Fanfic: Calafrio | Tema: Anahi & Alfonso AyA
Pv on Anahí*
Não percebi que os lobos no bosque eram todos lobisomens até que Jack Culpeper foi morto.
Em setembro, no meu último ano na escola, aconteceu. Jack era o único assunto na nossa cidadezinha. Não que Jack tivesse sido um garoto fantástico quando vivo — a não ser por ter o carro mais caro de todo o estacionamento, mais caro inclusive que o do diretor. Na verdade, ele era meio babaca. Mas quando foi morto... santidade instantânea. Com um aditivo horripilante e sensacionalista, por conta do modo como aconteceu. Nos cinco dias após sua morte, ouvi milhares de versões da história pelos corredores do colégio.
O resultado foi este: todo mundo, agora, estava apavorado com os lobos.
Como mamãe não costumava ver o jornal e papai nunca estava em casa, a ansiedade geral penetrou em nossa família devagar, levando alguns dias para realmente ganhar peso. Meu incidente com os lobos tinha se desbotado na cabeça de minha mãe ao longo dos últimos seis anos, substituído por vapores de terebintina e cores complementares, mas o ataque a Jack pareceu lhe restituir todos os tons originais.
Nem passou pela cabeça de mamãe reduzir sua crescente ansiedade a algo lógico como passar mais tempo com a filha única, a primeira pessoa da região a ter sido atacada por lobos. Em vez disso, tudo o que fez foi usar o incidente para se tornar ainda mais desmiolada do que de costume.
— Mamãe, precisa de ajuda com o jantar?
Ela me olhou culpada, desviando a atenção da televisão que mal conseguia enxergar da cozinha, e depois se concentrando nos cogumelos que estava destruindo na tábua de carne.
— Foi tão perto daqui. O lugar onde o encontraram — disse mamãe, apontando com a faca para a televisão. O locutor parecia fingidamente sincero, enquanto um mapa de nossa área aparecia próximo a uma foto desfocada de um lobo no canto superior direito da tela. “A caça à verdade continua”, disse ele. Era de se esperar que, depois de uma semana repetindo a mesma história várias e várias vezes seguidas, eles conseguissem pelo menos dar informações corretas. Mas a foto que mostravam nem mesmo era da mesma espécie que o meu lobo, com seu belo manto cinzento e seus olhos amarelos.
— Ainda não consigo acreditar — continuou mamãe. — Logo do outro lado do Bosque da Fronteira. Foi onde o mataram.
— Ou onde ele morreu.
Mamãe franziu o rosto para mim, delicadamente cansada e bela como sempre.
— O quê?
Levantei os olhos do meu dever de casa — reconfortantes e ordenadas fileiras de números e símbolos.
— Ele pode simplesmente ter desmaiado na beira da estrada e ter sido arrastado para o bosque enquanto estava inconsciente. Não é a mesma coisa. Não se pode sair por aí tentando espalhar pânico.
A atenção de mamãe já estava de volta à tela, enquanto picava os cogumelos em pedaços tão pequenos que poderiam ser consumidos por amebas. Ela sacudiu a cabeça.
— Eles o atacaram, Any.
Olhei pela janela para o bosque, as pálidas fileiras de árvores fantasmas se destacando contra a escuridão. Se o meu lobo estava lá, eu não conseguia ver.
— Mãe, foi você quem me disse milhares e milhares e milhares de vezes: os lobos, em geral, são pacíficos.
Lobos são criaturas pacíficas. Esse havia sido o refrão de mamãe por anos e anos. Acho que a única maneira de ela conseguir continuar a viver naquela casa era se convencendo da relativa não periculosidade dos lobos e insistindo em afirmar que meu ataque fora um acontecimento isolado. Não sei se ela acreditava mesmo que eles fossem pacíficos, mas eu acreditava. Olhando para o bosque, observei os lobos durante todos os anos da minha vida, decorando seus rostos e suas personalidades. Claro, havia o lobo malhado, magro e com aspecto doentio, que tinha voltado para o bosque, visível apenas nos meses mais frios. Tudo nele — o pelo fosco e emaranhado, a orelha cortada, o olho purulento e imundo — dava mostras de um corpo enfermo, e o branco de seus olhos sempre em movimento indicava uma mente perturbada. Eu podia imaginá-lo atacando outra vez um ser humano no bosque.
E havia a loba branca. Eu tinha lido que os lobos se unem para a vida toda,e eu a vira com o líder da matilha, um lobo grandalhão, tão preto quanto ela era branca. Eu o observara encostando o focinho no dela e conduzindo-a por entre as árvores esqueléticas, a pelagem surgindo em flashes como um peixe na água. Ela tinha uma espécie de beleza selvagem e irrequieta; eu também a podia imaginar atacando um ser humano. Mas o resto? Eram belos e silenciosos fantasmas no bosque.
Eu não os temia.
— Está bem, pacíficos. — Mamãe entalhava a tábua de legumes. — Talvez pudessem só pegar todos eles e jogá-los no Canadá, alguma coisa assim.
Fechei a cara, olhando para o dever de casa. Verões sem meu lobo já eram bem ruins. Quando eu era criança, aqueles meses pareciam inacreditavelmente longos, um tempo que eu apenas esperava passar até que os lobos reaparecessem. E tudo piorou depois que vi meu lobo de olhos amarelos. Durante aqueles longos meses, eu imaginava grandes aventuras em que eu me transformava num lobo à noite e fugia dali com ele para um bosque dourado onde nunca nevava. Agora, eu sabia que o bosque dourado jamais existira, mas a alcateia — assim como meu lobo de olhos amarelos — era real.
Suspirando, afastei meu livro de matemática, empurrando-o sobre a mesa da cozinha, e fui me juntar à mamãe perto da tábua de carne.
— Deixa que eu faço isso. Você está fazendo uma bagunça.
Ela não protestou, nem eu esperava que protestasse. Em vez disso, me recompensou com um sorriso e deu meia-volta, meio que esperando que eu reparasse o péssimo trabalho que estava fazendo.
— Se você acabar de fazer o jantar — disse ela —, vou te amar para sempre.
Fiz uma careta e tirei a faca das mãos dela. Mamãe estava sempre manchada de tinta e com a cabeça no mundo da lua. Nunca seria como as mães dos meus amigos: usando um avental, cozinhando, passando aspirador, a dona de casa perfeita. Eu na verdade não queria que ela fosse como as outras. Mas, sério, eu precisava terminar o meu dever de casa.
— Obrigada, meu bem. Estarei no ateliê.
Se mamãe fosse uma daquelas bonecas que dizem cinco ou seis coisas diferentes quando você aperta sua barriga, essa seria uma de suas frases gravadas.
— Não vá desmaiar com o cheiro de tinta — eu disse, mas ela já subia as escadas correndo.
Jogando os cogumelos mutilados numa tigela, olhei para o relógio pendurado na parede amarelo-vivo. Uma hora para papai chegar do trabalho. Eu tinha tempo suficiente para preparar o jantar e talvez, depois, tentar dar uma olhada no meu lobo.
Havia na geladeira algum tipo de carne já cortada em pedaços, com certeza pronta para ser misturada aos cogumelos mutilados. Tirei-a dali e joguei-a na tábua. Ao fundo, um “especialista” do jornal perguntava se a população de lobos em Minnesota deveria ser reduzida ou levada para outro lugar. Aquilo tudo só serviu para me deixar de mau humor.
O telefone tocou.
— Alô?
— Fala. E aí?
Rachel. Fiquei contente ao ouvir sua voz; ela era exatamente o oposto da minha mãe — super organizada e ótima em concluir as coisas. Ela fazia com que eu me sentisse menos E.T. Prendi o telefone ao ouvido com o ombro e terminei de picar a carne enquanto falava, separando um punhado para mais tarde.
— Estou só fazendo o jantar e vendo a porcaria do jornal.
Ela entendeu na mesma hora do que eu estava falando.
— Sei. Tudo surreal, né? Parece que eles não se cansam nunca disso. É meio idiota. Poxa, por que eles simplesmente não calam a boca e deixam a gente superar tudo? Já é ruim o suficiente ir para a escola e ouvir falar disso o tempo todo. E você com os lobos e tudo mais, isso deve estar te aborrecendo mesmo. E, sério, os pais de Jack devem estar mais é querendo que os repórteres calem a boca.
Rachel falava tão depressa que eu mal conseguia entendê-la. Perdi um monte de coisa que ela disse no meio, e então ela perguntou:
— Olívia ligou hoje?
Olívia era o terceiro lado do nosso triângulo, a única que chegava vagamente perto de entender meu fascínio pelos lobos. Era rara a noite em que eu não falava com ela ou com Rachel pelo telefone.
— Deve estar por aí tirando fotos. Não tem uma chuva de meteoros hoje à noite? — perguntei.
Olívia via o mundo através de sua câmera; metade das minhas lembranças de escola parecia vir em imagens brilhantes, formato 10x15cm em preto e branco.
Rachel disse:
— Acho que você tem razão. Olívia com certeza vai querer uma amostra dessa emocionante atividade astronômica. Você pode conversar um pouquinho?
Dei uma olhada no relógio.
— Mais ou menos. Só enquanto termino o jantar, depois eu tenho dever de casa.
— Ok. Só um segundo, então. Duas palavras, querida, saca só: Fu. Ga. Comecei a colocar a carne na chapa do fogão.
— Isso é uma palavra, Rach.
Ela parou.
— É, na minha cabeça parecia melhor. Mas olha, o lance é o seguinte: meus pais disseram que se eu quiser ir a algum lugar nas férias de Natal deste ano, eles pagam. Eu quero tanto ir a algum lugar. Qualquer lugar que não seja Mercy Falls. Meu Deus, qualquer lugar que não seja Mercy Falls! Você e Olívia podem vir aqui e me ajudar a escolher alguma coisa amanhã, depois da escola?
— Claro, com certeza.
— Se for um lugar bem legal, talvez você e Olívia possam ir também — disse Rachel.
Não respondi logo. A palavra “Natal” trouxe no mesmo instante lembranças do cheiro de nossa árvore de Natal, a imensidão escura do céu estrelado de dezembro vista do quintal e os olhos do meu lobo me observando por detrás das árvores cobertas de neve. Não importa quanto tempo ele ficasse ausente durante o resto do ano, eu sempre tinha o meu lobo de volta no Natal.
Rachel gemeu.
— Não fica nesse silêncio de expressão-pensativa-olhando-para-o-nada, Grace! Eu sei que você está fazendo isso! Não vai me dizer que não quer sair deste lugar?
Eu meio que não queria. Eu meio que pertencia àquele lugar.
— Eu não disse não — protestei.
— Você também não disse aimeudeussiiim. Era o que você deveria dizer. — Rachel suspirou. — Mas você vem aqui, não vem?
— Você sabe que eu vou — eu disse, esticando o pescoço para olhar pela janela dos fundos. — Agora tenho mesmo que desligar.
— Ok, ok, ok — disse Rachel. — Traga biscoitos. Não esqueça. Te adoro. Tchau. — Ela riu e desligou.
Corri para botar a panela do ensopado no fogão, para que ele pudesse cuidar da comida sem mim. Pegando o casaco dos ganchos na parede, abri a porta que dava para o deque.
O ar frio mordeu meu rosto e beliscou as pontas de minhas orelhas, lembrando que o verão tinha oficialmente acabado. Meu gorro estava enfiado no bolso do casaco, mas eu sabia que meu lobo nem sempre me reconhecia quando eu o usava, então deixei-o lá. Examinei o fim do quintal e desci do deque, tentando parecer despreocupada. O pedaço de carne na minha mão estava gelado e escorregadio.
Fazendo barulho, segui pela grama descorada e quebradiça até o meio do quintal e parei, por um instante ofuscada pelo violento cor-de-rosa do pôr do sol através das agitadas folhas negras das árvores. Aquela paisagem terrível ficava muito longe da cozinha pequena e aquecida, com seus cheiros reconfortantes de sobrevivência fácil. Ambiente ao qual eu deveria pertencer. Onde eu deveria querer estar. Mas as árvores me chamavam, me instigando a abandonar o que eu conhecia e desaparecer na noite que se aproximava. Esse desejo me assaltava com desconcertante frequência naqueles dias.
A escuridão na beira do bosque se moveu e vi meu lobo de pé atrás de uma árvore, as narinas farejando a carne na minha mão. Meu alívio ao vê-lo logo desapareceu quando ele mexeu a cabeça, deixando o quadrado amarelado de luz da porta cair sobre seu rosto. Eu podia ver agora que seu queixo estava coberto de sangue velho e seco. Seco havia dias.
Suas narinas exploravam; ele podia sentir o cheiro do pedaço de carne na minha mão. A carne, ou a familiaridade da minha presença, foi o bastante para fazê-lo dar alguns passos para fora do bosque. Depois mais alguns. Mais perto do que jamais tinha estado.
Encarei-o tão de perto que poderia ter esticado a mão e tocado seu pelo brilhante. Ou limpado a mancha vermelho-escura em seu focinho. Eu queria muito que aquele sangue fosse dele. Um velho corte ou arranhão obtido numa briga.
Mas não parecia. Parecia pertencer a outra pessoa.
— Você o matou? — sussurrei.
Ele não desapareceu ao som da minha voz, como eu havia esperado. Estava tão imóvel quanto uma estátua, os olhos observando meu rosto em vez da carne que eu tinha na minha mão.
— Só falam disso nos jornais — disse, como se ele pudesse entender. — Chamam de “selvageria”. Dizem que animais selvagens fizeram aquilo. Foi você?
Ele me olhou fixamente por um minuto inteiro, sem se mover, sem piscar. E então, pela primeira vez em seis anos, fechou os olhos. Aquilo ia contra qualquer instinto natural que um lobo poderia possuir. Uma vida toda de olhar fixo, e agora ele estava congelado numa dor quase humana, os olhos brilhantes fechados, cabeça e cauda baixas.
Era a coisa mais triste que eu já tinha visto.
Devagar, quase sem me mexer, me aproximei dele, com medo apenas de assustá-lo, não de seus lábios manchados de vermelho ou dos dentes por eles cobertos. Suas orelhas tremeram, registrando a minha presença, mas ele não se moveu. Eu me curvei, deixando a carne cair na neve a meu lado. Ele se encolheu quando ela bateu no chão. Eu estava perto o bastante para sentir o cheiro intenso de seu pelo e o calor do seu hálito.
Então fiz o que sempre quis fazer — botei uma das mãos sobre os pelos densos do seu pescoço e, quando ele não se esquivou, mergulhei as duas as mãos em sua pelagem. A parte externa não era tão macia quanto parecia, mas por baixo das pontas ásperas havia uma camada fofa de pelos. Com um gemido baixo, ele apertou a cabeça de encontro a mim, os olhos ainda fechados. Segurei-o como se ele não passasse de um cachorro doméstico, embora seu cheiro selvagem e intenso não me deixasse esquecer o que realmente era.
Por um momento, me esqueci de onde estava — de quem eu era. Por um momento, isso não importava.
Um movimento atraiu meu olhar: ao longe, quase invisível no crepúsculo, a loba branca nos observava da entrada do bosque, olhos ardentes.
Senti um ronco de encontro a meu corpo e percebi que meu lobo rosnava para ela. A loba aproximou-se, excepcionalmente ousada, e ele se torceu em meus braços para encará-la. Vacilei ao som de seus dentes mordendo o ar na direção dela.
Ela não rosnou e, de alguma forma, isso era mau sinal. Um lobo deveria rosnar. Mas ela só observava, os olhos se movendo depressa dele para mim, toda a sua linguagem corporal emanando ódio.
Ainda rosnando, quase inaudível, meu lobo apertou-se ainda mais contra mim, me obrigando a dar um passo atrás, depois outro, me guiando até o deque. Meus pés encontraram os degraus e recuei para a porta corrediça. Ele ficou perto da escada até que abri a porta e me tranquei dentro de casa.
Assim que entrei, a loba branca correu e abocanhou o pedaço de carne que eu tinha deixado cair. Embora meu lobo estivesse mais perto e fosse a mais óbvia ameaça à sua comida, foi a mim que ela encarou, do outro lado da porta de vidro. Ela sustentou o olhar por um longo instante antes de deslizar para o bosque como um espírito.
Meu lobo hesitou na entrada do bosque, seus olhos visíveis à fraca luz da varanda. Ele ainda observava meu vulto através da porta. Pressionei a mão aberta contra o vidro gelado. A distância entre nós nunca parecera tão grande.
Pv off Anahi*
Autor(a): aninhalovelahr
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Pv on Anahí* Quando meu pai chegou em casa, eu ainda estava perdida no mundo silencioso dos lobos, rememorando inúmeras vezes a sensação dos pelos ásperos do meu lobo na palma das mãos. Ainda que, contra minha vontade, eu as tivesse lavado para terminar de preparar o jantar, seu cheiro almiscarado entranhara em minhas roupas ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 6
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ponnyyvida Postado em 05/01/2018 - 02:50:46
Aí já tô apaixonadinha por essa fanfic <3 <3 Continuaaaaaa :)
aninhalovelahr Postado em 05/01/2018 - 12:31:32
Que bom que está gostando!!! Continuado...
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Nandacolucci Postado em 04/01/2018 - 18:24:40
CONTINUAAAAAA <3
aninhalovelahr Postado em 05/01/2018 - 12:31:06
Continuado...
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Nandacolucci Postado em 04/01/2018 - 16:59:50
1 leitora. muito diferente a história gostei CONTINUAAAAAAAAAAAAAA
aninhalovelahr Postado em 04/01/2018 - 17:29:45
Que bom que gostou! Continuado...