Fanfics Brasil - Capítulo 18 A arte da vida ( adaptada) ayd

Fanfic: A arte da vida ( adaptada) ayd | Tema: Portinon (ayd)


Capítulo: Capítulo 18

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Esse capítulo está incrível e bem interessante, !!!


Boa leitura!


Guerreiros não choram.


 



Essa frase faria mais sentido se estivéssemos falando de guerreiros de verdade, mas não estamos. Bom, há uns quinhentos anos, eles eram considerados os corajosos protetores da região e das famílias que lá viviam. Hoje em dia eles eram só um bando de aberrações que moravam dentro da floresta e frequentemente precisavam se esconder dos humanos que habitavam algumas casas na beira da estrada principal.
Já que eles não eram mais considerados guerreiros por ninguém – nem por eles mesmos – chorar talvez pudesse fazer parte da equação. E fungar. Com direito a limpar o que quer que escorra do seu nariz quando você chora muito.
Mas que bando de fracassados inúteis.


Soltaram as cordas que prendiam a pequena canoa, espaçosa o suficiente somente para caber um corpo.
Literalmente.
Em volta de seu líder caído haviam flores e frutas dos mais variados tipos, colhidos há poucas horas, pelos mesmos indivíduos que estavam presentes neste funeral. O corpo se encontrava deitado em uma cama de palha e a canoa carregava uma pequena bolsinha de pano confeccionada por seu neto, onde os "guerreiros" podiam depositar seus últimos agrados para o Alfa. Geralmente esses presentes eram feitos à mão e variavam de pulseiras e colares até pequenas esculturas de madeira ou gesso.
O neto do falecido ou o seu parente mais próximo era sempre o que fazia as honras e, tremendo, o homem avançou alguns passos, sendo observado por seus companheiros. Ele se agachou e soltou a corda que prendia a canoa com o corpo de seu avô à margem do rio, deixando que ele flutuasse calmamente pelo curso da água.
Voltou para perto de seus companheiros sendo consolado por pequenos apertos em seu ombro, se sentindo um completo desonrado por chorar tanto. Seu avô provavelmente teria levantado no meio da cerimônia e batido em sua cara, se pudesse.
Guerreiros não choram, mas Abel não sabia disso.
Ficaram observando a canoa com o corpo de seu líder deslizar com a delicadeza de uma pluma sobre o rio, até que a escuridão a engoliu e eles não conseguiram enxergar mais nada.


Em noites que antecediam a lua cheia, eles costumavam se encontrar e comer em volta da fogueira, conversando e confraternizando. Não que se transformar em um animal uma vez por mês fosse o life goal de alguém, mas o grupo havia nascido desta forma e não havia nada que pudessem fazer que não fosse seguir as tradições, porque se as coisas fossem ruins dentro de uma alcateia, acredite, estando sozinho era bem pior.
Naquela noite não houve comida feita à fogueira e muito menos qualquer demonstração de alegria por estarem ali. Além de terem que lidar com a dor da perda, tinham que tomar decisões para que a alcateia continuasse funcionando em harmonia.
Harlow, neto de Abel, seria o próximo alfa do grupo. O gene lobisomem sempre pulava uma geração, mas as linhagens permaneciam. Não havia nenhum outro integrante com o gene do alfa, mas, se houvesse, eles teriam que batalhar até a morte para descobrir quem seria o próximo líder da alcateia. Harlow sempre desejou que esse momento chegasse, mas agora se sentia mal por isso, pois implicava na morte de seu avô. Ele nunca parou para pensar direito no assunto, porém, depois de acontecer, ele estava péssimo.


Abel era um belo de um filho da puta. Teria sido um líder perfeito na idade média, mas eles estavam no século XXI e ninguém quer ser lobisomem em uma época onde os humanos querem pesquisar tudo o que é diferente para transformar como arma. Não que ele agisse de forma que parecesse que ele se importava, mandando o grupo assassinar lobisomens que não tivessem alcateia e tomar territórios de outras.
E de que adiantou essa merda toda?


Abel estava morto e ninguém da alcateia tinha interesse em continuar sua exploração territorial, nem mesmo Harlow. Ele queria muito ser o líder, mas a sensação de poder era o que o atraía e não tomar territórios à sua volta. E o homem estava certo, pois estavam em pouco número e tinham a região toda de Cloudy Valley para eles, era mais do que suficiente para caçarem e se esconderem.
O problema de tudo isso era que, para se tornar Alfa, Harlow precisava sacrificar um indivíduo que tivesse o gene dos lobisomens, mas ainda não tivesse atingido a idade de transformação – vinte e dois anos. Encontrar alguém com genes de lobo já não era fácil, quanto mais antes da idade da transformação. Ele podia tentar rastrear uma linhagem antiga ou, enquanto transformado, procurar pelo cheiro do indivíduo.


Nenhuma das duas formas era fácil e ele temia que outro Alfa chegasse para tomar a sua alcateia.
Quando tudo se encerrou, cada um seguiu para as suas casas. Harlow pediu ajuda da alcateia para encontrar quem ele precisava para o sacrifício e todos concordaram, o que não significava que fossem se empenhar tanto. Apesar de sim, haver o risco de aparecer outro Alfa e matar Harlow para comandá-los, não era algo que pudesse ocorrer logo no dia seguinte. Levaria tempo para que a notícia da morte de Abel se espalhasse – se é que iria – e até chegar em um lobisomem com gene Alfa que decidisse que era uma boa ideia tomar aquela alcateia, provavelmente Harlow já teria conseguido fazer o sacrifício que precisava.


Dulce estacionou sua caminhonete na frente da casa branca e suspirou, com uma preguiça prévia invadindo o seu corpo. Ela detestava mudanças, pois elas davam muito trabalho.
Era a primeira vez que ela se mudava de casa na vida.
Mas ela tinha todo o direito de já detestar, obrigada.
Desceu do veículo vermelho e tateou os bolsos, procurando a chave de sua – nova – casa. Quando finalmente encontrou, abriu a porta e olhou com cansaço para a parte de trás de sua caminhonete, que estava abarrotada de caixas. Passou a mão nos cabelos, realizando que não podia deixar aquilo ali o dia inteiro e foi até lá, tirando a corda que prendia as caixas e abrindo o compartimento, algo que iria facilitar as suas quinhentas viagens para dentro de casa até que ela levasse todas.


Se arrependeu de não ter aceitado a ajuda de seu pai, mas ele já tinha trazido e montado todos os móveis e parecia covardia pedir para ele ter mais dor de coluna só porque ela era uma porr/a de uma preguiçosa.
Tudo bem, Dulce podia fazer isso sozinha.


Pegou a primeira caixa, se amaldiçoando por ter tantos livros e cacarecos. Ela desejava ser uma recém adulta normal, que traria alguns pertences pessoais, roupas e porta-retratos, mas não, Dulce trouxe todos os seus milhões de livros e agora as caixas pesavam como o inferno.


- Maldita nerdice. – Resmungou consigo mesma, ao deixar a sétima caixa cair no chão de madeira, no meio da sala, formando uma fila estranha e irregular com as outras.


Uma delas estava virada no chão e ela esperava que não fosse a que continua vidro.
Tirou seu casaco, pois começou a sentir calor e prendeu os cabelos em um coque, indo para fora e vendo que ainda faltavam umas vinte caixas de papelão. Pegou a quinta falando todos os palavrões possíveis dentro da sua cabeça e quase derrubou a mesma no chão de susto quando ouviu uma voz bem atrás de si.



- Quer ajuda? – Dulce largou a caixa de volta na caminhonete e se virou, pronta para tirar o estilete que ela tinha no bolso e atacar caso fosse alguém tentando roubá-la. Claro que não tinha razão para ninguém assaltar ninguém nesse fim de mundo e foi por isso que a garota escolheu se mudar para cá. 3
E porque era perto de sua faculdade, é claro.


- Que susto! – Exclamou pondo a mão no peito e não podendo deixar de notar a mulher atrás de si, que tinha um sorriso charmoso no rosto.


- Me desculpe. – Ela enfiou uma das mãos no bolso. – É que eu moro logo ali. – Apontou com o polegar para atrás de si, onde haviam algumas casas ao lado da de Dulce. Elas eram um pouco distantes, todas separadas com cerca e apontando daquele jeito, a outra nunca saberia onde a estranha morava. – E vi que você está um pouco atrapalhada com as caixas. Quer ajuda?


Dulce quis se jogar no chão e agradecer à todos os santos, mas se limitou a dar o seu melhor sorriso.


- Eu não quero sentir que estou explorando você, mas uma ajuda seria incrível. – O sorriso da outra se alargou e ela estendeu para Dulce a mão que não estava no bolso.



- Sou Anahí. – Ela apertou a mão quente da mulher, se sentindo ridícula por não conseguir dizer nada legal sobre o nome dela. Não que ela não gostasse do nome Anahí, mas acontece que as pessoas sempre elogiavam seu nome e ela nunca sabia o que dizer.


- Sou Dulce
.
- É um nome muito bonito. – Está vendo?


- Obrigada. – Respondeu sem jeito e se virou para pegar uma caixa, vendo Anahí fazer o mesmo com uma facilidade infinitamente maior que ela.


Elas carregaram as caixas em silêncio por um tempo, até porque não era a coisa mais confortável do mundo conversar enquanto se carregam coisas pesadas. Anahí quis fazer uma piada e perguntar se Dulce havia trazido quilos de chumbo para cá, porém, ficou com medo de ser mal interpretada e decidiu ficar quieta. Continuar ajudando a bela mulher que iria ser praticamente sua vizinha parecia uma boa atividade para se realizar em um domingo monótono como este.


Dulce tinha uma prévia preguiça de tirar tudo das caixas e arrumar nos armários que tinha comprado com essa intenção. Do jeito que se conhecia bem, ela muito provavelmente deixaria alguns livros apodrecendo nas caixas pelo resto da vida, no porão, até que o próximo dono da casa encontrasse-os.
Pelo menos ela tinha ajuda.


- Parece que é só isso. – Anahí disse largando a última no chão, formando um aglomerado junto com as outras. Ao todo ela contou vinte e sete caixas, mas não tinha certeza se contou certo. Dulce estava muito ocupada tentando recuperar o seu fôlego para responder de imediato.


- Obrigada pela ajuda, Anahí. – A moça sorriu simpática e ameaçou começar a sair de sua casa.


Dulce costumava tentar ser legal com as pessoas e tentou fazer a si mesma acreditar que só iria dizer a próxima sentença por simpatia e gratidão e não porque sua vizinha tinha lindos olhos azuis e um sorriso de canto charmoso.


- Éér, hm, Anahí? – Chamou vendo-a girar sobre os pés para voltar a lhe olhar.


- Sim?


- Eu... Vou cozinhar alguma coisa agora, você quer ficar e jantar aqui? – Falou de forma desajeitada, limpando as gotas de suor da testa com as costas da mão.


- Não vou te atrapalhar? Quer dizer, você acabou de se mudar e deve estar querendo ajeitar as coisas.


- Não, que isso, eu insisto! – Dulce passou por Anahí e fechou a porta, indicando que ela não iria sair daquele lugar sem jantar antes. – Você me ajudou pra caramba com todo esse peso, o mínimo que posso fazer é te devolver pra sua casa de barriga cheia. – A morena de olhos claros sorriu, enfiando as mãos nos bolsos.



- Tudo bem, eu fico. Obrigada.
Dulce oi até a cozinha sendo seguida pela outra, que ofereceu ajuda, mas ela não aceitou. Começou a preparar um macarrão com queijo para o jantar, era o único prato que ela sabia cozinhar de forma decente o suficiente para que outras pessoas pudessem comer. Anahí sentou-se no balcão e apoiou os cotovelos no mesmo, observando Dulce tirar panelas e outros utensílios necessários de dentro de uma caixa.


- Então, o que fez você se mudar para Cloudy Valley? – Perguntou a morena, intrigada.
Poucas pessoas se mudavam para Cloudy Valley. Primeiro porque não havia muito para se fazer por aqui. Os shoppings, casas noturnas e outros lugares interessantes ficavam nas cidades grandes e, de carro, demorava pelo menos umas duas horas para chegar lá. A maioria das casas ficava na beira da estrada que levava para Detroit e os únicos comércios que verdadeiramente prosperaram – sendo úteis para a população que não passava de dez mil pessoas – ficavam no que Anahí chamava de "miolo" da cidade, que se encontrava na única área onde eles haviam devastado a floresta. .


A cidade era pequena e pouco habitada porque os fundadores só estavam interessados em explorar a região da floresta. No século XVIII, não havia mais do que quinhentos habitantes ali, que era em sua maioria os homens que sobreviviam do que extraíam do local – que ia de criação de gado até pele dos animais mortos pelos caçadores que ali viviam. Em meados do século XIX, alguns burgueses instalaram comércios na região, que prosperaram pois era muito mais fácil comprar mantimentos e roupas perto de sua casa do que fazer uma viagem que durava muito mais para se abastecer na cidade grande. Sem falar na dificuldade de locomoção na época e no quão difícil era para trazer esses itens para casa.


Com o tempo, algumas escolas foram construídas e no fim do século XX houve a inauguração da Universidade de Cloudy Valley a primeira e única faculdade da cidade até então. Não que ela precisasse de outras, é claro. Isso só serviu para as pessoas que já moravam lá se acomodarem ainda mais, mas também houve uma grande migração de cidades vizinhas para o local, buscando estar mais perto da faculdade.
Anahí só morava ali porque nasceu lá e porque era o único lugar onde podia se esconder. Sua alcateia ficava ali e havia espaço o suficiente para que ela se transformasse sem correr riscos de ser vista. Os vizinhos eram poucos e em sua maioria de idade avançada, pensavam que a morena frequentava raves em Detroit e por isso sumia cerca de uma vez por mês.
Quisera ela.
A morena acabou estudando por lá a vida toda e terminou por lecionar Teoria da Literatura na Universidade de Cloudy Valley, emprego no qual era mais fácil faltar e dizer que estava doente uma vez por mês sem demiti-la – até porque eles não tinham tantos professores para se dar a esse luxo. Por conta da sua pontualidade em passar mal, a reitora da faculdade acabou se convencendo de que a professora Portilla sofria de graves cólicas cada vez que seu ciclo vinha e que ela tinha vergonha de dizer, por isso continuava insistindo em desculpas como gripes ou sérios problemas digestórios. Ela não dava a mínima para o que a mulher iria pensar, contanto que não a demitisse e não desconfiasse da real verdade.


Anahí até gostava de dar aulas, principalmente em uma universidade, pois as pessoas ali estavam realmente buscando aprender e não há nada melhor do que ensinar para alguém que tenha interesse. Além do que, a permitia ter uma boa condição de vida sem precisar deixar a cidade – o que ela não faria mesmo que tivesse que tirar o seu sustento de uma possível horta no seu quintal.


- A faculdade. – Respondeu colocando óleo em uma panela. – Eu sei que poderia ter ido para outras universidades, mas escolhi essa porque aqui é um lugar tranquilo e eu não sou muito de badalações. Além do mais, sou escritora e estou tentando ter paz para escrever meus livros. – Ambas riram ao final da sentença.



- Bom, eu deveria desconfiar, depois de tantas caixas de livros. Que tipo de livros você escreve?


- Em geral são romances, mas às vezes gosto de dar uma passeadinha no campo da fantasia. – Sorriu. – Quer dizer, tecnicamente qualquer livro que conte uma história coesa em prosa que não seja dividida em contos, será considerado um romance, mesmo que fale sobre a vinda do Diabo à terra. Mas eu digo romance de verdade, seria considerado drama, no caso.


- Eu sei disso. – Falou sem conseguir segurar o riso. – Sou professora de Literatura. – Dulce pôs a mão sobre o peito. – Teoria da Literatura, na verdade. – Se corrigiu.


- Oh, me desculpe! E eu aqui falando como se tivesse inventado os gêneros literários.


- Não se desculpe, é bom ver uma jovem que se interessa tanto por Literatura. Apesar de ser infinitamente importante, se tornou algo banalizado hoje em dia. – Suspirou. – Você é o tipo de pessoa que vai levar esse país pra frente.


- Mas já somos a maior potência do mundo. – Anahi estreitou os olhos.


- É verdade, mas então você é o tipo de pessoa que vai ajudar a manter-nos nesse patamar. – Sorriu, apoiando o queixo sobre a mão. – A maioria dos jovens não dão a mínima para Literatura, é sério. Como professora, eu fico arrasada.


- Você fala como se não fosse jovem. Quantos anos você tem, Avril Lavigne?


- Vinte e sete. – Respondeu confusa. – Por que Avril Lavigne?


- Porque ela tem trinta e dois anos e tem a mesma cara de quando tinha vinte. – Anahi franziu o cenho.


- A Avril Lavigne tem trinta e dois anos?


- Sim. Acredite se quiser. – A morena negou com a cabeça. – Onde você leciona?


- Na Universidade de Cloudy Valley. – Respondeu com um sorriso. – Onde mais eu daria aulas? – Dulce bateu na própria testa.


- Mas é claro, que pergunta estúpida a minha.


- Qual curso você veio fazer?


- História. Além de adorar a matéria, quero aprender mais para poder datar meus livros melhor e quem sabe fazer um novo épico. – Riu de si mesma. – Estou brincando.


- Tenho certeza de que terá sorte com seus livros, Dulce.


Ela não soube fazer mais do que sorrir em resposta, tentando não se distrair muito com a conversa e cozinhar de forma apresentável. Claro que ela podia estar louca de convidar uma total estranha para entrar e jantar em sua casa, mas algo dizia que ela podia confiar em Anahí. E se a morena fosse lhe fazer algum mal, ela acreditava que já teria feito. A menos que ela fosse dessas psicopatas que querem ganhar a confiança da vítima antes de matá-la, mas Dulce não queria acreditar que isso aconteceria justo com ela.


Quer dizer, existiam outras vítimas em potencial que eram melhores que ela, certo?


- Tá pronto. – Falou mais para si mesma do que para Anahi, que mexia em seu celular de forma distraída. Levantou a cabeça apenas para ver Dulce pegando dois pratos.


- O cheiro está ótimo. – Comentou com um sorriso e a latina quis sentir orgulho de si mesma, mas não podia relaxar completamente até provar o prato e ter certeza de que ele não estava salgado demais ou sem temperos, era a especialidade dela fazer esse tipo de merda.
- Aqui. – Disse colocando um prato na frente de sua vizinha. – Espero que goste e que não morra envenenada. – Anahi riu, pegando o garfo.


- Eu também espero não morrer envenenada, quer dizer, você é nova aqui e seria a principal suspeita caso eu sumisse misteriosamente depois de ser vista entrando na sua casa. – Dulce riu, pegando seu prato e indo se sentar ao lado da outra.



- Eu não seria incriminada, vi todas as temporadas de How To Get Away With Murder.


- Isso está incrível. – Disse apontando para o prato.


Dulce sorriu, agradecendo. Anahí podia muito bem estar mentindo para ser simpática já que a mais nova tinha se dado ao trabalho de fazer a comida ou ela podia ter gostado de verdade. Ela nunca saberia, mas, quando provou, percebeu que realmente não estava ruim.


- Obrigada pelo jantar, estava muito bom. – A morena disse, se dirigindo à porta da casa de Dulce.


Jantaram ainda conversando sobre gostos e aspectos de suas vidas. Anahí insistiu em ajudar Dulce a lavar a louça, que acabou cedendo para parecer mais simpática. Não que ela não fosse uma pessoa agradável com estranhos, – principalmente com os que ela convida para jantar na sua casa – mas ela sentia a necessidade de parecer a melhor pessoa possível perante sua tão bonita e gentil nova vizinha.


- Não foi nada, obrigada pela ajuda com as caixas. – E então houve aquele momento constrangedor onde você não sabe se aperta a mão da pessoa, dá um abraço ou simplesmente abre a porta para que ela vá embora.


Dulce não teria problema nenhum em tocar a mulher a sua frente, mas não sabia como a outra reagiria. Anahí parecia igualmente sem jeito, tirando as mãos do bolso sem certeza de onde iria colocá-las. A latina deu um passo à frente depois de notar que recebeu um olhar que percorria da cabeça aos pés, sem saber como lidar com isso. Fez uma nota mental de se olhar no espelho depois que a morena fosse embora para ter certeza de que não tinha nada errado consigo mesma, afinal, por qual outra razão Anahí lhe olharia daquele jeito?
Que Deus lhe ajudasse.
Amém.
Soube o que fazer quando os braços da mais alta mexeram levemente como se indicassem um começo de um abraço e avançou, realizando o mesmo. Envolveu os ombros dela, sentindo seu coração acelerar com a proximidade.


Ficou instantaneamente nervosa ao sentir o aperto firme dos braços de Anahí em sua cintura, teve certeza de que suas pernas estremeceram. Como escritora, Dulce tinha uma mente fértil e ela viajou para sessenta e três mil lugares diferentes antes de voltar para onde Dulce estava e perceber que um abraço de mais de três segundos em uma pessoa que você acabou de conhecer é algo muito estranho.
O contato foi desfeito depois do que muito mais do que três segundos, Anahi estava tentando entender o que estava acontecendo enquanto passava a mão nos cabelos e via a mais baixa abrir a porta com um sorriso gentil no rosto. Dificilmente ela esqueceria o cheiro de Dulce, que era doce e parecia lhe lembrava flores das mais delicadas possíveis. Também havia algo mais, mas ela não conseguiu identificar porque seria estranho se literalmente cheirasse o pescoço de sua nova vizinha.


- Foi um prazer lhe conhecer, Anahi. – Dulce falou primeiro, querendo ter algo mais inteligente para dizer.


- Igualmente. – Respondeu sorrindo e enfiando as mãos nos bolsos, enquanto saia da casa. – Tenha uma boa noite, Dulce.


- Você também.


Dulce fechou a porta sentindo todos os nervos do seu corpo em alerta – não em um sentido ruim. Ela estava nervosa pelo que havia acabado de acontecer – ainda que não tivesse sido nada – e tentando assimilar as últimas três horas da sua vida. Ela havia se mudado, conhecido uma de suas vizinhas, que era gentil e bonita e ela havia acabado de jantar em sua casa.
Deveria ser uma coisa normal, mas seu cérebro revia a conversa repetidas vezes tentando lembrar se Anahí citou alguma coisa que envolvesse "namorado" ou "marido" e percebeu que não. Claro que por já ter quase trinta anos, ela não era obrigada a ter um relacionamento, mas geralmente as pessoas tinham e Dulce estava feliz por achar que ela não tinha.



Porque ela podia muito bem ter e não ter surgido momento na conversa para que a morena citasse tal coisa ou ela simplesmente não queria dizer.
E o que Dulce estava pensando, afinal?


- Estou louca. – Murmurou sozinha, indo tomar um banho.


[...]


- Para a próxima aula eu vou pedir para vocês lerem o texto que vou enviar no e-mail da turma porque iremos discuti-lo em sala, ok? – Disse arrumando suas coisas dentro da bolsa. – Não se esqueçam que nossa prova é daqui a duas aulas.


Os alunos começaram a sair da sala e Anahí respirou fundo, vendo que o sol começava a se por. Ela ajeitou sua bolsa no ombro e saiu da sala, se misturando com os estudantes no corredor e chegando rapidamente ao seu carro, no estacionamento.


- Anahí! – Escutou uma voz conhecida chamando o seu nome e passou a mão sobre a testa, no intuito de secar o suor frio que havia por lá. Virou-se lentamente, somente sendo capaz de abrir um sorriso por causa da pessoa que lhe chamava.



- Dulce... Que surpresa te ver por aqui...


- Eu estudo aqui, lembra? – Disse rindo.
Elas não tiveram muito contato desde o dia da mudança de Dulce. Anahí deu aulas praticamente o dia inteiro até hoje e Dulce só saía e casa para trabalhar e vir a faculdade, seu tempo livre era todo gasto ajeitando a mudança aos poucos e escrevendo. A Universidade era grande e era difícil delas se encontrarem lá, principalmente porque atuavam em setores completamente diferentes.


- Sim, me desculpe. – Respondeu um pouco sem jeito, vendo sua visão focar e desfocar. Ela não queria, mas precisava dispensar Dulce antes que ela visse algo que achasse suspeito.


- Você está bem? – Indagou aproximando-se da mais velha e tocando seu antebraço. Olhando de perto, ela suava e parecia tonta.


- E-estou, eu só... – Escondeu uma das mãos no bolso, ela começava a tremer. – Estou cansada e um pouco resfriada, preciso ir para casa dormir. – Dulce franziu o cenho.


- Quer vir comigo? Estou indo para casa também. – Ofereceu de forma gentil, mas por dentro tudo gritava que havia algo de muito errado. Não queria que Anahí sofresse algum acidente no meio do caminho, ela se sentiria extremamente culpada porque sabia que podia ajudá-la.



- É que eu vim de carro e... – Apontou para o veículo atrás de si, mas ela tinha certeza que não conseguia dirigir com sua visão daquele jeito.


Anahí deveria ter saído mais cedo para dar tempo de chegar em casa, mas ficou empolgada com o assunto e esticou a aula um pouco mais do que deveria. Eram sete horas da noite e estava começando a escurecer em Cloudy Valley, ela jamais poderia ter se sabotado dessa forma.


- Você não parece bem para dirigir. Vem, deixa que eu te levo. – Começou a puxar a maior pela mão, que passou novamente a manga da blusa na testa para secar o suor frio que de lá escorria. – Você é professora, eles não vão implicar se você deixar seu carro aqui por uma noite. Além do que, ele está seguro no estacionamento, coisa que você não estaria se saísse dirigindo sozinha no estado em que está. – Quando Dulce acabou de falar, elas já estavam na porta de seu carro. – Vamos, entre. – Abriu a porta do carona para Anahí, que entrou se sentindo um saco de batatas podre.


Fechou os olhos quando percebeu que era muito difícil focar o olhar em qualquer coisa que fosse sem que ela parecesse bêbada de tão desorientada. Inspirou fundo tentando se acalmar e dizer a si mesma que iria ficar tudo bem, mas o cheiro de Dulce que impregnava todo o carro a deixou tonta não só porque ela nunca tinha sentido um aroma tão bom enquanto seus sentidos ficavam aguçados, – não há muita coisa cheirosa na floresta, convenhamos – mas porque ela conseguiu decifrar o que era o segundo cheiro de Dulce



Solus lupus.


Pu/ta que pariu.


Anahí ficou tão assustada que acabou abrindo os olhos, encarando a mulher enquanto ela dava partida no carro. Inspirou novamente somente para ter certeza, mas dificilmente seu olfato a enganaria, não no estágio em que ela estava. Engoliu em seco apoiando a mão na porta e vendo a outra dirigir tão rápido quanto a noite caía, trazendo com ela a lua cheia e a maldição da morena.


Dulce estava ponderando se dirigia para a sua rua ou para um hospital, pois a outra só fazia piorar. Talvez ela tivesse uma doença grave e tentasse esconder, mas Dulce tinha certeza de que não era somente um resfriado.


- Quer ir a um hospital? – Indagou preocupada.


- Não! – A morena respondeu, com o tom de voz exaltado. – Só me leve para a minha maldita casa.


A mais nova não disse mais nada, dirigindo para onde elas moravam. Anahí fechou as mãos em punho para que Dulce não visse o quanto elas tremiam. Não demoraria para que aquelas juntas se quebrassem, assim como todas as outras de seu corpo. Quando o carro finalmente parou na frente da casa da mais velha, ela teve dificuldades para pegar sua bolsa e abrir a porta.


- Anahí... – Dulce chamou, colocando a mão no seu ombro. – Você tem certeza que não quer ir ao médico?


- Tenho. – Obrigou sua voz a sair da forma mais controlada possível. – Vou ficar bem, acredite.


- Cadê seu celular?


- Que?


- Seu celular. Vou salvar meu número nele e você vai me ligar caso precise de alguma coisa. – Anahí ficou parada olhando para Dulce . – Anda. – Ela tirou o aparelho do bolso do casaco, entregando-o para a menor depois de desbloquear. Não demorou trinta segundos para que ela o devolvesse. – Pronto.


- Obrigada... Por me trazer. – Dulce assentiu e ficou olhando até que ela entrasse. Em seguida, dirigiu por mais alguns metros até que chegasse na sua casa.


- Merda. – Anahí xingou fechando a porta atrás de si e se livrando da bolsa e do casaco pelo meio do caminho. Se certificou de ter trancado a porta da sala e começou a abrir os botões de sua blusa, mas não teve forças para tirá-la.


A noite já havia caído quase que por completo e não havia meios dela se transformar dentro de casa. Saiu pelos fundos, na porta que ela havia feito no quintal especialmente para isso, cambaleando e tentando correr pela floresta sem ter um destino certo. Grunhiu de dor quando percebeu que o céu estava completamente negro no exato momento em que os seus pulsos torceram e quebraram. Continuou correndo mesmo com a dor excruciante que sentia, porque sabia que iria piorar e que não estava longe o suficiente das casas da beira da estrada.
Apoiou a lateral do corpo na primeira árvore que apareceu na sua frente quando seu estômago se revirou, Anahí sabia exatamente o que vinha a seguir. Seu corpo todo tremeu e ela vomitou tudo o que havia de comida humana dentro de si, obrigando suas pernas a se mexerem assim que percebeu que tinha acabado. Sua pseudo corrida foi interrompida quando seus dois joelhos quebraram na direção contrária a que dobravam, derrubando-a no chão sem aviso prévio.


A morena rolou pelo chão de terra arfando e gemendo de dor, sentindo sua coluna se curvar, obrigando-a a se apoiar sobre as mãos e as pernas. A posição doeu tanto que ela cedeu e sentiu o baque quando seu corpo encontrou a terra fria. Rosnou alto quando os ossos das costelas se fecharam e seu pescoço estalou, deixando-a mais ereta em relação ao resto de seu corpo. As roupas que usavam anteriormente já haviam sido rasgadas a essa altura do campeonato e sua pele toda pinicou, deixando a textura alva e macia invisível por conta da grossa camada de pelo negro que tomou conta.



Seu rosto doeu como se ela tivesse levado uma paulada no nariz e no maxilar, era a última etapa daquele suplício. Anahí se levantou do chão soltando um rosnado gutural.


A transformação estava completa.
Sua forma animalesca sentia fome e Anahí detestava matar outros seres para se alimentar, mas ela não tinha opção. Era o seu instinto falando mais alto ali, deixando a professora de literatura inteligente e charmosa de lado, como se não fosse a mesma pessoa ali.
Bom, com certeza não era uma pessoa.


Avançou pouco mais a fundo na floresta que ela conhecia como a palma de sua mão, – ou pata, como preferir – chegando às margens de um rio que passava por lá. Seu olfato aguçado buscava pelo rasto de algum animal que ela pudesse seguir para se alimentar, porém, se viu obrigada a desistir da tarefa quando sentiu o cheiro de algumas flores que cresciam por ali. Inspirou mais fundo, fechando os olhos.
Aquilo devia lhe lembrar alguma coisa, não?


Se aproximou das pétalas delicadas, mergulhando fundo em sua própria memória. Sabia que devia se recordar de alguma coisa, mas não conseguia. Ela não lembrava de muitos aspectos de sua vida humana quando transformada, apenas dos mais importantes.


Expôs os enormes dentes rosnando de forma ameaçadora quando finalmente lembrou onde é que tinha sentido um cheiro tão suave e delicado antes. Achou que fosse de outras transformações, mas não, era de quando ela estava em seu estado humano.
Ao mesmo tempo em que se recordou do nome e do belo rosto da mulher, ouviu dois uivos, um seguido do outro, que vinham do outro lado das margens do rio.
Dulce.
Deu meia volta, correndo o mais rápido que podia para perto de sua casa. O resto da alcateia também havia se transformado e a última coisa que Anahí queria era que se aproximassem da casa dela, pois sentiriam o mesmo cheiro que ela sentiu no carro e entregariam a latina na mesma hora.
Não que a região onde ficava sua residência fosse necessariamente atraente para os outros lobos, mas Anahí sabia que Harlow iria andar perto das áreas mais habitadas em busca de encontrar a vítima que lhe permitiria ser oficialmente o alfa da alcateia.


A menos que as áreas fossem território de outros lobos, é claro.
Correu até seus pulmões arderem por ar e ainda assim só foi capaz de parar quando estava a uma distância segura das casas que lhe permitisse se proteger, mas que ainda assim seria considerado seu território se ela o marcasse e nenhum outro membro da alcateia se aproximaria.
Nem mesmo Harlow.


Uivou o mais alto que ela conseguia, tendo certeza de que todos os lobisomens conseguiram ouvir – assim como ela havia ouvido os uivos de dois deles há poucos minutos.


Anahí não saiu de onde estava durante a noite toda, querendo se certificar de que ninguém iria se aproximar de seu território. Não que ela achasse que fossem se interessar pelo local, já que lá quase não havia comida. Ela mesma atiçou seus sentidos ao máximo vendo se alguma coisa iria passar ali por perto, pois era quase uma regra que todos deviam se alimentar pelo menos uma vez durante cada transformação.
Caso o bicho não se alimentasse, ele estaria extremamente fraco na próxima transformação e ela seria muito mais dolorosa do que o de costume. Se ainda assim a criatura se recusasse a comer, isso poderia levá-lo à morte quando o dia nascesse.


Anahí estava tão focada em se certificar que ninguém iria se aproximar de Dulce e sentir o seu cheiro que logo ignorou a sua parte que buscava por alimento, montando guarda a noite toda atrás de sua casa. Ela uivou toda a vez que sentia o cheiro de algum colega seu de alcateia por perto, no intuito de espantá-los. Não hesitaria em entrar em uma briga, caso fosse necessário.



Dulce tirou os fones de ouvido e desceu a tampa do notebook, se espreguiçando na cadeira. Amanhã ela tinha que acordar cedo para ir trabalhar, mas tinha um problema sério com insônia e por isso decidiu assistir a um filme enquanto esperava o sono vir.
Não que isso tenha resolvido alguma coisa, é claro.


Passou a mão nos cabelos e caminhou devagar até a sua cama, se esparramando na mesma depois de se cobrir. Fechou os olhos e tentou se concentrar em dormir, afinal já era muito tarde e ela iria andar igual a um zumbi amanhã se não dormisse pelo menos quatro horas.
Seu corpo entrou em total alerta quando escutou um...
Uivo?


- Mas que por/ra... ? – Perguntou para si mesma, encarando o teto no total breu do quarto.


Existiam lobos em Cloudy Valley?
Era só o que lhe faltava.


[...]


Anahí gemeu de dor, deixando que seus joelhos cedessem assim que fechou o portão do quintal atrás de si. O frio do dia que havia acabado de nascer castigava sua pele desnuda e ela teve que se por de pé de novo, indo até o varal e pegando a maior blusa que encontrou pela frente. Não queria que nenhum vizinho chegasse de seu quintal e a visse naquele estado e ainda por cima nua. Vestiu-se com dificuldade, seu corpo todo estava extremamente dolorido e a cada movimento era como se enfiassem mil agulhas em suas juntas.
Ligou o aquecedor quando entrou em casa, estava morrendo de frio e isso dificultava ainda mais os seus movimentos. Subiu as escadas devagar e apoiando-se no corrimão, chegando ao banheiro nervosa para se livrar de toda aquela sujeira. Tirou sua única peça de roupa e entrou debaixo do chuveiro, sentindo-se confortável pela primeira vez desde o dia de ontem. A água quente ajudava com as dores e levava todas as impurezas da floresta que estavam sobre a sua pele.
Depois de se esfregar bastante com uma bucha, até sua pele alva ficar vermelha em alguns pontos, saiu do box e se secou de qualquer maneira. Seus pés faziam um barulho molhado no chão enquanto ela caminhava na direção de seu quarto, que só lhe parecia tão quente e seguro uma vez por mês. O relógio marcava sete e vinte e sete da manhã e era mais ou menos nesse horário que ela costumava acordar para executar seus afazeres.
Mas não em um dia como hoje.
Colocou várias mantas sobre si quando finalmente deitou, espantando o frio de seu corpo e não demorou muito para mergulhar em um sono pesado, já tão conhecido pela morena.


Demorou uns três apertos da campainha para que ela acordasse. Ainda com o rosto enfiado no travesseiro, percebeu que já era noite novamente ao ver o céu ao lado de fora através da janela. Respirou fundo antes de virar de barriga para cima, encarando o teto e escutando a campainha tocar mais uma vez.
Quem diabos podia ser?


Mexer-se era infinitamente mais fácil do que foi de manhã, quase não doía. Seu estômago estava roncando de fome e sua cabeça estava pesada, mas fora isso a morena estava bem melhor.


- Já vou! – Gritou quando ouviu o som estridente mais uma vez, suspirando e indo em direção ao seu closet.
Roupas.
Anahí precisava de roupas.


Vestiu um conjunto de moletom azul escuro e foi até o espelho, vendo que seus cabelos pareciam que não eram penteados há séculos. Ela sempre se arrependia de dormir com eles molhados, mas não era como se a morena fosse chegar em casa após de uma noite transformada em um bicho e tivesse disposição para secá-los depois do banho. Escovou os dentes, porque ninguém que estivesse batendo a sua porta merecia sentir o bafo de alguém que dormiu o dia inteiro e não comeu nada.


 


Penteou os fios castanhos de forma rápida, somente o suficiente para que ela não parecesse uma louca e desceu, rezando para que não fosse nenhum dos vizinhos velhos pedindo alguma coisa que eles esqueceram de comprar no mercado. Bom, já passavam das sete horas da noite e o correio não fazia entregas a essa hora, então a menos que fosse alguém da alcateia, era provável que ela fosse encontrar um idoso com uma tigela na mão pedindo um pouco de farinha.
Na melhor das hipóteses podiam ser pré-adolescentes vendendo biscoitos para arrecadar dinheiro para a escola. Seria uma boa.
Anahí gostava de biscoitos.
Quando abriu a porta, viu todas as possibilidades que montava em sua cabeça se desfazerem.


- Oi. – Dulce disse com um sorriso. – Que bom que você está viva.


- Por que eu não estaria? – Perguntou confusa, abrindo mais a porta e deixando implícito que Dulce podia entrar.


- Porque ontem você estava passando tão mal que nem conseguia dirigir e hoje você não foi dar aulas, achei que tivesse piorado. – Dulce a viu naquele estado, merda.
Anahí havia se esquecido desse detalhe.


- Estou bem. – Sorriu. – Pode entrar, só não repare a bagunça.


- Não pode ser pior do que o que viu na minha casa naquele dia. – Disse sem reparar muito para não deixar Anahí constrangida, mas a casa não estava desarrumada não.


Dulce passou pela morena, que não pode deixar de inspirar. Ela não conseguia sentir mais do que o seu aroma superficial estando em seu estado humano, mas somente aquele perfume doce lhe trouxe à tona memórias das últimas vinte e quatro horas.


Geralmente Anahí não se importava com o que fazia nas noites de lua cheia, porque, embora não gostasse, caçava animais e ela detestava lembrar que matou algum ser vivo. Mas ela não se alimentou na noite passada e fez dos arredores da casa da mais nova o seu território, para Harlow não sentir seu cheiro e vir para sacrificá-la.
Não sabia se a menor tinha a mínima noção de tudo o que acontecia em volta dela e de que ela era sortuda – no sentido ruim – por ter se mudado para Cloudy Valley. Pelo lado bom, Anahí tinha certeza de que iria protege-la – pelo menos até Harlow encontrar outra vítima ou até sua idade de transformação chegar, mas tudo isso a colocava em uma situação de extremo risco.
O futuro alfa tinha os sentidos mais aguçados do que o do resto da alcateia, afinal, ele tinha que ser mais forte para protegê-los e liderá-los, e Anahí não sabia se ele era capaz de sentir o cheiro de Dulce caso esbarrasse com ela na rua – enquanto estivesse em sua forma humana.
Ela rezava para que não.


Também não tinha certeza se a mais nova sabia o que se tornaria daqui a alguns anos ou se sua família escondeu isso dela como a de Anahí fez. Sua única opção era se aproximar mais dela, talvez para pegar o seu sobrenome e pesquisar sua linhagem. Se bem que pelo menos até onde Anahí conseguiu decifrar pelo cheiro que sentiu no carro, ela não pertencia a nenhuma alcateia.
Lobisomens de linhagens solitárias têm um aroma muito específico, mesmo antes da transformação, o que a tornava ainda mais propícia para Harlow. Se não tinha nenhuma alcateia lhe esperando, era muito mais fácil sacrificá-la sem que ninguém viesse tomar satisfações.


- Obrigada por se preocupar. – Disse indo até o sofá e tirando uma de suas jaquetas de lá de cima, que ela não conseguia se recordar como foi parar lá. Jogou o objeto em cima da poltrona, vendo que a latina lhe lançava um olhar divertido. – É muito gentil de sua parte. – Como resposta ela ganhou um sorriso enorme.



Anahí não soube o que fazer por alguns momentos, perdida no que via a sua frente. Dulce era uma jovem muito bonita, que parecia melhor ainda dentro daquela calça branca apertada. A morena se sentiu um pato morto vestindo aquele moletom velho, mas como ela supostamente estava "doente", ninguém podia exigir que ela tivesse vestindo Prada.
Até porque, Anahí não ligava para marcas.
E, se ligasse, não seria para Prada.


- Não precisa agradecer, não foi nada. É que, sabe, moramos sozinhas e se morrermos, vamos ficar dias apodrecendo até alguém notar o cheiro ruim ou vier no visitar e perceber que estamos mortas. – A morena riu e indicou o sofá para Dulce se sentar. – Quer dizer, você mora sozinha, né? – Perguntou com pânico de repente um homem barbudo descer as escadas e se apresentar como o seu marido.


- É um pensamento muito mórbido para uma jovem e, sim, eu moro. – Graças a Deus.
Não que isso a impedisse de ter um namorado. Ou namorada. Ou um ex marido.
As possibilidades eram tantas e a língua de Dulce estava quase abrindo um buraco de tanta vontade de perguntar, mas ela decidiu que tinham muita pouca intimidade para tais indagações.


- Já disse que não sou muito mais jovem do que você. – Anahí se sentou ao lado dela depois de escanear o sofá com o olhar e ter toda a certeza de que ele estava limpo e livre de qualquer coisa que pudesse causar uma má impressão na mais nova.


- Quando você nasceu, eu tinha sete anos. Eu podia muito bem ter te pego no colo, se nos conhecêssemos.
Você ainda pode fazer muita coisa comigo no colo hoje em dia, Anahí.


- Crianças de sete anos não pegam recém-nascidos no colo a menos que os pais sejam muito imprudentes de deixar. Então não, você não podia ter me pego no colo. – Mas pode pegar agora.


Dulce e seus pensamentos estavam bem, obrigada.


- Você sempre leva essas discussões tão a sério assim? – Anahí perguntou dando uma risadinha.


- Eu tenho lua em áries, é mais forte que eu.


Eu tenho a lua em lobisomem, não tá fácil pra ninguém mesmo.


- Não entendo nada de signos, desculpe. – A morena sentiu sem estômago roncar novamente, ela precisava urgentemente de algo para comer.


- Mas eu sim, qual o seu? – Ela estreitou os olhos.


- Eu acho que é câncer, não tenho certeza. – Dulce queria perguntar a hora que ela nasceu para fazer o mapa, mas isso seria estranho.


- Você tem cara de canceriana mesmo.


- Signo tem cara? Achei que fosse pela data do nascimento.


- Também. – Dulce piscou.


- Olha, eu vou ligar e pedir algo pra comer, quer ficar e comer também? É que eu não comi nada hoje, estou morrendo de fome. – Dulce abriu a boca. – Não, você não vai atrapalhar, nem ouse me fazer essa pergunta. Do que gosta de comer?


- Qualquer coisa.


- Tá bom, vou pedir japonês.


- Não gosto de japonês. – Disse meio tímida, Anahí sorriu.


- Você não disse que gostava de qualquer coisa?


- Eu não lembrava da existência do japonês.
– Murmurou com vergonha.


- Estou brincando com você. – Lhe deu uma cotovelada de brincadeira e pegou o celular. – De pizza você gosta?


- Quem não gosta? – Respondeu sorrindo.



Anahí fez o pedido tentando ignorar o fato de que estava sendo observada por Dulce quase que o tempo todo. Seus olhos castanhos pareciam lê-la e ela não costumava ficar nervosa sob olhares – até porque a morena era professora e trabalhava o dia todo com uma sala inteira de jovens da idade de Dulce a olhando – pelo menos até agora. Dulce não disfarçou nem mesmo quando Anahí largou o aparelho de lado e lhe devolveu o olhar na mesma intensidade.


A mais nova quase recuou porque aqueles olhos azuis lhe observavam com tanta vontade que pareciam que iriam desmontá-la a qualquer momento. Suas palmas suavam frio àquela altura do campeonato e ela teve que encarar aqueles lábios rosados nem que fosse uma vez só, sem saber o que fazer consigo mesma.


Anahí tentava manter em mente que ela só queria saber o suficiente da menor para descobrir se ela sabia o que era ou não e que precisava que Dulce confiasse nela caso não soubesse de nada. Suspirou escorregando o olhar para seu corpo e engolindo em seco, sentindo seus nervos quase que entrando em choque de tão eriçados que ficaram.
Fazia muito tempo que a morena não tocava em ninguém. Ela ocupou sua cabeça bastante desde que começou a dar aulas na faculdade e como morava nesse fim de mundo, quase não conhecia pessoas novas. Namorou apenas duas vezes – antes da sua primeira transformação – e desde então evitou tal coisa, pois não queria expor seu segredo e consequentemente a sua alcateia para pessoas de fora.


Geralmente os lobisomens namoravam entre si, mas nunca que Anahí ia deixar um macho brutamontes daquele encostar nela.


Preferia morrer sozinha. Não virgem, porque pelo menos dessa parte ela tinha se livrado na adolescência e não foi com um armário 4x4 que virava lobisomem toda lua cheia e sim com uma menina. Uma garota delicada, gentil e feminina.
Nunca que ela iria trocar isso por um macho.


O diferencial de Dulce é que elas eram iguais. Ou pelo menos seriam, daqui a alguns anos.


Não que por causa disso Anahí achasse que Dulce fosse querer algo com ela, até porque ela podia muito bem ter um namorado em outra cidade ou ter conhecido alguém na faculdade. E mesmo que não fosse comprometida, ela podia simplesmente não se interessar por meninas ou pela morena em específico.


Mas bem, a Dulce lhe encarava de uma forma em suspeita enquanto ela falava ao telefone, o que não necessariamente fosse caracterizar uma forma de interesse. Anahí podia muito bem estar com cara de doente ou ter pasta de dente em sua bochecha. E o fato de Dulce ser tão gentil com ela era compreensível, já que a vizinhança era composta por idosos e Anahí era a única pessoa que tinha uma idade que se assemelhava com a sua.


A probabilidade de não acontecer era sempre muito maior do que a de acontecer.


- Então, o que tá achando dessa cidade incrível, badalada e moderna? – Dulce gargalhou.


- Eu já disse que gosto de lugares calmos, então eu estou gostando. Só achei estranho uma coisa, eu não sabia que tinham animais na floresta. – Os músculos de Anahí enrijeceram quase que automaticamente.


Dulce ter lhe visto era o menor dos seus problemas, sua cabeça pipocava com as possibilidades de Harlow ou outro membro da alcateia ter encontrado a casa de Dulce e ela ter visto um deles. Porque se eles a encontraram, não demorariam nadinha para preparar o ritual de sacrifício – apesar de Anahí ainda não ter sido avisada de nada.
Não que fosse necessário a presença dela, até porque, ela era bem afastada dos membros da alcateia. Também seria solitária se não tivesse encontrado com esse grupo em uma de suas primeiras transformações e como ela ainda não entendia direito o que estava acontecendo com o seu corpo, não os atacou e eles a acolheram.



Estava lá porque não queria ficar sozinha e existia uma certa segurança em fazer parte de um grupo – por exemplo, se você morresse, eles iriam vingar a sua morte. Não que ela desse a mínima, porque estaria morta. Mas ela vivia em paz com o grupo, os ajudava quando precisavam completar alguma missão – que não envolvesse matar sua vizinha – e em troca tinha um local seguro com alimento e espaço o suficiente para ficar durante suas transformações.
Harlow só iria precisar de ajuda para montar o ritual e provavelmente chamaria alguém mais próximo a ele para lhe auxiliar. Não era tão difícil sequestrar alguém nessa cidade parada e Dulce morava sozinha, demoraria dias até que alguém percebesse que ela não estava mais lá.
Quando a polícia encontrasse o corpo, seria tarde demais.
Não.
Anahí não iria deixar isso acontecer.


- V-você viu algum animal? – Dulce negou com a cabeça e a morena quis urrar de alívio.


- Não, mas escutei uns dois ou três uivos na noite passada. Eu não sabia que aqui tinha lobos, vou cancelar os planos de dar uma volta na floresta final de semana. – Os uivos eram dela, graças a Deus. Dulce não teve contato com nenhum outro membro da alcateia na noite passada e era só isso que Anahí precisava saber.


- Algumas pessoas também escutam, mas eles são tipo uma lenda. Ninguém nunca viu um lobo por aqui ou algo assim. – Deu de ombros, como se não fosse importante. – Eu mesma já fui a floresta várias vezes e nunca topei com nada maior que um esquilo.


- Você já escutou esses uivos?


- Uma vez. Foi há muito tempo. – Passou a mão nos cabelos. – Os mais velhos dizem que os lobos ficam pra lá das montanhas, só escutamos os uivos porque o eco trás o som até aqui vez ou outra. – Disse, sabendo que isso era algo que, por exemplo, seus vizinhos diziam. Dulce podia perguntar e o Anahí disse seria confirmado.


Não que ela não fosse contar a Dulce, mas elas mal se conheciam e Dulce provavelmente não acreditaria em Anahi. A menos que ela soubesse de tudo e de que faltavam dois anos para a sua primeira transformação e quisesse saber o que a morena sabia.
Não que se fazer de sonsa, nos dois casos, não fosse a melhor opção.
De qualquer forma, se sentia mal mentindo para a menor.


- Tem certeza? – Estreitou os olhos. – É que eu realmente queria dar uma voltinha na floresta... – Dulce deixou a frase no ar e Anahí não se permitiu pensar duas vezes.


- Quer que eu te acompanhe? – A mais nova abriu um sorriso, pois estava prestes a convidar a maior.


- Sim, eu adoraria. Sábado você está livre? – Pra você? Sempre, tirando às noites de lua cheia.


- Sim. – Dulce nunca sabia o que dizer depois de marcar algo com alguém. – Que horas? – A morena a salvou do silencio constrangedor.


- Depois do almoço?


- Sim, pelo menos dá pra dormir até tarde.


- Professora Portilla, estou chocada com toda essa preguiça. – Disse fingindo surpresa. Anahí gargalhou.


- Engraçadinha! – Respondeu ainda rindo. – Professores também dormem, ok? Vocês nos veem como monstros, mas somos normais. – A menos se você se transformar em lobisomem toda a lua cheia. – Até série nós assistimos.


- Que tipo de série? Essas do Discovery? "Alienígenas do Passado"? – Anahi estava quase chorando de rir.


- Você... – Respirou fundo no intuito de pegar ar. – Isso não tem graça! Eu assisto as mesmas séries que meus alunos assistem, às vezes até uso para dar exemplos na aula. – Ela finalmente tinha conseguido ficar séria. – Agora eu estou vendo aquela, qual o nome mesmo? É... "Orange Is The New Black".



Sapatão.


- O que? Eu amo essa série! – Dulce quase deu um pulo no sofá. – Nossa, chorei tanto com a morte da Poussey, nunca vou superar. – A morena arregalou os olhos.


- A Poussey morre? Eu não acredito que você me deu esse spoiler, ela era a minha favorita!


- Mas essa temporada já saiu vai fazer um ano.


- Eu ainda estou na segunda, nossa. Não quero mais ver, ela é a melhor personagem.



- Desculpe pelo spoiler, eu achei que já tivesse passado dessa parte. – A morena iria responder, mas a campainha tocou.


- Deve ser a pizza.


Anahí se levantou dando graças a Deus pela pizza já ter chego, afinal de contas, ela estava morrendo de fome e queria devorar a caixa inteirinha. Claro que ela não conseguiria comer tudo sozinha e seria uma puta falta de educação, além de provavelmente fazer Dulce sair correndo achando que a mulher era louca.


A noite transcorreu bem. Era fácil conversar com a mais velha, ela era muito gentil e ria de todas as suas piadas. Além de ter comprado comida para as duas, o que era a melhor parte.


Não demorou para que Dulce percebesse que já havia passado da hora de ir para casa dormir, pois no dia seguinte teria que acordar cedo para ir trabalhar e depois iria para a faculdade. Não que ela tivesse necessariamente uma mãe que iria perguntar o que ela estava fazendo na casa de sua vizinha até meia noite e vinte e sete, mas acontece que ela tinha que ser responsável por si mesma agora que morava sozinha.


- Espera, deixa que eu abro. – Anahí falou correndo até a porta antes que Dulce chegasse na mesma. – Não sou supersticiosa, mas dizem que se a visita abrir a porta, ela não volta mais. – Girou a chave na fechadura. – Prefiro não arriscar. – Sorriu.


- Então você quer que eu volte? – Dulce perguntou com o coração disparando contra a sua vontade.


- Claro. – Dulce não sabia responder aquilo de uma forma que não envolvesse troca de saliva, então optou sorrir tanto que parecia que seu rosto ia rasgar.


- Obrigada pela pizza. – Anahí deu de ombros, como se não fosse nada e puxou a mais nova para um abraço antes que a mesma percebesse o que estava acontecendo.


O cheiro de Dulce era, definitivamente, o seu novo cheiro favorito.


- Te vejo no sábado? – Indagou quando se separaram.


- Você provavelmente vai me ver antes porque sou sua vizinha e estudo na mesma faculdade que você dá aula, mas sim, nos vemos no sábado. – Disse dando um sorriso para Anahí, que assentiu enquanto a latina se afastava depois de piscar.


O sábado só seria dali a dois dias e Dulce se surpreendeu com a rapidez que a quinta e a sexta feira passaram. Ela ficou ocupada entre o trabalho, a faculdade e se dedicar a escrever o seu livro, então não teve muito tempo para ficar pensando na sua vizinha – embora morresse de vontade de topar com ela durante sua rotina. O único contato que teve com Anahí foi através de mensagens, na quinta-feira de manhã a mulher lhe enviou um SMS agradecendo pela noite passada e dizendo que se divertiu muito.
Dulce queria responder que Anahí não viu nada e que podia fazê-la se divertir muito mais, mas seria loucura e ela se limitou a dizer que também gostou muito. A parte boa era que agora ela tinha o número da maior e podia ligar assim que achasse uma desculpa convincente o suficiente.


Bom, ela não encontrou e preferiu não ter contato com a mais velha nesses dois dias porque, dessa forma, seria mais empolgante ir andar com ela na floresta se elas estivesse com "saudade" uma da outra. Não que Dulce achasse que a mais velha dava a mínima para essas besteiras ou que ela ao menos olharia para si com esses olhos, mas sonhar não custa nada e Dulce não estava em posição de negar coisas de graça.



Acabou acordando cedo no sábado e decidiu escrever para passar o tempo mais rápido. Sentou no notebook com sua caneca de café e se concentrou no que fazia, bebendo o líquido preto aos poucos enquanto deixava a história fluir de dentro de si. No almoço ela comeu uma lasanha congelada, dessas que você só espera colocar no forno e ficar pronta. A pior parte de morar sozinha era que Dulce era a pessoa mais preguiçosa do mundo para fazer comida e sempre acabava comendo alguma porcaria que não devia.


Anahí ainda não havia se manifestado por mensagem e ela começou a pensar na possibilidade da mulher ter se esquecido, então decidiu enviar uma mensagem para ver o que estava acontecendo. Ela não sabia o que dizer na mesma, então preferiu só saber se ela estava online primeiro.


"anahi?????????????"


E não demorou cinco minutos para que viesse a resposta.


"Oi! Já tá pronta?"


"Não, estava esperando você responder para me arrumar"


"Ah, sem problemas. Já estou quase pronta, então quando você acabar de se aprontar você toca aqui a campainha"


Dulce largou o aparelho de celular em qualquer canto e foi tratar de tomar banho. Se arrumou o mais rápido que conseguiu e tratou de se agasalhar, pois era um dia frio como a maioria dos dias nessa cidade. Passou pouca maquiagem, somente para não ficar com muita cara de morta ou de sono e deixou seus cabelos caírem de forma natural pelo pescoço e ombros.


Saiu de casa quase uma hora depois da mensagem de Anahí, se certificando de estar levando dinheiro, seu celular e suas chaves. Não que ela achasse que fossem encontrar um homem vendendo balões no meio da floresta, mas nunca se sabe.


Também levou um documento, caso Anahí fosse mesmo uma psicopata e a assassinasse no meio do nada e ela demorasse dias para ser encontrada, pelo menos poderiam identifica-la pelo documento.


Continue positiva desta forma, Dulce. Você vai longe.


Suspirou consigo mesma e ajeitou os cabelos e a roupa mais uma vez antes de tocar a campainha de sua vizinha. Anahí não demorou para abrir a porta e lhe cumprimentar com um abraço gostoso, que fez Dulce repensar todas as escolhas da sua vida s0mente para não se concentrar no fato da outra estar com aquele corpo maravilhoso colado ao dela.


- Preparada para a excursão com lobos? – Dulce ficou séria.


- Isso não tem graça. Se tiverem lobos lá eu vou deixar eles matarem você e sair correndo. – Anahí riu da ironia da frase.


- Eles vão pegar você também. – Piscou e começou a andar na direção da calçada.
Dulce não respondeu, se perguntando se entrar na floresta com uma estranha era certo ainda mais se ela suspeitava que essa floresta tinha lobos.


- Anahí ... – Chamou meio receosa, vendo a professora andar com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta. – Você tem certeza que não tem lobos? – Ela abriu um belo sorriso.


- Você é muito fofa quando está com medo. – Dulce fechou a expressão.


- Eu não estou com medo, eu só quero ter cem por cento de certeza que não vou morrer atacada por um lobo. – A mais velha lhe encarou de forma séria.


- Eu te dou cento e um por cento de certeza que isso não irá acontecer. – Afirmou mais para si mesma do que para a mais nova.
Dulce se assustou por alguns momentos com a intensidade do tom de voz de Anahí, mas depois desencanou porque provavelmente era só coisa da cabeça dela. Teve vontade de segurar a mão da mais velha quando elas entraram na floresta, talvez mais por fogo do que por medo. Mas ela continuaria dizendo a si mesma o contrário, afinal, a primeira pessoa para a qual você precisa admitir o seu sentimento é para você mesma.


A menor respirou cheirinho bom de terra molhada que emanava do local, que misturado com a brisa calma e as enormes árvores em volta fazia da floresta o novo lugar favorito de Dulce. Ela gostava de locais com essa energia acolhedora da natureza e tinha certeza de que iria transcrever tudo isso em seu livro mais tarde, tornando um cenário da trama.


- Tem algum lugar específico que queira ir? – Dulce quase morreu de susto quando a voz rouca da maior se fez presente, porque ela se manteve quieta por vários minutos.


- Como assim?


- É que eu não sei se você de repente iria querer ver algo em específico tipo o rio ou...
– A mais nova sorriu, divertida.


- E por acaso aqui tem tantos lugares assim para se visitar? – Anahí ficou sem jeito, não entendia porque tinha aberto a boca em primeiro lugar.


- Não, é que eu... Me desculpe, faz muito tempo desde que estive em toda essa coisa de encontro ent... – Se interrompeu quando percebeu que a palavra "encontro" saiu de sua boca.


Parabéns, Anahí, você é uma idiota e acabou de estragar tudo.


- Então isso é um encontro? – Perguntou com o coração disparando.
A mais velha queria a morte.


- Não... Quer dizer, sim, se você quiser. Eu não quero... – Dulce sorriu.


- Eu quero. – Disse ficando frente a frente com a maior, que pareceu aliviada depois de sua resposta. Tirou as mãos do bolso.


- Então se isso é um encontro... – Dulce sentiu as pernas tremerem quando Anahí deu um passo à frente. – Nós precisamos oficializá-lo.
Ela vai me beijar, puta que pariu.



Dulce e não sabia lidar com a proximidade de Anahí, que esticava as mãos para enlaçar a sua cintura. Ela deu um passo à frente também, deixando com que seus corpos ficassem a menos de um palmo de distância. Dulce colocou as mãos sobre seus braços e em seguida sobre seus ombros, seu coração batia de forma acelerada como nunca bateu antes.
Cara/lho, ela vai mesmo me beijar.


Eu vou morrer.


A mais velha tremia, pois estava há muito tempo sem beijar, mas parecia tudo natural como a luz do dia quando seus lábios encostaram no da outra. Primeiro suavemente, tomando o tempo que precisou para conhecer a textura macia da boca de Dulce. Depois se aprofundando e sentindo as mãos da mais nova segurarem os cabelos de sua nuca em movimentos suaves.


Anahí estremeceu com o primeiro contato entre suas línguas, apertando sua cintura fina entre os dedos com mais força, como se tivesse intenção de não deixá-la ir a lugar nenhum. Dulce envolveu os braços em torno do seu pescoço, grudando completamente seus corpos.


Quando precisaram de ar, elas se separaram e a mais velha não tardou em abaixar a cabeça e dar um beijo na pele de seu pescoço, aproveitando para inalar seu cheiro inconfundível. Dulce ficou arrepiada com o contato e não soltou Anahí, que logo voltou para tomar seus lábios mais uma vez. Ela nunca havia beijado ninguém e se sentido dessa forma, como se todos os momentos de sua vida houvessem culminado naquele.
E agora, mais do que nunca, ela sabia que protegeria Dulce não importava o que iria acontecer.


[...]


- Anda, pedaço de lata velha. – Dulce bateu no volante de seu carro, que não queria pegar por nada desse mundo. – Cara/lho... – Xingou virando a chave mais uma vez. – Não dá pra viver assim, socorro Deus.
Dulce esperou alguns segundos, respirou fundo e recuperou toda a sua paciência antes de girar a chave mais uma vez. O motor roncou como um velho morrendo e finalmente pegou, fazendo-a dar um suspiro de alívio enquanto arrancava com o carro para longe da universidade.



- Sexta feira e eu não posso encher a cara porque tenho que fazer esse trabalho gigante, eu mereço. – Resmungou sozinha, dirigindo para a sua casa.
Não pode deixar de olhar quando o carro passou na frente da casa de Anahí e percebeu que as luzes estavam todas apagadas, o que era estranho, pois já estava de noite e geralmente ela já havia chego das aulas a essa hora. Resolveu mandar uma mensagem quando entrou, para saber se a mulher estava bem.


O último mês havia sido maravilhoso. Anahí e Dulce puderam se conhecer melhor – em vários sentidos da frase – e cada vez se sentiam mais próximas uma da outra. Por enquanto elas eram só "amigas coloridas", – como status – mas a mais velha já havia declarado gostar muito da latina e vice-versa. Elas visitaram quase todos os lugares interessantes de Cloudy Valley juntas, embora não fossem muitos e sentiam-se cada vez mais atraídas uma para a outra, de forma que trocavam mensagens sempre que não podiam estar perto.


Dulce comeu rapidamente o resto da janta do dia anterior depois de esquentar no micro-ondas e foi direto para o seu quarto, tomar um banho e ir começar o seu enorme trabalho. Estranho que, mesmo depois de ter feito tudo isso, Anahí ainda não tinha respondido a sua mensagem, sequer visualizado ou dado algum sinal de que esteve online. Seu coração se apertou com a possibilidade de alguma coisa ter acontecido, mas talvez ela só tivesse ficado até mais tarde dando aula ou qualquer coisa do tipo.


Suspirou se concentrando nas apostilas e no word aberto em branco, deixando o celular de lado. Pegar o aparelho enquanto fazia tarefas era a forma mais fácil de se distrair e perder um tempo que poderia estar gastando para terminar logo.


Dulce ficou até de madrugada fazendo o trabalho, se amaldiçoando por não conseguir escrever nem uma página do seu livro. O pior é que ela não tinha terminado e teria que finalizar quando acordasse – porque sábado já era, já passavam das três horas da manhã. Ela se espreguiçou e guardou o notebook, vendo que não havia uma mensagem sequer de Anahí em seu aparelho celular.


Agora ela estava oficialmente preocupada.
Tentou ligar para a mais velha duas vezes, mas seu celular chamava e ninguém atendia. Negou com a cabeça sozinha e pensou na possibilidade de ir na casa de Anahí ver se estava tudo bem – mas se a mulher estivesse somente dormindo e longe do celular, iria querer matá-la.
Bom, Dulce iria dormir e no dia seguinte, assim que acordasse, iria na casa de Anahí ver o que estava acontecendo.
Estava guardando suas apostilas quando escutou um estrondo na sala.
Não foi um barulho, o vento derrubando algo ou uma simples impressão.
Foi um estrondo tão forte que o chão sob seus pés tremeu com o impacto.


Dulce pulou de susto e pôs a mão no coração, escutando algo parecido com passos vindo da sala. Respirou fundo e, tremendo de medo, aproximou-se da porta, abrindo-a devagar e colocando a cabeça para fora com cuidado.


Não havia ninguém no corredor.
O pânico subia pelo seu corpo e parecia soprar gelado em sua nuca, fazendo todos os sentidos do seu corpo se alertarem para ela sair dali. A porta da cozinha dava em seu quintal que não tinha por onde sair, logo, a casa só tinha uma saída. Ela não tinha opção que não fosse passar pelo corredor e ver o que estava acontecendo, mesmo que provavelmente ela só fosse acabar levando um tiro por causa disso.


Não era possível que ladrões acham que universitárias de Cloudy Valley tem algo que valha a pena ser roubado, mas aparentemente tudo nessa cidade era mais esquisito que o normal.


O problema era que Dulce tinha, só que não era um bem material.


Ao chegar no final do corredor, no escuro, ainda sob a luz fraca do luar que entrava pela janela, ela pôde ver uma figura enorme parada no meio de sua sala. Não era alguém que havia invadido a sua casa.



Era o que.


O animal mal conseguia se sustentar sobre as patas. Seus ossos tremiam e a fome parecia tomar conta de todo o seu ser. As consequências de não ter se alimentado na última transformação estavam gritando em todo o seu corpo e ela não queria ceder aos seus instintos, mas precisava.


Mal conseguia uivar para marcar o seu território, quem dirá protege-la, mas naquela área ela jamais conseguiria comida e se conseguisse não seria o suficiente.


Anahí precisava matar alguma coisa grande se quisesse proteger alguém de alguma coisa. Fechou os olhos, se concentrando em inspirar o aroma de possíveis presas, enquanto se afastava da área de sua proteção a contragosto. Suas patas começaram a tomar velocidade sobre a terra molhada quando sentiu cheiro do que lhe parecia ser uma raposa.


Raposas eram rápidas e muito astutas, provavelmente o pior tipo de caça possível e o que tinha mais possibilidade de fugir antes que Anahí pudesse tentar algo. Ela detestava matar outros animais, mas, afinal, ela lutava por sua sobrevivência.


Diminuiu o passo quando percebeu estar se aproximando do animal, que não era maior do que um cachorro de médio porte. A mesma se alimentava de um coelho e eram as únicas horas em que as raposas ficam vulneráveis, porque se distraiam do que estava acontecendo a sua volta.
O enorme animal se escondeu atrás de alguns arbustos, embora soubesse que era uma perspectiva ridícula, já que qualquer pessoa poderia ver o vislumbre de pelo negro brilhando sob o lugar atrás das plantas. Suspirou assistindo a raposa devorar sua presa, assumindo que ela devia estar há algum tempo sem comer devido a vontade com a qual ela comia o coelho.
Pediu desculpas mentalmente antes de se preparar e dar um pulo que a levou diretamente para onde o pequeno animal laranja estava. O lobo era gigante perto da raposa e era quase uma covardia precisar matá-la, mas é a lei natural das coisas. Mordeu seu pescoço com os enormes dentes e sacudiu a cabeça, estraçalhando a carne do local e matando o pobre animal quase que instantaneamente.


O sangue corria vívido pela terra e espirrava no pelo negro enquanto ela se alimentava. Detestava gostar do sabor de carne crua entre os dentes, o sangue do animal escorria pela sua mandíbula e pescoço e ela comeu tudo o que pôde, deixando apenas a carcaça da raposa para trás.


Se sentia renovada e infinitamente mais forte depois de ter comido, embora não desejasse ter feito isso. Fez o caminho de volta para as casas na beira da estrada correndo, não queria deixar Dulce desprotegida nem mesmo um segundo. Assim que chegou as árvores onde geralmente ela se escondia para o caso de algum vizinho ou a própria Dulce chegarem na janela, sentiu um cheiro conhecido e estacou onde estava, tentando identificar.
Fechou os olhos e inspirou o ar com força, trazendo em sua memória todos os aromas possíveis que ela tinha guardado e seu enorme corpo tremeu por um momento, soltando um rosnado involuntário.
Harlow.


Anahí não hesitou em sair correndo o mais rápido que ela conseguia, seguindo o cheiro e ao mesmo tempo sabendo que o único lugar que ele podia estar era na casa de Dulce.


Não deu a mínima para ser vista ou qualquer coisa do tipo, ela só não queria chegar tarde demais. Sabia que não devia ter saído, mas ela não tinha opção.


Deu um enorme pulo para dentro de sua porta derrubada e encontrou Harlow no meio da sala de sua amada, rosnando enquanto ela chorava e tremia, provavelmente sem entender o que estava acontecendo. Ele estava a alguns metros de distância dela e Dulce parecia indecisa sobre correr ou ficar por ali mesmo, já o lobo marrom estava prestes a atacá-la.



Anahí jamais deixaria isso acontecer.
Antes que Harlow entendesse a presença dela ali, pegou o lobo pelo pescoço com a boca e jogou-o para fora de sua casa. Antes de correr para ele, deu uma olhada em Dulce, que parecia ainda mais assustada agora que havia aparecido uma segunda figura. Encarou-lhe fixamente por poucos segundos, desejando poder falar alguma coisa. Por fim, virou-se e foi até onde Harlow se levantava, na beira da estrada.


Anahí sabia que o alfa era muito mais forte do que ela e era ciente de que só foi capaz de investir contra ele porque ele estava distraído com Dulce. Ele pulou sobre si e os dois rolaram de volta para a floresta. Harlow estava confuso, mas com muita raiva por ser traído por um membro de sua própria alcateia e não podendo acreditar que perderia aquela chance por causa disso.
Não.


Ele estraçalharia Anahí e em seguida pretendia deixar a outra consciente o suficiente somente até a hora do ritual acontecer.


- A senhorita tem certeza que nada sumiu? – O oficial Gave anotava algumas coisas em seu bloquinho enquanto Dulce negava com a cabeça.


Depois que os enormes animais deixaram sua residência, Dulce só teve forças o suficiente para levantar a porta e deixá-la encostada e em seguida ligou para a polícia, que demorou menos de trinta minutos para chegar. Considerando que era de madrugada, chegaram até bem rápido.
Enquanto alguns deles vasculhavam a sala para ter certeza de que a mulher não estava louca e realmente havia visto dois lobos gigantes dentro de sua sala, Gave a interrogava.


- T-tenho! – Dulce respondeu com os olhos se enchendo de lágrimas só de lembrar da cena. – Era um lobo enorme bem no meio da minha sala. – Tentou fazer a sua voz sair com mais certeza. – E-e depois apareceu um segundo que o atacou e os dois saíram daqui.


- Srta. Savinõn, você tem consciência de que sua história é absurda, certo? – Indagou encarando-a por trás dos óculos de grau.
- Tenho. Mas é a verdade. – Disse firme.
- Gave, vem aqui. – Ele pediu licença para Dulce e foi até a porta que agora estava encostada na parede, onde um policial a analisava com uma lanterna.


- Parecem marcas de garras ou unhas muito grandes. – Afirmou, olhando mais de perto. Talvez aquela jovem assustada não fosse louca, afinal. – Deve ter sido isso que derrubou a porta.


Dulce se limitou a se encolher contra a parede que estava encostada, vendo os oficiais andarem para lá e para cá em sua casa, coletando tudo que parecesse provar que havia mesmo um lobo dentro de sua sala. Observou Gave arregalar os olhos quando encontraram um tufo de pelo marrom no chão e então o homem pareceu finalmente acreditar nela, afinal, não havia muito o que se discutir nesse caso.


Ela abraçou o próprio corpo por conta do vento frio que entrava pelo buraco onde devia haver uma porta e tentou fazer sua mente esquecer, mas ela não conseguia.
Dulce conhecia aqueles olhos.


Não do feroz animal marrom que chegava a babar enquanto rosnava para ela, mas do segundo, o enorme lobo negro que apareceu tão rápido quanto sumiu, levando o bicho para longe. Seu coração lhe dizia que eram os mesmos olhos. O mesmo tom de azul pelo qual ela havia se encantado nesse último mês, até mesmo o brilho melancólico neles parecia igual ao que ela via em Anahí de vez em quando.


Já o seu lado racional gritava que ela estava maluca. Dois animais da floresta haviam adentrado sua casa e ela estava relacionando um deles com a pessoa pela qual ela estava apaixonada, que por sinal tinha sumido. Talvez ela devesse aproveitar que tinha que ir na única delegacia da cidade fazer o B.O. e avisar que Anahí havia sumido, embora ainda não tivesse as horas necessárias para registrar desaparecimento.


A menos que...
Não.
Você está completamente insana, Dulce.


Com.


Ple.


Ta.


Men.


Te.


Ela acompanhou os oficiais até a delegacia, prestando depoimento sobre o que aconteceu e registrando a ocorrência. O xerife da cidade explicou que iria reportar o que aconteceu para o órgão responsável pelo controle de animais selvagens e que eles tomariam medidas se achassem necessário.


Dois animais enormes invadiram a minha casa e eles tem que achar alguma coisa? Pu/ta que pariu.


Dulce saiu da delegacia decepcionada com todo aquele descaso e querendo tacar fogo no local. O dia estava prestes a amanhecer quando finalmente chegou em sua residência, a qual a porta não tinha se consertado sozinha. Suspirou vendo que ela mesma ia ter que dar um jeito naquilo até que as coisas começassem a funcionar e ela pudesse ir atrás de alguém para arrumar as dobradiças e a fechadura.


Ela não tinha muitas ferramentas em casa, mas fez o que pode com uma chave de fenda, um martelo, alguns parafusos, pregos e muita disposição para arrastar aquela porta pesada. Pelo menos agora ela conseguia fechar a porta para que do lado de fora ninguém percebesse que a mesma se abriria com um empurrão já que a lingueta da fechadura estava arrebentada.
Guardou as ferramentas de volta da caixa do porão de onde as tirou e suspirou cansada, afinal, o dia começava a clarear e ela não havia fechado os olhos uma vez sequer. Sua sala estava uma bagunça, o sofá virado de cabeça para baixo, a mesinha de centro quebrada e sua televisão havia escapado por pouco. Havia poeira e terra também, mas Dulce preferiu largar tudo isso para lá e ir beber um copo de água antes de tomar banho e ir dormir.


Acendeu a luz da cozinha e foi até a geladeira, querendo limpar a sua mente que cismava em repetir a cena dos olhos azuis do enorme animal lhe encarando de forma quase triste. Ela não entendia porque aquilo não se desinstalava de sua mente e principalmente porque ela ficava associando com Anahí.


Era o cansaço, só podia ser isso.
Apoiou as mãos no balcão, bebendo o conteúdo do copo de uma vez só e estava se preparando para encher outro quando ouviu um barulho alto vindo do quintal, como se algo tivesse caído.


- Fod/eu. – Resmungou sozinha largando o objeto na pia de qualquer jeito e olhando automaticamente pela janela que havia na cozinha, que dava para ver o quintal, não enxergando nada de onde ela estava.
Parecia tudo normal.


De forma hesitante e sabendo que devia estar correndo na direção contrária, Dulce deu um passo à frente, querendo ficar mais perto da janela. Ela daria uma olhada pela mesma e caso houvesse algo, sairia correndo e berrando por ajuda.
Esses vizinhos velhos teriam que acordar e prestar para alguma coisa, embora ela tivesse certeza que todos eles estavam em suas janelas enquanto a polícia estava em sua casa.


Caminhou até estar perto o suficiente da janela e espiou lá fora, quase dando um grito de pavor pela cena que encontrou. Parte da cerca de seu quintal estava derrubada e deitado no seu gramado jazia o grande animal negro, que tinha várias feridas e respirava com dificuldade. Seu sangue escorria pelo seu pelo e atingia o seu gramado, fazendo uma poça com o mesmo em sua volta.


Pela parte quebrada da cerca ela conseguia ver, bem ao longe, embaixo das árvores que marcavam o começo da floresta que o outro lobo marrom também estava caído. Mesmo que estivesse muito longe, ela não conseguia ver movimento e o animal parecia morto, mas podia ser só impressão dela. De qualquer forma, ela não sabia o que fazer com aquele bicho e sua parte racional dizia para ela ligar para a polícia e sair correndo, mas eu coração dizia que ela devia ficar.



Dulce não sabia qual dos dois ouvir, embora o coração fosse provavelmente provocar a sua morte.


Dulce decidiu abrir a porta da cozinha quando o animal levantou a cabeça e os belos olhos azuis se encontraram com os dela. Seu coração se aqueceu instantaneamente. Não era possível, ela havia observado as íris de Anahí por tempo o suficiente para saber que não iria confundi-las com qualquer outro par de olhos verdes.


Não podia ser, mas parecia verdade.
Sem contar o fato de que Anahí estava sumida desde ontem à noite. E então Dulce foi atacada por um lobo enorme e defendida por um do mesmo tamanho, que tinha os olhos dela. Não parecia o suficiente, mas para Dulce era. Existia um tipo de conexão que se dava somente pelo contato de seus olhares e a mais nova jamais a confundiria com outra coisa.


Colocou o pé no primeiro dos três degraus que separavam a cozinha do quintal, vendo que o animal não se mexeu. Mesmo se ele quisesse arrancar um pedaço de Dulce, parecia tão machucado e exausto que não conseguiria.
Dulce contava com isso.


- Anahí? – Chamou baixinho, com medo de parecer louca até mesmo para o lobo.
Os olhos dela brilharam, como se estivessem agraciados pelo reconhecimento. A claridade parcial do dia que amanhecia começava a aumentar, mostrando para Dulce que as feridas eram muito piores do que ela imaginava.


- É você mesmo? – Dulce estava estacada no primeiro degrau, pronta para sair correndo a qualquer sinal de que seria atacada, mas ao mesmo tempo tendo quase certeza de que era Anahí.


Ou de que estava louca e iria morrer estraçalhada por um lobo.


- Anahí? – O animal soltou um ganido baixo, erguendo o olhar para o céu e depois para Dulce novamente. – É você, não é? – Ganiu novamente, dessa vez ficando com a respiração pesada e olhando para Dulce de forma quase suplicante quando ela criou coragem para descer mais um degrau. A cabeça do animal tombou na grama e a mulher saiu correndo, ignorando todo o seu corpo que gritava que ela iria ficar sem um pedaço. – Anahí! – Praticamente gritou seu nome, vendo que apenas seus olhos se mexiam e ela os manteve em seu rosto.


Dulce não estava entendendo nada, não compreendia como a educada e inteligente professora de Literatura havia se transformado nesse bicho e muito menos o que ela estava fazendo naquele estado em seu quintal – só sabia que havia protegido-a daquele lobo marrom. Dulce corria uma das mãos através do pelo sujo de sangue, mantendo a outra em sua cabeça.


- Meu Deus, o que está acontecendo? – Falou quase sozinha. – O que será que eu posso fazer por você? – Perguntou para si mesma, colocando a cabeça enorme em seu colo quando se sentou. – Eu preciso pedir ajuda, não consigo cuidar de você. – Realizou encarando os enormes machucados por todo o seu corpo, a maioria em forma de mordida ou arranhão. – Só... Fique acordada, tá bom? Não feche os olhos, fique acordada. Eu vou buscar um cobertor. – Anunciou ao ver que o animal tremia. – Você vai ficar bem, tá bom? Só continue acordada, por favor. Não demoro.


Levantou-se depois de tirar a cabeça de seu colo com cuidado, correu para o lado de dentro da casa, indo em seu quarto buscar uma manta. Quando voltou ao quintal percebeu que não era mais o enorme lobo que estava ali e correu ainda mais para o corpo humano encolhido no chão, jogando a manta sobre ela assim que estava perto o suficiente.


- Anahí! Meu Deus! – Pelo menos ela não estava louca.


- D- Dulce.. – Sua voz saiu como um sussurro. – Me desculpe, eu... Não tinha o-outro... Lugar pra ir.


- Não, shh, não tem problema. – Murmurou acariciando seu rosto que tinha um arranhão enorme na bochecha. Anahí se encolheu dentro da manta, agradecendo mentalmente pelo alívio com relação ao frio. – Eu... vou ligar para uma ambulância... – Dulce tentou se levantar e foi impedida pela mão de Anahí em seu pulso.



- Não. – Falou tentando fazer sua voz sair firme. – Eu vou ficar bem.


- Você está louca? Eu não vou deixar você assim. – Anahí apertou a mão que estava em seu pulso para dar ênfase ao que disse antes.


- Eu me... Curo rápido. – Dulce uniu as sobrancelhas.


- Anahí, isso não faz o menor sentido. – Rebateu, quase desesperada para que a mulher recebesse o devido atendimento médico.


- Nada do que... Você viu hoje... Faz sentido. – Disse com a respiração entrecortada. – Então faz o que eu... To falando. S-se você... Chamar a ambulância... Terá que dar... Muitas explicações... E não temos... Como... Explicar. – Dulce estava ponderando. – Além do mais... Não precisa! E-eu... Já disse... Que me curo... Rápido.
- Se você não melhorar até de noite eu vou chamar uma ambulância nem que nós duas sejamos presas. – Anahí ergueu os cantos da boca no mais perto que ela conseguia chegar de dar um sorriso.


- C-combinado.


- Vem, vamos pra dentro. – Dulce se levantou do chão onde estava sentada. – Consegue ficar de pé? – Anahí assentiu e se ajeitou até conseguir segurar a manta com uma mão só, com a outra ela aceitou a ajuda de Dulce e se levantou do chão sentindo seus ossos gritarem para que ela não se mexesse.


A mais velha tinha uma enorme mordida na parte de trás da panturrilha esquerda que deixava o ato de andar quase impossível, então a menor passou seu braço que não segurava a manta pelo pescoço para auxilia-la a andar.


- Não. – Anahí disse quando percebeu que Dulce estava levando-a para o seu quarto. – Quero tomar... um banho antes.


- Anahí, você vai...


- Ei, me escuta. – Disse se apoiando na parede do corredor para ficar de frente para Dulce . – Eu sei que tudo é muito confuso pra você agora, mas eu prometo responder todas as suas perguntas mais tarde. Não é a primeira vez que isso acontece comigo e provavelmente não vai ser a última, então apenas confie em mim e faça o que eu digo, sim? – Dulce assentiu.


- Tudo bem. Você... Vai precisar de ajuda? – Gesticulou de forma esquisita para o banheiro que ficava no final do corredor, porque, apesar de terem ficado muito próximas, elas ainda não tinham transado nem nada e seria um pouco constrangedor.


- Não, obrigada, mas eu preciso que você vá até a minha casa e pegue a maleta branca dentro do armário do banheiro. Entra pela porta dos fundos, está aberta. – Dulce assentiu e foi para a casa da outra enquanto Anahí ia para o banheiro se apoiando na parede.


A sorte de Anahí era que ela tinha se alimentado, se não jamais teria uma chance contra Harlow – não importando com quanta raiva ela estava – e, se tivesse, não teria sobrevivido quando voltasse a forma humana.


Não que ela ligasse para nada disso, pois Dulce estava segura e era tudo que importava.


Não demorou muito no banho, somente o suficiente para se lavar de todo aquele sangue e sujeira que estava sobre si e desinfetar os cortes. Saiu do box se apoiando nos azulejos frios do banheiro e se secou devagar, sujando a toalha de sangue involuntariamente. Dulce já havia voltado de sua casa quando ela terminou e lhe deixou uma muda de roupas em cima da pia, que Anahí vestiu com dificuldade.


Saiu do cômodo se sentindo um pouco melhor, porque pelo menos estava limpa. Caminhou pelo corredor se apoiando na parede por causa da perna e encontrou uma Dulce visivelmente pensativa, sentada na beira da cama com a maleta que ela pediu do lado.


- Desculpa pela sua sala. – Falou encostada no portal. – Eu queria tê-lo impedido de entrar aqui, mas cheguei tarde demais. – Dulce não respondeu e foi até ela, ajudando-a a se sentar na cama e encostar nos travesseiros.



- Ele está... – Dulce hesitou em dizer a palavra.


- Morto. – Anahí completou, pegando a maleta e abrindo. A menor observou que lá dentro havia tudo o que era necessário para fazer uma sutura e, olhando melhor, a mais velha realmente precisava de umas. – Ele não vai mais te incomodar. Eu prometo.


Dulce observou, ainda meio perdida, quando a outra começou a suturar um corte de uns quinze centímetros no antebraço.


- Isso... Não dói? – Perguntou preferindo começar com as perguntas mais simples.


- Dói. Mas eu estou acostumada.


- Quer ajuda?


- Nesse aqui não. – Então em outros ela vai precisar.


Dulce estava quase passando mal somente de observar, imagina precisar ela mesma fechar um corte.


Preferiu ficar quieta enquanto Anahí cuidava de si, se sentindo inútil por não saber como ajudar. Sua mente pipocava com os acontecimentos das últimas cinco horas, principalmente pelo fato de que ela estava se relacionando com alguém que virava um animal gigante.


Isso, definitivamente, era a coisa mais bizarra que já havia lhe acontecido.
Ela não sabia como processar essa informação.


- Eu... Vou precisar da sua ajuda agora. – Anahí disse quando terminou com o corte no braço, levantando a blusa para mostrar outro na costela.


- Eu nunca fiz isso antes.


- Eu imaginei. – A mais velha forçou um sorriso.


- Me fala o que eu tenho que fazer.


- Tudo bem. Primeiro você vai limpar. – Dulce assentiu e pegou a gaze, passando pelo sangue que estava escorrendo. Limpar era definitivamente uma coisa que ela podia fazer. – Você tem que apertar a gaze, se não vai sair sangue quando você juntar.


- Desculpa. É que eu não quero machucar mais você.


- Pense ao contrário. Você está me ajudando, hm?


Dulce assentiu e fez tudo o que Anahí lhe disse para fazer, se segurando para não passar mal porque sabia que a outra precisava dela. Em seguida ela também suturou o corte em sua perna e guardou as coisas porque, segundo a maior, o resto melhoraria sozinho. E Dulce acharia que ela estava louca se eles realmente não parecessem melhores.


Anahí acabou dormindo. Dulce tinha sim muitas perguntas e iria fazer todas elas, mas não achou justo impedir a mulher de descansar por causa disso, afinal, ela só estava nesse estado por causa da mais nova. Ela mesma não conseguiu pregar o olho mesmo tendo passado a noite em claro, sua cabeça estava confusa demais para relaxar.


Colocou o sofá no lugar e limpou a sala toda, colocando o que estava quebrado em enormes sacos de lixo e deixando tudo no cantinho do quintal. Ajeitou a cerca do jeito que pode e lavou toda a grama com uma mangueira para tirar o sangue da mesma. Quando sua casa parecia apresentável novamente, a latina lembrou que precisava comer – apesar dos últimos eventos, principalmente todo o sangue e as suturas – terem diminuído consideravelmente o seu apetite.


Fez um pouco de macarrão com molho, algo que era rápido e saciaria a sua fome inexistente. Comeu sozinha na cozinha, tentando afastar de sua mente toda e qualquer imagem nojenta das últimas horas de sua vida. Por fim, colocou a comida em outro prato e encheu um copo com suco, indo para o quarto.


Coincidentemente, Anahí parecia estar acordando e Dulce não podia estar mais surpresa em perceber que sim, os seus machucados estavam muito melhores, a começar pelo arranhão na bochecha, que agora não passava de um rastro rosa em alto relevo em seu rosto, não sangrava mais.



- Oi. – Disse baixo, vendo seus olhos se abrirem. – Imaginei que estaria com fome.


- Estou mesmo. Obrigada. – Anahí se sentou e pegou o prato, começando a comer.
Dulce sentou-se na beirada da cama, observando a maior almoçar como se fosse um sábado normal em sua vida. Qualquer outra pessoa que estivesse naquele estado apenas algumas horas atrás estaria morta ou no mínimo sedada por causa da dor e não quase curada como a morena.


- O que... – Ela mal sabia por onde começar as perguntas. – O... Q-quem é ele? O... O... O que é... Ele? – Anahí engoliu antes de responder.


- Ele é um lobisomem.
Lobisomem.


Dulce viu todas as histórias que ela escrevia se tornando realidade diante de si, com aquela simples frase de quatro palavras. Ela gostava de fantasia e já havia escrito histórias de lobisomens, bruxas, vampiros e fantasmas. Mas eram histórias.
Suas histórias.
Era horrível sentir-se como se ela estivesse protagonizando a história de outra pessoa, onde ela não possuía o roteiro e muito menos podia ter um spoiler do final. Era da vida real que estávamos falando e lobisomens existiam.
Ela viu.


- Eu posso viver com o fato de que lobisomens existem. – Disse mais para si mesma do que para a outra. – Espera, você também é...?


- Sim. – Respondeu levando uma garfada a boca.


- Do tipo que se... Transforma toda a lua cheia?


- Sim. E voltamos ao normal assim que o dia amanhece.


- Vocês matam pessoas?


- Não. Quer dizer, a nossa alcateia não e creio que as outras também. Evitamos qualquer contato com seres humanos quando transformados porque não queremos nenhuma atenção sobre nós. Temos medo do que podem fazer com a gente se descobrirem que existimos mesmo.


- Então... O que aquele... Lobisomem estava fazendo aqui? – Anahí engoliu a última garfada e colocou o prato em cima da mesinha da cabeceira, bebendo alguns goles de suco antes de responder.


- Aquele era Harlow, o futuro alfa da nossa alcateia. – Começou a explicar, passando a mão no cabelos. – O gene do alfa, assim como o do lobisomem, é hereditário, mas sempre pula uma geração. O avô do Harlow, Abel, era o alfa da nossa alcateia até que ele morreu, há dois meses. Automaticamente, Harlow é o próximo alfa da nossa alcateia por direito, só que ele precisa sacrificar alguém que tenha o gene lobisomem, mas que não tenha atingido a idade da transformação ainda.
- Que?


- Desculpa falar desse jeito, eu não sabia se você sabia e... – A cabeça de Dulce começou a girar.


- Como você sabe que eu... Eu... Meu Deus. Você está dizendo que eu também vou virar... um... um... Lobisomem?


- Sim. Na primeira lua cheia depois do seu aniversário de vinte e dois anos, é quando você começa a se transformar... Pelo resto de sua vida. – Dulce engoliu em seco. – Seus pais não te contaram?


- Sou adotada. Eles com certeza não sabiam. Mas... como você sabia?


- Naquele dia que você me trouxe para casa no seu carro, eu senti o seu cheiro. Estava perto de me transformar, então meus sentidos estavam mais aguçados e eu identifiquei você. – O cérebro de Dulce iria explodir a qualquer momento.


- Mas nesse mesmo dia eu esc... Era você? Uivando lá fora? – Anahí assentiu e segurou sua mão.


- Fiquei perto daqui o tempo todo. Temos os sentidos muito mais avançados quando transformados e se Harlow ou qualquer outro passassem aqui perto, iriam sentir seu cheiro e te levar para o ritual onde ele iria te matar para virar o alfa. Eu não podia deixar isso acontecer. – A morena tinha o olhar baixo enquanto falava, mas passou a encarar Dulce quando sua mão livre começou a acariciar seu rosto.



- A gente mal se conhecia... E mesmo assim você quis me proteger?


- Eu já gostava de você. Desde quando te vi toda atrapalhada com as caixas, foi instantâneo. – Os olhos castanhos brilharam. – Eu sabia que não iria me perdoar se deixasse eles machucarem você. Essa noite... Eu tive que sair. Nós temos que nos alimentar a cada transformação e eu não me alimentei na outra porque fiquei por aqui com medo de alguém identificar você, por isso precisei sair nessa ou eu não conseguiria te proteger caso algo acontecesse. E foi justamente no momento que eu saí que ele te achou. Ai eu fui atrás dele e você já sabe o resto da história. – Anahí ficou em silêncio por um momento e voltou a abaixar o olhar. – Tudo isso foi minha culpa. Eu devia ter sido mais cautelosa.


- Anie, está tudo bem. Você fez o que devia, não é sua culpa. – A morena continuou sem olhar para Dulce. – Olha pra mim. – Dulce esperou pacientemente até que as íris azuis não estivessem direcionadas para nenhum outro lugar que não fossem as suas castanhas. – Você me salvou. Obrigada por isso. – Deu-lhe um selinho longo ao final da frase. – Isso... não vai te causar problemas?


- Vai. – Murmurou encarnado suas mãos juntas. – Eles vão descobrir que ele está morto e eventualmente pelo cheiro vão saber que fui eu. Vou ter que fugir, não posso contra todos eles. – O coração de Dulce se apertou.


- Você... vai embora?


- Eu não queria... Não queria me afastar de você, principalmente agora. Mas eu vou ter que ir.


- Quando você vai?


- O mais rápido possível. Não sei quando eles vão descobrir e não posso arriscar. – Uma lágrima escorreu pela bochecha da mais nova. – Ei, não chore. – Disse secando a mesma com o dedão.


- Eu nunca mais vou ver você? – Anahí forçou um sorriso.


- Nunca é muito tempo. Eu não sei para onde vou, mas quando eu me instalar em algum lugar, posso voltar para alguma cidade vizinha e então você vai lá me ver, não sei. – Elas ficaram em silêncio. – Não precisa acabar agora. Eu não quero que acabe.


Anahí soltou suas mãos para segurar o seu rosto e beijá-la suavemente. Dulce colocou as mãos sobre seus ombros, engolindo as lágrimas e preferindo aproveitar o momento ao invés de estragar tudo tendo uma puta crise de choro por tudo o que havia acontecido nas últimas doze horas. A morena escorregou as mãos para a sua cintura e puxou Dulce para si, fazendo-a sentar nas suas coxas.


Dulce se sentiu completamente extasiada quando a maior desceu os beijos para o seu pescoço, mordiscando a região. Arfou quando Anahí deu uma mordida de leve em seu maxilar e voltou para sua boca, descendo as mãos até sua bunda, onde apertou com um pouco de força. A menor começou a movimentar seus quadris em cima dos da outra, primeiro devagar porque não queria machucá-la, mas as mãos de Anahí lhe auxiliaram a ir em um ritmo que agradava ambas.


Até que a mais velha fez um barulho que indicava dor e a mais nova parou.


- Desculpa, eu te machuquei? – Ela negou com a cabeça.


- Não, tudo bem, eu só mexi a perna de mal jeito.


- Tem certeza? – Ela assentiu e voltou a tomar os lábios da mais nova entre os seus, enfiando os dedos por dentro da sua blusa e ameaçando retirar a peça.


Anahí não tinha muita certeza se elas iriam fazer aquilo, pois naquele momento se deu conta de que nunca tinham conversado a respeito.


- Dulce... – Murmurou interrompendo o beijo com delicadeza e grudando suas testas. A mais nova abriu os olhos penas para encontrar aquelas íris azuladas que eram capazes de lhe fazer perder o ar. – Você quer m... – Dulce interrompeu a sua fala colando seus lábios.



- Shh... Se você quiser falar, amor, use suas mãos. – Disse apertando os pulsos da mais velha e instigando suas mãos a entrarem mais em sua blusa e tocarem a pele quente de sua barriga.


Elas voltaram a se beijar e Anahí mordeu seu lábio inferior, trazendo-o para si antes de voltar a explorar o seu pescoço. Dulce não havia parado de mexer o quadril em cima da outra e aquilo estava levando ambas ao limite da excitação. Sem se importar com a sua perna em recuperação, a mais velha inverteu as posições e se deitou por cima da menor, não dando a mínima para nada que não fosse lhe dar prazer nas próximas horas.


[...]


Dulce ainda se sentia trêmula quando repousou sua cabeça em cima do ombro da mais velha. Sua cabeça ainda estava um turbilhão com tudo o que havia acontecido, ela jamais imaginava que iria transar com Anahí pela primeira vez no meio de uma situação tão confusa que ela ainda estava lutando para digerir. Ela achava que se acontecesse, fosse ser numa das noites que elas assistiam filme juntas uma na casa da outra, geralmente aos sábados.


Bom, isso prova que de vez em nunca a vida atende as nossas expectativas.
Não que tivesse sido ruim, muito pelo contrário. Ela não reclamava do ato em si, mas sim do momento onde elas se encontravam. Até porque, Anahí iria embora e Dulce iria vê-la raramente ou nunca, então esse momento também seria uma lembrança, uma das últimas delas juntas.


- Dulce. – Anahí sussurrou.


- Oi?


- Ah, achei que estivesse dormindo. Você ficou quieta de repente. – Respondeu começando a afagar seu cabelo.
- Desculpa, só estou viajando em pensamentos. – Ela deu um beijo no top de sua cabeça.


- É normal depois de hoje... Eu não posso imaginar o quão confusa você deve estar. – Dulce assentiu. – Fala comigo, como você está se sentindo?


- Eu não sei... – Seus olhos se encheram de lágrimas. – Eu estou tentando processar tudo o que você me falou mais cedo, mas agora eu só sinto uma dor esmagadora por saber que você vai embora e que eu sou a maior culpada de tudo isso... – Dulce deixou o choro que estava preso em seu peito desde cedo sair.


Chorou como um neném, sendo consolada por Anahí, que queria poder fazer alguma coisa, mas ela não podia. Ficar não era uma opção, porque não se perdoaria por colocar Dulce em risco, então sua única saída era ir embora e deixá-la para trás, assim, a alcateia viria atrás dela e, se ela morresse, saberia que a mais nova estava segura. No momento, era tudo o que lhe importava.


Dulce não sabia dizer em que momento dormiu, mas foi um sono pesado e necessário depois de tudo o que aconteceu naquele dia. Ela acordou quase que em um susto, no meio da noite, tateando a cama e procurando pelo corpo de Anahí que ela tinha certeza que estava do lado dela quando caiu no sono.


- Anahí? – Chamou em voz alta, apavorada com o fato dela ter ido embora enquanto a menor dormia, sem se despedir. – Anahí! – Falou mais alto, se sentando na cama. - Cadê você?


- Bem aqui. – Outrora a garota morreria de susto, mas apenas se permitiu sentir aliviada pela mulher estar ali, entrando em seu quarto enquanto mancava no escuro.
Por enquanto.


- Achei que você já tivesse ido... Que susto.
- Onde eu iria com essa perna? – Perguntou dando um sorriso antes de se deitar.


- Não sei, talvez já estivesse boa. Você se curou bem rápido. – Observou, indo deitar a cabeça em seu ombro.


- Eu disse que não tinha necessidade de chamar a ambulância. – Disse tentando fazer graça, mas Dulce não sorriu.


- Quando você vai? – Anahí pensou um pouco antes de responder, sentindo vontade de chorar novamente.


- Amanhã de manhã.


Dulce ficou muito tempo em silêncio, tanto que a morena estava quase certa de que ela dormia. Se surpreendeu quando ouviu a sua voz baixa e hesitante novamente, proferindo as cinco palavras que mudaram a sua vida:


- Me deixe ir com você.


- O-o que?


- Quero ir com você. Só me leve aonde você for. – Anahí piscou lentamente.


- Dulce, você não pode simplesmente largar tudo e...


- Claro que eu posso, eu sou adulta e tomo minhas próprias decisões. Eu quero ir com você, Anahí. Além do mais, nunca vou me sentir bem nessa cidade de novo sabendo que pode ter uma alcateia inteira atrás de mim, porque, pelo que eu entendi, o projeto de alfa morreu por minha causa. Se eles descobrirem, vão querer me matar para se vingar e eu não quero morrer desse jeito. – Rebateu, levantando a cabeça para enxerga-la no escuro parcial.


- Mas... O que dirá para os seus pais?


- Qualquer coisa, eu não me importo. Eles não moram aqui mesmo, eu invento algo quando nos estabelecermos em outro lugar.


- Isso é loucura, você acabou de chegar aqui.


- O único jeito de eu não ir com você é se você disser com todas as letras que não quer.


- Mas eu quero, é claro que eu quero te levar comigo. Só preciso saber se você pensou em todas as consequências disso.


- Pensei. Eu ainda quero ir com você e além do mais daqui a um ano e uns meses eu vou me transformar da primeira vez e não quero passar por isso sozinha, Anahí. Fico apavorada cada vez que penso nisso. – A maior acariciou sua bochecha com o polegar.


- Eu vou estar lá com você, não se preocupe. – Dulce fechou os olhos, aproveitando o carinho que recebia da morena. – Ei, olhe para mim. – A morena conseguiu ver os olhos castanhos pela claridade parcial da lua que entrava pela janela do quarto. – Você tem de ter certeza que é isso que quer, pois amanhã eu apenas vou enfiar algumas malas no carro e dirigir sem rumo por esse país. – Dulce assentiu, seu olhar estava firme e só trazia para Anahí um sentimento: certeza. Se inclinou para beijar-lhe os lábios de forma lenta em seguida se afastou, encarando-a.


- Irei aonde quer que você vá.


 



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Comentários da Fanfic 22



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  • siempreportinon Postado em 08/01/2018 - 22:55:11

    Estou amando suas histórias, cada dia leio uma. Sei que não comento muito mas estou sempre acompanhando suas publicações!

  • natty_bell Postado em 03/01/2018 - 17:42:09

    SCRRR EU TO APAIXONADA POR UMA ESTORIA AAAAAAA <3 tem muitas histórias ainda?? To amando serem varias em uma

    • Emily Fernandes Postado em 03/01/2018 - 19:10:48

      Sim, as histórias são muito boas. Ainda tem algumas ou várias pra colocar em prática. Então que viva as histórias aleatórias da fic. Que história vc mais gostou?

  • Nix Postado em 08/12/2017 - 19:51:32

    Owt que capítulo incrível, amei a surpresa pra Any, o amor que elas fizeram não foi apenas de saudade mas sim de um amor que supera barreiras

    • Emily Fernandes Postado em 12/12/2017 - 18:03:21

      Concordo com tudo que vc disse. O amor delas é lindo mesmo. Vamos ver sexta a onde mais uma vez a arte vai ser pintada.

  • Nix Postado em 05/12/2017 - 17:10:33

    Acredito que vou chorar horrores nessa história.

    • Emily Fernandes Postado em 08/12/2017 - 15:46:17

      Espero que a história realmente agrade. Pq ela é linda e encanta.

  • Nix Postado em 01/12/2017 - 19:28:21

    Momento fofo amei, não há palavras para descrever esse capítulo

    • Emily Fernandes Postado em 05/12/2017 - 15:44:40

      Não nunca há palavras pra descrever coisas simples E belas. Aproveite outra história.

  • Nix Postado em 28/11/2017 - 09:14:53

    Isso ai Anahi não desiste da Dulce Concordo com a Angel o destino delas estão traçados.

    • Emily Fernandes Postado em 01/12/2017 - 08:49:26

      Sim, Anahí não desisti tão fácil. Porém acho que o destino ainda vai aprontar muito com as duas. Isso será inevitável.

  • candy1896 Postado em 27/11/2017 - 11:32:28

    Continuaa

    • Emily Fernandes Postado em 28/11/2017 - 07:52:35

      Continuei kkk bjs

  • Evelyn Postado em 25/11/2017 - 16:16:12

    Olá maninha eu estou perplexa com suas histórias. Mas vamos ler não é. Bjs amor meu, eu sou a única com tal liberdade pra isso não é. Ahahahahahah

    • Emily Fernandes Postado em 28/11/2017 - 07:51:46

      Olá quem seria vc mesmo. O assim. Não diga que minhas histórias não estão te agradando. Perplexa fica eu com sua ousadia. Mas te amo da mesma forma. Bjs evy. Ps sim vc é a única que pode me chamar do que quiser.

  • siempreportinon Postado em 25/11/2017 - 11:05:01

    Marquei presença aqui, amo suas histórias já pode continuar!!!

    • Emily Fernandes Postado em 28/11/2017 - 07:46:28

      Vc sempre marca. Seu pontinho mesmo. Irei continuar.

  • Lern Jauregui Postado em 25/11/2017 - 09:37:17

    O primeiro encontro delas já vou uma arte rsrs .....A Annie uma fotógrafa de olhos azuis e sexy e a Dul uma garota linda e intrigante... E acho que a Annie meio que já se interessou,só acho rs. Mal posso esperar pros próximos capítulos.... Já pode continuar.. Bjs Emm.

    • Emily Fernandes Postado em 28/11/2017 - 07:45:05

      Obrigada lern, acho que a arte está em tudo O que fazemos seja boas ou ruins, o importante É saber apreciar. Não é bjs pra vc tbm.


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