Fanfic: casamento de conveniência | Tema: Rebelde

Capítulo 40

Mia ergueu a cabeça na hora.

– Como é que é?

Miguel fez um muxoxo.

– Ela me ligou. Queria me ver. Disse que está de mudança para os Estados Unidos. Eu não liguei, então acho que ela queria um beijo de despedida. Ficou nisso.

Mia estreitou os olhos. A atitude aparentemente casual de Miguel escondia detalhes mais profundos. Soube então que o jeito de descobrir tudo era fingir desinteresse.

– Ah, um beijo de despedida? Ora, não parece ter sido nada demais. – Diante dos seus olhos, Miguel quase desmoronou de alívio. Ela fingiu estar interessada no resto da salada para descontraí-lo. – Na boca ou no rosto?

– Na boca – respondeu Miguel. – Mas foi bem rápido.

– Certo... – Mia fez uma pausa. – Então não foi de língua.

Miguel agitou-se na cadeira, fazendo-a ranger. Filho da mãe, te peguei, pensou ela.

– Acho que não...

– Tem certeza?

– Foi um pouco de língua. Foi tão depressa. Não me lembro.

Mesmo quando eram crianças, Miguel nunca soube mentir. Sempre se metia em problemas, e Roberta escapava impune porque mentia muito bem. Miguel era praticamente um Pinóquio da vida real.

– Tudo bem. O que me importa é que você me contou a verdade. Onde foi isso?

– Perto do rio.

– Depois da sua reunião?

– É.

– Então ela ligou no seu celular.

– Eu disse a ela pra não vir, mas ela insistiu que era importante, então a esperei. Eu disse a ela que não queria mais nada com ela.

– Foi quando ela te beijou e você a afastou.

– Isso.

Mia fez uma pausa, e depois voltou ao assunto:

– Onde ela colocou as mãos?

O rosto de Miguel ficou muito confuso. Ele pareceu refletir, como se receasse que a pergunta fosse uma pegadinha.

– Como assim?

– As mãos dela. Onde ela colocou? No seu pescoço, na cintura, onde, Miguel?

– No meu pescoço.

– E as suas? Onde você colocou?

– Antes ou depois que a empurrei?

Bingo! Mia quase rangia os dentes de raiva.

– Antes, Miguel.

– Na cintura dela.

– Muito bem. Então aparentemente você precisou de um tempo para afastá-la. Foi um beijo de língua. E o corpo dela ficou colado ao seu por quanto tempo?

Miguel fixou os olhos no copo vazio de uísque, mas respondeu a pergunta de Mia.

– Pouco tempo.

– Um minuto? Um segundo?

– Dois minutos. Depois eu a empurrei.

– É, você já disse isso. – Mia se levantou e começou a juntar a louça suja. Ele hesitou, sem saber o que fazer, mas continuou sentado. O silêncio desconfortável instalou-se. Mia desfez a mesa em silêncio, deixando a tensão prevalecer. Quase ouviu um estalo quando ele não aguentou mais.

– Você não tem motivo para ficar chateada, Mia.

A loira juntou a louça suja na máquina de lavar louça, iniciou o programa e voltou-se para a geladeira. Com gestos precisos, tirou de lá o sorvete, calda de chocolate, chantilly e cerejas.

– Por que eu ficaria chateada? Não foi nada demais, mesmo que seja uma violação ao contrato.

– Você acabou de dizer que às vezes o contrato não pode ser seguido ao pé da letra – apontou Miguel. – O que está fazendo?

– Servindo a sobremesa. Me conta, o que a Luz Viviana disse quando você a afastou? – Mia continuou montando o sundae perfeito, deixando-o imerso em desconforto.

– Ela ficou chateada, se sentindo rejeitada.

– E por que você a afastou, Miguel?

Ele parecia muito sem graça.

– Porque nós temos um acordo. Mesmo sendo um casamento de aparência, concordamos que eu não ia te trair.

– Muito racional – ironizou a esposa. – Fico surpresa por você pensar tão racionalmente depois de um beijo. Comigo, é compreensível. Mas Luz Viviana parece despertar uma reação mais ardente.

Miguel ficou boquiaberto. Mia fez um arabesco com o chantilly e espalhou cerejas sobre o sundae, olhando admirada para sua criação.

– Você acha que eu reajo com mais ardor à Luz Viviana?!

Ela ergueu um ombro.

– Percebi no dia que a conheci que vocês tinham uma vida sexual muito excitante. Nós não temos o mesmo problema. Você só me beija quando tá com raiva ou entediado.

– Entediado?! – Miguel repetiu, perplexo. Passou as mãos pelo rosto, depois pelos cabelos, e deu uma risada amarga. – Mia, você não imagina o que eu senti quando a Luz me beijou.

Mia sentiu como se levasse uma punhalada de gelo no peito, precisa como o bisturi de um cirurgião. Mas não houve sangramento, só a calma resignação de que o homem com quem se casara sempre desejaria uma supermodelo e não ela.  Ele sempre teria a fraqueza de ter uma última prova antes que sua ética o dominasse. Legalmente, seria fiel. Mentalmente, a trairia.

Ela era uma nota de rodapé, e ele nunca a desejaria tão completamente quanto desejara a ex. Pelo menos não sexualmente.

A raiva a dominou, feroz e satisfatória, e ela olhou para seu sundae perfeito de chocolate. Miguel Arango Cervera adorava lógica e racionalismo e imaginara cuidadosamente a reação dela. Fora sincero, porque era um homem justo. O que a enfurecia era a incapacidade dele de vê-la como uma mulher que tinha todo o direito de ficar furiosa ao descobrir que o marido beijara a ex-amante. Ele esperava que ela fosse calma, civilizada, que perdoasse educadamente o deslize dele e seguisse em frente.

Bom, Miguel que fosse para o inferno!

Com um gesto gracioso, ela ergueu a vasilha cheia de sorvete e a virou na cabeça dele.