Fanfic: A arte da vida ( adaptada) ayd | Tema: Portinon (ayd)
Olá galerinha do mal! Ou do bem, tanto faz.
Um beijo, um abraço e vamos nos encantar com novas DIVÃS.
Boa leitura.
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Em um reino não muito distante, cujos bosques com árvores altas e centenárias protegiam as redondezas das aldeias de Vera Cruz, o clima era de expectativa entre seus habitantes. O rei estava prestes a aposentar sua coroa após vencer uma longa batalha para impedir a penetração dos nortistas. Era o momento de desfrutar das regalias como monarca e que sua filha mais velha, Anahí ocupasse seu lugar.
Vera Cruz era a capital de um grande império, Estados Unidos da América Latina, onde diferentes famílias haviam recebido um pedaço como recompensa pelo financiamento da exploração desde a Europa. Em um contexto marcado pela presença de um misterioso mascarado que exercia a justiça com suas próprias mãos, os Portilla eram a dinastia mais antiga e que havia persistido graças a famosa fertilidade do gene. Era raro que um rei tivesse apenas um herdeiro, motivo pelo qual durante séculos se mantiveram no poder. E essa história persistiu até o rei Enrique. Em pleno século XXI, ano 2017, nada tinha a ver com a falta de fertilidade, mas sim com uma linda e trágica história de amor.
Enrique se casou com Marichelo, princesa do México, por quem sempre fora apaixonado. Um amor tão profundo que, mesmo falecendo ao dar à luz a Anahí, Enrique nunca mais se envolveu com outra mulher. Diante de seus habitantes abriu seu coração. Lhes explicou que a ausência de um varão não lhe impedia de deixar a coroa em boas mãos. Prometeu em tom sério que poderiam confiar em Anahí e que ela continuaria com seu legado.
Enrique até então contava com que logo cedo Anahí se casaria com algum príncipe, uniriam as fronteiras e aquele assunto não passaria a maior problema. Mas Anahí estava demorando demais nessa escolha, o que preocupava o monarca. Por isso, pouco antes de anunciar que se aposentaria, a chamou em seu gabinete.
Anahí era uma mulher bondosa, decidida e muito inteligente. Tinha as ideias claras e não se abalava em expor suas opiniões mesmo que fossem contraditórias a tradição da família. Pele branca, cabelo caramelos, olhos claros, e um belo corpo, mas seu maior sinal de beleza estava em seu cérebro. Anahí tinha planos para Vera Cruz. Planos progressistas e muito prometedores:
- Papai? - chamou colocando o rosto dentro da sala: - Me chamou?
Enrique que não tinha aparência de velho, mas já tinha seus anos com cabelos grisalhos, barba e muito sério, deixou o papel que lia em cima da mesa:
- Sim, entre.
Ela assim o fez e se sentou, cruzando as mãos no colo enquanto seu pai refletia. Impaciente com o silêncio, ela insistiu:
- Aconteceu alguma coisa?
- Espero que não.
- Então...
- Como vai sua vida amorosa? - a princesa se mostrou confusa. Piscou lentamente e enfim disse:
- Que? - Enrique suspirou meio agoniado:
- Não quero ser invasivo, não me mal interprete, mas minha filha... olhe sua idade, seu futuro! Você tem 24 anos, Anahí!
- E?
- E eu nunca nem sequer te vi sair para se divertir!
Incrédula ela abria e fechava a boca:
- Eu me divirto muito!
- Ah, sim? Com o que?
- Os eventos que me obriga a assistir! Jogando vôlei, lendo, passeando pelo jardim, viajando... eu não preciso ter alguém para isso, papai!
- Eu sei que não... - disse menos empolgado.
- E se dependesse de mim, você ficaria sozinha para sempre! Mas é que temos algumas necessidades como monarcas...
- Tipo?
- Tipo... ter alguém para tomar as decisões, ajudar a governar e nos ajudar com a responsabilidade. - ele suspirou sutilmente, relaxando o corpo e sorrindo: - Não é fácil governar um reino, querida. Ainda mais com a presença desse mascarado solto!
- Eu faço uma ideia. Mas o mascarado foi quem nos ajudou a combater os nortistas. - Enrique suspirou com desdém:
- Não é a mesma coisa, Anahí! Não duvido de sua capacidade estratégica, mas você há de convir que não irá para a primeira linha de batalha caso eles queiram voltar!
- Sim, mas eu tenho a esperança de que podemos chegar a um acordo com o mascarado! Além do mais, o senhor está sozinho e também não enfrenta na primeira linha de batalha! Digo, tem eu, a Blanca...
- E é justamente por isso! Quando eu assumi o trono, tinha 17 anos. Seu avô estava muito doente e Vera Cruz precisava de mim. Foi tão difícil lidar com essa responsabilidade...
- Papai...
- Anahí, eu não estou te dizendo para se casar com qualquer pessoa apenas para preencher o lugar ao seu lado e que ele possa ir à batalha. Nessa altura da vida, isso seria uma autêntica imbecilidade!
- Concordo! - disse firme. Enrique piscou lentamente ante a expressão da filha.
- Enfim... Mas devo ser cauto com minhas decisões, pois o que faço influencia a vida de milhões de pessoas! Sei o quão difícil é carregar isso sozinho. - ela tentou falar, mas ele levantou o dedo. - Ainda não acabei! - ela bufou frustrada. - Sim, tenho a Blanca. Uma excelente assessora e muito dedicada. Campanhas efetivas, bons conselhos e o melhor jeito de tomar uma decisão é conversar com ela. Mas Blanca não dorme comigo, não me dá filhos nem divide minha cama!
- Porque o senhor não quer!
- Não seja insolente! - disse firme e ela se calou. - Assessores temos muitos. Veja Zoe! Ela é ótima e com certeza deve te dar ótimos conselhos...
- Não tenha tanta certeza...
- Mas você precisa de alguém para todas as horas e momentos... que mostre confiança ao povo com relação à segurança. Alguém que saiba o que faz.
- Tem a Dulce. - rebateu sorridente. - Tudo bem que ela não quer seguir os passos da Blanca, mas com jeito eu a convenço. Ela me conhece melhor do que eu mesma!
Enrique já estava se sentindo frustrado. Esfregou as mãos no rosto e apoiou os cotovelos na mesa:
- Anahí, eu adoro a Dulce e se ela tiver a metade da sabedoria da mãe dela, imagino que seja maravilhosa como conselheira. Mas Dulce tem a vida dela e não estamos falando de uma assessora, ora essa!
Anahí suspirou encostando-se na cadeira:
- Então o que o senhor quer? Qual o ponto?
- Quero que encontre alguém, filha. Alguém que te faça querer construir uma família e um mundo melhor. Alguém que te inspire, te cuide enquanto cuidas dos outros, e principalmente, com capacidade para governar nosso reino como sua mãe o faria.
Tristonha, Anahi sabia que Enrique apelava para Marichelo espelhando sua vida. Ele só mencionava a esposa quando queria mostrar o correto. Anahí assentiu lentamente:
- Eu sei, papai. Mas o amor não se encontra assim!
- Concordo! A pesar de que amei sua mãe mesmo casando-me com ela sem amor. A gente aprende... talvez estivéssemos predestinados e não vou lhe obrigar a isso. Mas não há ninguém que venha a sua cabeça e te deixe com a sensação de que gostas? - Anahi suspirou, pensativa e meio distante:
- Existe...
Enrique se animou:
- Então! Ótimo! O que há de errado? Por que não o convida para vir aqui?
Meio incomoda ela acabou mostrando sua tristeza:
- Acredito que não seja recíproco, papai. Nunca daria certo. - confuso, ele contestou:
- Como pode saber?
- Sabendo. Olha... - levantou-se. - Entendi seu ponto. Não lhe prometo nada, mas pensarei sobre, ok?
- Promete? - perguntou animado e ela assentiu. - Obrigado, querida. Me deixa muito mais tranquilo.
- Posso ir?
Ele assentiu. Anahí deixou um beijo no ar e se foi.
Passando pelo largo e ostentoso corredor, avistou de longe Zoe. Negra, corpo esplêndido, sorriso estonteante... a assessora e melhor amiga de Anahí era conhecida pelo seu alto astral, beleza, intelecto e severidade. Ao ver a amiga de longe, Zoe terminou sua conversa e esperou a chegada de Anahí:
- Deixa eu adivinhar, ele quer que você se case antes de passar a coroa? - Anahí assentiu deixando os ombros caírem. - Garota, não queria estar na sua pele.
- Ele apelou para minha mãe, Zoe! A minha mãe! - rindo, a assessora abraçou a amiga e continuaram andando:
- Golpe baixo mesmo. Mas o que você disse?
Envergonhada, Anahí tinha as mãos no bolso da calça enquanto caminhava:
- Disse que entendia...
- E ele?
- Perguntou se não tinha alguém que despertasse meu interesse... - Zoe parou bruscamente, encarando a amiga:
- Oh, garota. O que você disse? - Anahí deu de ombros. - Essa cara não...
- Que cara? Eu não disse nada...
- Claro que você disse! O que você respondeu? - tímida, Anahí coçou o pescoço:
- Que sim, mas não era recíproco!
Zoe levou a mão a testa, suspirando:
- Anahí...
- E encerrei a conversa...
- Já falamos sobre isso.
- E o que você quer que eu faça?! - questionou meio alto, aproximando-se para cochichar: - Eu estou mantendo a compostura!
Zoe estava visivelmente nervosa:
- Então mantenha ela bem longe da ala norte! - Anahí revirou os olhos:
- Você é tão exagerada.
- E você é tão estupida às vezes. Sabe por que é difícil encontrar alguém? Porque você não supera a Dulce.
Anahí levou o dedo indicador aos lábios, pedindo silêncio:
- Cala a boca! Enlouqueceu? Eu já disse que não era para falar o nome dela!
- E eu já estou com mil cruzes graças a sua insistência com esse assunto!
- Você ainda conta às vezes em que falamos disso? - questionou abismada:
- Lógico, ou você acha que o plus de horas extras no meu contracheque é por te olhar dormir? São as vezes em que você enche o meu saco com isso! Ela não te corresponde, Anahí. Você já tem 24 anos, acho que já deu para aceitar.
Revirando os olhos a princesa deu de ombros:
- Vou mandar a Emma cortar essas suas regalias. Agora vamos, não quero me atrasar para a reunião com o ministro.
E saiu andando deixando Zoe pra trás:
- Olha eu realmente espero que você esteja começando a esquecer você sabe quem, ou vou me demitir antes desse palácio desabar na sua cabeça!
Gritou. Anahí chacoalhou as mãos no ar como em desdém e continuou seu caminho a seu quarto.
Seu celular vibrou e ao ver a tela:
Mensagem de Candy: É tão estranho te ver nos meus livros. Você não tem suficiente com todos os quadros espalhados pelo palácio que tem que ocupar os livros?
Anahí sorriu e desbloqueou o aparelho, respondendo:
Mensagem de Anahí: Tá aí uma coisa que eu nunca me canso. Mas pelo menos a foto está bonita? Que pergunta... eu sempre estou. Recorta para sua coleção!
Continuou vestindo-se, então o celular vibrou novamente:
Mensagem de Candy: Só se for na coleção de alvos pra meus treinos de tiro.
Mensagem de Anahí: Sabia que segundo o artigo 27 sobre liberdade de expressão, esse direito se converte em delito a partir do momento em que se faz apologia ao assassinato de um membro da família real?
Mensagem de Candy: Os jornalistas estão blindados ante esse artigo. Perante a lei, tenho liberdade de informar e expor minha opinião.
Mensagem de Anahí: Maldita democracia. Em que momento aceitamos uma monarquia compartilhada!
Mensagem de Candy: Graças à Deus o rei não é um déspota como você.
Mensagem de Anahí: Mas ele tem mais fotos do que eu! Aparece na televisão, está nos outdoors da rua... ATÉ NO DINHEIRO O CANALHA APARECE!
Mensagem de Candy: kkkkkkkkkkkkkk besta! Não negue, sei que está desejando ocupar esse lugar.
Mensagem de Anahí: com toda certeza. Já estou pensando na foto que irá substituir a do seu gabinete. Vou te dar de presente em um quadro do tamanho da sua parede, para me ter sempre presente.
Mensagem de Candy: Deus, e mascarado, me livrem desse karma.
Mensagem de Anahí: Mascarado? Que! Kkkkkk somos um reino católico, Deus não atende esse tipo de pedido de hereges.
Mensagem de Candy: O próprio! E somos um estado laico. Você precisa vir algum dia a uma sessão de meditação, seria bom para aguentar o estresse de ser uma ególatra com um reino para governar e brincar de Napoleão.
Mensagem de Anahí: Não da, tenho que me reunir com Trump e Kim... não a do bundao, o gordinho dos mísseis. Meus amigos... até chamamos o Putin, mas ele não confirmou a presença no rolê ainda...
Mensagem de Candy: kkkkkkkkk você é tão estupida. Daria um dedo por te ver sentada com eles em uma reunião... já imagino o mascarado invadindo e obrigando vocês a acabarem com os acordos.
Mensagem de Anahí: se você apostar a língua, até me sacrifico por isso. Que mania com o mascarado, ele é um rebelde é insensato, Dulce.
Mensagem de Candy: rude! Mas ajudou a ganhar a batalha dos nortistas. Você que não entende!
Mensagem de Anahí: seria tão relaxante para a nação... bah, estou farta dessa sua obsessão com esse tal de mascarado. Preciso ir, diferente de você, tenho um país que governar!
Mensagem de Candy: relaxante vai ser dizer ao pessoal de sociedade que você fica mandando mensagem tentando me levar para sair.
Mensagem de Anahí: por favor, até esses urubus sabem que isso seria impossível.
Mensagem de Candy: por que?
Mensagem de Anahí: porque você não seria louca de rejeitar um pedido como esse a ponto de ter que enviar várias mensagens. Agora tchau, vou ligar para o editor e dizer que você fica no celular ao invés de trabalhar. Quero essa previsão de tempo completa, hein. Se chover vou te demitir. Beijos.
Mensagem de Candy: só por causa disso vou mandar a previsão errada para que Zoe te coloque cheia de casaco em um dia ensolarado. te vejo no jantar, beijos.
Três toques na porta e Zoe entrou tapando os olhos:
- Por favor, esteja vestida.
Anahí riu terminando de colocar seu blazer:
- Estou vestida, Zoe. - quando a assessora abriu os olhos, suspirou:
- Você fica tão elegante com esses ternos. Parece até que faz algo da vida...
Anahí revirou os olhos:
- Eu faço algo da vida, Zoe. Sou uma princesa. - a morena curvou-se em uma reverência:
- Vamos princesa, depois do mascarado em todas as manchetes lutando com o exército, o dia vai ser longo.
***
E foi. Anahí passou horas debatendo novas medidas climáticas e a necessidade de criar tratados com outros países para o desenvolvimento da economia. Tudo lhe parecia chato ou exagerado demais. Mas era melhor do que dar explicações sobre o acordo da família real com quem todos taxavam de bandido.
A pesar da democracia recentemente estabelecida, mesmo sendo monarca a princesa achava que precisava fazer mais pelos habitantes. A chegada de um mascarado que desviava cargas de empresários corruptos, combatia assaltos e ajudava o exército na batalha, levou o povo assim como Dulce, a criar uma certa empatia com o misterioso homem de preto que vagava pela noite.
Por isso e ante a dúvida de se uma mulher estaria a altura de combater esses acontecimentos, o plebiscito sobre a decisão do substituto do trono estava rondando sua cabeça há tempos, mas Zoe dizia que era uma estupidez uma princesa perguntar ao povo se eles queriam que ela fosse sua rainha. Ainda mais ante a recompensa colocada pelo rei para descobrir a identidade dele. Mas Anahí manteve sua ideia em mente dentro da limusine encarando a janela, até que na pequena televisão iniciou a sintonia da vinheta do jornal:
Estamos de volta com as notícias.
Anahí sorriu torto ao prestar atenção nos titulares:
Em política, a princesa Anahí se reuniu com o Ministro de Fomento para debater novas medidas. A repórter Dulce Savinõn esteve na audiência e nos contará as novidades.
Uma segunda imagem apareceu na tela. Com cabelos lisos e pontas onduladas, um belo sorriso, rosto simétrico e traços indiscutivelmente latinos, a repórter que segurava um microfone disse:
Boa tarde Angel. A princesa Anahí e o ministro Wert estiveram por algumas horas reunidos, onde debateram medidas meio ambientais para potenciar o consumo de energia renovável no país, assim como alguns tratados para ampliar a economia.
Dulce, alguma ideia de quais países entrariam nesse acordo?
Provavelmente as fronteiras, já que a proximidade é um fator muito importante para o custo de exportar e importar. Também precisamos ter em conta a presença do misterioso mascarado com o exército de Vera Cruz. Isso mostrou a necessidade de estabelecer alianças para uma possível revolta dos nortistas após a batalha final.
A apresentadora, loira e com sorriso brilhante, riu antes de insistir:
Isso teria também alguma influência na posse da princesa? O rei já informou que em breve cederá o trono e um casamento poderia estar à vista? A aliança seria muito mais forte nesse caso?
Dulce sorriu enquanto Anahí revirava os olhos:
A união de fronteiras e uma nova aliança não precisa incluir um casamento, já que a maioria dos países são parte do MERCOSUL, o que não obriga nenhum monarca a trocar alianças para ampliar as fronteiras, mas nunca se sabe.
Obrigada, Dulce.
De nada. Tenham uma boa tarde.
E agora voltamos com a previsão do tempo.
Zoe, que estava ao lado de Anahí revisando a agenda em um iPad, espetou sem levantar o olhar:
- Só você não percebeu que esse mascarado está dando muitos problemas. Mas claro, estava muito ocupada babando pela Dulce..
Anahí continuou olhando pela janela placidamente:
- Em algum momento ele terá que se expor e então faremos algo. Quanto menos importância mostrarmos, menos o povo falará.
- Os jornais o adoram, Anahí! Há fotos e imagens por todos os lados. Internet, jornais, até no maldito rádio que ninguém mais escuta! - a morena insistiu. Anahí então se virou com a sobrancelha arqueada:
- Acha mesmo que ele seja um rebelde insolente?
Zoe deu de ombros:
- Eu não sei o que ele é, só sei que está colocando em evidência o trabalho da nossa polícia e exército, e a essa altura com seu estado civil, o povo confia mais em um desconhecido que sai arranjando confusão pela noite do que em você.
Anahí ponderou, insistindo:
- Sério? A falta de um homem ao meu lado coloca em dúvida meu potencial como rainha?
Zoe assentiu:
- Para a opinião pública, sim.
Anahí suspirou e voltou a olhar pela janela:
- Imagine quando eles souberem que eu não gosto de homem.
Zoe se surpreendeu com a resposta. No que estaria pensando? Difícil saber, mas decidiu investir na ideia.
***
Ao anoitecer, Anahí já tinha outro compromisso. Dessa vez havia substituído o terno social por um vestido esplêndido. Vittorio e Luchino haviam desenhado um tomara que caia azul marinho com luvas de seda branca. A máscara também era azul marinho com detalhes de renda, cobrindo apenas os olhos da princesa.
O grande baile do Teatro Real trazia consigo uma festa a fantasia para arrecadar fundos aos artistas que mantinham o teatro vivo em um mundo cheio de 3D e efeitos especiais.
Anahí segurava uma bolsa de mão na entrada do teatro, sorrindo e cumprimentando cidadãos e fotógrafos. Acenou, sorriu, tirou fotos. Educadamente se retirou e entrou na festa. Zoe que estava com um vestido vermelho, se aproximou:
- Coloquei o embaixador da Colômbia na nossa mesa. Seria interessante uma aproximação com eles pela floresta e toda essa questão ambiental...
Anahí assentiu pegando um canapé:
- Tudo bem. A esposa dele já me convidou para uma sessão de massagem exótica. - o rosto de Zoe se desfez:
- Você já foi pra cama com a mulher do embaixador colombiano? - Anahí deu de ombros:
- Eles dormem em quarto separado, sabia? E ela tem uma elasticidade...
A assessora abriu a boca em descrença:
- Anahí, por Deus!
- E ela nem parece que tem 42. - Zoe ficou mais abismada ainda.
- Só 42? - Anahí assentiu. - Nossa, então ela se cuida muito, né? - fazem uma expressão de mais ou menos ela terminou de engolir seu salgadinho:
- Não está mal. Mas acho que ela reconstruiu a vagina, tava meio... - Zoe levantou a mão:
- Suficiente. Vou ignorar essa imagem e fingir que você não faz esse tipo de coisa.
Anahí se aproximou sussurrando no ouvido da amiga:
- Vantagens de viver dentro do armário. - sorriu e saiu em direção a um grupo de mulheres.
Conversavam energicamente e sorriam segurando as taças de champanhe. Uma delas, com o vestido lilás conversava mais afastada com a de vestido preto. E foi ao lado delas que Anahí apareceu:
- Senhoritas. - viraram-se e ao reconhecer a princesa, fizeram uma breve reverência:
- Princesa. - disseram ao mesmo tempo.
- Como estão?
- Bem. - a de lilás disse séria.
- Melhor agora. - completou a de preto. Era loira e com a pele bronzeada. Mais alta que elas e muito sorridente.
Anahí sorriu agradecida.
- E você é?
- Maitê. Maitê Perroni.
- Dulce não me contou que traria uma amiga tão educada e bonita. - espetou encarando a de vestido lilás que revirou os olhos:
- Porque eu não trouxe nenhuma amiga educada e bonita. - disse bebendo mais um gole. Maitê suspirou:
- Tão educada como sempre.
- Oh, eu estou acostumada, não se preocupe. - Anahí comentou. - Se importa se a roubou um pouco? - Maitê nem teve tempo de responder, Anahí já estava puxando educadamente o braço de Dulce.
- Eu estava conversando!O que houve? - perguntou quando estavam em um canto:
- Preciso de ajuda. - disse nervosa olhando ao redor.
- Ajuda para que?
- Meu pai... - fez uma careta. - Ele quer que eu me case. - Dulce quase cuspiu o champanhe.
- É o que? Em que época estamos, 1850? - Anahí deu de ombros.
- Eu não sei mais o que fazer, Dulce!
A jornalista começou a rir:
- É, você está bem fod/ida.
- E agora? - Dulce deu de ombros:
- Agora você conta a verdade a ele e seus planos como rainha. - deu de ombros:
- Se eu contar ele vai se matar!
- Não seja exagerada, para quem está sendo lavado por um mascarado justiceiro, esse vai ser o menor dos problemas. Ele vai entender. Ou você tem alguma ideia melhor? - Anahí deu de ombros:
- Talvez Zoe tenha dito algumas coisas... de forma sutil. - Dulce revirou os olhos:
- Vocês vão fazer uma besteira.
- Que graça a vida teria sem elas? - a jornalista suspirou:
- Sei bem quais são os tipos de besteira que você faz... - a encarou desafiante. Anahí sorriu torto, dando um passo à frente:
- Ótimas, não é mesmo? - Dulce revirou os olhos:
- Cara de p/au. É desse jeito que você pretende governar o país? - a princesa riu afastando-se:
- E há um jeito melhor? - Dulce deu de ombros:
- Onde estão seus ideais? A justiça?
- Ah não, de novo essa conversa? Todo mundo sabe que você é fã número 1 desse idiota mascarado. Ninguém precisa te ouvir falando dele.
- Você fala isso porque tem inveja. Sabe que o que ele faz ajuda muitas pessoas. Ele já me salvou de um assalto, sabia? - Anahí se mostrou surpresa:
- Você já se encontrou com ele? - ela assentiu:
- Me salvou, acabou com os ladrões e me levou sã e salva pra casa.
- Por que você não me falou? Está bem? Foi até a delegacia? - Dulce sorriu acariciando o queixo da princesa:
- Tão fofinha preocupada. Não foi necessário, ele deu um jeito nisso. Mas como eu disse, ideais são o que fazem um bom governante, não é só o berço de ouro.
Anahí revirou os olhos:
- Foi bom te ver, Candy - Dulce acenou com a cabeça e se retirou.
Ao se dirigir a sua mesa, Zoe estava à espera de Anahí:
- Aquela dama no vestido lilás é quem eu acho que é? - Anahí deu de ombros:
- Se você não quiser ouvir a resposta, não pergunte.
- Só te matando, Anahí.
Sentaram-se à mesa e o jantar logo iniciou. A conversa com o embaixador foi prometedora, apesar de que Anahí precisou usar seu melhor sorriso pra disfarçar quando a perna da mulher dele encontrava a sua por baixo da mesa. Mas a noite continuou sem mais inconvenientes.
***
De volta ao palácio e em pijama, Anahí trancou a porta do seu quarto, dirigiu-se a prateleira de livros e puxou levemente o velho manual de Sociologia de Anthony Giddens, revelando uma passagem secreta. O caminho escuro a levou a uma espécie de câmara onde tinha televisores, um computador e a conexão direta com o sinal da polícia e exército de Vera Cruz.
Utilizou um buscador escrevendo a palavra nortistas, mas o dia havia sido tranquilo. Suspirou aliviada. Pelo menos por enquanto eles não eram mais uma ameaça. Encostou-se na cadeira e fechou os olhos, lembrando-se daquele dia.
Como de costume estava expectante para mais uma noite. Para todos os efeitos, estava em Londres em uma visita oficial. O traje que usava era simples e ligeiro. Roupa preta e ajustada com um capuz que servia de máscara e lhe cobria os olhos. Desde pequena lia no diário que sua mãe lhe deixara a história do El Zorro, La Espada y La Rosa. A lenda era conhecida por muitos, mas poucos sabiam que era algo mais que história. Seu avô, o pai de Marichelo, usava uma capa preta, com um cavalo e uma espada durante a noite, lutando contra o crime em sua amada Cuba. Ninguém nunca suspeitou do velho por ser um homem muito severo. Quem imaginaria que se arriscaria daquela forma? E de tanto ler, Anahí acabou tomando uma decisão. Com meios mais modernos, muitas aulas de artes marciais e um grande conhecimento do mapa de Vera Cruz, ela fazia o mesmo que seu avô. E um dia se encontrou com Dulce, por quem sempre fora apaixonada, mas nunca pareceu lhe dar bola. Cresceram juntas porque Dulce era filha de Blanca, assessora de seu pai e melhor amiga de sua mãe. A personalidade desinteressada de Anahí não despertava o interesse em Dulce que, filha de um homem que lutou na guerrilha cubana e defendia seus ideais, fazia a latina procurar por algo mais que beleza.
Dulce saia da redação tarde da noite. Precisava cobrir as negociações da casa real com os nortistas, e pouco mais das 23:45 horas caminhava apressada até o ponto de táxi quando três homens se aproximaram pelo beco. Anahí, coincidentemente, estava acompanhando a sessão e a seguiu. Impediu que os homens a roubasse e logo depois a acompanhou até sua casa, dizendo que se cuidasse da próxima vez. Não era um costume, mas enquanto Dulce falava sem parar de como "o" adorava, deixou uma rosa em cima da mesa e se foi. Desde então, Dulce não fala de outra coisa.
Foi um dos poucos momentos de debilidade. A partir de então se questionou se ao saber que se tratava dela e Dulce mudaria de ideia. Teria alguma importância o fato de ser ela e não um homem? E toda a imagem que tinha de Anahí, desmancharia ao saber que também tinha ideais e planos? O pior para Anahí não seria a rejeição de seu pai ou do povo, mas sim que Dulce deixasse de amá-la ao descobrir a mentira.
***
Passados alguns dias, o mascarado havia aparecido novamente. Dessa vez as câmeras de segurança tinha imagens que foram filtradas pelo jornal do misterioso homem em ação. Anahí estava tomando café quando a sintonia de plantão do jornal soou. Dulce estava na tela:
Bom dia. Há pouco mais de um mês o exército veracruzense conseguiu expulsar os nortistas da fronteira após um longo confronto. As negociações passaram para os gabinetes presidenciais diminuindo o alarme. Porém nossos cenografistas conseguiram imagens inéditas de vários guerrilheiros tentando entrar nas nossas fronteiras a través de um caminhão.
Então as imagens eram do tal mascarado interditando o caminhão, rendendo os guerrilheiros e entregando-nos a polícia.
Dulce continuou:
Como podem ver, foi necessário mais uma vez a ajuda do misterioso mascarado quem os entregou às autoridades. Todos esses acontecimentos nos levam a perguntar se é realmente adequado o utilizar o termo de delinquente ao se referir a ele, e se não seria esse o momento das nossas forças armadas começarem a trabalhar conjuntamente com o justiceiro.
Seguiremos informando. Dulce Savinõn para o Jornal Nacional.
Enrique deu um forte golpe na mesa:
- Maldita seja! - gritou. - Até quando esse maldito vai aparecer no meu caminho.
- Papai... - Anahí tentou acalmá-lo, mas foi inútil.
- Estou farto desse mascarado! E Dulce? Por que está fazendo esse tipo de declaração sem consultar?
- Também não faço a menor ideia! Eu evito falar desses assuntos justamente por isso. Mas posso conversar com ela se quiser...
- Não! - a interrompeu irritado. Estava vermelho. - Deixe que eu mesmo conversarei com ela.
O rei se levantou e saiu pisando firme. Anahí terminou seu suco e limpou a boca, levantando-se em seguida. Foi até a sala de Zoe e deu três toques. Ao entrar, a morena estava em sua mesa terminando a maquiagem:
- Atrasada de novo? - a morena a olhou irritada e se levantou:
- Você está vendo essas olheiras, Anahí? Está? - apontava para seu rosto. - São culpa sua e dessa sua maldita ideia de ser uma justiceira encapuzada! Olhe isso! - pegou o jornal cuja manchete era o mascarado entregando os rebeldes à polícia da fronteira. Então o jogou em Anahí: - É esse maldito mascarado na primeira página e com uma excelente qualidade!
Anahí olhou franzindo o cenho e logo parecendo satisfeita:
- Até que fiquei bem na foto.
Zoe enrijeceu o maxilar e fechou as mãos em punho:
- Você só pode estar me testando!
- Calma, Zoe! - pediu segurando os ombros da amiga. - Eu não queria chamar a atenção, não teve dedo meu nessas câmeras, só estava fazendo meu trabalho.
- Você prometeu que não chamaria a atenção!
- Mas eu tento! - suspirou deixando os ombros caírem. - A partir de agora vou ter mais cuidado, ok?
- Anahí, Dulce está obcecada com você, pode ser perigoso continuar. - a princesa franziu o cenho.
- O que você está dizendo?
- Talvez seja melhor esperar a poeira baixar... Logo você pode voltar a ser o maldito mascarado, mas por enquanto temos uma crise importante que resolver...
- Mas...
O telefone tocou. A assessora atendeu colocando no alto-falante
- Zoe, sou Blanca. Anahí está com você?
- Sim, senhora.
- Ótimo, precisamos reunir a equipe imediatamente na sala de reuniões. Em cinco minutos começamos.
- Sim, senhora.
E desligou. Anahí respirou fundo e deixou a cabeça cair para trás. Porém, acabou cedendo.
Caminharam até a sala de reuniões. Blanca era uma mulher com aparência dócil, mas era muito firme em suas decisões e palavras. Baixa, morena de pele clara, usando óculos escuros e terno social, explicava a estratégia que deveriam tomar. Não estava funcionando ignorar os acontecimentos. A família real precisava se posicionar. Enrique escutava atentamente:
- Com as imagens de hoje o povo se sentirá identificado com o mascarado. Ele evitou que guerrilheiros invadissem nosso país, por tanto agora se sentem protegidos. Um delinquente jamais faria isso.
- E o que você recomenda? - o rei questionou.
- Uma coletiva, onde mostraremos gratidão por esse acontecimento, mas devemos esclarecer que as autoridades estão fazendo um trabalho exemplar de investigação contra os guerrilheiros.
Anahí enfim interveio:
- Mas se mostrarmos apoio a esse tal de mascarado, então teremos que engolir perguntas sobre uma possível colaboração! - não parecia satisfeita com a ideia. Enrique escutou a filha, respondendo:
- E o que você recomenda? - Anahí deu de ombros:
- Podemos agradecer pelo que fez, mas não há motivos pra dar importância nem falar sobre o que as forças armadas fazem. Não é uma competição. Esse inútil pode ter parado um caminhão com um punhado deles, mas em uma batalha quem decide é o nosso exército!
A ideia pareceu ser do agrado do rei:
- Concordo. - Blanca não estava de acordo, mas assentiu. - Marque a coletiva, porém Anahí será a porta-voz.
- Eu? - perguntou incrédula.
- Sim! É hora de que aprenda a lidar com esse tipo de coisas.
- Mas e os jornalistas?
- Enfrente-os, oras!
Talvez ela não fosse a princesa que os veracruzenses esperavam, mas sabia atuar como ninguém.
Zoe preferiu não comentar, dando início ao anúncio da coletiva. Anahí preparou seu discurso e as perguntas com Blanca em seu gabinete.
- Essa, cuidado com essa! - a assessora disse apontando para a foto de Dulce. Anahí riu encostando-se na cadeira.
- Vem dando trabalho...
- Aí, Anahí! - Blanca suspirou. - Tentei de tudo para que essa menina escolhesse outro caminho, mas não! Decidiu ser jornalista... e de esquerda! - Anahí gargalhou ante o desespero da mulher. - Ela poderia ser médica, professora! Qualquer coisa! Não haveria problema... mas não! Pegou a militância do pai e minha profissão.
- Eu diria que ela tirou o melhor de cada um, tia Blanca .. - a mulher negou mordendo o lábio inferior:
- Nunca pensei que teria que me preparar para o nariz enxerido da minha própria filha.
- Nem eu que teria que temer a mão dela levantada no meio de uma coletiva. Parece que ela faz questão de me engolir!
- Ah, Anahí... mas isso é porque ela te acha meio...
- Meio...
Blanca pareceu se acanhar:
- Meio desleixada... Você nunca se interessou por política, sempre preferiu ficar com as labores mais divertidas por assim dizer...
- Pode dizer, tia Blanca. Ela me acha uma estupida ególatra...
- Não é para tanto... - suavizou sorrindo, mas Anahí revirou os olhos. Levantou-se e deixou um beijo na cabeça da mulher:
- Sei que sim. Mas eu não estou muito longe disso. Obrigada.
E se foi deixando-a pensativa. Blanca sabia que sua filha tinha um gênio difícil, e estava -internamente- orgulhosa da profissional que estava se convertendo. Porém, sua relação com a família real a impedia de ser mais coruja. Não que Dulce fosse sua inimiga, mas trabalho estava separado.
***
Anahí tinha a maior cara de tédio possível enquanto Blanca explicava alguns detalhes da coletiva. Cada meio teria uma pergunta e não era permitido iniciar um debate. Quando chamou a princesa Anahí e não o rei, todos ficaram surpresos. Anahí ocupou o púlpito usando um traje azul marinho:
Bom dia a todos. Diante dos últimos acontecimentos, a família real, ou seja, eu e meu pai, decidimos dedicar algumas palavras ao famoso mascarado. Desde aqui queremos agradecer pelo que fez ao interceptar os guerrilheiros e levá-los ante as autoridades. Em uma sociedade onde os cidadãos prezam pela harmonia e segurança de todos, com certeza somos melhores e mais fortes.
Então chegou o turno das perguntas. Todos levantavam a mão e Anahí escolhia a ordem:
"Princesa, é verdade que aumentaram a recompensa para quem identificar o mascarado mesmo depois do que fez?"
- Não me consta que assim seja. Próximo. Você.
"Princesa, os veracruzenses devem se preocupar com uma possível invasão dos guerrilheiros?"
- Não. Nossas forças armadas são totalmente competentes e se os expulsamos uma vez, o faremos todas as que sejam necessárias. Próximo. Você.
E ela pulou Dulce tanto quanto lhe foi possível. Mas Dulce não desistiu. Manteve sua mão alta. Quando já não havia mais como pular, com um sorriso torto, Anahí enfim lhe deu a palavra:
"Pensa começar a contar com a colaboração do mascarado, ou optaram pela estratégia de agradecer para que os cidadãos não comecem a reclamar que um único homem está fazendo mais por nossa segurança do que as forças armadas?"
E ao terminar a pergunta ela continuou ali, desafiante, linda e sem pestanejar ante a afronta:
- É uma ótima pergunta. - Anahí disse apoiando-se no púlpito. - Mas não temos interesse em contar com a colaboração do mascarado. Agradecemos seu esforço, mas nossas forças armadas estão totalmente preparadas. Afinal, não foi ele sozinho quem expulsou o exército nortista, não é mesmo? Seria uma irresponsabilidade da nossa parte, como governantes, colocar em risco a segurança do povo nas mãos de uma pessoa que não se atreve a mostrar o rosto. Nossos soldados treinam diariamente para manter nossa segurança, não vamos esquecer disso. Mas já que acha necessário essa aliança, lhe convido a visitar as instalações das forças armadas, quem sabe assim passa a valorizar mais o esforço desses homens que velam por nossa proteção antes mesmo desse mascarado passar a agir. Por hoje é só, muito obrigada.
E se retirou sem espaço a resposta. Dulce enrijeceu o maxilar e anotou com força em sua caderneta. Por essa ela não esperava. Escreveu tudo, mas sua cabeça não deixava de borbulhar. Então levantou-se, pegou sua bolsa e saiu com passos firmes até o quarto de Anahí. Os seguranças permitiram, obviamente. Era Dulce!
Nem sequer bateu na porta. Foi abrindo com força enquanto Anahí tirava o blazer e jogava na cama, suspirando.
- Mas que merda foi essa, Anahí? - questionou irritada. A princesa estava com a mão na testa, acariciando as têmporas. - Estou falando com você!
Anahí suspirou deixando os ombros caírem:
- O que você queria que eu fizesse? Sua atitude foi totalmente hostil! Eu tinha que me defender, Dulce.
- E precisava usar aquela prepotência toda?
- E você? - a princesa deu um passo à frente. - Precisa tentar me colocar em ridículo daquele jeito? - a latina estranhou o tom sério e firme, franzindo o cenho. - Precisava debochar como se eu fosse uma imbecil que não sabe o que está fazendo? - mas aquilo foi como gasolina. Ela também deu um passo à frente:
- E você sabe o que está fazendo?
- Você acha que não? Acha que eu diria algo que não sei?! Ah, não precisa responder. Claro que você acha! Afinal, eu não passo de uma idiota ególatra, não é mesmo?!
Dulce abriu e fechou a boca, mas nada disse.
- Você não se importa com essas pessoas nem o que elas passam diariamente. Do alto do seu palácio não é possível ver como há necessidade nas ruas. - Anahí riu com escárnio:
- De onde você tirou isso, do Manifesto Comunista? - Dulce respirou fundo, controlando-se. - Você me conhece desde que me entendo por gente, e tem essa imagem de mim.
- E o que você quer que eu pense? Como amiga você é uma pessoa, mas eu não posso virar o rosto para a realidade. A pessoa que vai ocupar o trono é outra. É uma rainha que vai para cama com mulheres casadas, passa a vida em eventos medíocres que não exijam debates profundos sobre política. Como amiga você é maravilhosa, mas como rainha você seria uma negação!
- Talvez você tenha razão. - Anahí disse com o maxilar rijo. - Não me admira você pensar assim, já que bastou uma pessoa te salvar de um assalto para que você me diga todas essas coisas.
Dulce piscou lentamente, abaixando a guarda. Estava ofegando e só então percebeu. Deu um passo atrás.
- Anahí eu-
- Já chega, Dulce.
- Mas eu-
Anahí deu um passo à frente ficando bem próxima dela. Seus olhos faiscavam do jeito que ela nunca tinha visto:
- Não há mais declarações à fazer. Fora do meu quarto.
Dulce levantou o queixo e se foi, fechando a porta com força. Mas ao caminhar pelo corredor, encostou-se na parede e apoiou as mãos nos joelhos. O que havia acabado de acontecer foi uma discussão? Anahí se impôs por primeira vez? De onde tirou tanta energia para discutir assim? Aquilo foi... ela não sabia. Mas tinha sido algo. Algo que nunca havia presenciado. Parecia que em Anahí habitava algum vestígio de líder. Mas de qualquer forma, ela não tinha tempo para pensar nisso.
***
Alguns dias se passaram e Anahí nem sequer assistia o jornal. Se enclausurou na academia do palácio e passou horas suando e descarregando sua raiva em sacos de areia e bonecos. Se Dulce, que a conhecia desde pequena, tinha essa imagem dela como governante, imagine os demais? Seu pai depositava tanta confiança em seu futuro como rainha que parecia uma ofensa não estar à altura.
Zoe entrou na grande sala, vendo a melhor amiga com um short curto e um top, socando e chutando que havia pela frente.
- Então é aqui que você se esconde? - Anahí suspirou encarando-a, mas nada disse. - Obrigada por ter me levado a sério. - disse suavemente.
- De nada. - a princesa respondeu seca. - Até eu estou odiando o mascarado de verdade.
Zoe riu.
- É incrível como ela tem o poder de te tirar do sério com tanta facilidade. - Anahí deu de ombros, continuando com os socos. Ficaram em silêncio mais um pouco, até que Zoe disse: - A polícia aumentou a recompensa pela cabeça do mascarado. Seu pai está preparando um ataque com o exército, teme que o mascarado apareça e acabe ofuscando o mérito.
Anahí se deteve aos poucos, abraçando o saco:
- E você está me contando isso como melhor amiga que sabe que eu sou o mascarado, ou como assessora?
Zoe suspirou. Andava pelo tatame com seu vestido cereja de tubo e saltos finíssimos. O cabelo preso em um rabo de cavalo longo balançava com os movimentos:
- Quando você me contou o que estava planejando, achei um absoluta idiotice! Onde já se viu bancar a justiceira? Ainda mais sendo uma princesa! Mas então eu fui atras de conhecer a história de sua mãe. Apesar de ser uma rainha, sempre foi tratada como um mero objeto. Estava ali à espera de um rei cujo país interessasse a seus avós, para então manter o status. Não há muito sobre ela nos livros, mas todo mundo lembra como ela se importava com o povo, como ela queria que o povo tivesse seus direitos e uma vida digna. Algo que é difícil encontrar em uma monarquia. - Anahí tirava as luvas em silêncio, escutando seria o que a amiga dizia. - A história de seu avô a inspirava. Ser uma rainha que honrasse seu dever.
- Zoe , aonde você quer chegar? - perguntou impaciente.
- O mascarado é a única coisa que resta do que sua mãe foi. - Anahí enrijeceu, mas olhou fixamente para a amiga. - Você tem os mesmos ideais que ela. Quer ajudar, quer lutar e quer oferecer tudo aquilo que não pode como princesa, porque seu pai está obcecado demais com outras coisas. O mascarado é quem você é, Anahí. A verdadeira máscara quem usa é a princesa.
- E o que você quer que eu faça?
- Tenho medo do que pode acontecer se o exército sair atras de você. Mas eu me odiaria eternamente se tivesse que ver você mais uma vez nas manchetes pelo conjunto que usou.
Anahí enfim riu, relaxando.
- Eu não esperava essa dimensão.
- Essa manifestação é só o começo, Anahí. As pessoas finalmente se identificaram com uma figura de luta, e não são nem a princesa nem o rei.
- Essas pessoas confiam a segurança a mim, mas eu sou só uma!
- Uma que está inspirando milhares. Crianças estão na rua usando máscaras e pedindo que você volte.
- Estão me convertendo em um personagem.
- Não! Estão te convertendo em um símbolo. Um símbolo de esperança. Não é você que luta pela democracia? Eles também.
Anahí ficou pensativa.
- E o que eu faço?
- Mostre que eles não estão sozinhos.
O sorriso da assessora era todo o conforto que Anahí precisava. Correram até a câmara oculta onde Anahí se vestiu como o mascarado. Gravaram um vídeo e com o pen drive em mãos, Anahí foi até a casa de Dulce.
O apartamento de Dulce ficava no centro da cidade. Era espaçoso, mas tinha poucos móveis. Parecia um galpão com as paredes antigas e mobília moderna. Livros e fotos por todas as partes. Dulce estava servindo um chá e lendo uns papéis quando sentiu o vento forte em suas costas. Havia deixado a janela fechada.
Alguém abriu.
Alguém que ela sentia a presença nas costas.
- Dulce? - a voz baixa saia quase em sussurro.
A jornalista respirou fundo e virou-se. E lá estava o mascarado. Deixou a xícara cair no chão e gritou:
- Ah!
A tal sombra levantou as mãos em rendição:
- Não grite... sou eu.
- Como você... - olhou para a janela, mas decidiu não fazer aquela pergunta estupida.
- Eu não tenho muito tempo. Estou aqui para te pedir um favor. - ela assentiu veemente. - Neste pen drive tem uma mensagem para os habitantes de Vera Cruz. Você pode me ajudar emitindo-o no jornal? - ela assentiu novamente.
- Claro. Mas eu posso ver antes de emitir? - Anahí assentiu. Dulce foi em direção ao computador, colocou o suporte e continuou:
- Meu editor nem vai acreditar quando... - e ao olhar para o lugar em que estava, só havia vazio. - Como não... até parece que você não viu Batman, Dulce. - sussurrou para si e suspirou. Pelo menos o havia visto de novo.
***
O dia da expedição havia chegado. O Secretário de Defesa havia elaborado um plano de ataque. Cansados da incerteza de se os nortistas invadiriam ou não, preferiram se adiantar. Instalariam um acampamento com tropas na fronteira para controlar o movimento. Para aquele ato, apostaram pela propaganda. O rei, a princesa, o secretário e o Comandante Nicholas Jonas. Uma foto saudando as tropas e enviando-as para o meio da floresta, na linha de confronto com as guerrilhas.
Enrique desceu do avião real saudando as tropas, logo depois foi a vez de Anahí. Caminharam pela base tirando muitas fotos, apertando a mãos dos soldados e ouvindo atentamente a explicação de como seria o acampamento.
Tudo estava normal, nos conformes, até que perto da hora de despedir os soldados, Anahí reconheceu de longe uma silhueta familiar. Zoe também:
- Oh merda.
Anahí pediu licença e caminhou com passos firmes até a van enquanto todos a observavam:
- Dulce? - perguntou incrédula. Dulce que dava instruções ao cinegrafista virou-se de repente, mostrando o desânimo ao ver a princesa:
- Anahí. - disse seca.
- Que diabos você está fazendo aqui?! - perguntou irritada.
- Não foi você que me recomendou visitar as instalações das Forças Armadas? Então, decidi aceitar. Estou indo com os soldados gravar um documentário no acampamento para contar ao povo o ótimo trabalho do nosso exército! - disse com todo seu deboche. Anahí enrijeceu o maxilar.
Não teve tempo de continuar com seu ataque de ira, pois seu pai se aproximou com Blanca e o comandante Jonas:
- Dulce? - Enrique disse animado.
- Majestade. - a jornalista fez uma reverência.
- Querida, quanto tempo!
- Papai! - Anahí se meteu. - O senhor sabia que Dulce quer ir com as tropas? - Enrique ficou sério e coçou o pescoço:
- Sabia, querida.
- E o senhor deixou?! - perguntou espantada. Ele assentiu:
- É o trabalho dela, Anahí. Além do mais, foi um pedido direto de Blanca. - Anahí olhou para a mãe da amiga, quem deu de ombros:
- Ela quer ir, Anahí. Eu não sou mais responsável pelas decisões que toma. E acho que seria positivo para a imagem dos serviços.
- Vocês só podem estar brincando. Ela não vai. - disse firme. Dulce cruzou os braços:
- E quem vai me impedir? - desafiou encarando-a. Anahí ponderou por um momento e enfim disse:
- Se você for, eu também vou. - Dulce arqueou as sobrancelhas descrente. Zoe arregalou os olhos e Enrique franziu o cenho.
- Um acampamento não é lugar para você, Anahí! - O rei disse.
- Por que não? - desafiou.
- É, majestade. - Dulce se meteu. - E é lugar para quem?
O cinegrafista tinha a câmera apontada para o rei, que teve que prender a respiração pra não colapsar:
- Não me entenda mal, mas Anahí não está acostumada ao campo de batalha...
- Nem eu, no entanto, estou confiando no excelente trabalho das nossas forças armadas, que com certeza farão o possível para me proteger.
- É, papai... - Anahí debochou. - Em que lugar estarei mais protegida do que dentro de um acampamento militar?
- Mas você não se preparou, não tem roupa, e a expedição já está saindo...
- Não tem problema, majestade. - Zoe interveio. - Prepararei a mala com o necessário para a princesa, como o comandante Jonas disse que um avião sairá pela noite com munições, não acho que se importem em levar...
Ao olhar todas para o comandante, ele deu de ombros:
- Posso ficar em terra e levar pessoalmente os pertences da princesa, majestade.
Anahí estava com um sorriso satisfeito. Dulce parecia divertida, como se quisesse descobrir como Anahí reagiria em um acampamento militar. Já Enrique estava prestes a explodir de tanto segurar sua raiva e manter a compostura:
- Neste caso...
- Vamos? - Anahí disse sorridente.
Se despediu de todos e cochichou alguma coisa com Zoe. Logo depois estava entrando no avião com os soldados. Seria uma viagem interessante.
***
Quando o avião militar pousou no acampamento, Dulce deu graças a Deus. Havia evitado Anahí e seu sermão durante toda a viagem, mas viu de longe como a princesa conversava com uma soldado. Ela era alta, corpo atlético e com um sorriso muito atrevido. Na identificação de sua farda estava o nome VIVES.
Desembarcaram e a jornalista foi guiada à uma tenda junto ao cinegrafista Murdock. Já Anahí, apesar de esperar um pouco mais, ganhou um trailers inteiro com todas as comodidades. Era ordem expressa do comandante Jonas, quem era o dono do veículo.
Uma cama de casal, cozinha, banheiro, sala e até mesmo uma área de descanso com sofá. As mordomias eram boas. Se instalou e após falar com Zoe sobre tudo que queria que mandasse, desceu para saudar os presentes. Logo, foi entrando na tenda de Dulce:
- Eu não te convidei a entrar. - Dulce disse olhando-a por cima do ombro enquanto desfazia a mala.
- Essa tenda pertence ao exército, que pertence à mim. Também foi comprada com o dinheiro do Estado, que por ironia, também é meu. Logo, eu não preciso de convite para entrar no que é meu.
Dulce suspirou, sussurrando:
- Dai-me paciência.
Anahí observou o lugar. Havia uma cama tipo uma maca. O colchão era fino e tinham um saco de dormir como cobertor. Um pequeno armário e só. Provavelmente comeriam com os soldados e usariam o banheiro comunitário.
- Eu tenho um trailer. - Anahí disse.
Dulce revirou os olhos:
- Como não.
- Você pode usar o banheiro e a cozinha de lá, caso queira.
- Não, obrigada, majestade. - disse dobrando as roupas. Anahí esperou pacientemente até que ela virou: - Você sabe que está em um acampamento militar, não sabe?
- Sei.
- E que na guerra os soldados não tem esse tipo de regalias que você, princesa, tem?
- Também. Mas esse trailer não está aqui especificamente para mim, mas sim para o comandante Jonas, quem o cedeu.
Dulce assentiu:
- E você claro que aceitou. - disse com desdém.
- Porque eu negaria?
- Talvez porque todos aqui estão em outras condições?
Anahí sorriu sem mostrar os dentes:
- Sabe, Dulce. Você ultimamente me ofende de graça, mas mesmo assim aqui estou eu, tentando te oferecer ajuda.
- Eu não te pedi sua ajuda.
- É, você tem razão. Mas sabe? Sinto falta da Dulce que era minha amiga. Pelo menos naquela época, ela não parecia se importar com o meu status. A Dulce jornalista não é nem um pouco agradável de se conviver. Passar bem.
E saiu deixando a jornalista sozinha com seus pensamentos. Mais uma vez, Dulce estava surpreendida com o que Anahí dissera.
***
Quando as malas de Anahí chegaram, Dulce estava fora conversando com os soldados. Anotou algumas coisas, investigou outras. Entre elas, soube que a tenente Vives havia se prontificado pessoalmente para ser a escolta da princesa durante sua estadia ali. Dulce não sabia muito bem porquê, mas não gostou nada daquela ideia.
Todos cochichavam as bagagens da princesa. Não eram malas e sim alguns baús e caixas de plástico com seguro. Os adesivos de frágil e o escudo da família real eram indiscutíveis: aquilo não podia ser só roupa.
Ao ser levado ao trailer, Anahí não apareceu em nenhum momento e logo ficou sozinha. Durante o resto da noite não saiu mais, e aquilo deixou Dulce curiosa.
Naquela mesma noite o vídeo do mascarado fora emitido pelo jornal, causando uma resposta imediata. Pelas redes sociais Dulce comentou, recebendo algumas críticas, mas muitas perguntas sobre como era o mascarado e se ela o conhecia.
Quando deu por si, estava deitada em uma tenda fria no meio da floresta. De vez em quando escutava os passos dos soldados que faziam a guarda, pensando em como as coisas haviam mudado. Anahí tinha razão, há alguns anos atrás ela não liga a pra status, se Anahí tinha sangue azul ou se vivia em melhores condições que os outros. Mas quando passou a viajar e ver os acontecimentos políticos em outros países, começou a entender como funcionava. Como era injusto. Claro que ela guardava um apreço especial por Anahí. Mas já não se importava com coisas materiais ou banais. Ela tinha sede de justiça, de lutar por seus ideais. Dulce queria mais.
Porém, que culpa tinha Anahí daquela mudança radical de pensamento? Que culpa tinha Anahí de ser princesa? Era uma das poucas amizades que tinha, e antes de adormecer, Dulce decidiu que pediria desculpa no dia seguinte.
***
A tenente Vives estava logo cedo na porta do trailer. Segurava um fuzil enorme e não parecia se importar com o sol. Dulce usava uma calça jeans, botas de montanha e uma camisa cinza do exército.
Parou frente a tenente e quis subir, mas ela a impediu:
- A princesa não está disponível para entrevistas. - disse ríspida. Dulce revirou os olhos:
- Eu não estou aqui para fazer uma entrevista.
- Então consultarei se pode recebê-la.
Enquanto a soldado abria a porta para perguntar, Dulce subiu e empurrou a porta. A tenente até tentou puxá-la, mas Anahí apareceu enrolada na toalha.
- Majestade! - Vives gritou fechando os olhos. Anahí arregalou os seus, mas logo sorriu sem jeito. - Ela entrou sem permissão, tentei impedi-la, mas...
- Tudo bem, tenente. Ela é mal educada assim mesmo. Pode deixar-nos.
- Mas ainda está de toalha e...
- Oh, não se preocupe. Pode ir.
- Sim, senhora.
E se foi fechando a porta. Anahí suspirou. Seu cabelo molhado ainda pingava.
- Ela é a primeira pessoa que eu vejo fechar os olhos por te ver de toalha. - brincou, mas Anahí não sorriu:
- Precisa de alguma coisa, senhorita Savinõn?
Dulce estranhou o tom sério, mas logo entendeu:
- Você está irritada?
- Não. O que quer?
- Então por que está com essa formalidade?
- Quero me vestir.
- E desde quando isso é um problema? Cansei de te ver pelada quando éramos pequenas.
- Disse certo, éramos pequenas e éramos amigas. Se o que veio fazer puder esperar, gostaria de me trocar.
Dulce levantou o queixo e cruzou os braços:
- Não, não pode. - Anahí suspirou e deixou os ombros caírem:
- Nesse caso, espere aqui.
Entrou no quarto e fechou a porta. Dulce abriu a boca em descrença. Mas que diabos? Algum tempo depois, e ela já sentada cansada de esperar, Anahí saiu com um coturno marrom, uma calça preta e camisa branca. Dulce a olhou de cima a baixo:
- Você andou malhando?
Anahí ignorou a pergunta e serviu um pouco de café:
- O que você quer, Dulce ?
- Ok, você claramente está irritada comigo, e talvez eu tenha feito por onde... - a princesa riu com escárnio:
- Talvez... - Dulce respirou fundo, controlando sua paciência:
- E é por isso que eu estou aqui. Queria me desculpar pelo meu comportamento.
Anahí engoliu seco e sentou-se frente a jornalista na mesa.
- De qual comportamento você está falando exatamente? - perguntou bebendo mais um pouco de café:
- Anahí, eu sei que você não escolheu ser uma princesa, sei que nunca se importou com esse título...
- Mas...
- Mas é inevitável não pensar que há tantas coisas acontecendo no mundo, mas parece que você está de olhos fechados, e na posição que tem seria tão mais fácil mudar as coisas.
- E o que te faz pensar que eu não queira essas mudanças?
- Tudo? Honestamente, você não parece se importar com essas coisas.
Anahí deixou a xícara em cima da mesa e limpou a boca com o guardanapo.
- Sabe, Dulce, o que parece ou deixa de parecer não significa nada. Até alguns meses atrás, nossa amizade era saudável porque você não me atacava. Porque você via em mim uma pessoa e não uma posição na escala social. Mas aí você passou a ter seus pensamentos e me converteu em alvo. Você literalmente pegou toda a responsabilidade e depositou em mim.
- Porque até então você só era minha amiga Anahí, e não a futura rainha do meu país!
- Não! Porque até então você percebia que eu não me importo com títulos, dinheiro, palácios e uma droga de dinastia. Alguma vez você me perguntou sobre meus planos quando for rainha?
Dulce ia responder, mas Anahí levantou o dedo, então ela suspirou:
- Não...
- Então como pode saber que não sou boa o suficiente? As outras pessoas eu até entendo, mas você que me conhece?
- É... - reconheceu tímida, brincando com os dedos em cima da mesa: - Acho que me empolguei demais com essa história do mascarado...
- Aí meu Deus! - Anahí se apoiou na cadeira. - De novo...
- É sério! - a jornalista confessou sorridente. - Acho que eu vi nele uma chama, sabe? Algo que tinha em mim, mas ignorava. Vê-lo agir meio que despertou minha vontade de mudar as coisas também.
Anahí riu com desdém:
- Ele faz tanto assim para a sociedade?
- Talvez você não perceba isso, mas nós que estamos lá em baixo... sim. Acho que no fundo eu... - ficou mais tímida, então sorriu sem jeito: - ... Meio que queria que você fosse como ele, sabe?
Anahí engoliu seco, mas assentiu:
- É... pode ter sido isso.
- Então eu meio que projetei todos esses ideais. Como se você fosse a líder perfeita unindo sua personalidade a esses ideais! - disse animada.
- Mas eu não sou ele, você sabe, não é? - Dulce riu assentindo:
- Sei sim... Não sei onde estava com a cabeça.
- É, eu também não. - disse sem jeito.
- Me desculpa? - Anahí assentiu:
- Claro.
- Bom, eu estou indo fazer um passeio pelas redondezas, você quer ir comigo?
- Claro! - levantou-se para ir, o que deixou Dulce curiosa:
- Espera, não vai dizer que é perigoso irmos sozinhas para fora do acampamento?
Anahí congelou no ar, segurando a xícara. Fechou os olhos com força e virou-se com um sorriso amarelo:
- Achei que estaríamos acompanhadas...
- Só se você quiser... mas eu prefiro ir sozinha. Não deve ter perigo, não é?
Anahí ponderou e assentiu:
- Mas não iremos muito longe, ok?
- Ok.
***
Anahí só precisou de uma ordem para convencê-los de andar pelas redondezas do acampamento.
Dulce estava fascinada com os macacos, esquilos e a vasta flora que encontravam pelo caminho. Sorriam e conversavam caminhando, relembrando momentos da infância pelo jardim do palácio, entre outras coisas triviais:
- Lembra daquela vez em que amarramos o mordomo para brincar de índio? - Dulce perguntou sorridente. Anahí quase teve um ataque:
- Quando o fogo começou a subir, ele rezou tudo que sabia! - As duas riam com vontade. - O papai me deixou uma semana de castigo depois daquela aventura. E o mordomo pediu demissão!
- Também, você inventou de acender uma fogueira em volta dele!
- Mas qual a graça de brincar de índio sem prender o homem branco? - Anahí disse dando de ombros. Continuaram andando em silêncio, talvez relembrando de como eram bons tempos. Até que ouviram um barulho de algo mexendo nas folhas.
Se entreolharam e a princesa procurou pelo acampamento, olhando para trás:
- É melhor a gente voltar.
Dulce assentiu.
- Você sabe como?
- A gente veio em linha reta, não foi? - Dulce assentiu meio dubitativa. - Então só precisamos voltar em linha reta.
Desde aquele ponto, caminharam por alguns minutos na direção contrária, mas além de árvores e mato, não havia nada mais.
- Anahí, estamos caminhando por um tempão e nada do acampamento.
- Eu já percebi, Dulce. Mas o que você quer que eu faça? Deveríamos ter marcado o caminho com algo. E nessa merda de lugar não tem cobertura!
- E se a gente gritar?
- Enlouqueceu? Pode chamar a atenção de algum bicho...
- Ou então a gente pode acabar na Colômbia se continuar andando sem saber pra onde!
- A Colômbia não seria uma má ideia. Adoro as colombianas... - De repente sentiu um tapa em suas costas: - Aí! Enlouqueceu? - questionou virando-se:
- Cala a boca.
- Tem um batente aqui, cuidado. - Anahí avisou risonha. Ficou parada e estendeu a mão para que Dulce segurasse, mas a jornalista ignorou, passando direto. Anahí revirou os olhos: - Insolente.
- Não preciso que você me segure o tempo todo, não temos mais 11 anos, Anahí.
- Talvez a gente não tenha, mas você continua sendo desastrada. - Dulce se ofendeu, virando-se para ela, mas continuou andando de costas:
- Você acha que eu não sou capaz de andar em uma floresta sem arranjar problema? - desafiou e Anahí deu de ombros:
- Acho. Cuidado aí, Dulce.
Mas a jornalista ignorou, continuou andando:
- E você que tem medo até de um cavalo? - Anahí ignorou, avisando novamente:
- Cuidado!
Mas era tarde demais. Ela havia pisado em uma espécie de armadilha que deixou a jornalista amarrada pelos pés de cabeça para baixo.
- Ah! - gritou. - Socorro! Anahí, me tira daqui! Socorro!
A princesa começou a rir, curvando-se:
- Eu sabia! Meu Deus, eu sabia!
- Para de rir, sua idiota! Me tira daqui!
Mas Anahí continuava rindo, até que ouviu barulhos entre as folhas. Dulce arregalou os olhos, e Anahí pediu silêncio levando o indicador a boca. Caminhou um pouco mais olhando ao redor, como tentando identificar de onde vinha o barulho, sem perceber que estava prestes a pisar em uma armadilha e acabou igual a Dulce.
- Merda! - gritou irritada. Dulce começou a rir também, balançando-se. Anahí apertou os olhos:
- Do que você está rindo? Agora estamos as duas fod/idas!
- De você, estupida! Tanto zombou para acabar do mesmo jeito. E agora, como vamos sair daqui?
- Se você tirar o sapato talvez consiga se soltar...
Dulce tentou, mas continuou amarrada.
- Não da, gênio.
- E se a gente gritar? - a princesa disse:
A jornalista fez uma voz mansa para imitar a princesa:
- E chamar a atenção de algum bicho na floresta! MIMIMIMI!
Anahí revirou os olhos:
- Antes era estupido sendo que eu podia te salvar, mas agora não temos nenhuma outra opção!
- Se você não fosse uma frouxa e tivesse treinado com o exército, já estaríamos soltas! - espetou.
- Se você não fosse tão irresponsável de sair andando ao redor de uma floresta sem escolta, a gente não estaria aqui!
- Se sou tão irresponsável, por que veio?! - gritou irritada. Anahí rebateu também gritando:
- Porque eu queria ficar com você!
Dulce se assustou com a revelação, ficando calada.
Após algum tempo em silêncio, a jornalista disse:
- Estou sentindo meu sangue todo em minha cabeça.
- Eu também.
- Acho que agora seria o momento de gritar.
Anahí resolveria aquele problema fácil, mas isso a levaria a mostrar habilidades que não podia a Dulce. Afinal, uma medrosa que só se importava em festas, não podia saber como se soltar de uma corda.
Mas quando o barulho de pisadas começou a ficar mais próximo, Anahí se questionou. Um pouco tarde, pois em seguida apareceram alguns índios guerreiros com lanças.
Nus, pintados, e apontando para as duas. Eram uns 15 homens falando em um dialeto desconhecido.
Elas se entreolhavam e se debatiam. Anahí então sussurrou:
- Essa armadilha deve ter avisado a eles que estávamos aqui.
- Jura?! - Dulce sussurrou forte. - Achei que foi obra do acaso! Não seja estupida, Anahí! Claro que eles foram avisados! E agora vão comer a gente!
- Se acalma! - Dulce começou a se balancear tentando bater na princesa:
- Não me manda ficar calma, você não está vendo que vai nos matar?
- Eu vou falar com eles!
- E você entende alguma coisa?
- Não! Mas devem ter um tradutor!
E enquanto elas discutiam e Dulce tentava acertar Anahí de todos os jeitos, os índios continuavam apontando para elas. Após o que devia ser a ordem de algum deles, elas sentiram como descendiam, até caírem no chão.
- Aí! - Dulce reclamou.
Os índios aproveitaram a mesma corda e amarraram as mãos delas, enquanto isso Anahí tentou conversar:
- Olá, vocês falam a minha língua? - o índio que a amarrava continuava em silêncio. - Eu sou a princesa Anahí.
O índio então levantou o rosto, franziu o cenho e disse algo ao seu chefe. Distinguido por um adereço na testa, se aproximou e cheirou Anahí. Respondeu algo e logo depois elas estavam andando escoltada por eles.
- Aí meu Deus, Anahí, eles vão matar a gente! - Anahí revirou os olhos andando logo atras dela:
- Provavelmente eles estejam nos levando para falar com o cacique, Dulce. Se quisessem nos matar, já teriam feito.
- Você vai negociar?
- Vou tentar, né?
- E você sabe?
Anahí bufou irritada:
- Cala a boca e anda.
Anahí e Dulce não sabiam, mas aqueles índios eram da tribo Baniwa cujo dialeto é o aruak. Os Baniwa vivem na fronteira de Vera Cruz com a Colômbia e Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiairi e Cubate, além de comunidades no Alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos. São exímios na confecção de cestaria de arumã, cuja arte milenar lhes foi ensinada pelos heróis criadores e que hoje vem sendo comercializada.
O caminho até chegar a aldeia foi curto. Como era de se esperar, um amplo espaço com várias ocas, crianças brincando, mulheres trabalhando e alguns homens correndo de um lado para outro, talvez informando da chegada das forasteiras.
Dulce olhava desconfiada para todos, já Anahí parecia maravilhada. Ouvir falar e até mesmo estudar era uma coisa, presenciar daquela forma, era outra.
Ficaram em pé no meio da aldeia e todos os guerreiros saíram, deixando-as sozinhas e amarradas.
- Viu só? - Anahí disse se aproximando. - Isso é um excelente sinal. Nos deixaram sozinhas.
Quando o cacique, distinguido por seu cocá, se aproximou, estava acompanhado de uma criança de uns 12 anos.
O cacique disse algo ao jovem e ele assentiu:
- De onde são?
Dulce praticamente pulou de alegria ao entender o que a menina dizia:
- Vera Cruz. - Anahi disse sorrindo. - Eu sou Anahi e ela é Dulce.
A menina traduziu. O cacique franziu o cenho e disse outra coisa:
- Princesa Anahi de Vera Cruz? - Anahi assentiu. - O que faziam na floresta?
- Estamos acampadas nas redondezas e queríamos passear... - disse sem jeito. O cacique não gostou muito da resposta:
- Acampadas? Onde?
Dulce e Anahi se entreolharam e a jornalista interveio:
- Em uma expedição de investigação. Olha, não queremos invadir seu espaço. Nem sequer sabíamos que havia índios na zona.
- É um lugar perigoso para se passear. Há homens por todas partes.
Anahí não entendeu:
- Homens?
A criança assentiu sem precisar consultar com o cacique:
- Homens brancos com armas de fogo.
- Com roupa verde? - a criança assentiu.
O cacique conversou com a garota, abraçou Anahi que não entendeu nada, e se foi.
Outros dois guerreiros se aproximaram com suas lanças e tiraram as cordas:
- Eles vão te levar até seu acampamento para que cheguem em segurança. Até mais.
E se foi correndo.
Anahí queria ficar mais, conversar, entender o que acontecia e perguntar o nome deles, mas um dos índios apontou para frente com a lança e não tiveram mais remédio do que caminhar.
- Graças a Deus. - Dulce disse limpando o suor da testa quando retornaram à mata. Anahí riu com desdém:
- Achou que eles iam comer seu coração e beber seu sangue? - continuavam andando e desviando alguns galhos. Estavam entre os três guerreiros.
- Ha há há, que engraçada ela. Pois claro que eu pensei!
- Não é porque são índios que são canibais, Dulce. Isso é lenda. A maioria só quer viver em paz.
- Justamente por isso! E aí vem duas mulheres brancas invadindo o território deles! O que você faz quando alguém invade nosso território?
- Mando o exército, eles interrogam e se estiver tudo nos conformes, os convidamos a se retirar do nosso território. Exatamente como eles fizeram.
- Claro, se fosse tão simples assim...
Os índios pararam de repente e elas também. Pediram silêncio olhando ao redor. Os movimentos eram imperceptíveis, mas eles se olhavam como se algo perigoso estivesse próximo. Apontavam as lanças em todas as direções, girando o corpo devagar. Dulce ia falar, mas Anahí foi mais rápida e tapou sua boca.
Não demorou muito e ouviram o primeiro barulho de tiro. O índio que estava atras deles caiu com um disparo no ombro.
Anahí e Dulce se jogaram no chão. Dulce foi em direção ao índio ferido, já Anahí e os outros dois se levantaram. Barulho de pisadas nas folhas, e eram rápidas. Como estavam escondidos atrás das folhagens, tentavam não chamar a atenção do lugar. Anahí até pensou que fossem seus homens, mas aqueles soldados estavam longe de querer lhe defender.
A roupa completamente verde e o inglês dizia tudo. Eram rebeldes. Rebeldes nortistas. Não pareciam muitos. Ela havia contado uns cinco. Pegou a lança do índio ferido, o que chamou a atenção de Dulce, que sussurrou:
- Você enlouqueceu?
Anahí levou o dedo indicador aos lábios, o que deixou Dulce mais preocupada ainda.
Não deu ouvidos ao que a jornalista dizia, aproximou-se com os outros dois guerreiros devagar. Cada um optou por uma direção, rodeando os guerrilheiros que conversavam reunidos. Anahí segurou a lança com força, caminhando semi abaixada. O fator surpresa não serviu de muito, já que eles tinham armas de fogo. Mas deu vantagem. Se olharam e os índios jogaram suas lanças, atravessando dois rebeldes que caíram mortos.
- Índios!
Os outros três viraram apontando para eles. Com a que tinha na mão, Anahí se enfrentou a um deles que levantou a arma antes que atirasse, com a lança acertou um golpe no rosto do soldado, que caiu no chão.
Restavam dois.
Ao vê-la, um deles tentou atirar, mas Anahí usou a lança para jogar a arma no chão. Ele tentou acertar um soco, mas ela desviou jogando o corpo para trás, acertando o cabo no rosto do soldado e chutando a barriga do mesmo para que caísse.
Os índios conseguiram render o último soldado em pé, mas eles não queriam esperar pelos reforços. Carregaram o índio ferido e correram de volta para a aldeia.
Anahí chutou as armas para longe dos soldados, olhando ao redor. Dulce estava levemente desconcertada com o que acabara de presenciar. Anahí, a sua amiga Anahí, se enfrentou com dois índios contra soldados rebeldes.
- Você está bem? - a princesa perguntou. Dulce estava chocada, mas assentiu lentamente, perguntando:
- O que foi isso? - questionou olhando a lança nas mãos da princesa, que deu um sorriso amarelo e a largou imediatamente:
- Sorte de principiante? - mas Dulce não aceitou muito bem. Cruzou os braços:
- Anahí, que diabos foi isso? - a princesa deu de ombros:
- Não sei, Dulce, deve ter sido instinto!
- Instinto? Você lutou contra soldados com armas! Isso não é instinto! - gritou.
- E você acha que é o que? - Anahí questionou impaciente.
- É o que estou tentando entender!
- Não temos tempo pra isso. - a princesa a puxou pela mão e começaram a caminhar. Mas Dulce não estava disposta a ceder:
- Onde você aprendeu a lutar assim? Aliás, desde quando você sabe fazer essas coisas?
- Aprendi algumas coisas com os guardas... - desconversou andando rápido. Anahí ainda segurava a lança e desviava os galhos tentando se concentrar em um caminho.
Dulce soltou sua mão, parando no meio do mato e cruzando os braços:
- Você acha que eu sou estupida? - Anahí arqueou a sobrancelha:
- Do que você está falando?
- Cresci com você, e não teve guarda nenhum te ensinando isso. Além do mais seus músculos estão mais definidos e você emagreceu.
Anahí reagiu como se fosse algo irrelevante, abrindo os braços:
- E? Não posso querer me cuidar?
- E que é muito estranho você que nunca sequer matou uma barata na vida, lutar desse jeito contra rebeldes armados.
Anahí suspirou deixando a cabeça cair para trás:
- Era só o que me faltava. - sussurrou. - Ok, Dulce! Sabe que? Da próxima vez eu vou ficar de braços cruzados para não confundir os prejuízos que você tem sobre mim. Agora, podemos continuar?
A jornalista cruzou os braços e bateu o pé:
- Não, até você me contar o que esconde.
Anahí começou a perder a paciência, esfregando a mão no rosto:
- Dulce, por favor!
Ela deu de ombros:
- Não saio, e daqui ninguém me tira.
Anahí deu de ombros:
- Ok, então boa sorte.
E sem olhar para trás, a princesa começou a andar. Nenhum sinal de Dulce seguindo-a. Dulce olhou ao redor ainda com seu nariz empinado, mas começou a ouvir passos entre as folhas, assustando-se:
- Anahi? - chamou, sem resposta. - Anahi, isso não tem graça. - alguém ou algo se aproximava cada vez mais, deixando-a ainda mais nervosa: - Anahi, para com isso agora!
Andou retirando alguns galhos até se deparar com outros dois soldados. Dulce olhou ao redor, e ao ver que estava em problemas, decidiu gritar:
- Socorro!
Os soldados a agarraram imediatamente, tapando-lhe a boca. A jornalista se debatia e gritava mesmo com a voz abafada:
- Shh, calada, dona. Ninguém aqui pode escutar seu xilique!
O mais alto disse. Dulce apertou os olhos e se debateu com mais força, mas mesmo assim era praticamente arrastada pelo outro que a abraçava com força.
Mas eles ouviram passos e pararam. Dulce estava ofegando. O que a segurava tirou uma arma apontando a sua cabeça. A jornalista arregalou os olhos, mas se manteve em silêncio. Com a cabeça, o mesmo acenou para que o outro fosse ver. Um barulho de folhas, um grito masculino e depois, silêncio.
O soldado que restava, caminhou lentamente apontando a arma para frente. Então decidiu que a ideia mais inteligente seria usar Dulce como refém. Levou o braço ao pescoço de Dulce, apertando-a enquanto apontava a arma a sua cabeça, e voltaram a caminhar lentamente. Foi assim que, ao desviar outros galhos, se depararam com Anahí e o tal soldado desacordado no chão.
A princesa o apontava com a lança, mas ao vê-los, ela enrijeceu:
- Jogue a lança no chão. - ele disse. Anahí ficou parada olhando profundamente nos olhos de Dulce. - Jogue no chão ou eu explodo a cabeça dela! - disse remexendo-se. Dulce apertou os olhos e começou a pedir que por favor a deixasse. - Ya, cállate!
Anahí, a contragosto, largou a lança no chão e mostrou as mãos:
- Deixe ela ir. - pediu, mas ele riu com desdém revelando os dentes amarelos:
- Só se estivesse louco. Você vem com a gente e se tentar alguma coisa, acabo com as duas. Ande!
Anahí olhou para Dulce mais uma vez e a jornalista assentiu. Respirou fundo e pisou no pé do soldado, soltando-se e correndo para trás de Anahí. Ele gritou, mas continuou apontando.
A princesa acertou um tapa na mão que segurava a arma, jogando-a longe, mas quando quis acertá-lo no rosto, o homem esquivou. Retirou uma faca da cintura, apontando-a para Anahí. Ele sorria e tinha os braços em posição de ataque. Quando deu um passo à frente, a princesa desviou, mas a ponta da faca conseguiu rasgar sua blusa e fazer um corta na barriga.
- Ah! - Anahí gritou. O homem aproveitou e acertou um soco no rosto da mulher que caiu no chão.
- Anahí! - Dulce gritou.
O soldado partiu para finalizar e enterrar a faca nela, mas Anahí avistou um coco seco e justo a tempo o jogou no homem, seguidamente o empurrou com a perna, levantando-se.
Dulce já havia visto algo parecido antes.
Mas Anahi parecia possuída pela raiva. Enquanto o homem tentava manter o equilíbrio, ela acertou um soco no rosto dele que tentou ir para cima com a faca. Mas ela se abaixou, usou uma rasteira para que ele caísse, e acertou um chute no peito do homem.
Pisou com o pé direito a mão que segurava a faca e apoiou o joelho livre no peito do mesmo para imobilizá-lo e finalmente acertou mais um soco, deixando-o desacordado.
Se levantou e respirou fundo, acalmando-se e finalmente virou para Dulce. Ainda ofegante, disse:
- Agora você vai me ouvir? - ela assentiu lentamente. - Ok, então vamos.
Anahí pegou a faca e a arma, começou a andar e Dulce foi logo atrás.
Dulce POV
Isso não pode ser uma coincidência. Eu já vi esses movimentos antes, inúmeras vezes na verdade. Desde que acompanho ele e tudo que vem fazendo na cidade. Vi algo idêntico quando fui assaltada! Se desfez das armas dos assaltantes do mesmo jeito, a mesma rasteira e forma de imobilizar. Tudo bem, pode ser um golpe famoso em artes marciais... mas coincidências não existem.
Faz sentido porque ela sempre foi sedentária e vivia reclamando de ter que ir para a academia. E agora, bom, não que eu tenha visto muito, mas os músculos estão definidos. Curiosamente, desde que o mascarado apareceu.
Mas como?
Isso é a coisa mais estupida que você já pensou, Dulce. Anahí não tem nada a ver com o mascarado.
Não, não... qual a probabilidade?
Meu Deus... e se ela...
E se for verdade?
E se Anahi for o mascarado?
Narrador POV
- Dulce! - Anahi a chamou gritando, então Dulce acordou de seus devaneios.
- Que! - gritou de volta, assustada.
- Estou te chamando e você não responde! Você está bem? - Dulce a encarou, franzindo o cenho.
- Você é o mascarado. - sussurrou não tão alto. Anahí enrijeceu, mas logo se recompôs:
- Que? Do que está falando?
- Faz sentido... em todas as aparições dele, você teve algum compromisso. Eu tenho as mensagens. - Anahi revirou os olhos:
- Acho que a aventura te abalou. Ainda bem que já vi o acampamento daqui. Vamos. - saiu andando.
- Não! - ela gritou de volta. - Você é ele sim! Os golpes, sua ausência quando ele atua e principalmente essa sua fachada. Ultimamente você está mais desleixada do que o normal, talvez para fingir e não chamar a atenção.
Anahí piscou lentamente e riu:
- Você não pode estar falando sério. Dulce, sou eu! A Anahi!
- Sim! Justamente por isso! - disse enérgica. - A princesa que não se preocupa com nada além dela, de dia uma imbecil e de noite um mascarado que luta por justiça. Só faltou o morcego para ser o maldito Batman!
Anahí riu negando:
- Deve ser a falta de água. Vamos. - tentou andar novamente, mas Dulce a puxou pela mão:
- Então olhe para mim e negue! - Anahi se virou com os olhos faiscando: - Negue na minha cara que você não é o mascarado.
A princesa estava ofegante, já que a distância que as separavam era mínima. Dulce também começou a sentir uma certa adrenalina por todo seu corpo. Não sabia se pela emoção de finalmente descobrir quem era o mascarado ou se era por ele ser... ela.
Anahí não disse nada, nem pôde. A tenente Vives se aproximou gritando:
- Princesa Anahi?! - Dulce nunca sentiu tanto ódio em sua vida. - Princesa?! - a soldado parecia meio desesperada, aproximando-se cada vez mais.
- Sim, soldado Vives. - Anahi gritou ainda encarando Dulce, mas se virou lentamente, fingindo um sorriso: - Estamos de volta.
- Meu Deus, o que houve com sua barriga?! - estava fardada e com um fuzil em mãos:
- Oh, um galho maldito. Essa floresta está cheia deles. - disse fingindo torpeza.
- Estávamos preocupados com o sumiço de vocês. Por que saíram sem escolta? É um lugar perigoso! Onde foram?
Dulce revirou os olhos e olhou para Anahi:
- Essa conversa ainda não acabou.
Enquanto passava, esbarrou propositalmente em Lucy, indo direto para o acampamento.
***
A pesar de muita insistência de todos para que o médico a revisasse, Anahi rejeitou e pediu que a deixassem descansar em seu trailer. Sozinha.
Não atendeu as ligações de Zoe nem de seu pai. Mandou apenas uma mensagem dizendo que estava bem e queria descansar. Depois de um longo banho, colocou um short elástico é um top. A ferida da barriga estava um pouco feia, mas nada preocupante. Limpou com algodão e um spray, mas foi interrompida pelo barulho da porta quando colocava um esparadrapo.
- Eu disse que não queria receber ninguém! - gritou colocando o curativo.
- Eu não sou ninguém. - Dulce gritou de volta. Anahí respirou fundo:
- Agora não, Dulce.
- Agora sim, Anahi. Abre essa porta.
A princesa deixou a cabeça cair para trás. Ela não desistiria.
Pegou uma camisa grande de pijama e caminhou até a porta, abrindo-a. Quando a jornalista entrou, ela ainda não estava vestida, pelo que Dulce pôde ver que Anahi não só tinha emagrecido, mas parecia uma lutadora profissional.
A princesa se vestiu com pressa:
- O que você quer, Dulce?
Dulce engoliu seco, desviando finalmente o olhar da barriga para os olhos azuis. Custou um pouco a falar, pigarreando:
- Eu... quero continuar nossa conversa. - Anahi suspirou:
- Dulce, por favor...
- Então negue, Anahi! - disse firme. - Negue que você é o mascarado e eu te deixo em paz. Não foi você que disse que a palavra é a nossa maior garantia? - a princesa engoliu seco. - Negue e eu vou confiar em você como sempre fiz. Mas por favor, Anahi... não minta para mim.
A princesa respirou fundo e deu as costas, apoiando-se na pia da pequena cozinha:
- Você já tem sua resposta...
Dulce abriu a boca e arqueou as sobrancelhas, surpresa. Por mais preparada que estivesse, a verdade teve mais impacto do que esperava.
- Por que você não me contou? - questionou ferida. Anahí riu com escárnio, mas nada disse. - Se aqueles soldados não tivessem aparecido, você ia continuar mentindo para mim? - gritou, mas a princesa se manteve em silêncio. - Responde, Anahi!
Porém durou pouco. Espalmou as mãos na pia e se virou, irritada:
- E o que você queria que eu dissesse?! Hein?! Que o personagem estupido que você havia criado na cabeça no fundo era eu? Qual a diferença, Dulce?
- Nós éramos amigas! Eu confiava em vo- mas Anahi a interrompeu, esbravejando:
- Não, Dulce! Eu era sua amiga! - avançou apontando para a jornalista: - Porque essa merda dos anos todos, eu fui apaixonada por você! Eu fazia idiotices para você rir quando algum babaca te iludia, e fazia de tudo pra você perceber que o tempo todo eu estava ali! - assustada, Dulce tinha a boca aberta. Anahí respirou fundo. Estava irritada. Então, continuou: - Qual a maldita relevância em te contar que eu sou o mascarado se quando estou sem a máscara você não me vê? - Anahi deu um passo à frente com o maxilar rijo e os olhos faiscando: - Não era isso que você queria? Uma explicação?! Então agora você já tem!
A princesa engoliu seco e deu as costas. Dulce estava desconcertada. Anahí a amava? Anahí era o mascarado? E o que aquilo estava lhe fazendo sentir, era bom? Ela não tinha as respostas exatas, mas também não quis pensar:
- Anahí... - chamou, mas a princesa não se virou. - Olha para mim.
- Vai embora, Dulce. Me deixa sozinha.
- Olha para mim... - pediu aproximando-se: - Por favor. - Anahí apertou os olhos e se virou, percebendo enfim que a jornalista estava muito perto.
Primeiro Dulce deslizou a ponta dos dedos pelo inchaço que a princesa tinha no olho esquerdo devido ao soco que levara. Anahí fechou os olhos controlando-se. Depois, Dulce guiou as carícias até os lábios da princesa, que abriu os olhos confusa. Dulce esboçou um meio sorriso, abrindo-o cada vez mais enquanto a olhava nos olhos:
- Eu te vejo. - disse enfim. Anahí franziu o cenho. - Eu te vejo, Anahi.
Levou as mãos ao pescoço da princesa, fechou os olhos e colou os lábios. O leve toque fez Anahí fechar seus olhos automaticamente antes de puxá-la pela cintura com vontade e beijá-la.
O beijo ficou mais intenso, as mãos começaram a descobrir lugares desconhecidos, os dedos encontravam os fios, os gemidos desde o fundo da garganta eram gasolina para um fogo que começava a se descontrolar. Com a cintura, Anahí empurrou o corpo de Dulce por toda a pequena cozinha, esbarrando-se nas esquinas sem se separar, até encontrarem o quarto.
As roupas caíram no chão, os gemidos se abafavam entre os beijos, e a dor entre o encontro dos corpos se fez imperceptível para Anahi quando finalmente teve Dulce em seus braços, vendo cada pedaço de sua alma e entendendo que a partir de então tudo ficaria melhor.
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A morte é algo surreal e difícil de ser enfrentado, mas faz parte da vida. É irônico, mas se você vive, seu destino final é a morte, sem volta, sem escapatória, não há como se esconder ou fugir da sua gadanha. Muitas vezes falar sobre ela é quase um tabu, como se tudo o que foi vivido tivesse que ser ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 22
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siempreportinon Postado em 08/01/2018 - 22:55:11
Estou amando suas histórias, cada dia leio uma. Sei que não comento muito mas estou sempre acompanhando suas publicações!
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natty_bell Postado em 03/01/2018 - 17:42:09
SCRRR EU TO APAIXONADA POR UMA ESTORIA AAAAAAA <3 tem muitas histórias ainda?? To amando serem varias em uma
Emily Fernandes Postado em 03/01/2018 - 19:10:48
Sim, as histórias são muito boas. Ainda tem algumas ou várias pra colocar em prática. Então que viva as histórias aleatórias da fic. Que história vc mais gostou?
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Nix Postado em 08/12/2017 - 19:51:32
Owt que capítulo incrível, amei a surpresa pra Any, o amor que elas fizeram não foi apenas de saudade mas sim de um amor que supera barreiras
Emily Fernandes Postado em 12/12/2017 - 18:03:21
Concordo com tudo que vc disse. O amor delas é lindo mesmo. Vamos ver sexta a onde mais uma vez a arte vai ser pintada.
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Nix Postado em 05/12/2017 - 17:10:33
Acredito que vou chorar horrores nessa história.
Emily Fernandes Postado em 08/12/2017 - 15:46:17
Espero que a história realmente agrade. Pq ela é linda e encanta.
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Nix Postado em 01/12/2017 - 19:28:21
Momento fofo amei, não há palavras para descrever esse capítulo
Emily Fernandes Postado em 05/12/2017 - 15:44:40
Não nunca há palavras pra descrever coisas simples E belas. Aproveite outra história.
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Nix Postado em 28/11/2017 - 09:14:53
Isso ai Anahi não desiste da Dulce Concordo com a Angel o destino delas estão traçados.
Emily Fernandes Postado em 01/12/2017 - 08:49:26
Sim, Anahí não desisti tão fácil. Porém acho que o destino ainda vai aprontar muito com as duas. Isso será inevitável.
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candy1896 Postado em 27/11/2017 - 11:32:28
Continuaa
Emily Fernandes Postado em 28/11/2017 - 07:52:35
Continuei kkk bjs
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Evelyn Postado em 25/11/2017 - 16:16:12
Olá maninha eu estou perplexa com suas histórias. Mas vamos ler não é. Bjs amor meu, eu sou a única com tal liberdade pra isso não é. Ahahahahahah
Emily Fernandes Postado em 28/11/2017 - 07:51:46
Olá quem seria vc mesmo. O assim. Não diga que minhas histórias não estão te agradando. Perplexa fica eu com sua ousadia. Mas te amo da mesma forma. Bjs evy. Ps sim vc é a única que pode me chamar do que quiser.
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siempreportinon Postado em 25/11/2017 - 11:05:01
Marquei presença aqui, amo suas histórias já pode continuar!!!
Emily Fernandes Postado em 28/11/2017 - 07:46:28
Vc sempre marca. Seu pontinho mesmo. Irei continuar.
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Lern Jauregui Postado em 25/11/2017 - 09:37:17
O primeiro encontro delas já vou uma arte rsrs .....A Annie uma fotógrafa de olhos azuis e sexy e a Dul uma garota linda e intrigante... E acho que a Annie meio que já se interessou,só acho rs. Mal posso esperar pros próximos capítulos.... Já pode continuar.. Bjs Emm.
Emily Fernandes Postado em 28/11/2017 - 07:45:05
Obrigada lern, acho que a arte está em tudo O que fazemos seja boas ou ruins, o importante É saber apreciar. Não é bjs pra vc tbm.