segurando meu braço e me impedindo de ir embora.
—Aonde pensa que vai, senhorita?
—Pra casa, já que você acabou de ferrar o meu primeiro dia de aula.
—Eu não ferrei o seu dia — ele disse, ficando no mesmo degrau que eu e soltando meu braço. Naquele momento ele pareceu ter o maior sorriso do mundo, como se estivesse extremamente satisfeito. — Eu salvei o seu dia.
Autor(a): GrazihUckermann
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 21
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candy1896 Postado em 01/09/2017 - 18:11:49
CONTINUAA
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candy1896 Postado em 23/08/2017 - 19:55:54
Continuaa
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candy1896 Postado em 22/08/2017 - 10:12:11
CONTINUA
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candy1896 Postado em 14/08/2017 - 18:55:10
Continuaa
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AnazinhaCandyS2 Postado em 03/08/2017 - 22:25:16
Pelo menos ela disse obrigada depois dele ter ajudado ela! Continua!
GrazihUckermann Postado em 07/08/2017 - 18:52:42
Um grande passo para ela kkkk
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AnazinhaCandyS2 Postado em 02/08/2017 - 18:39:44
Dulce ñ baixa essa guarda, Christopher tenta ser legal mas ela ñ coopera. Adorei quando ela viu a 'lata velha' kkkkkk. Continua!!
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AnazinhaCandyS2 Postado em 01/08/2017 - 19:12:50
Fernanda ta de olho no Christopher *0* Dulce elogiando o Pedro só pq ele é um playboyzinho mas la no fundo ela preferia ta comendo um cachorro quente com o vadalo, nossa viajei aqui kkkk. Continua!
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AnazinhaCandyS2 Postado em 28/07/2017 - 19:45:51
Huum Dulce pensando no delinquente pichador amo *-* Pedro ñ desiste né, espero que ele ñ faça nd errado! Continua!!
GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:14:28
Tenho uma raiva muito grande por esse Pedro, queria muito que ele não fizesse nada de errado...
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AnazinhaCandyS2 Postado em 26/07/2017 - 18:49:20
Dulce tem que ser mais querida, ela ta muito insensível, acho que o Christopher vai fazer uma grande mudança na vida dela *-* Continua!!
GrazihUckermann Postado em 01/08/2017 - 20:15:31
Ele vai ter que ter muita calma e paciência para mudar a Dulce kkk
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AnazinhaCandyS2 Postado em 24/07/2017 - 18:56:39
Dulce ñ foi mesmo com a cara do Christopher, mas eu adoro esse jeito dele *-* Continua!!
GrazihUckermann Postado em 24/07/2017 - 19:01:52
Christopher é um amor, já me apaixonei por ele s2 Como ele consegue ser tão calmo com uma Dulce dessa? kkkkk