Fanfic: casamento de conveniência | Tema: Rebelde

Capítulo 34

Miguel tentou manter a calma diante do discurso de Mia. Tinha a sensação que ela disfarçava mais do que ele imaginava. Sabia que aquele momento podia causar um desastre se ele desviasse um pouquinho que fosse da rota cuidadosamente traçada.

Ignorou a sensação de desconfiança e a examinou. Com o passar dos dias, percebera que, a seus olhos, ela ficava cada vez mais bonita. Ela tinha os olhos lindos, o sorriso lindo, o coração lindo. Conversar com Mia abriam portas em Miguel que ele nem sabia que estavam fechadas, mas o resultado era um fluxo de emoções estranhas que o deixavam desconfortável, e sempre deixariam. Ela era uma mulher que precisava de um relacionamento estável. Droga, ela era uma mulher que merecia um relacionamento estável. E ele só podia dar-lhe sexo e amizade. Mas não amor.

Há muitos anos havia decidido assim. O custo era alto demais.

Assim, Miguel viu o frágil elo entre eles romper-se de novo com as emoções confusas e arrependimento de sobra.

Forçou-se a acenar e sorrir de leve.

– Não precisa se desculpar nem se justificar. Não vamos falar mais do assunto.

Ela também sorriu, mas os olhos continuaram alheios.

– Ótimo. Por que não volta pro quarto? Eu limpo tudo aqui.

– Eu ajudo.

– Não precisa. Prefiro arrumar sozinha.

Miguel dirigiu-se à escada e examinou o cão perdigueiro enroscado num canto. Era um animal feio, comprido, de pelos amarelos. Os olhos do cão ecoavam seu próprio passado – muita dor e solidão. A longa cauda estava coberta de pelagem suja, imóvel, como uma criança já grande em um orfanato rodeada por lindos bebês. Provavelmente fora capturado tentando roubar comida. Talvez nunca tivesse tido uma família, crianças com quem brincar, um lar para chamar de seu. O cão ficou quieto no pé da escada e o viu subir.

Miguel lembrou-se de um verão que encontrara um velho vira-lata na floresta. O cão estava faminto, com nós nos pelos e desespero nos olhos. Miguel arrastou-o para casa, entupiu-o de comida e de água. Por fim, devolveu-lhe a saúde e agora tinha um amigo.

Conseguiu mantê-lo escondido da mãe por algum tempo, já que a casa era muito grande e a governanta concordara em guardar seu segredo. Mas, um dia, chegara em casa da escola, saíra à procura do animal e percebera que o pai estava de volta a uma viagem à Europa. Soube de imediato que não encontraria o cachorro. Quando abordou o pai, Antônio Arango rira e o empurrara com força.

– Nessa casa não temos perdedores, moleque. Se o seu cachorro fosse de raça, como um pastor alemão, aí sim. Aquele vira-lata não valia nada e cagou na casa. Eu me livrei dele – dissera o pai.

Antônio então afastara-se, e Miguel guardara para sempre aquela lição. Nunca mais se apegaria. Pensara naquele cão todos os dias por anos, e por fim trancou-o num lugar onde o pensamento nunca mais o abalasse.

Até hoje.

Pela segunda vez naquela noite, Miguel hesitou, querendo arriscar-se, mas com medo demais das consequências. Seu coração retorcia-se de vontade, inquietude, confusão. Aí, virou as costas, para a esposa e o cachorro, e fechou a porta atrás de si.