Fanfic: My biology ( Portinon e Savirroni) 1/2 temporada finalizada | Tema: Portinon e Savirroni
ANAHÍ POV
Quatro horas. Duzentos e quarenta minutos. Quatorze mil e quatrocentos segundos e alguns quebrados. Esse era o tempo que já tinha passado desde que Dulce correu para a sala de operações. Eu olhava para o relógio da parede de cinco em cinco segundos na esperança do tempo ter passado mais rápido, mas era inútil. Se tinha algo que eu odiava, era não ter o poder de fazer o tempo passar mais rápido.
Respirei fundo e afundei o rosto nas mãos, tampando um pouco da claridade mórbida das luzes daquela sala de espera. Consegui escutar ao fundo os passos de Claudia, que andava de um lado para o outro na sala, mordendo a ponta do dedão compulsivamente. Eu entendia seu nervosismo, mas não era capaz de levantar e acalmá-la, a partir do momento que me encontrava no mesmo estado. Roberto fazia algumas ligações, provavelmente para a família de Dulce, afim de avisar sobre o ocorrido. “Mas que merda de situação.”. Falei para mim mesma, deixando sair um pouco alto, fazendo Cláudia me olhar com apreensão.
- Está tudo bem?
- Você que precisa me dizer.
- Eu.. não sei. Acho que vou acabar comendo meus dedos se continuar sem notícias. Dulce me prometeu que algum enfermeiro viria nos dizer o que estava acontecendo, mas até agora, não veio ninguém. – puxei a adolescente pelo braço e a coloquei sentada ao meu lado. Cláudia me lembrava muito de Dulce quando comecei a dar aulas para ela no ensino médio. – Quero a minha mãe.
- Tenho certeza que sua irmã fará de tudo.
- É.. eu também, mas..
A voz de Cláudia foi interrompida pela barulho da porta. Um enfermeiro entrou na sala de espera e, automaticamente, todos levantamos. A cara dele não era das mais agradáveis, parecia que tinha comido algo estragado e seu estômago começara a dar os sinais de desconforto. Roberto se aproximou dele com um olhar amistoso, assim como nós e o homem coçou a nuca.
- Tivemos uma complicação.
- O que?! Minha mãe morreu?! Não, isso não..
- Ela não morreu, menina. Se acalma. – a impaciência dele era visível, não conseguia deixar de sentir pena do rapaz, provavelmente estagiário. Uma cirurgia de quatro horas não devia ser fácil de aguentar. – Foi uma complicação, ela não reagiu muito bem ao procedimento.
- Como assim?!
- Sofreu uma trombose no vaso coronário, mas a doutora Savinõn conseguiu reverter a situação. Foi incrível, nunca vi uma médica encontrar um problema com tanta rapidez e resolver na hora.
- Mas ela vai ficar bem?! Minha mãe vai sobreviver? – Cláudia a essa altura já estava agarrada nas mãos do estagiário, encarando o jovem com um olhar apreensivo, implorando por boas notícias.
- A cirurgia está no final. Só mais vinte minutos e a doutora Savinõn virá falar com vocês. Agora, se me permitem, preciso voltar à sala de operações.
O jovem se afastou do contato de Claudia e saiu da sala de espera, nos deixando completamente pasmos. Então estava tudo bem, Dulce conseguira salvar a mãe de uma complicação e resolver o problema. Não posso medir em palavras o meu orgulho, mas diria assim que a visse depois. Cláudia e Roberto choravam abraçados e me puxaram para me juntar a eles. Pela primeira vez naquela noite, respirei aliviada.
- Como você está?
- Exausta.
Dulce e eu conversávamos em sua sala, enquanto ela deixou a cabeça jogada para trás. Seu rosto pálido, bolsões roxos embaixo de seus olhos e o cabelo levemente desarrumado, indicavam seu estado físico e emocional. Apesar de todos esses detalhes, continuava achando-a maravilhosa. O jaleco com a manga desajeitada, estava torto em seu corpo, deixando a blusa pólo branca aparecendo. Dulce massageava as têmporas com movimentos circulares, provavelmente sentindo a pior das dores de cabeça.
- Você precisa relaxar. – levantei da minha cadeira e fui em direção à ela, iniciando uma massagem tranquila em suas costas. Dulce soltou um gemido de aprovação e eu sorri fraco. – O que eu posso fazer para você se sentir melhor?
- Quer mesmo saber?
- Se estou perguntando..
Ela levantou de sua cadeira e ficou parada de frente para mim. Seus olhos estudavam meu corpo, procurando alguma parte que não tivesse sido descoberta por ela. Sua mão foi de encontro à minha e ela, com uma estranha delicadeza, iniciou um carinho com a ponta dos dedos. Dulce abriu um sorriso amistoso e encarou meus olhos, fazendo um choque elétrico percorrer minha espinha de ponta a ponta.
- Me dá um abraço.
- É só isso?
- Por enquanto, sim.
- Vem aqui. – puxei Dulce para um abraço e ela se aninhou, inalando meu perfume. Era bom tê-la bem embaixo da minha asa, como se estivéssemos de volta aos tempo de colégio. – Você precisa ver sua mãe, não é?
- Sim.
- Como está o futuro Portilla?
- Futura.
- Dulce, qual o problema de ser menino? – cruzei os braços e ela revirou os olhos, selando nossos lábios com calma. Abracei sua cintura e Dulce passou a ponta da língua na minha boca semi aberta.
- Não vamos conversar sobre isso agora, pode ser?
- Tudo bem.
- Agora eu tenho que ver a minha mãe. Cláudia e Roberto foram almoçar, você deveria fazer o mesmo.
- Eles me chamaram, mas eu queria te ver antes. Precisava te confortar um pouco antes de você encarar dona Blanca naquela cama de hospital, apesar da operação ter sido um sucesso.
- Obrigada. – ela suspirou e voltou a apertar seus braços contra a minha cintura e afundou mais ainda o rosto na curva do meu pescoço. – Eu não sei o que faria sem você.
- Provavelmente seria amante da Perroni.
Dulce rapidamente levantou o olhar até o meu e franziu o cenho. Eu tinha tocado em um assunto bastante delicado sem nem ao menos perceber. Ela se afastou um pouco e cruzou os braços, me encarando com uma expressão que beirava o cansaço e a incredulidade. Não sei exatamente o que me levou a trazer aquilo de volta, mas pelo visto, pisei feio na bola. Me aproximei de Dulce e abracei seu corpo, sem receber afeto de volta.
- Por que falou uma coisa dessas?
- Me desculpa.
- Anahí, você precisa manter a sua língua na boca. Só não vamos iniciar uma discussão calorosa, porque estamos dentro do hospital e tenho que ver minha mãe. Não pense que isso não vai ser um tópico da nossa conversa em casa, porque já é o primeiro da lista.
- Tudo bem, você está certa. Eu.. eu vou almoçar. Nos vemos mais tarde?
- Claro. Agora vai, antes que eu perca minha paciência com você.
Dei um último beijo em Dulce, completamente sem emoção da parte dela e sai de sua sala. O hospital sempre era mais movimentado no início da tarde. Algumas crianças com fraturas depois de brincar, idosos com problemas para andar, pensar ou falar. Mulheres grávidas sendo atendidas às pressas, afim de evitar que o bebê nascesse no meio do hall. Era tudo muito intenso e não dava tempo para que você pensasse em mais nada, talvez fosse por isso que Dulce conseguiu se distrair tão bem no tempo em que eu estive fora.
Enquanto alcançava a porta de saída, senti meu celular vibrando no bolso da minha calça e atendi sem muita vontade. Não estava afim de conversar, ultimamente, somente notícias ruins eram dadas para mim. Seria muito irônico se recebesse mais uma dessas.
- Alô?
- Boa tarde, Portilla.
- Quem deseja?
- Como assim, quem deseja?! Por acaso já esqueceu do doce som da minha voz, sua lésbica?!
- Styles?! – um gritinho agudo cortou a ligação e me deixou parcialmente surda, me obrigando a mudar o celular de orelha.
- Como você está?! E a Dulce?! Estou com tanta saudade. O trabalho vai bem? E Dulce no hospital, tudo certo?! O tempo em Manhattan está bom?!
- Calma, criatura. São tantas perguntas que não consegui lembrar de todas. Pode repetir uma por uma?
- Como você está?
- Estou bem, apesar de toda confusão que tem acontecido na faculdade e dentro de casa. Tirando isso, tudo indo às mil maravilhas. – alcancei meu carro no estacionamento e me sentei no banco do motorista, observando meu reflexo pelo espelho retrovisor.
- E a Dulce?
- Está bem, apesar de ter uma noite difícil. Blanca foi submetida a uma operação de angioplastia e Dulce que a operou. Durou quatro horas e alguns minutos, mas ela está bem. Conseguiu fazer tudo sem problemas.
- Fico muito feliz que tudo esteja dando certo para vocês, apesar dos imprevistos que a vida nos dá. Queria contar uma coisa.
- Pode falar.
- Peter e eu casamos. – minha mente desligou por alguns segundos, estava processando aquela recente informação. Harry estava casado. Bom, já estava mais do que na hora, devo admitir. - Anahí?
- Desculpa, é que estou surpresa. Nossa, fico tão feliz por você, de verdade. Peter está radiante, assim suponho.
- Radiante é fichinha para ele, só falta sair por ai me colocando em uma cúpula de vidro. Me exibe como se eu fosse um animal ou peça preciosa de alguma coleção. Não estou reclamando, pelo contrário, isso é muito bom. Só que.. as vezes, é como se Peter só estivesse comigo para ocupar um vazio. Entende?
- Eu te entendo, mas não acha que já está um pouco tarde para começar a reparar nessas coisas? Afinal, casaram essa semana. Não deveriam curtir uma lua de mel? Quem sabe Paris ou Santorini.
- Eu sei, Anahí. O problema é que Peter é um workaholic, só pensa em trabalhar. Você me conhece, sabe que também amo o que faço, mas o tempo todo já é demais. Arrumei emprego em um hospital daqui e estou amando. Sou um oftalmologista bem procurado. Graças à propaganda barata de alguns amigos do meu pai.
- Isso é muito bom, já tem uma sala só sua?
- Tenho, um dia te mando as fotos. Você vai adorar.
- Olha, Harry, fiquei lisonjeada com a sua ligação, mas.. sei que não foi pra isso que está gastando dinheiro com uma chamada internacional. Vamos, diga o que quer saber.
- Sua grossa, eu simplesmente não poderia ficar com saudade?! – fiz um som nasal em negação e ele suspirou do outro lado da linha. – Está bem, eu confesso. Liguei porque quero saber da Dulce.
- Mas eu já..
- Não, Anahí. Quero saber da gravidez. Ela conseguiu?
A verdade era que todos sabiam, menos eu. Claro, já era de se esperar. Dulce não me contaria o que tinha feito, eu provavelmente teria uma reação um pouco diferente da que apresentei na casa de Maitê. Talvez por ter sido algo que não tinha mais volta. Passei algumas noites em claro pensando nisso tudo e, sinceramente, nunca chegava em lugar algum. A decisão tomada por Dulce atingiu não só a nós, mas todos à nossa volta. Ou até mesmo, um pouco mais longe.
- Deu tudo certo, Styles. Ela está grávida de duas semanas. – outro berro agudo. Meus ouvidos zuniam e senti minha cabeça latejar um pouco, não tinha necessidade de tanto escândalo. – Será que pode parar de gritar?!
- Me desculpe, Anahí. Estou tão feliz! Sabia que você iria ceder e aceitar a ideia. Minha empolgação mal vai me deixar dormir, preciso fazer compras.
- Vocês, gays, são como as mulheres?
- Como assim?!
- Qualquer emoção muito grande, correm para o shopping.
- É uma estúpida mesmo, não sei o que Dulce viu em você. Para início de conversa, não vou ao shopping comprar alguma coisa para mim. Meu afilhado ou afilhada, precisa ter tudo do bom e do melhor.
- Afilhado ou afilhada?!
- Você achou mesmo que eu não seria padrinho do primeiro filho da Sapavinõn?! Meu Deus, como você é ingênua. E respondendo sua outra pergunta, sim, os gays são como as mulheres nesse quesito.
- Já desconfiava.
- Idiota. Bom, vou desligar. Não sou milionário como você e Dulce para gastar centenas em ligações internacionais. Nos vemos daqui a nove meses.
- Nove meses?!
- Faça as contas, Portilla. Sei que seu forte é biologia, mas matemática é fundamental. Boa tarde, beijinho.
Harry desligou a chamada e eu fiquei mais alguns minutos imóvel dentro do carro. Eram tantas informações que sentia meu cérebro se comprimir dentro do crânio. A gravidez de Dulce ainda me deixava um pouco insegura, depois a cirurgia de Blanca e agora, o casamento de Styles. O que está faltando?! Espero que nada ruim. Girei a chave e escutei o ronco do motor do porsche dar sinal de vida, me relaxando. Se tinha uma coisa que me acalmava, era a velocidade e adrenalina. Dessas duas eu jamais abriria mão.
- Nadia Yanik? – ouvi a voz da professora Kungh chamar a ruivinha na primeira fileira. A menina estava com sua habitual cara de superioridade e, só mudou a expressão, quando seus olhos encontraram os meus. - Yanik?!
- Si.. sim?!
- Assine logo essa lista e volte para o seu lugar, não temos o dia todo.
As provas finais corriam à todo vapor e, graças à um problema no ar condicionado na minha sala e na de Kungh, meus alunos e os dela foram obrigados a fazer a prova no auditório. A ruivinha ainda me olhava de onde estava sentada e eu fingi não notar sua expressão quase assassina diante da minha indiferença com ela. Caminhei alguns passos para ficar de frente para o mar de alunos e encostei na mesa, cruzando os braços.
- Muito bem, finalmente o final do período. – iniciei meu discurso e todos viraram a atenção para mim. – Quero que saibam que não tolero provas com explicações medíocres, afinal, estão em uma faculdade. Lembrem-se, o tempo de colégio já passou. Daqui em diante, vão percorrer um caminho tortuoso até o último período e..
- Se você nos der aula nesse meio tempo, tenho certeza que não vamos chegar lá. – Nadia me interrompeu e algumas de suas amigas deram risadinhas abafadas. Joguei a cabeça para trás e um riso maléfico saiu da minha garganta, fazendo Kungh soltar barulhos com os dentes em reprovação.
- Com certeza. Terei o prazer de reprovar cada um de vocês, especialmente os que pensam que são melhores, quando na verdade, não passam de filhinhos de papai e patricinhas de nariz em pé. Sei que metade dessa turma, caso sejam aprovados, serão meus alunos no período que vem. Querem uma dica de como as coisas funcionam comigo? Basta olhar para o lado e ver que a minha turma já começou a fazer a prova desde que entreguei à eles. Não tolero atrasos e, a partir do segundo em que a prova está em suas mãos, o tempo já está correndo. E a julgar pela realidade, vocês, alunos da professora Kungh, já perderam dez minutos do seu tempo só prestando atenção em mim.
O rosto dos alunos ficou branco, enquanto corriam para começar a prova. Dei a volta na mesa e me sentei ao lado de Kungh, que deu seu famoso sorriso falso e plastificado, agradecendo pela distração e dando a ela chance para reprovar alguns alunos. Mas por incrível que pareça, a única aluna que ainda não tinha encostado na prova, era a ruiva. Sua expressão de ódio voltada para mim não me assustava, pelo contrário, só me divertia mais.
- Nadia parece não gostar de você. – Kungh sussurrou para que os alunos não escutassem, graças ao silêncio sepulcral no auditório. – Já viu a maneira que ela trinca os dentes quando você está perto?
- Alunos não me intimidam.
- É incrível, quer dizer.. você é a única professora que Nadia odeia, talvez por ser também a única que não deixa que ela faça o que bem entender. Confesso que algumas vezes deixei que Nadia passasse por cima de mim, mas graças à você, isso vem mudando.
- Então quer dizer que os professores finalmente entenderam o que é ser um educador graças à mim? Desde quando vocês permitem que alunos mandem e desmandem na aula?! Existe uma coisa chamada respeito, Kungh. Jamais permito que meros estudantes me façam de idiota.
Quatro dos meus alunos se aproximaram e com as mãos tremendo, entregaram as provas. Abri um sorriso sem dentes para eles, que acenaram com a cabeça e saíram correndo do auditório, olhando para trás o tempo todo, como se eu fosse pular da cadeira e avançar em suas pernas. Kungh soltou uma risadinha nasal e voltei minha atenção à ela, mas sem desviar o olhar dos meus alunos.
- Você os assusta, intimida. Isso é fantástico.
- Isso é o que todo professor deve fazer. Se você não se impõe, esses riquinhos mimados se acham no direito de fazer o que quiserem. Inclusive, distribuir cola na hora da prova.
- Como assim?
- Quarta cadeira, corredor cinco. Três dos seus alunos estão colando desde que a prova começou. Tome uma atitude, seja uma professora de verdade. – um sorriso tímido surgiu nos lábios de Kungh e ela respirou fundo, levantou da cadeira e dirigiu-se na direção dos alunos.
Enquanto ela retirava a prova deles e os expulsava do auditório, avisando que estavam automaticamente reprovados, senti um olhar pesado em cima de mim. Nadia tamborilava com a caneta em cima da sua prova, enquanto seus olhos me estudavam. A encarei de volta, sentindo que nem ela esperava por essa reação, mas nosso contato visual foi quebrado por mais sete dos meus alunos, entregando as provas. Kungh tornou a sentar do meu lado, dessa vez, prestando atenção nos alunos apavorados com sua atitude em relação à cola.
- É fascinante, eles estão tremendo. – sua voz baixinha e excitada arrancou uma risada abafada de mim, que neguei com a cabeça. – Obrigada.
- Só tente fazer isso mais vezes, de preferência, sem a ajuda de outra pessoa. – os últimos alunos entregaram as provas e eu levantei da mesa, sendo seguida pelo olhar da ruiva. Guardei os papéis na pasta e apertei levemente a mão de Kungh, saindo do auditório.
Já estava na penúltima prova a ser corrigida, o calor infernal na minha sala me permitiu abrir as janelas e ficar sem o jaleco. Maldita hora para esse ar condicionado pifar. Eu tinha consciência de que podia levar as provas para casa e corrigir todas com calma, mas não estava afim de trabalhar quando podia ficar mais um tempo com Dulce. Ultimamente ela tem passado bastante tempo no hospital por causa de Blanca, já havia passado duas semanas desde a operação e Dulce exigiu que sua mãe ficasse em Manhattan, não queria correr riscos. Cláudia e Roberto voltaram para Miami e sempre ligavam para saber como estavam as coisas. Finalmente uma maré tranquila depois de uma semana de ressaca.
- Já te falaram que as vezes você é irritante? – aquela voz arrastada puxou minha atenção para a porta da sala e encontrei Nadia escorada. – Afinal, não existe nenhum professor ou professora dentro dessa faculdade que seja como você.
- Bom saber, eu gosto de ser única.
- Sabe muito bem que a sua casa um dia vai cair, não é? – revirei os olhos ignorando a pergunta dela e voltei a prestar atenção nas últimas provas. Nadia se aproximou da minha mesa e sentou na mesma, cruzando as pernas. – Estou falando com você.
- Olha, Yanik..
- Já gravou meu sobrenome, que progresso.
- Seu sobrenome é ridiculamente curto e fácil de gravar. – ela desfez o sorrisinho debochado e cerrou os olhos. – Não sei se de onde você veio é normal sentar na mesa dos professores, mas aqui você não vai fazer isso. Desça agora.
- Por que se incomoda com tão pouco? Só estou sentada.
- Normalmente as pessoas sentam em cadeiras, não mesas. Por isso, se quiser continuar cacarejando no meu ouvido, saia da minha mesa e sente-se em um lugar apropriado.
Nadia revirou os olhos e desceu, indo até uma das bancadas e puxou um banco de metal. Arrastou o móvel até ficar de frente para mim e sentou, abrindo um pouco as pernas e apoiando o corpo para frente com a ajuda das mãos. Em um milésimo de segundo, meus olhos acompanharam suas curvas até alcançar seu decote excessivo, mas tratei de voltar a olhar para a prova.
- Perdeu alguma coisa nos meus peitos, professora?
- Ia te fazer a mesma pergunta.
- Mas..
- Acha mesmo que eu já não vi você me secando pelos corredores? O quanto seu olhar pousa nos meus peitos ou na minha bunda?! Acha que não reparei o quanto você suspira toda vez que passo por você? Vocês crianças são muito previsíveis. – o olhar de Nadia estava perdido e sua boca entreaberta. Ela não esperava por um golpe desses, não agora. Mexeu-se com incômodo em cima do banco e limpou a garganta. – O que foi? Ficou desconcertada?! Não se preocupe, isso é bastante comum.
- Você ser uma idiota completa?!
- Não.
Terminei de corrigir a última prova e guardei na pasta. Vesti o jaleco, sendo observada a todo tempo por Nadia, que ansiava por uma resposta mais elaborada. Levantei da cadeira e antes que eu pudesse chegar na porta, a mão da ruiva puxou o meu braço, virando minha atenção totalmente pra ela. Abri um sorriso maldoso e ela me jogou na parede, caminhando energeticamente na minha direção. Infelizmente, aqueles atos só me lembravam de uma pessoa. E só ela podia me deixar excitada a ponto de fazer uma loucura.
Nadia se aproximou de mim até que nossos corpos estivessem grudados, levou as mãos até meu cabelo e mordiscou meu lóbulo da orelha direita. Em um movimento rápido, inverti nossas posições, olhando fixamente em seus olhos. O peito dela subia e descia com velocidade e, mesmo sem poder sentir, sabia que a ruiva já estava molhada só pela troca de olhares.
- Vo.. você.. você não vai me contar o que é bastante comum?
- Acho que você acabou de responder a própria pergunta.
- E o que é?! – me aproximei do rosto dela até que sua respiração chocasse contra o meu. Vi que Nadia abriu levemente a boca, esperando por um beijo que obviamente, não veio.
- O que é bastante comum, Yanik, é ter alunas e alunos apaixonados por mim. Não perca seu tempo tentando me conquistar, porque vai ser impossível. Outra chegou antes de você e fez o trabalho direitinho.
Me afastei dela e a ruiva arregalou os olhos em surpresa. Peguei minha bolsa do chão, coloquei no ombro e abri a porta da sala, deixando-a sozinha. O corredor parecia estranhamente mais longo à medida que eu caminhava em direção ao elevador, mas quando o alcancei, soltei uma gargalhada que ecoou pelas paredes da Columbia. Se fossem alguns anos atrás, eu com certeza teria despido aquela ruiva metida e dado à ela um prazer que jamais sentiria igual. O problema é que nenhuma aluna, por pior que seja, jamais seria igual à minha ex aluna de laboratório.
Ficar em casa sozinha por algumas horas tinha seu lado bom. Dulce vivia reclamando de dores de cabeça ou vinha até mim para pedir alguma coisa. Desejo de grávida. Não é que eu achava isso de um todo, ruim, mas era meio estressante ter que sair de quinze em quinze minutos para achar as coisas mais bizarras que Dulce tinha vontade de comer.
O terraço me parecia mil vezes mais atrativo, tirando o fato de sentir um frio absurdo todas as vezes que abria a porta da saleta. Me sentei em uma das espreguiçadeiras e dei um gole no vinho, enquanto balançava o líquido dentro da taça. Pensava em tanta coisa e, ao mesmo tempo, nada. Já me encaminhava para meus quarenta anos e isso me assustava, não conseguia aceitar que o tempo estivesse passando tão rápido para mim. Enquanto observava a cidade ser tomada pela noite, escutei um barulho de porta e latidos de Apolo. Dulce estava em casa.
- Anahí?
- Estou no terraço.
Ouvi os passos de Dulce cada vez mais próximos, enquanto o choro de Apolo se intensificava. Tínhamos uma família perfeita, não sabia o que iria acontecer quando nosso filho ou filha nascesse. Era estranho e até engraçado pensar dessa maneira, porque eu jamais me imaginei sendo mãe.
- O que está fazendo aqui em cima sozinha? O Apolo estava perturbando demais?
- Não, só quis ver um pouco da cidade. – abracei Dulce e ela deu um beijo no meu pescoço, deixando a cabeça repousada no meu ombro. – Como foi o trabalho hoje? Sua mãe está bem?
- Um pouco irritante, de verdade. Alguns pacientes estão teimosos, não querem tomar os remédios. Eu não estou em condições de discutir com nenhum deles, deixei essa tarefa com os estagiários. Minha mãe está bem, a recuperação tem sido bem rápida. Posso respirar aliviada.
- Quando vai receber licença maternidade?
- Só um mês antes do parto, já comentei isso com você.
- Por mim, você tirava agora.
- Por você, eu nem trabalhava mais. – soltei uma gargalhada involuntária e dulce deu uma mordida no meu pescoço. – Está cheirosa.
- Você também, apesar de impregnada com o cheiro do hospital. – senti os braços de Dulce se apertarem ainda mais contra a minha cintura e levantei sua cabeça. – Dul, o que foi?
- Não sei, acho que estou com um pouco de medo.
- Medo? Mas não era você quem estava corajosa?
- Era, mas.. sei lá, deve ser momento.
- Eu te conheço, o que você viu no hospital hoje que te fez pensar desse jeito?
- Duas mulheres perderam os filhos hoje. Acho que eu jamais conseguiria superar se perdesse o nosso, entende? Talvez o medo de perder seja maior que a felicidade de trazê-lo ao mundo e..
- Dul... – segurei o rosto dela e limpei duas lágrimas que desciam por sua bochecha. Seus olhos repletos de olheiras indicavam noites mal dormidas e preocupações em excesso. – Não pensa desse jeito, tudo bem? Agora você vai descer, tomar um banho e depois, comemos alguma coisa.
- Posso escolher?
- O que quer?
- Comida tailandesa, abriu um restaurante novo perto do hospital.
- Tudo bem, enquanto você toma banho, eu faço os pedidos.
Dulce iniciou um beijo tranquilo e logo depois saiu do abraço, indo em direção às escadas. Vi sua cabeça desaparecer dentro da saleta, indicando que ela já estava no primeiro andar e voltei a deitar na espreguiçadeira. Por quanto tempo nós ficaríamos nessa agonia? Não podia ser tão ruim, é só uma criança, não um bicho de sete cabeças. Isso, não é tão aterrorizante.
- Anahí! – ouvi um berro ensurdecedor vindo do portão de desembarque e meus olhos encontraram a figura alegre de Harry. Ele vinha animado, pulando em cima de mim para um abraço caloroso.
- Como foi o voo?
- Um saco. Dois velhos ficaram metade do tempo discutindo sobre cachimbos.
- Cachimbos? – entortei o nariz em descrença e ele soltou uma risadinha.
- Está vendo? Se você fez essa cara só de saber do que se tratava a discussão, imagine como eu fiquei tendo que ouvir o desenrolar do assunto durante o voo? Pavoroso.
- Cachimbos à parte, como está o Peter? – perguntei a ele enquanto nos dirigíamos até o estacionamento. Harry pareceu um pouco exausto para falar no assunto, mas suspirou e colocou as mãos na cintura.
- Olha, Anahí, está complicado. Nunca pensei que um casamento pudesse ser tão monótono. Quase não transamos mais, Peter dedica vinte e três horas do seu tempo para o trabalho. Claro que ele não deixa faltar nada dentro de casa, eu também contribuo bastante, mas sinto falta daquele calor que crescia em mim todas as vezes que nos beijávamos. Sabe aquela falta de ar que dá quando vemos a pessoa que amamos? – assenti com a cabeça e abri o carro para entrarmos. Harry se ajeitou no banco do carona e voltou sua atenção para mim depois de colocar o cinto. – Eu não tenho mais essa falta de ar quando vejo o Peter. É como se ele fosse um grande amigo, até mesmo irmão. Não consigo olhar para ele e sentir as famosas borboletas, acho que morreram todas.
- Por que tem tanta certeza disso?
- Porque a gente sabe quando não ama mais uma pessoa e esses sintomas são os que te mostram. Sei que isso é muito ruim de dizer, que está cedo demais, mas.. eu acho que vou pedir o divórcio.
- O que?! Mas acabaram de casar.
- Eu sei, mas se confessar que casei por livre e espontânea pressão, você acredita em mim?
- Eu.. eu acho que sim.
- Pois então, foi isso.
Ficamos em silêncio por alguns minutos dentro do carro, até que tive a súbita ideia de ligar o motor e dirigir para longe do aeroporto. Era incrível o quanto as pessoas conseguiam deixar de amar, mesmo sem tentar impedir que isso acontecesse. Foi então que me perguntei: “E se Dulce ainda amava Maitê?”. Não era o mais nobre dos questionamentos e, se eu fosse perguntar isso a ela, iríamos brigar feio. Também não quis comentar com Harry, ele tampouco entenderia as minhas duvidas.
- Como a Dulce está? A barriga já aparece? Ela está com quantos meses?
- Aparece sim, ela está ótima e de três meses. Hoje vamos fazer o primeiro ultrassom. O primeiro de todos. – Harry soltou um de seus berros de entusiasmo e quase bati em uma muretinha, tamanho foi o meu susto. – Já pedi para você não fazer isso, ainda vai me deixar surda.
- Estou tão ansioso. Quero muito vê-la.
- Você vai ver, só não precisa gritar toda vez que algo te deixar tão animado.
- Olha aqui, Anahí, seja um pouco menos ranzinza, sim?! Estamos falando da sua noiva e do seu futuro herdeiro.
- Esposa.
- Espera um pouco.. – ele parou para pensar e me lançou um olhar cheio de dúvidas. Abri um sorriso de canto e recebi um tapa no braço. – Vocês casaram e não me chamaram?!
- Não teve cerimônia!
- E dai?! Era para eu ser o padrinho!
- Você já vai ser padrinho do nosso filho, qual é a diferença?!
- Se não teve cerimônia, como estão casadas?! Algum ritual lésbico secreto de união?!
- Casamos no papel, Harry. Sem festas, cerimônia, só nós e nossa lua de mel improvisada em casa.
- Quando foi isso?
- Ontem.
- Sua vagab/unda, nem me esperou voltar!
- Claro que não, se você estivesse aqui, não teríamos nossa lua de mel. Desculpa te dar a notícia tão em cima da hora, mas pelo menos, te convidamos para ver o ultrassom. É um avanço, certo?
- Não quero falar com você até chegarmos na clínica. Dulce já foi pra lá?
- Está lá com a irmã e com a mãe.
- Ótimo, vou reclamar bastante no ouvido dela por não ter me esperado para casar com você. Sinceramente, eu volto a repetir, o que ela viu em você?!
Soltei uma risadinha abafada e Harry revirou os olhos, prestando atenção na janela. Até certo ponto, ele estava com a razão. Afinal, o que Dulce tinha visto em mim? Sei que o sexo contribuiu bastante, mas fora isso, o que mais? Me conhecendo muito bem, sabia o quão detestável podia ser e ela me conheceu em uma época que meu humor estava mais ácido que o normal. Mas talvez eu era desse jeito com Dulce porque já a desejava, já amava, mesmo sem ela imaginar.
- Muito bem, mamãe. Vamos dar uma olhada nessa barriga.
Estávamos todos no consultório de Camila, médica de Dulce. Olhávamos cada movimento dela, enquanto passava aquela gelatina gosmenta na barriga de Dulce e ligava a tela para vermos o ultrassom. Minha mão estava enroscada com a de Dulce, que não parava de apertar meus dedos.
- Dul, se acalma.
- Mas e se tiver alguma coisa errada com ele ou ela?
- Não se preocupe, sei que é a criança mais saudável do mundo. – dei um sorriso amistoso e Dulce beijou minha mão, respirando fundo à medida que Camila passava o aparelho em sua barriga.
Pouco a pouco, imagens foram aparecendo na telinha e conseguimos ver a sombra do que parecia ser um bebê. Os olhos de Dulce automaticamente encheram d’água, assim como o de todos os presentes naquele pequeno consultório.
- Olha ai, não são lindos?
- Li.. lindos?! O que?! Como?! – minha voz saiu carregada de dúvida. Eu e Dulce nos entreolhamos da mesma maneira, sem entender o motivo do uso do plural.
- Não conseguem ver?
- Ver o que, Camila?! – Dulce estava mais nervosa do que antes e olhava para a tela à espera de respostas. A médica soltou uma gargalhada, seguida por Blanca, Harry e Cláudia.– O que tem tanta graça?
- Vocês duas se merecem mesmo, lerdas. Já que não conseguem entender o que eu falei, terei que ser bem clara. Dulce, você está grávida de gêmeos.
Não sei o que aconteceu dali em diante, depois da notícia que teríamos gêmeos, o consultório ficou escuro e tudo pareceu apagar. Eu tinha desmaiado, só não sabia explicar se foi o medo ou a emoção. Talvez um pouco dos dois. Se com uma criança eu já estava prestes a ter um colapso, imagine com duas.
A faculdade estava particularmente cheia. Os alunos se amontoavam em frente aos elevadores, doidos para ir até o café ou deixar suas mochilas nos armários. Um novo período tinha começado e as aulas corriam a todo vapor. Depois do festa que Dulce preparou para comemorar meus trinta e sete anos, sentia o corpo pesado por conta da ressaca. Vinho em excesso nunca era bom. Alguns alunos abriram espaço para que eu pegasse o elevador, apavorados demais com minha expressão fechada graças à dor de cabeça.
- Bom dia, professora Portilla. – Jéssica me cumprimentou assim que entrei na sala dos professores, quinze minutos antes do horário de aula começar. – Como você está?
- Uma ressaca pesada. Preferia ter ficado em casa.
- Já vi que seus alunos vão sofrer hoje, estou errada?
- Não, está certíssima, como sempre. Na verdade, é capaz de eu mandar todos me entregarem um relatório amanhã e dispensá-los, mas ver a cara de desespero deles a cada palavra que eu solto, é mais divertido.
Jéssica soltou uma risada maléfica junto comigo, chamando atenção dos outros professores que observavam seus documentos em total silêncio. Nós duas éramos as únicas que tinham menos de cinquenta anos naquele corpo docente, o que muitos reclamavam. Quer dizer, era muito mais fácil fazer os alunos prestarem atenção em duas professoras inteironas do que em velhas plastificadas, como a Kungh. Ela parecia satisfeita em finalmente conseguir um pouco de autoridade dentro da sala de aula, o que só durou até o meio do período.
- Tenho que ir, Anie. Minha turma já está me esperando.
- Espera, vou sair com você.
Caminhamos lado a lado até o corredor que levava para as nossas salas. Me despedi de Jéssica e abri a porta, fazendo alguns alunos que estavam sentados em cima da mesa, pularem de susto. Deixei minha bolsa em cima da mesa, vesti o jaleco e comecei a anotar algumas coisas no quadro. Não precisei falar para iniciarem, meu pequeno discurso durante as provas finais já tinha alertado grande parte dos alunos.
- Sistema nervoso?! – um rapaz gordinho deixou que sua voz saísse um pouco alta e se encolheu na cadeira quando virei minha atenção para ele.
- Sim, algum problema?
- É que.. nós.. é..
- Não sabem nada sobre sistema nervoso?! – a cara de alguns alunos estava pálida, menos a da ruivinha. Nadia me olhava com um sorriso triunfante, como se soubesse de tudo um pouco. – Não quero saber se já aprenderam ou não essa matéria, preparem-se, se virem. Abram a apostila de vocês no capítulo sobre sistema nervoso, dou dez minutos para que possam ver alguma coisa e farei perguntas valendo ponto.
- Mas..
- Acho que deixei bem claro como trabalho, não suporto alunos que estejam avançados e não têm a capacidade de explicar algo tão simples como o sistema nervoso. Dez minutos.
A turma inteira correu para pegar suas apostilas, enquanto eu busquei meu celular dentro da bolsa. Queria mandar uma mensagem para Dulce, saber como ela estava e se precisava de alguma coisa. Mesmo com Harry por perto, eu sentia necessidade de ter notícias dela, mesmo se fosse para ouvir o de sempre. “Anahi, ela está bem.”. Eu sabia disso, mas era bom prevenir.
- Com licença, professora Portilla – a voz de Nadia tirou minha atenção do celular e eu a olhei.
- O que foi, Yanik?
- Já passaram dez minutos, pode começar a fazer suas perguntas.
A turma inteira pareceu querer matá-la. Nem todos tinham sequer passado da primeira página e ela, portando aquele sorriso convencido, me lançava olhares desafiadores. Mas eu não daria à Nadia a chance de aparecer na frente da turma, não enquanto ela estivesse na minha sala e eu, ensinando Anatomia para eles. Levantei da cadeira com um sorriso maldoso e me apoiei na mesa, cruzando os braços.
- Muito bem, a colega de vocês tem razão. Já passaram os dez minutos. Guardem as apostilas. – o burburinho era crescente e conseguia ouvir alguns xingando a ruivinha graças à tentativa de aparecer diante dos meus olhos. – Muito bem, vamos começar.
- Já não era sem tempo.
- Enquanto eu falo, você fica quieta. Entendeu, Yanik?!
- Mas..
- Bom, turma.. – desviei o olhar da ruiva e ela trincou os dentes, provavelmente louca de vontade de voar no meu pescoço e me estrangular ali mesmo. – O sistema nervoso é o que monitora e coordena a atividade dos músculos; e a movimentação dos órgãos; e constrói e finaliza estímulos dos sentidos e inicia ações de um ser humano ou outro animal. Alguém pode me dizer quem são integrantes do sistema nervoso?
Nadia levantou a mão, com seu famoso sorriso convencido, mas eu a ignorei. O gordinho que me questionou no início da aula estava relutante entre levantar ou não a mão, então fiz as honras e pedi que ele falasse. A ruiva me lançou um olhar de ódio, o que fez muitos alunos darem risadinhas abafadas da cara de azulejo que ela fez.
- É.. eu.. eu acho que.. que são os neurônios e os nervos.
- Você não tem que achar, precisa ter certeza. Vamos, pense bem e concretize sua frase com um eu sei que são.
- Eu.. eu sei que são os neurônios e os nervos. – o gordinho me olhava com apreensão, esperando a minha confirmação de que aquela era a resposta e eu me limitei em abrir um sorriso amigável para ele.
- Muito bem.
O restante da aula correu sem muitas emoções, tirando Nadia que me olhava como se fosse me assassinar por ignorá-la todas as vezes em que eu fazia uma pergunta para a turma. Apesar de muitos não conseguirem responder, não dava chance para que a ruiva se vangloriasse. Dessa maneira, ao término da aula, somente ela ficou na sala. Como sempre. Enquanto eu corrigia e guardava os relatórios da turma, senti a aproximação dela, que espalmou a mesa com raiva.
- Pode me dizer o motivo de implicar tanto comigo?!
- Desculpa, mas quem lhe deu o direito de falar desse jeito comigo?
- Não pense que eu não percebi que você estava me ignorando. Eu sabia a resposta de todas aquelas perguntas, queria e merecia aqueles pontos.
- Sabia mesmo?
- Sabia!
- Que bom para você, então sei que vai se dar bem na prova.
- Não estou brincando, professora Portilla.
- Eu pareço estar de brincadeira com você, Yanik?! – olhei para seus olhos e eles estavam furiosos. Ela passava o olhar por todo o meu rosto, buscando uma ponta de brincadeira, que não tinha. – Agora se me der licença, vou embora.
- Isso não vai ficar assim.
- Faça melhor que isso, já cansei de ouvir essas coisas. – abri a porta da sala e senti as mãos de Nadia envolverem meu braço e me puxar com violência. Seu rosto levemente avermelhado estava quase colado ao meu, me fazendo rir.
- Você é a pior professora que eu já tive, Portilla. Eu te odeio, tenho certeza que ninguém deve suportar você e todo esse ar de superioridade que você carrega. Te desprezo.
- Cuidado, Yanik..
- Por que?!
- A última aluna que falou que me desprezava, hoje está casada comigo e grávida. Portanto, guarde a língua na boca antes de falar que despreza e odeia alguém, pode acabar revertendo a situação. Com licença, tenha uma boa tarde.
Me desvencilhei dos braços de Nadia e sai da sala com um enorme sorriso no rosto. Essa era a mais pura verdade, quanto mais elas me odiavam e desprezavam, tinha certeza do amor que crescia dentro delas por mim. E eu adorava isso, era divertido mexer com essas crianças. Apesar de Dulce ser treze anos mais nova que eu, jamais foi tão imatura de cabeça. E era por isso que eu a amava, mesmo sabendo que antes de tudo, ela me desprezava. Eu seria sempre a professora Portilla e ela, minha pior aluna de laboratório, Savinõn.
DULCE POV
Acordei encharcada de suor, já era o quarto ou quinto pesadelo que tive desde que tinha deitado para dormir naquela tarde. Minha barriga estava enorme, oito meses de gestação e já sentia meu corpo mais pesado que o normal. Levantei com um pouco de dificuldade e fui até o banheiro, precisava de uma ducha gelada.
Enquanto a água batia no meu corpo e na minha barriga, os pensamentos dos últimos pesadelos vieram à tona. Eram tão reias e assustadores. Anahí me traindo com uma aluna, me abandonando para ficar com ela, dizendo que Maitê lhe dera o conselho de fazer isso. O quão possível isso pode ser? Eu não tinha certeza de nada que acontecia naquela faculdade, mas duvidava muito que Anahí pudesse me trair, ainda mais depois de seguir algum conselho da Perroni. Apesar de ter me confessado que o motivo dela ter terminado alguns anos atrás, foi por ter dado ouvidos ao que Maitê tinha ido lhe dizer. Mas eu precisava abafar isso, ou acabaria louca.
- Dul? – ouvi a voz de Anahí no outro lado da porta e pedi que ela entrasse. Seu sorriso apareceu através do vidro e eu me permiti rir junto. – Está tudo bem? Precisa de alguma coisa?
- Anahí, entra aqui.
- Nossa, você é direta.
- Idiota, estou falando sério. Para de pensar bobagem.
- Que pena.
Observei Anahí se despindo e entrando no box junto comigo. Ela encarou meus olhos e em seguida, desceu até minha barriga, depositando um beijo carinhoso na mesma. Era incrível vê-la se esforçar tanto, várias noites peguei Anahí lendo livros sobre maternidade de primeira viagem, como lidar com tudo isso. Eu sabia o quanto ela se sentia pressionada, ainda mais depois de descobrirmos que seriam gêmeos. Lembro dela desmaiando no consultório de Camila logo após receber a notícia, na hora achei graça, mas depois percebi o risco que isso podia apresentar.
- Me abraça?
- Só se for por trás, temos dois Portilla’s no caminho.
- Por que complica as coisas? – ela sorriu meio sem jeito e caminhou para ficar nas minhas costas, me abraçando e permitindo que a água gelada molhasse nós duas.
- Está tudo bem? De verdade?
- Tenho tido vários pesadelos, acabo acordando um pouco perturbada. Talvez seja a quantidade de hormônio por causa da gravidez. Não sei.
- Fique tranquila, estou aqui com você. Como sempre estive.
- Sempre estará? – olhei por cima dos ombros e Anahí começou a dar beijos pelo meu ombro, até chegar na ponta da orelha.
- Sempre.
A neve castigava Manhattan naquele início de dezembro e a cidade parecia mais bonita que o comum. Enfeites de natal foram espalhados pelas ruas e algumas árvores do Central Park receberam luzes para enfeitá-las. Acho que nunca tive tantas pessoas dentro de casa como nesse dia em particular. Minha mãe, Roberto, Cláudia, os irmãos de Anahí com seus respectivos pares, Demi, Selena e Harry. Ele pediu o divórcio para Peter e voltou a morar em Manhattan, decidido a não casar tão cedo, muito menos me abandonar.
- Sapavinõn, venha aqui! – ouvi a voz de Styles me chamando da cozinha e andei com dificuldade até eles, a barriga parecia pesar mais ainda, agora que o grande dia se aproximava. – Olha ela, nossa grávida favorita. Como vão os meus afilhados?
- Pesados e inquietos.
- Isso eles puxaram de você, né, Dulce? Porque desde pequena você era inquieta, não parava em lugar nenhum. – Demi se aproximou e me deu um beijo na bochecha, levando uma taça de vinho para Selena.
- Quem me garante que a Anahí não era inquieta?! Quer dizer, o Chris.
- Isso é verdade, mas eu sempre fui muito tranquilo, não tem do que reclamar. – Chris se defendeu, recebendo um beijo de Satori.
Era tão estranho saber que meus filhos eram de Chris, mas ao mesmo tempo, me sentia aliviada. Teriam o sangue de Anahí correndo nas veias, nada poderia ser mais certo do que aquilo. Falando nela, faziam algumas horas que ela tinha saído para comprar mais vinho e não voltou. Se eu estava preocupada? Com certeza. Se eu ia ficar ligando para o celular dela de cinco em cinco minutos? Sem dúvidas. Alcancei meu aparelho e disquei o número de Anahí, depois de quatro toques, ela atendeu.
- Oi, Dul!
- Onde você está, Portilla?! Já faz mais de duas horas que você saiu!
- Vim no shopping.
- Shopping?! O que diabos você foi fazer no shopping, Anahí?!
- Comprar uma coisa. Já estou a caminho de casa.
Encerrei a ligação e joguei o celular no sofá, me sentando no mesmo. Apolo correu na minha direção e ficou do meu lado, implorando por carinho. Agarrei o filhote e o coloquei em cima da minha barriga, em que ele logo se deitou. Senti uma aproximação e virei a cabeça para olhar todos com cara de suspense. Demi sentou no meu lado, assim como Harry.
- O que foi, Sapavinõn?
- Anahí está no shopping. Eu mereço uma coisa dessas?! Todos vocês aqui em casa e ela fazendo compras.
- Vai ver era algo importante, não seja tão impulsiva.
- Harry, não consigo evitar. Anahí me irrita. – senti uma pontada feia na barriga e cerrei os olhos com um pouco de dor.
- O que foi, Dul? – Demi segurou minha mão e estava com um olhar preocupado. Todos já estavam a postos caso alguma coisa acontecesse.
- Senti uma pontada feia, acho que um dos dois está pedindo para eu sossegar.
- Até seus filhos estão pedindo para você calar a boca, desde já são crianças inteligentes. – revirei os olhos e todos soltaram uma risada calorosa. – Por que não quiseram saber o sexo dos bebês?
- Culpa da Anahí, ela proibiu a médica de nos contar se seriam meninas ou meninos. Não preciso nem dizer que fiquei pu..
- Dulce?! O que foi?!
- De.... Demétria... a.. acho que.. minha bolsa..
- Atenção, a bolsa dela estourou. Preparem tudo, alguém liga pra Anahí. Eu e Harry vamos levar a Dulce pro hospital. O resto fica aqui e espera a Anahí caso não consigam falar com ela.
- Claro que não, todos nós vamos! Tentamos contato com a Anahí no caminho.
- Mas pessoal, a Dul..
- Meu Deus, decidam logo! Eu vou acabar tendo meus filhos na sala desse apartamento! – meu berro assustou todos os presentes, que rapidamente trataram de me ajudar a chegar até o estacionamento.
Minha visão foi ficando cada vez mais turva, estava difícil de me locomover e tinha certeza que a neve dificultaria o nosso trajeto até o hospital. Enquanto Selena dirigia apressada, cortando o maior número de carros que conseguia, Demi e Harry me ajudavam a manter a calma. “Respira fundo, estamos aqui.”. Meu peito subia e descia com rapidez e eu só desejava chegar de uma vez ao hospital e ter meus filhos.
O tranco que o carro deu ao ser freado, fez meu corpo ir levemente para frente, arrancando um grito de dor abafado. Demi saiu correndo e chamou os enfermeiros, que trouxeram uma maca. Antes que eles pudessem me levar para dentro, consegui ver os outros carros chegando, menos o de Anahí. Eu a queria perto de mim naquele momento, precisava segurar a mão dela. Mas a imbecíl estava no shopping. Que bela hora para fazer compras, Portilla.
- Dulce? Fique consciente! – uma voz distante falava comigo, enquanto minha visão escurecia aos poucos. – Estou perdendo os sinais vitais dela. Dulce, fique comigo!
Escuro. Então é assim que vemos a morte? Um grande breu, preenchido por algumas lembranças de tudo que passamos até chegar no minuto final? Eu conseguia ver minha história com Anahí passar como um filme velho, rodeado de altos e baixos. Minha entrada para a faculdade, nosso término, o pedido de noivado, a viagem dela para a Grécia, minha gravidez. Eram tantos acontecimentos que eu mal sabia digerir. Então é assim que morremos? Toda nossa história se esvai no ar e você fica ali parada, esperando para ser levada embora? Sem nem ao menos se despedir? Sem conseguir ver o rosto dos meus filhos? Dali em diante, eu não podia fazer mais nada, ou podia? Alguma coisa dentro de mim ainda batia, não só um, mas dois corações. Não estavam no meu peito e sim, na minha barriga. Ambos lutavam para me manter ali, como se me obrigassem a me mexer para algum lugar que eu não sabia qual. Fechei os olhos com força e desejei voltar. Pedi para estar com meus filhos, com meus amigos, com minha família, com Anahí. Eu queria vê-la, aqueles olhos azuis me encarando como se eu fosse a melhor coisa da vida dela. Então eu abri meus olhos com muito esforço e dei de cara com ela. Era um sonho?
- Dul! – suas bilhas verdes estavam cheias d’água, metade do rosto protegido por uma máscara de proteção, mas eu sabia que ela estava sorrindo. – Ai meu Deus, Dul.
- Ana.. Anahí..
- Com licença, mas tenho duas pessoas que querem te conhecer. – uma voz grave falou cheia de entusiasmo e eu desviei o olhar de Anahí para tentar ver um pouco mais do cômodo.
Minha visão ainda estava um pouco embaçada e eu me sentia um pouco grogue. Pisquei os olhos algumas vezes antes de ver as duas bolinhas brancas que foram colocadas no meu colo. Foi impulso, mas comecei a chorar. Talvez pela sensação da experiência de quase morte, talvez por ver Anahí bem ali comigo ou simplesmente, por ter meus filhos no meu colo. Sãos e salvos. Saudáveis.
- Chronos e Atena, mamãe. Mamãe, esses são Chronos e Atena.
- Anahí..
- São lindos, como você. Não me assusta desse jeito nunca mais, entendeu?! Achei que tinha te perdido.
- Anie..
O barulho da máquina que media meus batimentos começou a ficar intenso, enfermeiras apareceram e retiraram Chronos e Atena do meu colo, afastando Anahí de perto de mim. Não conseguia escutar nada, só um som abafado dos gritos de Anahí, sendo expulsa daquela sala de parto. Então, mais uma vez, tudo ficou escuro e frio.
Não dói nada, sabia? Morrer. É completamente normal. Mais do que dormir. Apesar do frio que passava e fazia arrepiar os pelos do meu corpo, eu sentia uma calmaria que a muito tempo não presenciava. Era como se estivesse levitando, acima das nuvens. Meus pulmões enchiam e esvaziavam com um ar puro, diferente do ar poluído de Manhattan. Não sentia meu coração bater, mas sabia que ele estava ali, afinal, se não fosse por isso, eu estaria.. morta? É, acho que sim. Mas e se eu não quisesse?! E se viver fosse a minha escolha, ao invés de deixar todos para trás e viver nessa calmaria eterna? Não, essa definitivamente não era minha decisão. “Eu gosto de viver intensamente.”. Falava para mim mesma, enquanto caminhava no breu. “Minha vida é a melhor que eu poderia pedir, não estou preparada para ir embora. Anahí, Chronos e Atena precisam de mim.”. E continuava a repetir essas frases diversas vezes, com a esperança de alguma porta aparecer e me levar de volta. Mas ela não apareceu, apesar de todos os meus esforços, a maldita porta não apareceu.
Então eu ouvi uma voz. Não conseguia distinguir muito bem, estava tão baixa. Mas a medida que eu andava em direção à lugar nenhum, ela foi ficando mais alta, a ponto de perceber de que aquela era Anahí. Olhei em volta e só encontrava o breu. A sensação de calmaria passou para desespero, eu queria vê-la e não conseguia. “Dul, volta pra mim. Por favor.”. Sua voz era carregada de mágoa e eu já berrava a plenos pulmões que eu estava ali e conseguia escutá-la muito bem. “Por favor, eu não aguento mais. Não sei ficar sem você. Sei que cometi muitos erros, mas não desiste de mim. Estou aqui, prometi que ficaria para sempre do seu lado e vou ficar.”. Soltei um grito involuntário, perdendo quase todo o ar em meus pulmões, mas não adiantou muita coisa.
Ouvi mais uma vez os dois corações batendo. Eram tão fortes quanto da primeira vez. Me impulsionavam para trás, mas eu queria ir para frente. E se o caminho certo não fosse em frente e sim, para atrás? Eu precisava retroceder? Era isso? Então tomei direção para o caminho contrário que tinha feito, sentindo uma pontada no peito a cada passo. Choques. Eu tomava choques sem parar e gritei para que parassem. Fechei os olhos com força e, quando voltei a abri-los, encontrei uma equipe de médicos em cima de mim, suspirando aliviados.
- Sinais estabilizados. Pressão normalizada.
- Reflexos estão normais.
- Ótimo, chamem a esposa. - um homem idoso deu instruções para as duas enfermeiras e ele sentou em uma cadeira perto da cama que eu estava. – Mocinha, você nos deu um belo susto.
- O que.. o que aconteceu comigo?
- Depois do seu parto, você reagiu mal à anestesia. Teve uma parada cardíaca, mas conseguimos te trazer de volta, mas infelizmente, teve o mesmo problema minutos depois. Seus sinais voltaram ao normal, mas você ficou em coma.
- E.. quanto.. quanto tempo..
- Duas semanas.
- Tem duas semanas que estou nesse hospital?! – meus olhos se arregalaram em surpresa e o médico assentiu com um ar cansado. Antes que ele pudesse me responder, um baque na porta desviou nossa atenção.
Anahí estava com os olhos inchados, o cabelo desgrenhado e parecia que não via um chuveiro tinha um bom tempo. Seus olhos encheram d’água assim que sorri para ela e o médico, que antes falava comigo, pediu licença e saiu do quarto, nos deixando a sós. De início, Anahí hesitou em chegar perto, com medo de uma possível reação negativa. Estiquei a mão com dificuldade e ela armou um bico, fitando o chão como se estivesse envergonhada de sua situação.
- Você.. você.. nunca mais faça isso!
- Anahí..
- Eu quase.. você não faz ideia..
- Anahí...
- Não sei o que..
- Anahí! – minha voz saiu um pouco alterada e ela parou de falar, colocando as mãos nos bolsos e mordendo o lábio inferior, engolindo um pouco das lágrimas que rolavam pela bochecha dela. – Vem aqui.
Se aproximou com calma da minha cama e puxou a cadeira que antes era ocupada pelo médico. Colocou a cabeça no meu colo e eu iniciei um carinho em seus cabelos, percebendo que ela estava chorando de novo. “Meu Deus.”. Conseguia ouvir Anahí falar, entre um soluço e outro. Soltei uma risadinha abafada e ela levantou a cabeça me olhando com incredulidade.
- O que tem tanta graça, Dul?! Eu quase te perdi!
- Mas não perdeu, estou bem aqui.
- Eu sei, é que.. fiquei com medo de não te ver mais.
- Anahí, se acalma. Vai ficar tudo bem. O médico disse que já estou melhor. Agora, vem aqui e me dá um beijo. Estou morrendo de saudade de você e no céu não tinha Anahí Portilla, por isso voltei.
- Idiota! – ela abriu um bico e eu a puxei com calma pela camisa, selando nossos lábios e sentindo o gosto salgado das lágrimas dela. – Não brinca com isso. Eu te vi morrer na minha frente, seu coração parou! Tem noção de como eu fiquei?!
- Eu sei, amor. Agora se acalma, estou bem viva e preocupada com você e com nossos filhos. Falando neles, como estão?
Um brilho de alegria surgiu nos olhos de Anahí e ela parou de chorar. Suas mãos entrelaçaram as minhas e ela deu um beijo gostoso na minha bochecha, voltando a me encarar de uma maneira bem pateta. Suas bochechas, que antes estavam pálidas, receberam o primeiro vestígio de cor depois da minha pergunta. Ela parecia orgulhosa.
- Dul, os dois são lindos!
- Como?! Eu queria tanto vê-los.
- Quando você melhorar, as enfermeiras vão trazê-los aqui. Não vou te falar as características físicas deles, quero que se surpreenda. Mas quero que saiba que todos já estão babando nos dois e Harry não para de falar para toda Manhattan que tem os afilhados mais lindos do mundo.
- Típico dele. – soltei uma gargalhada amistosa e olhei para Anahí, que me observava com os olhos úmidos. – Para de chorar, Portilla.
- Vou fazer um esforço. – ela encostou sua testa na minha e iniciou um beijo calmo e cheio de saudade, que só ela sabia dar. Mas fomos interrompidas pela enfermeira e o médico.
- Desculpa atrapalhar, mas ela precisa tomar os remédios e repousar.
- Tudo bem, sem problemas. – Anahí abriu um sorriso enorme para eles e voltou a me encarar. Deu um último selinho em mim, um beijo na testa e sorriu. – Eu te amo e estarei lá fora se precisar de mim.
- Eu te amo, Anahi.
A casa de praia estava cheia de gente. Familiares meus e de Anahí, nossos amigos e alguns mais chegados. Crianças corriam para todos os lados, distraídas com os brinquedos e animadores, que puxavam uma brincadeira diferente a cada vinte minutos. Um ano tinha se passado desde minha experiência de quase morte e o nascimento de Chronos e Atena, que hoje completavam um ano. Seria irônico demais dizer que a decoração da festa era do desenho Hércules? Não?! Pois é, Anahí teve a súbita ideia de trazer a Grécia para mais perto dos nossos filhos. Era estranho ver aquela casa de praia com crianças, uma vez que ela foi o lar de tantas perversidades. E continuava sendo, mas isso era um segredinho meu e de Anahí.
- Sapavinõn, eu vou levar esse menino embora comigo. – Harry se aproximou de nós com Chronos no colo, que brincava com seu chapéu. – Ele é do jeito que eu gosto, cabelinho castanho claro e olhos azuis gritantes.
- Olha aqui, seu pedófilo, nem pense nisso. – peguei Chronos do colo de Harry e dei um beijo em sua bochecha gordinha, fazendo-o abrir um sorriso. – A Atena está com quem?
- Não tem problema, espero ele fazer dezessete anos. A última vez que vi, Demi estava com ela perto da piscina de bolinhas. Vou te contar uma coisa, aquela menina faz juz ao nome que recebeu. Que bebê inteligente!
Caminhei com Harry até encontrar Demi. Ela estava com Atena no meio de suas pernas e brincava com as bolinhas. Chronos fez manha e demonstrou vontade de se juntar à irmã, o que eu ajudei com muita vontade, deixando Demi com cara de poucos amigos por ter que cuidar dos dois ao mesmo tempo.
- Senõrita Dulce? – Consuelo se aproximou de nós e vi o rosto de Demi aliviar assim que viu a babá, uma senhora de cinquenta e três anos que sempre serviu a família de Anahí.
- Sim, Consuelo?
- Señorita Anahí estava te procurando, disse que era urgente.
- Onde ela está?
- No quarto. Señorita Demi, quer ajuda? – Demi praticamente suplicou com os olhos, e logo Harry e Consuelo estavam do lado dela brincando com Chronos e Atena, uma menina de cabelos negros e olhos azuis.
Deixei todos na sala e subi as escadas atrás de Anahí. Se o assunto era urgente, conseguia entender o motivo para que ela quisesse se esconder e discutir longe de todo mundo, apesar de que não tinha motivos para discussão. O corredor recebia raios de sol que batia nas fendas das janelas, me levando de volta aos dias em que fomos àquela casa de praia, só que em horários diferentes. Eu mais cedo com Maitê e ela, de madrugada.
- Anahí? – bati duas vezes na porta e abri, mas não a vi no cômodo. Quando fiz menção em sair dali, senti um braço me puxar para dentro e fechar a porta com violência.
- Olá, Savinõn. – meus olhos se arregalaram ao ver a luxúria que brotava nos olhos dela. Mordi o lábio inferior e abri um sorriso maldoso, mostrando para ela que eu estava na brincadeira.
- Professora Portilla.
- Está atrasada, sabe que não tolero atrasos.
- E o que vai fazer? Me punir?
- Com toda certeza. – ela avançou nos meus lábios, dando um beijo violento e sedento. Me jogou contra a cama e senti o peso do seu corpo em cima do meu. – Graças ao seu atraso, temos vinte minutos para resolver essa situação.
- É o suficiente.
Na hora do parabéns, recebemos olhares maliciosos de Demi e Harry, especialmente para o zíper da minha calça que ainda estava aberto e para o decote da camisa pólo de Anahí, completamente torto. Ambos caminharam até nós e pegamos Chronos e Atena, que lutavam para chegar perto do bolo. O que não demorou muito para acontecer, porque Anahí foi abaixar para pegar o Pégasus de pelúcia que Chronos deixou cair no chão e ele afundou a mão na parte de glacê, arrancando risadas de todos os presentes.
- Espertinho. – ela sussurrou para ele, que abriu um sorriso desdentado, enfiando a mão na boca para provar do doce, sendo impedido por Anahí. – Nem pensar.
- Quem diria, Anahí Portilla casada e com dois filhos. Se eu contasse, ninguém ia acreditar. – virei minha atenção para ver a quem pertencia aquela voz e encontrei uma Vero sorridente, acompanhada de Jéssica, Lana e Kendall. - É bom te ver também, Savinõn.
- Jéssica, Maitê, que bom que vieram! Venham, chegaram a tempo para o parabéns.
Consegui ver o olhar pesado da minha mãe em cima de Maitê, assim como o de Demi. Era normal que ambas não gostassem da presença dela, mas ao perceberem que Maitê não apresentava risco nenhum, conseguiram relaxar pelo resto da noite. Eu já não conseguia imaginá-la como algo mais que minha ex professora de biologia e agora, esposa da minha ex professora de anatomia. Ambas se tornaram boas amigas para mim, por incrível que pareça. Anahí tampouco parecia se importar mais, volta e meia combinava algumas coisas com Maitê, mas por conta do trabalho, não eram concretizadas. O Inferno estava em paz, como Jéssica gostava de falar.
- Não é incrível?
- O que?
- Isso tudo, o quanto conquistamos juntas. Não acha incrível?
Anahí e eu estávamos na varanda do nosso quarto, descansando os nervos depois de uma festa agitada horas atrás. Chronos e Atena demoraram para dormir, assim como todos os convidados demoraram para ir embora. Harry e Consuelo ficaram na casa, dando a desculpa de que precisaríamos deles na manhã seguinte e não estavam errados.
- Somos um casal cercado de sorte e azar. Já passamos por tantas coisas estranhas que nem consigo numerar. Talvez tenha sido para nos ajudar a crescer.
- Não tenho dúvidas. Agora, Dul, posso te dizer uma coisa?
- Claro.
- Obrigada por me mudar, por me tornar essa mulher que sou hoje e por me dar a família linda que temos. Sei que cometi tantos erros, talvez mais do que acertos, só que fiz e faço de tudo para me redimir. Me apaixonei por você muito antes de você sonhar em começar a namorar a Maitê, por isso passei a te perseguir mais ainda no colégio. Estava louca de ciúme, puta da vida que ela tinha algo que eu jurava pertencer a mim. Você não faz ideia das batalhas internas que tive quando via a Iglesias falando de você com tanto entusiasmo, quando na verdade, era eu quem deveria falar daquele jeito. Já te amava muito antes da Iglesias te amar. Já te desejava muito antes dela reparar em você. Eu já era sua antes da Iglesias se entregar. Eu sempre vim antes, só que não pude demonstrar. O bom é que agora eu posso dizer que sou a primeira com quem você casou, que teve filhos. Sou a primeira a colocar um anel de noivado na sua mão e também, uma chave de carro.
- Idiota. – dei um tapinha no braço dela e Anahí me puxou, deixando nossos rostos praticamente colados.
- Ainda quero ser a primeira em muitas coisas, só você permitir.
- Eu permito.
Anahí abriu um sorriso de orelha a orelha e selou nossos lábios, iniciando um beijo urgente. Suas mãos acariciavam a lateral do meu corpo, causando arrepios cada vez que a ponta de seus dedos entravam em contato com a minha pele. Minha respiração já estava um pouco ofegante e meu coração batia fora de rimo, consegui partir o beijo e segurei o rosto dela, que estava mais quente que o normal.
- O que foi?
- Posso pedir uma coisa?
- O que quiser.
- Me fo/de, professora.
Não precisei pedir duas vezes para Anahí me carregar para dentro do quarto, me jogar na cama e começar a arrancar peça por peça do meu corpo. A crescente excitação fazia minha intimidade molhar cada vez mais e os beijos de Anahí pelo meu pescoço não ajudavam. Enquanto suas mãos faziam o caminho até minha intimidade, mordi o lóbulo de sua orelha, mas minha atenção foi virada para o celular que começou a tocar. Reconheci a música que estava como toque, mas ignorei a ligação completamente. Agarrei os cabelos da nuca de Anahí e puxei seu rosto ainda mais para perto de mim, suspirando aqueles trechos que eram significativos para mim.
- “The way that we talk
(o jeito que falamos)
The way that we walk
(o jeito que andamos)
So easily caught
(tão fácil de ser pego)
You can’t mistake my Biology..”
(você não pode errar minha biologia)
- Você vai cumprir uma detenção, Savinõn. Não serei boazinha.
O sorriso malicioso que ela mostrou fez meu corpo receber choques elétricos. Assim como seus olhos percorriam minhas feições, causando espasmos por cada canto do corpo dela. Seria sempre assim, essa entrega, esse desejo.
Não importa quanto tempo irá durar, se temos filhos ou se passamos dos trinta anos. Anahí será sempre aquela professora insuportável e desprezível de laboratório e eu, aquela aluna que sempre a odiou e jamais aceitava as notas nos seus relatórios. É engraçado o quanto o destino pode pregar peças, um dia você a despreza, no outro, está disposta a encarar qualquer coisa por ela, até mesmo a morte.
E se eu tivesse a chance de escolher entre Maitê Perroni e Anahí Portilla, ou reviver tudo, teria feito cada passo de novo. Porque nossa história não seria a mesma se não tivéssemos passado por cima dos limites com Mai. Somos extremas e não me arrependo de ter feito o que fiz.
Agora, se me der licença, tenho uma detenção para cumprir.. falando nisso, tenho um conselho para dar. Não pensem que idade atrapalha alguma coisa, ou uma profissão. Sentimento não percebe essas coisas, não escolhe nada, nem mesmo o sexo. Se você sentir atração por alguém do mesmo sexo, não se sinta assustado. Pelo contrário, arrisque-se. As melhores coisas da vida estão nos lugares mais improváveis. Tente, garanto que não vai se arrepender. É melhor viver a vida intensamente do que passar seus dias lamentando por não ter feito. Sei que é arriscado, mas convenhamos.. às vezes, pode ser mais gostoso do que pensa.
Confie em mim.
Fim.....
E é isso, meninas chegamos a mais um fim, nesse ano novo.
Eu quero dizer que seja um ano de grandes coisas boas pra cada uma de vocês, que favoritaram, que apenas acompanha e as que comentam claro.
Bjs meus pedaços de algodão doce.
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Comentários da Fanfic 134
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AnBeah_portinon Postado em 23/03/2018 - 16:01:20
Perfeita! Isso descreve a fic. Eu já estava lendo no título de portisavirroni aí fiquei triste quando parou. Mas quando fui pesquisar denovo quase pulei de alegria com a continuação, e que continuação né?! Amei, principalmente porque sou do #TEAMPORTINON. Mas enfim foi tudo perfeito, mesmo com algumas brigas que só serviram para fortalecer e apimentar a relação delas. Bjs
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Furacao Maite Postado em 11/01/2018 - 00:51:49
aaaaah que fofinho! amei! Eu torciaa para savirroni no começo mas Jessyrroni é muito mais lindo kkkkkk Oooow, maei sua fic, primeiro pq teve muito jessyrroni e segundo porque vc escreve bastante!! ainda quero desenvolver esse dom seu! parabéns!!
Emily Fernandes Postado em 12/01/2018 - 20:57:17
Eu que amo suas fics. Adoro mesmo. Não importa se são capítulos grandes ou não. Mas acho que esse dom logo vc pega o jeito. E muito obrigada mesmo por gostar. E JESSIRRONI foi mesmo fofinho.
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MaryCR Postado em 30/12/2017 - 16:59:30
Não taça comentando pq tava com preguiça. Mas agora eu tô aqui. Mulher não tem como não ficar indecisa.Primeiro: vc gosta de me deixar na curiosidade hein. Me fez acreditar que quando minha mãe dizia ALEGRIA DE POBRE DURA POCO era verdade e depois que elas se acertaram eu pensei que ela me fez de trouxa. Segundo: como vc me faz acreditar que estava tudo ótimo e BUUM começa um capítulo com uma briga daquelas!? Era só avisar que me queria morta seria menos trágico. Terceiro:Anahí adora uma janela hein. Quando Dulce menos espera ela brota lá no quarto gente que isso!? Quarto: vô para de enumerar pq tá chato (rimei). Adorei portinon maternal,não pq a criança dos outros sempre desperta vontade de ter filhos na gente,apesar de achar q eu não teria muita paciência e por último e mais importante: COMO TU PARA NUMA PARTE DESSAS? Concluindo eu não sei se estou mais revoltada,feliz,confusa,raivosa,curiosa ou ansiosa. E olha que eu nem sou de libra ein. Povo mais indeciso não existe.
Emily Fernandes Postado em 31/12/2017 - 14:37:30
entendo, as vezes tbm fico assim, que nem da vontade de acordar. Eu nunca faço isso, mas realmente os capítulos estão terminando em momentos cruciais, fazer o que. Mães sempre tem razão, confie. A relação delas é uma montagem russa, porém acho que as brigas Jajá terão fim. Cara Anahí, é uma pessoa que realmente não curte portas, só espero que isso não ocorra com frequência, pq se não Dulce não vai mais ficar surpresa. Eu não tenho esse interesse maternal, nos filhos dos outros ainda, acho que é a idade. Porém confesso que crianças são minha perdição, acho que já está na hora delas começar a família. Mas vamos te tirar de libra pra vc continuar a leitura... E o que mais importa. Feliz ano novo. PS: Eu uma vez tbm, já deixei uma biblioteca, em uma fanfic que leio, e depois não consegui mais me conter em palavras. ahahahahahah.
MaryCR Postado em 30/12/2017 - 17:02:30
Nunca escrevi negócio tão grande kkk
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Furacao Maite Postado em 29/12/2017 - 01:14:05
que up na vida hein? Dulce médica! E que viagem doida é essa de 2 anos! coragem!!! kkk
Emily Fernandes Postado em 29/12/2017 - 14:18:21
Acho que a viagem venho a calhar, pq a insegurança e a rotina estava as afetando.
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Furacao Maite Postado em 29/12/2017 - 01:02:09
eitaaaa, estava tudo bem agora já começa o capitulo com uma briga? (19) genteeee, que babado
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Furacao Maite Postado em 29/12/2017 - 00:58:58
Ainda bem que a Dulce e Anahí brigaram mas fizeram as pazes no mesmo capitulo!
Emily Fernandes Postado em 29/12/2017 - 14:17:09
Sim, acho que elas combinam assim, mesmo. Acho que fica uma relação mais dinâmica. Kkk
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Furacao Maite Postado em 29/12/2017 - 00:55:16
Sou do time da Marichelo! Sou team Jessica Coch kkkkkkkkkkkk Também acho que é dificil de encontrar outra igual a ela! Maite tem sorte kkkk Mas ainda bem que a mãe da Anahí aceitou a Dulce!
Emily Fernandes Postado em 29/12/2017 - 14:15:53
É sim, digamos que Marichelo sempre adorou Jéssica, porém acho que Jéssica está ótima com Maitê não. Kkkk
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Furacao Maite Postado em 29/12/2017 - 00:51:48
vou colocar a fic em dia....
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MaryCR Postado em 24/12/2017 - 02:41:13
Pense em uma pessoa revoltada, pense em mim. EU VOU DA UMA VOADORA NA PERRONI sério. Eu vô e penso "até que enfim a perroni vai ajudar portinon" e fui TROUXA, ela fez exatamente o contrário. Dulce foi na casa da Portilla e huuum rolou uma putaria, eu pensei "agora o negócio vai" e fui trouxa denovo. Concluindo, portinon finalmente se acertou e a anie finalmente terminou com a Diana. Amém!! #revoltadaefeliz
Emily Fernandes Postado em 25/12/2017 - 12:49:11
Meu Deus kkkk que pessoa indecisa. Bem mas eu Entendo seu drama. Maitê como sempre sendo Maitê, mas agora acho que o casal portinõn finalmente respirara mais aliviadas. Enfim um ótimo Natal pra vc . Bjs
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Furacao Maite Postado em 23/12/2017 - 17:39:09
Owwwnnnn que fofas!!! Achei q tdo estava perdido, q bom q deu tdo certo!!
Emily Fernandes Postado em 25/12/2017 - 12:47:14
Sim, finalmente as coisas estão caminhando para Um finalmente sim. Kkk feliz Natal pra vc. Bjs