Fanfic: Por Prazer | Tema: Vondy
Capítulo 2 – Exército Mental
O movimento de Lorena ao seu lado na cama fez com que Christopher abrisse seus olhos, mirando a habitação na qual se encontrava.
Bastaram alguns segundos para que se localizasse e se lembrasse de que sua localização e sua nudez deviam-se ao fato de ter passado a noite com Lorena.
A mulher uma vez mais se remexeu, fazendo com que seus cabelos loiros jogados contra o travesseiro atraíssem a atenção de Christopher. Fechou seus olhos, levando as mãos aos cabelos, bocejando ao dar-se conta de que pouco havia dormido e de que certamente não se passava das oito da manhã.
Puxou o lençol abarrotado de seus pés, cobrindo a nudez de Lorena, sentando-se na cama ao constatar que deveria ter estado com ela em sua casa, não na dela.
Agora teria que esperar chegar à sua casa para banhar-se e então tomar seu longo e religioso café da manhã.
Seus planos não eram adormecer após ter estado com Lorena, mas o cansaço mental e físico combinado com excessivas doses de uísque, pela primeira vez, haviam minado sua férrea determinação após seus encontros com alguma mulher. Não havia dormido na noite anterior e tampouco havia apagado nesta madrugada. A bagunça com os horários pela longa viagem a Tóquio reclamava seu custo. Sentia-se inquieto e sonolento, seus braços lhe doíam e sua cabeça latejava de forma desconfortável e insistente.
Precisava ir para casa, para a sua cama.
Encarregar-se-ia de sair sem fazer barulho, não se esquecendo de pedir a um dos encarregados para levar o café da manhã para Lorena na cama.
Na segunda pela tarde pediria que sua secretária lhe enviasse alguma jóia e um buquê de rosas.
Lorena entenderia que havia terminado.
A verdade era que não deveria ter ficado ali naquela noite.
A atenção que aquela mulher havia recebido dele no coquetel dava vaza para pensamentos femininos típicos de uma mulher como Lorena.
Com uma sutil despedida Christopher encarregar-se-ia de que ela percebesse que havia sido bom, mas que havia terminado.
Levantou-se, caçando suas roupas na habitação de cores claras e femininas. Vestiu-se, lavou o rosto e escovou os dentes após achar uma escova de dente fechada em uma das inúmeras gavetas do banheiro. Não se preocupou com a gravata borboleta ou com o smoking. Pegou sua carteira, as chaves do carro e então deixou o quarto. Desceu as escadas notando que seu humor não era o de um homem que havia passado a madrugada tendo em seus braços Lorena Cortez.
Era linda, verdadeiramente uma boa companhia, mas lhe faltava algo tanto pessoalmente como na cama.
Dirigiu até sua casa ultrapassando todos os limites de velocidade, não se dando conta do quão belo ficava dentro daquele conversível de última geração, com a barba por fazer, os cabelos voando com o vento que lhe banhava a cara e os lábios bem formados.
Automaticamente os portões de sua casa se abriram. Estacionou também com velocidade, dando-se conta de que havia esquecido o celular no carro durante toda a noite pelo fato de este ter tocado exatamente na hora que fechava a porta. Pegou-o, certificando-se de que não era Lorena, franzindo o cenho diante da chamada de sua secretária particular.
Era domingo, não era?
Que diabos Rosely estava lhe chamando as oito da manhã de um domingo?
Atendeu ao celular fazendo uma careta ao escutar a péssima qualidade da ligação. Disse algumas poucas palavras que certamente não foram entendidas por sua secretária. Fechou o carro, acionando o alarme, entendendo algumas palavras entre os inúmeros zumbidos e chiados que tornavam a ligação quase incompreensível.
A voz aflita de Rosely falava sobre um acidente e o nome de Andrade dito em voz alta no final da ligação fez com que Christopher diminuísse o ritmo de seus passos, franzindo o cenho uma vez mais, subindo com lentidão as escadas que o tirava de sua garagem e o levava até o terraço.
Tirou o celular do ouvido, espantando-se com o elevado número de chamadas não atendidas. Passavam de vinte e cinco!
Rodrigo, a secretária de Andrade, a sua secretária, outros dois amigos e acionistas da Corporação que dirigia ao lado de Andrade haviam lhe ligado insistentemente desde as sete da manhã.
Tentou retornar a ligação para a sua secretária, mas esta não atendeu.
Discou o número de Andrade, entrando em sua casa, completamente desperto e preocupado com o que havia lhe dito Rosely.
Nada. Andrade também não atendia.
Um acidente com Andrade.
A garganta de Christopher se fechou e tentou retornar todas as ligações de seu celular não obtendo sucesso com nenhuma. Sentiu seu estômago revirar-se diante da possibilidade de algo realmente sério estar se passando longe de seu conhecimento. Que havia acontecido algo com Andrade era mais do que certo, mas o fato de não saber a gravidade do acidente lhe punha depois de muitos anos os nervos à prova.
O fato de que traía o homem que fora seu melhor amigo na faculdade de engenharia civil e seu único sócio na exaustiva e vitoriosa criação de um dos maiores complexos empresariais conhecidos no mundo, não fazia com que Christopher não nutrisse verdadeiros sentimentos por Andrade.
Seguramente nutria sentimentos pelo homem que havia lutado como ele, dando também litros preciosos de seu sangue para que se tornassem os homens e profissionais que hoje eram.
Haviam vencidos juntos, lutado juntos, enriquecidos juntos... Era certo que no último ano não havia lhe sido fiel, mas também era certo que seu caso com Dulce havia ultrapassado qualquer limite que algum dia colocara em sua vida, tanto pessoal, como profissional.
Havia sido incontrolável, arrebatador.
Nem mesmo sua amizade com Andrade fora capaz de deter o desejo que sentira por sua mulher desde a primeira vez que seu sócio havia cometido a burrada de apresentá-los.
Preocupava-se e em muitos momentos desejava verdadeiramente que Dulce tivesse sido qualquer mulher a não ser a de Andrade.
Que tivesse acontecido algo a seu sócio lhe punha verdadeiramente e ironicamente os cabelos em pé. Praguejou ao tentar ligar uma vez mais para a sua secretária e não obter sucesso. Tentou uma vez mais Rodrigo e o fracasso fez com que murmurasse um palavrão, deixando sua carteira e as chaves do carro em um canto qualquer da habitação tão masculina e moderna.
Abandonou o celular, questionando-se se devia ir até a casa de Andrade ou até mesmo ao escritório. No minuto seguinte tirava seu carro uma vez mais da garagem, ultrapassando novamente os limites de velocidade, chegando à mansão há pouco tempo abandonada em tempo recorde.
Havia ali vários carros e a forma como as coisas aconteciam informava a Christopher que o coquetel não havia se estendido durante toda a madrugada.
Seu sangue tornou-se frio, a expressão em seu rosto seriamente preocupada.
Havia acontecido alguma coisa com Andrade.
Ele tinha certeza que havia acontecido alguma coisa com Andrade.
Uma rápida olhada no estacionamento informou-o que o carro de Andrade não se encontrava na garagem. A porta principal da casa abriu-se e de lá saíram dois policias devidamente uniformizados, conversando em voz baixa enquanto faziam algumas anotações em seus bloquinhos, cumprimentando Christopher com um leve aceno de cabeça quando passou por eles.
Não havia um só sinal de que aquela casa havia recebido convidados há apenas algumas horas. O cheiro de Dulce e a organização bailavam pelos corredores. O silêncio foi interrompido quando Christopher ouviu um soluço vindo da sala principal. Desviou-se do caminho do terraço para encontrar uma sala iluminada, mortalmente silenciosa e habitada por alguns outros policias.
Três coisas atraíram de imediato a sua atenção.
Uma era que mais de dois familiares conhecidos de Andrade encontravam-se na habitação, incluindo seus pais e sua irmã mais nova.
A segunda era que Rodrigo e sua esposa também estavam ali, ao lado de alguém sentado na poltrona, oculto pela grande figura de dois policias.
E a terceira era que todos, sem nenhuma exceção, encontravam-se insuportavelmente pálidos, com os olhos avermelhados e com uma expressão clara de pranto e incredulidade.
Rodrigo foi o primeiro a vê-lo. Suspirou aliviado, cerrando o maxilar, deixando sua esposa sozinha ao dirigir-se para Christopher.
– Onde você estava? – Perguntou-lhe em um sussurro, atraindo a atenção e a surpresa de Christopher. – Estamos tentando falar com você há horas!
– Posso saber o que ocorre aqui? – Perguntou e não dissimulou seu tom de voz elevado e preocupado. – Tudo o que tenho é uma mensagem de Rosely dizendo-me que houve um acidente!
Os dois policiais se afastaram e para a surpresa de Christopher seus olhos visualizaram a figura de Andrade sobre a poltrona.
Franziu o cenho, respirando aliviado.
– Andrade! Que diabos? Pensei que tivesse lhe acontecido algo! – Abandonou sua conversação com Rodrigo, caminhando até Andrade, deixando de fazê-lo quando seu sócio levantou-se.
Seu rosto mortalmente pálido e seus olhos de um vermelho brilhante e devastador fizeram com que Christopher se sentisse enfurecido por ninguém lhe explicar o que acontecia ali.
Sentiu algo mudar à sua volta.
A atmosfera tornou-se realmente pesada, sufocante.
Um porta-retrato na mão de Andrade atraiu sua atenção por alguns segundos. Conhecia aquela moldura. Havia visualizado aquela condenada foto toda vez que estivera naquela habitação. Era a foto oficial de seu casamento com Dulce.
Dulce... Sua ausência tornou-se clara e questionável.
Voltou a mirar os olhos desesperados de Andrade, aflito com a forma como este o mirava, como se pedisse por socorro. Jamais havia visto semelhante expressão em sua vida. Era como se aquele homem estivesse sido condenado à infelicidade pelo resto de seus dias.
– Está morta. – Andrade lhe disse, arregalando os olhos, deixando cair o porta retrato de sua mão. Este se espatifou ao chão, confirmando o laço perdido. – Minha esposa está morta.
Os olhos de Christopher se fecharam por um único e breve segundo, tomando consciência de que Andrade referia-se a Dulce.
Engoliu a saliva, respirando fundo, aproximando-se mais do homem que um dia fora inquestionavelmente seu melhor amigo.
– O que está dizendo Andrade? – Perguntou uma vez mais e então os olhos de Andrade se fecharam. Seus cabelos louros caíram sobre sua testa quando seus joelhos cederam, deixando-o ajoelhado ao chão, miseravelmente inclinado para frente com a mão direita repousada sobre o coração, desejando verdadeiramente arrancá-lo. – O que houve com Dulce, Andrade? – O som elevado de sua voz voltou a ecoar no ambiente silencioso.
Controlou sua respiração, sentindo o latejar de sua cabeça aumentar.
– Bateu o carro. – Ele lhe disse, voltando a mirá-lo, fazendo com que Christopher deixasse de respirar ao ler a inesperada desgraça no fundo dos olhos de Andrade. – Recusou nosso motorista! – Soluçou fortemente, fazendo com que Christopher desse um passo para trás, abrindo bem seus olhos. – Hoje tinha que ir a um café da manhã beneficente... Bateu o carro, Christopher! Morreram os dois, os carros explodiram com tamanha violência que...
– Vamos Andrade, levante-se... – Rodrigo disse, ajudando Felipe a levantar Andrade, colocando-o novamente sentado na poltrona.
– O carro dela está na garagem... – Murmurou, voltando a respirar, caminhando até a parede de vidro para certificar-se de que realmente a Ferrari estava na garagem.
– Estava com o carro de Andrade. Estamos tentando falar com você desde...
– Impossível! – Murmurou, respirando com grande velocidade. – Dulce não é do tipo de mulher que morre em um acidente de trânsito! Pelo amor de Deus Andrade, tamanha besteira agride meus ouvidos, surpreende-me!
O silêncio que reinou na sala, interrompido somente pelos soluços de Andrade, fez com que Christopher perdesse a capacidade de dizer alguma coisa.
Estavam equivocados! Conhecia aquela mulher... Não. Ela jamais seria capaz de morrer assim! Seu final seria grandioso, elegante, típico da senhora Andrade Ventura.
– Rosely disse-me que o acidente era contigo!
– Disse Senhora Andrade. Christopher...
– Isto é um grande equivoco!
– É QUE NÃO COMPREENDE CHRISTOPHER? – Ergue-se, aproximando-se de Christopher, pegando-o com fúria pela gola da camisa. – ESTÁ MORTA. – sacudiu-o. – ESTÁ MORTA. – E então sussurrou entre os dentes, entre as lágrimas, de modo que somente Christopher pudesse escutar. - Já não estará aqui com meu filho, com seu perfume... – Soltou-o e então Christopher uma vez mais engoliu a saliva, controlando seus lábios trêmulos e a surpresa pelo que verdadeiramente acontecia. – Deus meu! Não posso viver sem ela. Você sabe... – Apontou para Christopher, perdendo a fala por alguns instantes. – Você sabe que não posso viver sem aquela mulher.
– Andrade...
– Amava-me. Carregava o meu filho. Deus Santo... Perdi os dois!
Christopher sentiu-se realmente enjoado. Procurou uma das cadeiras, sentindo sobre seus ombros o peso daquela atmosfera carregada e insuportável.
Fechou seus olhos, tendo a certeza absoluta de que o cheiro daquela impossível mulher aguçava-se a cada instante como se ela estivesse ali, fazendo questão de que nenhum daqueles dois homens um dia se esquecesse de seu perfume enlouquecedor.
Podia sentir a fina e fria capa de suor que cobria seu corpo dos pés a cabeça.
A sensação horrível de pesar, ânsia e algo muito mais profundo e doloroso invadira-o, deixando-o surpreso, arrebatado e temente de sensações que jamais em vida haviam lhe invadido com tamanha intensidade.
A atmosfera mórbida e silenciosa tragava-o sem chance de liberdade.
Sua cabeça latejou, suas mãos tremeram de forma violenta... Era como se algo estivesse prestes a explodir em seu interior. Voltou a abrir os olhos, percebendo que em algum momento daquela tortura havia perdido a capacidade de escutar. O pranto de Andrade certamente tornou-se mais violento e doloroso, pois sua irmã abraçava-o com todo o coração, tentando junto com outras duas pessoas acalmá-lo.
Morta. Ela estava morta e o filho que carregava dele também estava morto.
A certeza de que aquela criança era sua fez com que seus olhos uma vez mais se fechassem. Suas sobrancelhas se franziram e tão rápido como todas aquelas sensações chegaram, elas partiram. Partiram com uma explosão violenta e silenciosa que permitiu que tanto sua audição como seu férreo e antes inabalável controle voltasse ao seu corpo que agora ardia, sentindo as consequências de um interior em chamas.
Poucos segundos foram o suficiente para que recuperasse sua sanidade e então fizesse o que era esperado que o melhor amigo de Andrade fizesse.
– Eu cuido de tudo. – Disse, levantando-se, utilizando seu tom de voz mais controlado, apoiando-se sobre suas pernas que não tremiam mais.
Passou as mãos sobre seus cabelos, percebendo que seus olhos não haviam derrubado uma única lágrima. Respirou fundo, aliviado por aquele rompante de descontrole ter ido embora tão rápido como havia chegado.
Sentiu sua mente trabalhando ao seu favor, apagando com velocidade surpreendente de sua memória, cheiros, gestos e verdades que jamais voltariam a ser ditas em voz alta ou até mesmo em pensamentos. Em outros poucos segundos estava protegido, cercado por seu fiel escudo que sempre o manteria afastado de fraquezas que haviam levado os mais poderosos homens da humanidade à destruição.
Andrade mirou-o, levantando-se, pedindo uma vez mais por socorro.
– Suba. – Aproximou-se de Andrade, segurando seus ombros com firmeza. – Tome um banho e chore até que encontre forças para fazer o que precisa ser feito. – Sua voz firme e desprovida de emoção foi à única que conseguiu atrair a atenção de Andrade. – Agora, mais do que nunca, precisará ser o homem que sempre foi. Deverá buscar forças que não acha que algum dia possuiu.
– Estou destruído. – Christopher negou com a cabeça.
– Tal tolice me insulta, te insulta e insulta a sua mulher. – Andrade fechou seus olhos, baixando a cabeça como se a simples menção de Dulce fosse mais, muito mais do que pudesse suportar. – Eu sinto muito. – Disse-lhe com toda verdade. – Eu sinto muito que isto tenha te acontecido, Andrade.
– É surreal. Uma brincadeira de mau gosto. Sinto-me morrer, mas ao mesmo tempo espero que ela entre por aquela porta, sorrindo, tirando o chapéu com o qual saiu. – Levantou sua cabeça, com seus olhos desgraçadamente avermelhados pelo pranto e pela dor mirando diretamente os olhos de Christopher. – Ela estava linda nesta manhã. – Soluçou. – Estava linda. - Sorriu. - Disse que me amava e então saiu.
Christopher manteve seu olhar sobre Andrade, escutando-o, com as palavras não atingindo algo em seu interior fielmente protegido.
Rodrigo emocionou-se, apoiando Andrade com um firme aperto no ombro.
– Rodrigo, leve-o para o quarto de hóspedes. – Rodrigo assentiu. – Suzie, procure algo que ele possa tomar para se acalmar. – A irmã mais nova de Andrade também assentiu de imediato, recompondo-se, limpando suas lágrimas. - Eu levarei uma roupa para ele assim que terminar de resolver o que for preciso.
– Eu posso cuidar disto, Christopher. – Christopher assentiu para a mulher de Rodrigo, e como se estivesse em sua empresa, delegou tarefas, aliviado por Andrade nada questionar. Ao contrário, sua apatia informava que a dor havia lhe atingido mais a fundo, tirando sua vivaz capacidade de cuidar de si, mesmo nas piores situações.
Seu sócio e amigo permitiu que o tirassem daquela sala, levando-o para o quarto de hóspedes. Andrade tomou os comprimidos que Suzie havia lhe dado e sem nenhum único brilho em seu olhar aceitou quando Rodrigo pediu que se deitasse um pouco e tomasse um suco. Era mais como um robô. Algo completamente mecanizado agarrando-se a qualquer um que pudesse tirá-lo daquele universo horrível no qual a notícia da morte de sua amada esposa havia lhe colocado. O remédio apagou-o sem chance de luta ou protesto. Tanto seus pais como Suzie velaram seu sono, segurando-o pelas mãos, acariciando os cabelos tão pálidos como seu semblante verdadeiramente assustador. Rodrigo e Marina ajudaram-no com a roupa e os empregados, avisando e explicando o ocorrido a todos, fazendo ligações, entrando em contados com amigos e familiares próximos ou distantes.
Christopher trancou-se no escritório.
Recolheu os documentos de Dulce, desde seu passaporte até seu histórico odontológico, colocando cada folha e carteira em um grande envelope que logo foi entregue a um dos dois policiais que se dirigiu diretamente para o Instituto Médico Legal, para onde o corpo de Dulce e do outro motorista haviam sido levados após o acidente. Os documentos odontológicos eram mais importantes do que as fotos e os detalhes que Christopher havia passado aos polícias. A explosão fora devastadora. Christopher não precisava perguntar o porquê de ninguém ter sido chamado para o reconhecido do corpo. Certamente não havia o que reconhecer.
As chamas que lhe queimavam sem trazer-lhe nenhuma sensação, haviam também apagado as feições de uma mulher que nascera para apaixonar os que lhe rodeavam.
Contratou o serviço funerário. À distância escolheu coroas, arranjos e incontáveis dúzias de rosas vermelhas. Entrou em contato com um padre, marcando uma cerimônia simples para as dez horas da manhã do dia seguinte. Contratou o serviço de Buffet para a recepção dos familiares e amigos após o enterro. Informou e organizou os empregados para a longa noite e então para o longo dia que parecia extremamente distante de chegar.
Ajudou Rodrigo e Marina, avisando os familiares que faltavam, certificando-se na última hora da tarde que tudo seguia em ordem em sua empresa.
Pediu que sua secretária cuidasse de seu terno negro e, antes que a noite se aproximasse os polícias lhe trouxeram a confirmação da identificação do corpo. Antes das sete da noite o serviço funerário estava completamente organizado e a sua disposição. Pediram-lhe uma roupa para a senhora Andrade e uma fotografia que seria ampliada e colocada em um quadro. Christopher subiu as escadas, caminhando pelos extensos corredores, encontrando a porta ainda aberta do quarto de Dulce e Andrade.
Entrou sem hesitar, direcionando-se diretamente para uma grande porta que o levaria ao enorme closet de Dulce. Ascendeu a luz, mirando as araras abarrotadas de roupas separadas por estações, cores, período e ocasiões. Um longo armário expunha sapatos separados no mesmo esquema das roupas. À direta, seis enormes gavetas guardavam suas joias, lenços e perfumes.
Respirou fundo, com seus olhos mirando diretamente o brilhante colar de safiras que se encontrava sobre a adaptada cômoda de joias, perdido na organização clássica e elegante daquele extenso cômodo. Tocou-o com seus dedos, não percebendo a frieza das pedras verdes, pois suas mãos também se encontravam extremamente frias. Fechou seus olhos por alguns instantes, percebendo que em poucas horas a lembrança de sua última noite com aquela mulher também seria apagada pelo exército de sua mente. Tocou as roupas com as pontas dos dedos, passando pelos pequenos corredores entre as inúmeras araras, surpreendendo-se por encontrar no canto do closet um vestido jogado ao chão, perdido assim como as safiras naquela fria habitação.
Pegou-o, percebendo imediatamente que era o vestido negro que Dulce usara na última vez em que estivera com ele.
Ele estava jogado ali, da mesma forma que ela havia o jogado de seu jogo de prazer. O zíper rompido era resultado de sua inquietação ao retirar a delicada peça do corpo de Dulce.
Ainda podia se lembrar de que ela rira ao sentir a peça se romper, deliciando-o com mais uma expressão de prazer e desejo.
Levou o vestido contra seu rosto, cheirando-o, ajudando seu exército particular a reconhecer e exterminar aquele cheiro de suas lembranças. Apertou os olhos com força, sabendo e não sentindo que o incêndio, iniciado após a explosão em seu interior, tornava-se mais intenso.
– Suzie disse que você cuidou de tudo.
Christopher virou-se, abaixando o vestido, mirando Andrade que com um roupão e a mãos enfiadas no bolso do mesmo mirava-o parecendo mais desperto e consciente.
– Sim. Eu cuidei de tudo. Você não precisa estar aqui. Eu posso terminar essa última função. – Andrade negou com a cabeça, com seus olhos enchendo-se imediatamente de lágrimas.
– Eu faço isto. – Estendeu a mão, pedindo o vestido que Christopher segurava. Este foi para as suas mãos imediatamente. – Obrigada por tudo. Suzie deu-me algo para apagar. Não estive em condições de fazer coisa alguma.
– Não precisa agradecer. O que tinha que ser feito foi feito.
– O serviço funerário está lá em baixo?
– Sim... Querem a roupa e uma foto. O caixão será lacrado, Andrade.
– Sim, eu imaginava que seria. – Deixou escapar as lágrimas que segurava, limpando-as com debilidade, constatando sua fraqueza e sua dor. – Você não chorou.
Christopher virou-se, surpreso por aquela constatação.
Ergueu mais a cabeça, aproximando-se de Andrade.
– A ausência de lágrimas não significa que não lamento ou sofro.
– Suzie disse que está tratando disso da mesma forma que trataria algum negócio. Perguntou-me se você e Dulce se davam bem.
– Alguém aqui precisa manter o controle sobre a situação.
– Nenhuma demonstração de pesar... Então te encontro aqui, cheirando esse vestido como se ele pudesse dizer-te muito mais do que qualquer outro acontecimento deste dia infernal. – Christopher manteve o silêncio, esperando para ver até aonde Andrade queria chegar. – Era apaixonado por ela. – Disse-lhe e então Christopher negou com a cabeça.
– Não, eu não era apaixonado por ela.
– Você pensa que não... Armou-se durante anos para ser incapaz de se apaixonar por uma mulher e não percebeu quando se apaixonou pela minha.
– Não irei considerar o que você está falando. Estou ciente de que esta perda te deixou absurdamente desorientado.
– Não se engane e nem te prive de lágrimas Christopher.
– Deixar-te-ei sozinho para que possa escolher...
– Você já escolheu! – Ergueu sua voz e o vestido que segurava.
– Não. Este vestido não foi escolhido. Nada foi escolhido.
– Está apagando-a de sua memória não é mesmo? – Questionou-o, deixando Christopher silenciosamente atento. – Está fazendo como fez com todas as outras.
– Este assunto não nos levará a nada, Andrade.
– Ela estava apaixonada por você também. Sei que me amava, mas estava apaixonada por você.
– Dulce jamais amaria ou se apaixonaria por alguém que não fosse você. Idolatrava-o Andrade, amava-o e jamais escondeu isso de ninguém. – Andrade fechou seus olhos, permanecendo em silêncio, deixando Christopher gelado, estático como uma pedra.
– Eu sei sobre vocês. – Mirou Christopher nos olhos.
Aquelas quatro palavras foram certeiras.
Christopher não baixou seus olhos, disposto a ouvir qualquer coisa que Andrade lhe falasse se aquilo de alguma forma aliviasse a dor que aquele homem sentia.
– Eu sei, e saber não me faz odiá-la. Saber, não diminui a minha dor ou o meu imenso e absurdo amor. Saber, não altera o sentimento alucinado que tenho por aquela mulher. Eu sempre soube... Desde o momento no qual ela colocou os olhos sobre você. Desde o momento no qual você colocou os olhos sobre ela. Desejou-a. Que homem não desejaria minha Dulce?
– Andrade. Isso não é necessário...
– Você deve chorar. – Uma vez mais limpou suas lágrimas, segurando o vestido contra o seu coração. – Ela teria chorado por você.
– Sua mulher amava-o com todo o coração. Jamais existiu paixão entre nós. Dulce sempre foi apaixonada por você.
– Tinha uma alma livre. Assemelhava-se a uma borboleta. – Respirou fundo, segurando o tecido negro entre seus dedos com força.
– Eu te deixarei a sós...
– Sim. – Estendeu-lhe a mão. – Pegue o vestido. Leve-o com você. O mínimo que você pode fazer por ela é lembra-se de que ela fez parte da sua vida. Não a apague de sua memória. Seria um insulto.
– Eu nunca planejei o que aconteceu. – Murmurou contra sua vontade, mirando Andrade com grande intensidade. – Fique com o vestido. Eu não posso lutar contra o meu próprio exército mental.
– Não quero ver-te por algum tempo. – Christopher assentiu, sentindo-se esmurrado pela calma e pela dor na voz de Andrade. – Cuide dos negócios e mantenha-se fora do meu caminho até que eu seja capaz de respirar sem desejar morrer levando você comigo.
– Eu farei isso.
– Eu a amo. – Murmurou, fechando seus olhos. – Jamais amei ou vou amar alguém em minha vida como amei aquela mulher. Chame de doença, de obsessão ou do que você quiser. – Christopher aproximou-se da porta do closet, preparando-se para sair. – Ela sempre voltava para mim. – Continuou a murmurar, vencido pelas lágrimas. – Podia estar fascinada e apaixonada pelo mar de prazer que você lhe ofereceu. Mas era sempre na minha cama que acordava. Sempre dizia que me amava, sempre me acariciava e me olhava com extremo carinho e fascinação, agradecendo-me por tê-la escolhido entre todas as outras. Sim eu a escolhi, Christopher... – Fechou seus olhos com força. – E Deus Santo... Se eu pudesse, escolheria de novo. Se eu pudesse fazer alguma coisa para impedir o que aconteceu hoje... – Calou-se, respirando fundo, recompondo-se ao limpar suas lágrimas com mais firmeza. – Não quero que apareça no funeral.
– Eu não virei. É a sua despedida. – Disse com firmeza e algo em seu interior em chamas reviveu para que pudesse sentir a incrível e pesada necessidade de dizer alguma coisa ao que havia restado do homem que conhecera em seus anos de faculdade. - Espero que algum dia você possa me perdoar. Eu realmente sinto muito. Nada nunca foi planejado. As consequências não foram medidas... Espero que algum dia você seja capaz de me perdoar. – Andrade negou com a cabeça.
– Não há o que perdoar. Você já teve o seu castigo. Perdeu a única mulher pela qual se apaixonou sem nem mesmo saber que estava apaixonado. Em minha consciência esse é o maior castigo para um homem que sempre achou que amar era uma fraqueza.
Autor(a): itska
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Capítulo 3 – Real e Imaginário O andar de Christopher tornou-se mais pausado ao entrar no avião. A pressa que havia tido para percorrer os longos caminhos daquele aeroporto parecia ter desaparecido quando finalmente entrou na cabine. Encaminhou-se para a primeira classe, agradecendo brevemente a bonita aeromoça que lhe mostrou seu assento. ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 14
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sahprado_ Postado em 04/03/2018 - 23:54:22
Eitaa alguém chama o bombeiro kkk to com medo do que o Christopher pode fazer com essa informação do nome.
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sahprado_ Postado em 03/02/2018 - 00:05:47
Definitivamente Tóquio. E o Alfonso nesse rolo todo?
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sahprado_ Postado em 26/01/2018 - 13:09:14
Mano o que está acontecendo? To confusa hahaha socorro
itska Postado em 02/02/2018 - 20:31:08
Com os próximos capítulos você entenderá
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sahprado_ Postado em 19/01/2018 - 00:03:05
Eu não diria proteção de testemunhas agora mas me fugiu a palavra certa rs tipo fbi? Andrade tava sendo investigado? Tóquio, talvez?
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sahprado_ Postado em 18/01/2018 - 11:35:06
Eu tava achando que talvez elas não fossem uma só. Tipo, irmãs, sabe? Mas aí Any e Poncho fazem parte do esquema então eu já tô louca. Será que é algum tipo de programa de proteção de testemunhas, igual tem naquelas séries CSI e Law & Order? A cabeça tá a milhão, socorro! Kkkk
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sahprado_ Postado em 17/01/2018 - 17:36:31
Oie, leitora nova aqui! Eita, que confusão! Até agora não consegui decidir se Dulce e Helena são a mesma pessoa. Mas esse nome é bem profético.
itska Postado em 17/01/2018 - 22:28:31
Oi, seja bem-vinda! Logo saberemos...
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Luiza Keler Postado em 28/12/2017 - 19:13:22
Contínua *-*
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karla08 Postado em 22/10/2017 - 19:56:24
Owwwwwwwwwwwwwwwu que reviravolta, não para
itska Postado em 22/10/2017 - 20:18:40
Não para, mas vou deixar na curiosidade. kkkkk
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karla08 Postado em 18/10/2017 - 21:52:11
WHATTT Dulce morta? Se que acabar com a minha vida e ainda por cima o corno sabia de todos os chifres que levava AIAIAIAIAI
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karla08 Postado em 18/10/2017 - 00:08:14
Owwwwwwwwwwww eu quero mais, que misteriosos e enigmatísticos esses dois juntos
itska Postado em 18/10/2017 - 18:43:04
tem alguns mistérios