Fanfic: A Dama da Ilha(adaptada) | Tema: Vondy

-Outra menina... – Lorde Glendenning continuou reclinado na poltrona, quase encostada na lareira. – Ora, que lástima!

Christopher pensou em segurar o conde pelo capuz do manto ridículo que ele usava e atirá-lo do outro lado da sala.

Contudo, a violência não era recomendável e confundia indivíduos grosseiros como Glendenning.

– Anahí por pouco não suportou o parto – Christopher se achou na obrigação de explicar. – Em caso extremo, seria uma decisão entre salvar a mãe ou a criança. Os dois sobreviveram por causa da competência da senhorita Saviñon.

Glendenning olhou de soslaio para Dulce, que estava parada ao lado do fogo, com as mãos cruzadas na altura do peito.

– Ela não está pensando que vou me casar com ela, não é? – o conde quis saber.

– Na verdade, é o que ela deseja – Dulce respondeu, com uma serenidade que causou inveja a Christopher. – Ela espera por milorde lá embaixo e quer mostrar-lhe a filha.

– Ah. – Glendenning se levantou e foi até o aparador onde estavam enfileirados um decantador com uísque e vários copos. – Filhas... Agora tenho quatro.

– Eu sei – Dulce concordou.

De costas para os dois, o conde deu um murro no aparador que fez tilintar os cristais. Os cães, espalhados pelo chão, levantaram a cabeça. Em seguida, ele se virou bruscamente e saiu da sala, com a capa esvoaçando dramaticamente.

Christopher esperou o ruído de passos sumir, antes de falar com Dulce.

– Como a senhorita conseguiu conviver com ele todos estes anos sem lhe abrir a cabeça com uma adaga? – ele perguntou em tom jocoso.

Dulce deu risada. Christopher disse a si mesmo que a ouvira rir uma vez e às suas custas. Escutar quase uma gargalhada de Dulce naquele lugar lúgubre era surpreendente.

Ou talvez ele estivesse se tornando um tolo como os demais habitantes daquele lugar esquecido por Deus.

Anahí, por exemplo. Christopher entendeu a razão da insistência dela em ir até o castelo para dar à luz. Ela se apegava à esperança de que, se tivesse um filho, o conde se casaria com ela.

O que provavelmente não aconteceria, segundo Dulce lhe dissera durante o percurso até o grande hall onde deram a notícia ao conde. Mas Anahí não desistia, e era a expectativa que a fazia suportar uma gravidez atrás da outra.

Por outro lado, Alfonso Herrera se dizia apaixonado por Dulce, mas levava a criada da taverna para a cama. Christopher nunca imaginou encontrar um homem tão hipócrita e repulsivo na face da terra. Uma espécie de pessoa que Christopher jamais desejaria ser.

– Oh, ele não é tão mau assim. – disse Dulce, surpreendendo-o com a afirmação.

– Não? – Christopher a fitou. A placenta manchara o suéter de Dulce, e sua testa estava suja de sangue, mas ela continuava atraente. Perturbadora. Provavelmente por causa das calças, ele cismou, e tratou de tirar da mente aqueles olhos lindos. – Senhorita Saviñon, creio que Glendenning está certo ao afirmar que sua mente está um tanto desequilibrada.

Dulce sorriu.

– Admito que ele dá a impressão de ser grosseiro e patife. Mas eu o conheço há muito tempo e posso garantir que, debaixo da postura afetada, existe um bom coração. Não é – o sorriso deu lugar a uma careta – como alguns homens ricos e de alta posição social que conheci.

Christopher arqueou as sobrancelhas.

– A senhorita conheceu muitos? – Ele não conseguiu ocultar a incredulidade, e Dulce lançou-lhe um olhar fulminante.

– Doutor Uckermann, estive em Londres – ela se expressou com frieza. – Não sou uma tola camponesa. Conheci homens que usavam seus títulos em benefício próprio e, se criticados, protegiam-se atrás desses mesmos títulos. Por exemplo, os membros do Royal College of Physicians. A maioria deles não estava interessada na ciência da medicina ou em sua aplicação, mas apenas em como poderiam projetar seu nome por meio dela. Se dependesse deles, deixariam morrer uma criança doente, se os pais não tivessem condições de pagar uma consulta. – Os olhos azuis cintilaram. – Metade deles acha que, por serem nobres, não precisam se preocupar em aprender a prática médica. Conseguir a licença é o bastante. Por serem Lorde Fulano ou Sicrano, não precisam de outra qualificação. É virtualmente impossível para um homem que não seja par do reino qualificar-se para uma licença, mas isso não significa que a maioria dos licenciados que exerce a medicina esteja apta para praticá-la. Não pelos meios legais.

Christopher arregalou os olhos. Era como ele pensava, principalmente em relação aos nobres que exerciam essa profissão. Por um momento, sentiu-se atingido. Mas logo entendeu que Dulce não o considerava membro da elite privilegiada de cuja ética – ou da falta dela– ela falara com tanto desprezo. E nem poderia. Ele não lhe contara que era, na verdade, Lorde Stillworth. E continuaria sendo apenas o doutor Uckermann.

– Lorde Glendenning – Dulce continuou em tom mais leve – não é assim, apesar de seus erros. Ele jamais prejudicaria alguém de propósito. À sua maneira, ele gosta de Anahí.

Christopher sacudiu a cabeça. Não esperava escutar Dulce defendendo Glendenning. Ela, por sua independência de pensamento, teria todos os motivos para desprezar o conde. Ele próprio conhecera muitas mulheres que nutriam ódio ao sexo masculino e que pareciam gravitar em torno de funções caritativas para onde Natália o arrastara em Londres. Tornara-se um aborrecimento ouvir tantas críticas ao seu gênero, mas tinha clareza de que havia muitos canalhas por aí afora e que eram absurdas as supostas leis que diziam que as mulheres eram incapazes de administrar suas próprias vidas.