Fanfic: A Dama da Ilha(adaptada) | Tema: Vondy

– Nada tão ameaçador quanto a cólera – Dulce explicou. – Impressionante, ele bebeu quase todo o conteúdo da garrafa com a solução de ópio antes de irmos embora. Terei que mandar outra à tarde.

– E quando um homem decide mudar de vida, ele geralmente gosta de recomeçar da maneira certa. – Christopher triturou o último pedaço de vidro com o pé, esfregou as mãos e, ao levantar o olhar, viu que Dulce o fitava intensamente.

– Você o ameaçou, não foi? – Ela fez a pergunta sem o acusar, apenas para ter certeza.

– Eu não faria tal coisa. – Christopher se indignou. – Como você ousa...

– Claro que sim – Dulce falou com uma imparcialidade que lhe lembrou a atitude de uma professora. – Ele tomou o elixir porque você o ameaçou. Qual foi o castigo que lhe prometeu? O homem está às portas da morte.

Christopher deu de ombros, e a dor o fez lembrar a quem devia o ferimento que ainda latejava quando tentava levantar o braço.

– Nem sei o que disse. – Era uma meia verdade. – Não importa. Seja o que for, funcionou.

– É verdade. – Dulce estava impressionada. – Eu só gostaria de saber, para referências futuras. Quer dizer, se eu tiver algum caso semelhante no futuro.

O que o fez recordar-se do que não fora dito entre eles.

– Dulce, sobre o que meus amigos, se é que se pode chamá-los de amigos, disseram enquanto eu estava...

– Veja... – Dulce o interrompeu. – Quem está lá?

Em outras circunstâncias, Christopher pensaria que Dulce estava fugindo do assunto. Mas ela fitava com grande interesse Dorcas Mackafee, que lavava, com expressão de nojo, panos sujos no regato.

– Dorcas. – Dulce se aproximou da menina. – O que está fazendo?

– As fraldas sujas do bebê – respondeu a garota de modo pouco claro.

Dulce observou Dorcas enfiar uma fralda na água várias vezes.

– Querida – Christopher teve um pensamento desagradável. – Esse é o mesmo regato de onde você tira água para beber e usar na cozinha?

A menina não entendeu a pergunta e estreitou os olhos por causa do sol, que aparecera.

– O quê?

– Dorcas, você toma água deste regato? – Dulce fez a pergunta de maneira mais fácil.

– Claro. – A menina voltou à lavagem.

Christopher conteve uma onda de náusea.

– Vamos embora, Dulce – ele decidiu e segurou no braço dela – Antes que eu vomite.

Dulce pôs a mão no peito dele, e Christopher, esperançoso, pensou que se tratasse de um gesto íntimo que havia dias não acontecia.

Mas Dulce continuou a olhar a garotinha que estava perto deles.

– Dorcas, sua mãe me disse que o bebê está doente – Dulce falava devagar – e com a mesma doença de seu pai, embora não tão grave. Você sabe há quanto tempo o bebê ficou assim? Sua mãe não se lembra. Você sabe se foi antes de o doutor Uckermann e eu termos vindo aqui da última vez?

Dorcas anuiu.

– Foi antes, e por isso papai bateu na mamãe. O bebê chorava muito e não o deixava dormir.

Dulce não respondeu. Pensativa, não tirava os olhos do regato marrom e fétido.

– Você não acha melhor voltarmos? – Christopher, ao seu lado, insistiu em que se fossem. – Temos outros pacientes...

– Os MacGregor tiram água para beber do ribeirão onde esse regato desemboca – disse Dulce mais para si mesma.

– Que horror – Christopher se arrepiou. – Na volta, teremos que avisá-los sobre as fraldas do bebê, que são lavadas...

Dulce enfiou a mão no bolso, tirou o diário de Christopher e achou a página onde fizera o mapa de Lyming.

– O ribeirão onde esse regato desemboca – ela repetiu e traçou, com o lápis, a posição aproximada do regato próximo à casa dos Mackafee – passa perto da casa dos MacGregor e uma das crianças está doente. No verão passado, dois morreram.

– Da família de Hamish? – Christopher franziu o cenho. – Eu não podia imaginar.

– Então – Dulce continuou a desenhar – o ribeirão corre pela propriedade dos Campbell. Quatro mortos no verão passado. Depois vai pelo sítio dos Abercromb...

– Onde uma das meninas está doente – Christopher lembrou. De repente, a excitação de Dulce, que a deixara trêmula, pareceu atingi-lo. Como que hipnotizado, ele observou o movimento do lápis.

– Depois ele vai parar num curso d’água subterrâneo. – Dulce desenhou um quadrado. – Acima dele há uma bomba... de onde os MacAdams tiram água. – Ela riscou uma linha saindo do quadrado. – A taverna usa a água do mesmo local. – Outra linha. – Na verdade, toda a aldeia de Lyming tira água dessa bomba. – O lápis deu um pulo e parou em uma linha ondulada à parte do desenho. – Exceto – Dulce arfava de excitação – a cabana do Riacho. Nós tiramos nossa água daquele riacho. A cólera nunca nos atingiu.

Christopher não teve tempo de ficar feliz com o “nós” antes que o lápis desse outro pulo.

– Nem os Marshall. – Dulce traçou uma linha do riacho até a igreja. – Não houve casos de cólera entre os Marshall, e eles tiram água do mesmo riacho.

Depois Dulce levou o lápis até o pé da página.

– O castelo de Glendenning – Dulce explicou. – Nenhum caso relatado de cólera. No castelo, eles usam água que também faz parte do riacho que passa pela cabana.

Christopher fitou o cruzamento confuso de linhas no desenho. Pensou que havia entendido.

Mas...

Era impossível.

– Aonde precisamente você quer chegar, Dulce?

– Você sabe, Christopher. – Ela apoiou o lápis no quadrado – de onde se irradiavam várias linhas – do centro da página com tanta força que a ponta se quebrou. – É a água! – ela declarou.