"E ainda que meu amor seja raro
E ainda que meu amor seja verdadeiro
Ei, só estou com medo de nós não darmos certo..."
*************
O som das risadas que vinha da cozinha chegava aos meus ouvidos de forma gritante. Amava aquelas pessoas, sério mesmo, mas no momento o que mais queria era ficar sozinha, e principalmente ficar longe dela. Meu temperamento estava à flor da pele e o grau de irritação já se encontrava em seu estado mais elevado.
Estava sentada no canto de um sofá pequeno, isolada, jogando algo muito patético no meu celular enquanto as músicas ficavam cada vez mais insuportáveis.
- Servida?
Olhei para cima e encontrei Derick com uma garrafa de vinho pela metade em sua mão. Sorri ao olhá-lo melhor, seus olhos azuis estavam completamente afetados pelo álcool. Olhei para o copo de Sukita entre minhas pernas.
- Obrigada Derick, mas estou no refrigerante hoje. - Sorri amigável.
- Ah.. - Se jogou ao meu lado. - Eu nunca vi você bebendo. - Sua voz estava enrolada, mesmo assim me diverti ao reparar em seu desapontamento.
- Dulce! - Mari apareceu em nossa frente completamente suada e descabelada. - Olha só... - Abriu espaço entre Derick e eu sentando-se bem entre nós nos esmagando no pequeno espaço. - Vou me encontrar com alguns amigos daqui a pouco e continuar a noite. Então você e Anahi não precisam se preocupar comigo. Podem ir embora à hora que quiserem. - Disse passando o braço envolta do meu pescoço.
- Você não vai dormir lá em casa então. - Concluí. - E sua mãe sabe disso? - Indaguei.
- Ela não precisa saber. - Retrucou olhando em meus olhos.
Aquele frio se instalou em minha barriga: Medo e nervosismo. Pensar em ficar sozinha com Anahi não era nada agradável, ainda mais com as poucas palavras que trocavamos ultimamente. Era irônico pois antigamente nosso maior objetivo era deixar Mari bem longe mas agora eu realmente gostaria dela conosco, pelo menos a tensão iria ser quase imperceptível. Virei um pouco o rosto e encontrei Anahi de braços cruzados encostada na parede com cara de poucos amigos olhando em nossa direção. Tomei um gole do refrigerante em meu poder ainda a encarando.
- Já falou com ela? - Perguntei com a voz baixa.
- Já. - Se levantou passando as mãos pela roupa amassada. - Tenha cuidado vocês duas e não voltem lá pra casa sem mim. Amanhã de manhã eu apareço na sua casa. - E saiu.
Fiquei olhando Mari se afastar indo em direção a Anahi. Mesmo de longe pude perceber que as duas discutiam. Mari estava debochando da mais nova sem sombra de dúvidas e Anahi chegava a bufar de irritação. A mais velha subiu as escadas deixando a outra no mesmo lugar, mais uma vez seu olhar caiu sobre mim e veio a passos lentos em minha direção. Ótimo! Sem pensar ao menos uma vez, arranquei a garrafa de vinho ainda nas mãos de Robert e bebi o liquido pelo gargalo mesmo. Tomei três goladas sentindo o líquido rasgante descer pela garganta, subitamente a garrafa sumiu de minhas mãos.
- Qual é o seu problema? - Me levantei irritada.
- Você não é de beber.
- Mas eu estou com vontade de beber. - Ameacei tomar a garrafa de suas mãos, mas ela a desviou.
- Eu estou cuidando de você, Dulce.
- Eu sou bem grandinha para saber o que devo ou não fazer. - Olhei em seus olhos. Péssima ideia.
- Okay. - Seus olhos estavam muito sérios. - Então vou deixar você de lado, satisfeita? Mas hoje você não pode beber. É você quem vai dirigir.
- Qual é Anahi. Você ama dirigir, pode muito bem levar meu carro. - Desdenhei.
- Mas eu não quero, e o carro é seu. Então.. - Bebeu o resto do vinho que se encontrava ali. - Vamos? - Indagou sonsa jogando a garrafa vazia no colo do garoto ainda sentado no sofá.
Fazia mais ou menos uns quinze minutos que estava dirigindo em silêncio enquanto Anahi olhava pela janela me ignorando por completo. Dez anos e não conseguíamos nem olhar uma pra cara da outra, aquilo estava me matando. Pisei no acelerador correndo um pouco mais pela pista vazia percebendo sua atenção revezar entre mim e o para-brisa. Reduzi. Aquilo era idiotice. Anahi levou a mão até o painel ligando o rádio. Resolvi puxar assunto.
- Como anda a gravação do Cd? - Comecei calmamente.
- Muito bem. - Foi a única coisa que ouvi.
- Conseguiu fazer a outra música? - Tentei novamente.
- Estou escrevendo uns versos novos. - Percebi sua cabeça pender para frente.
Ela estava estranha. Parecia mais solitária do que deveria se sentir. Não havia necessidade para aquelas semanas de silêncio, eu mesma era uma prova daquilo. Ouvi um barulho ao mesmo tempo em que o meu lado do carro arriou. Ótimo! Um pneu estourado era tudo o que eu queria naquele momento. Encostei.
- Eu não acredito. - Anahi choramingou ao meu lado.
- Nem eu. - Abri a porta do carro olhando para baixo. - Estrago total. - Tirei o cinto já saindo.
O pneu tinha rasgado e o pior, eu não fazia ideia de como se trocava um. Anahi apareceu ao meu lado com os braços cruzados olhando para o acidente ainda irritada.
- Você sabe trocar isso? - Arqueou uma sobrancelha com a voz baixa e mal humorada.
- Não. Você sabe? - Abri os braços em uma tentativa falha.
- Você sabe que não. - Respondeu secamente indo em direção ao banco de trás.
Olhei ao redor procurando alguma luz sinalizando civilização, mas não encontrei nada. Estávamos no meio de uma serra, havia sim, muitas árvores. Vi Anahi voltar com o celular entre as mãos.
- Você não vai ligar pra casa. - Informei. Ela ergueu os olhos para mim.
- E por que não?
- Por um acaso você está vendo sua querida irmã mais velha por aqui? - Abri os braços mostrando a área.
- Maldita hora que aquela garota resolveu nos deixar. - Apertou o celular com força.
- Concordo, mas me dá isso aqui dá. - Tirei o aparelho de seu poder discando um número.
- Vai ligar pra quem? - Se sentou no banco do motorista.
- Estefania, lógico! - Respondi me afastando dela.
Após alguns segundos no celular retornei ao carro devolvendo o aparelho. Abri a porta traseira e me deitei no banco largo com o braço sobre os olhos.
- E então? - Ouvi sua voz.
- Ela mandou um reboque.
Eu não me importava em ficarmos em silêncio desde que eu não a olhasse, então era exatamente isso o que eu estava fazendo. Devia de ter passado uns cinco minutos, e eu já estava quase dormindo, quando sua voz quebrou o silêncio.
- Eu não entendo. Eu estou com raiva de você.
- Sério? Nem percebi. - Não contive o comentário irônico.
- E é isso o que me deixa ainda mais furiosa contigo. - Retrucou irritada.
- E o que você quer que eu faça? Eu também estou com raiva, mas ao contrário tento ser paciente porque sei que você não tem culpa. - Disse ríspida. - Mas parece que você não enxerga isso.
- Eu não enxergo? Céus. - Tirei o braço do rosto e a vi passando as mãos pelo cabelo. - Eu odeio tudo isso.
- Odeia o que? E porque estamos brigando? Porque você não fala comigo direito? Porque parece que eu fiz algo de errado? - Eram todas as dúvidas que eu tinha.
- Eu odeio o que sinto por você. - Sorri fraco voltando a cobrir os olhos. - Eu odeio essa situação e eu sinto sua falta. Que droga Dulll, minha vontade é de te bater.
- Nossa! Quanto amor. - Debochei.
- Não dá pra conversar com você. - Bufou saindo do carro.
Levantei a cabeça podendo observá-la. Ela se afastou consideravelmente do carro, pegou algumas pedras no chão e começou a arremessá-las para longe. Particularmente eu tinha medo de que uma daquelas pedras acertasse minha cabeça, mas isso não me impediu de me juntar a ela. Fiquei ao seu lado olhando as pedras voarem para longe. Cruzei os braços na altura do peito de forma pensativa. Tudo o que eu queria era parar de ignorar e encarar os problemas de frente.
- Precisamos conversar. - Comecei.
- Não temos nada para conversar. - Outra pedra foi lançada.
- Não podemos fugir disso pra sempre.
- Eu não estou fugindo de nada. Fizemos uma escolha e é assim que vai continuar.
- Ótimo! Grande escolha. Sermos amigas. Quer saber? Nós não estamos mais agindo como amigas, Anahi. Ou será que você está cega? - Elevei a voz.
- Nós não podemos. - Passou as mãos pelo cabelo novamente voltando para o carro. Fui atrás.
- Dá pra parar de fugir? Eu não quero saber sobre o que podemos ou não.
- Então o que você quer? - Bateu a porta do carro com força se virando em minha direção.
- É exatamente isso o que eu quero saber. O que você quer? - Minha respiração estava descompassada.
- Me desculpa, OKAY? - Gritou. - Mas eu não vejo outra opção.
Entenda, eu sempre fui a compreensiva, ou seja, a babaca. Mas por algum motivo, naquele dia isso mudou. Nos encontravamos a poucos metros de distância. A brisa fraca fazia seu cabelo dançar levemente para o lado direito e a saia do vestido ondular contra suas coxas. A observei cerrar os punhos olhando diretamente para mim, parecia com mais raiva de si do que qualquer outra coisa. Como assim ela não encontrava nenhuma outra opção? Minha respiração ficava cada vez mais acelerada e meu coração parecia querer pular para fora do meu peito. Eu estava ali, disposta a tudo por ela. Disposta a enfrentar tudo para ficarmos juntas e ela não via nenhuma outra opção a não ser esquecer o que estávamos sentindo e fingir sermos boas amigas pelo resto de nossas vidas sem ao menos tentar?
Franzi a testa contorcendo minha expressão em pura irritação. Meu corpo por dentro estava gelado e eu nem sabia o motivo. Eu estava com raiva, muita raiva. Parei de pensar me movendo somente através dos meus impulsos e fiz o que eu queria fazer a muito tempo. Dei alguns passos em sua direção a abraçando bruscamente e me inclinei para a colisão de nossas bocas. Suguei rapidamente seus lábios já pedindo passagem para invadir a boca macia. Me certifiquei de que seu corpo se prendesse bem ao meu, suas mãos apoiadas em minha barriga não se mexiam e ao que percebi não tentavam me afastar. Percebi aos poucos que meu beijo era bem vindo, correspondido. Sua boca era incrível, o gosto era delicioso. Um formigamento gostoso apareceu em minha barriga a medida que ficava ciente do que estava fazendo. Passei minhas mãos por todo seu tronco sentindo cada pedaço daquele corpo e com a mesma brutalidade que iniciei aquilo, eu terminei. Seus olhos ainda estavam fechados quando levei minhas mãos até seus ombros e a afastei friamente de mim.
- Agora você tem outra opção. - Disse duramente quando seus olhos se abriram.
Me virei e saí caminhando pela estrada enquanto limpava os resquícios de saliva que se encontravam entorno de meus lábios. Parei chutando com raiva uma pedra infeliz no meio do caminho.
- DULCE MARIA SAVIÑON, VOLTE JÁ AQUI! - Ouvi gritar enquanto marchava em minha direção parando atrás de mim. Eu ainda permanecia de costas mirando o horizonte. - O FATO DE VOCÊ ME CONHECER A MAIS DE DEZ ANOS NÃO TE DÁ O DIREITO DE FAZER ISSO! - Cruzei os braços e olhei para baixo chapiscando o pé no asfalto.
- Você não pareceu se importar a minutos atrás - Minha voz saiu baixa.
- VO-CÊ- ME -A-GAR-ROU! - Gritou no meu ouvido parecendo ensinar algo simples a uma criança teimosa.
Sem me controlar, virei a segurando mais uma vez. Suas mãos se fecharam em meus braços tentando se afastar sem muito sucesso. A apertei mais conseguindo imobilizar seu corpo fazendo com que me encarasse.
- Se não me falha a memória você bem que correspondeu. - Cuspi aquelas palavras a fazendo corar.
- Voc-você.. Você é muito petulante, sabia?! - Exclamou enraivecida tentando se soltar mais uma vez.
- Só quando necessário. - Me esforcei para não deixá-la escapar. - Anahi, para de se debater. Eu não vou fazer mais nada.
- Então me solta. - Pediu ficando quieta em meus braços.
- Tudo bem. - Concordei relaxando a força que fazia permanecendo próxima ao seu corpo. - Mas, me diga que você não sentiu nada. - Segurei em suas mãos.
- Do que você está falando? - Tentou controlar a respiração.
Não sabia decifrar o que seus olhos trêmulos me transmitiam, mas não estava me importando em deixá-la confortável naquele momento. Eu precisava tentar, ainda mais sabendo como era gostoso beijá-la. Coloquei a mão direita em sua cintura a segurando levemente. Senti seu corpo estremecer e me controlei para não fazer o mesmo. Aproximei meu rosto do dela ainda olhando nos olhos castanhos.
- Diz que você não queria me beijar. - Pedi a poucos centímetros de sua boca. - Ou melhor, diga que você não quer me beijar.
Senti sua respiração ficando cada vez mais pesada. Seus olhos fugiram dos meus e repousaram sobre minha boca. Me aproximei roçando o nariz no dela, sua boca se abriu minimamente soltando um ar quente. Suas mãos apertaram meus braços e em reflexo envolvi sua cintura a apertando contra meu próprio corpo. As respirações se mesclavam na curta distância de nossos rostos.
- Vamos, Anahi - Sussurrei roçando em seus lábios. - Diga q..
Antes mesmo de completar a frase senti seus lábios pressionarem nos meus com força, a língua pedia a passagem que já lhe era concedida. Uma de suas mãos segurava firme em minha cintura enquanto a outra acariciava meu rosto, o beijo se tornava mais profundo a cada encontro entre as línguas. Tentei retomar as diretrizes, mas era tarde demais, era ela quem estava comandando ali e por algum motivo não me deixava tomar conta da situação. Após muitas tentativas consegui invadir sua boca me saciando daquele lugar por tempo suficiente. Após alguns minutos me afastei um pouco ainda de olhos fechados tentando controlar a respiração e mais uma vez senti os lábios macios sobre os meus. Deu pequenas mordidinhas e beijos intercalados. Abri um pouco os olhos a observando brincar com minha boca até que me deu um selinho, um beijo demorado na bochecha e me abraçou escondendo o rosto em meu pescoço.
- Eu queria te beijar. Satisfeita? - Afaguei seu cabelo sorrindo ao escutar a voz abafada contra meu pescoço.
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Tiramos as sandálias antes de entrarmos em casa para não fazermos barulho, mas meu pai estava na sala parecendo nos esperar. Anahi puxou sua mão da minha rapidamente me fazendo reprimir uma risada. Tranquei a porta e fui falar com o homem sentado no sofá.
- Boa noite, meninas. - Suspirou Fernando olhando para nós. - Anahi, como você cresceu.
- Haha! Obrigada pela ironia. - Rimos do comentário.
- Minha mãe já foi dormir? - Perguntei lhe dando um beijo no rosto.
- Já.
- Amanhã falamos com ela então. Boa noite, Pai - Puxei Anahi pela escada.
- Boa noite, tio Nando - Anahi desejou antes de me seguir.
- Boa! Juízo em meninas. - Escutamos quando já estávamos no topo da escada.
Entramos em meu quarto e após fechar a porta a abracei carinhosamente por trás sussurrando um "boba" em seu ouvido.
- Por quê? - Perguntou colocando as mãos sobre meus braços em torno de sua barriga.
- Não precisava puxar sua mão da minha lá embaixo. - Comentei beijando seu rosto a soltando.
- Eu sei, mas.. não deu para evitar.
- Você é uma péssima atriz. - Sorri me sentando na cama.
- Não sou nada - Discordou largando as sandálias em um canto - Se eu fosse não teria uma personagem na novela.
- Se você acha assim. - Dei de ombros - O fato é que você deu na pinta, se não fosse o meu pai iriam desconfiar.
- Da próxima vez eu fico mais atenta - Se arrastou até o armário abrindo a ultima gaveta - Cadê minha blusa da Madonna? - Revirou as roupas ali.
- Culpada - Ergui a mão direita - Usei essa semana, está para lavar.
- Ótimo! - Suspirou levantando com algumas peças nas mãos - Vou tomar banho - Caminhou em direção ao banheiro. - Vem comigo? - Parou rente a porta sorrindo maliciosamente para mim.
- Isso é sério? - Perguntei surpresa. Ela gargalhou.
- É claro que não, Dul - Me deu as costas, mas corri a puxando para mim.
- Cuidado com o que você brinca. - Sussurrei mordiscando seu lábio inferior - Sabe que toda brincadeira tem um fundo de verdade.
- Eu sei. - Roçou os lábios nos meus. - Vem tomar banho comigo? - Sugeriu rindo da minha expressão.
- Você é muito safada, sabia disso? - A soltei me afastando.
- Eu sei, e você me ama por isso. - Soltou uma risada antes de entrar no banheiro e fechar a porta.
Foi difícil para eu acreditar no que estava acontecendo. A noite deu um salto gigantesco e eu não sabia no que pensar. Assim que ela saiu do banheiro eu entrei e demorei uma eternidade pensando sobre o assunto enquanto deixava a água do chuveiro bater forte contra minha nuca. Finalmente eu tinha o que mais queria. Ela. Sorri ao me vestir e saí do quarto. A observei desligar a televisão com o controle remoto e me chamar para seus braços. Subi na cama enterrando o rosto em seu pescoço, sempre adorei o cheiro que emanava dele.
- Cansada? - Me perguntou passando a mão em minha nuca.
- Um pouco - Suspirei me virando para encará-la - Faz tempo que você não me deixa dormir direito - Disse a fazendo dar um sorriso sem graça.
- Prometo que farei de tudo pra isso não acontecer mais - Alisou a maçã do meu rosto.
- Estou com muito sono - Abracei sua cintura me afundando em seu colo.
Ouvi uma risada baixa enquanto seus dedos vagavam por meu cabelo.
- Pode dormir - Sussurrou - Estou aqui com você.
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O som distante da chuva me despertou aos poucos. Senti o perfume inebriante da loira que deveria estar ao meu lado, mas não a encontrei quando vaguei as mãos pela cama. Abri os olhos com uma certa dificuldade notando o quarto meio escuro. Virei em direção a janela encontrando a luz da mesinha do computador acesa e, na cadeira, Anahi me olhando com um sorriso meigo. Seu cotovelo apoiado na mesinha dava o descanso a sua cabeça entre as mãos. As pernas estavam encolhidas sobre a cadeira deixando as coxas completamente expostas. Suspirei profundamente com a cena e me levantei coçando os olhos com as costas da mão. Me aproximei dela que me acolheu em seu colo. Abracei seu pescoço me aproveitando do calor que emanava de seu corpo.
- Oi - A ouvi dizer passando as mãos por minhas costas me fazendo sentir leves calafrios.
- Oi - Me afastei um pouco ficando com o rosto próximo ao seu - Por que está acordada? - Sussurrei antes de beijar sua boca.
- Primeiro: Estava com uma frase na cabeça que não me deixou dormir. Segundo: É hipnotizante observar você dormindo. - Acariciou meu rosto que tinha acabado de esquentar. Sorri.
Meus olhos deviam de estar mais brilhantes de desejo do que os dela. Não vamos ser hipócritas. Eu estava em meu quarto escuro no meio da madrugada com chuva batendo contra a janela, no colo de Anahi. Não posso e nem quero negar que meus pensamentos foram os piores possíveis, ou melhores. Fechei os olhos e respirei fundo sentindo o cheiro de sua pele, eu tinha tantas vontades naquela hora... Iniciei um beijo calmo que foi se acelerando aos poucos. Eu queria continuar, mas não podia. Eu queria parar, mas não conseguia. Irônico me lembrar desses dias. Anahi foi quem quebrou o beijo me fazendo rir de suas bobeiras. Balancei a cabeça em negativo enquanto sorria e achei um papel totalmente preenchido com a caligrafia conhecida sobre a mesa. Peguei a folha enquanto Anahi me observava. A frase "Nós não podemos parar o mundo, mas existe muito mais que nós podemos fazer." estava espalhada por todos os lado. Olhei para a garota que me segurava e ergui uma sobrancelha.
- Eu disse que era só uma frase. - Tornou a dizer.
- Mas precisava escrever na folha inteira? - Franzi o cenho.
- Não tinha nada pra fazer, e eu gostei da letra. Consigo até sentir a batida. - Deu de ombros.
- Realmente, nada pra fazer. - Deixei a folha sobre a mesa. - Quando foi que começou a chover? O tempo estava tão lindo.. - Me levantei indo até a janela.
As gotículas se formavam no vidro dando uma aparência refrescante. Destravei o trinco e abri um pouco a janela aspirando o cheiro da terra molhada. Engoli um pouco de saliva, aquilo me dava certa nostalgia. Sorri quando uma brisa fresca bateu contra meu rosto, o tempo estava delicioso.
- Dulce - Chamou atrás de mim. Me virei.
- Fala - Suspirei ainda sorrindo. A brisa ainda entrava pela parte aberta.
- Quero te fazer uma pergunta - Coçou a nuca meio sem jeito me fazendo rir.
- Pode fazer - Dei um passo em sua direção - Estou te ouvindo - Acariciei seu rosto a fazendo fechar os olhos.
- O que.. - Tirou minha mão de sua face a segurando entre as suas. - O que acontece agora? - A voz soou temerosa me fazendo torcer a boca.
- Você ainda está com medo? - Engoli em seco esperando a resposta.
- Sinceramente? Sim, isso tudo é muito novo e eu não sei como começar a lidar.
Desviei de seus olhos pousando minha atenção na folha solta perto do computador, um meio sorriso surgiu em minha boca.
- Nós não podemos parar o mundo... - Recitei a puxando pela cintura. - Mas existe muito mais que nós podemos fazer.
- Você não existe. - Meneou a cabeça enquanto o sorriso largo tomava os lábios carnudos.
- Existo sim. - Encostei nossas testas me aproveitando do momento. - E eu sei que vamos conseguir. Eu te prometo.
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O Sol já começava a nascer quando Anahi conseguiu dormir em meu colo. Permaneci acordada por alguns minutos admirando a face angelical enquanto meus dedos deslizavam pelos fios claros de seu cabelo, parecia uma criança travessa que tinha aprontado muito antes de sucumbir ao cansaço. Parei os movimentos da mão quando senti o sono me atingir.
Parecia que eu tinha adormecido por um curto período de tempo quando despertei com uma sutil batida na porta. Apertei os olhos tentando me acostumar com a luz do Sol que já estava alto. Olhei para Anahi ainda dormindo em meus braços e murmurei um "entre" na esperança de não acordá-la. Sorri quando minha mãe colocou a cabeça para dentro do aposento.
- Bom dia - Sussurrou se aproximando.
- Bom dia - Respondi enquanto recebia um beijo na testa.
- Dormiram tarde? - Se sentou na cama olhando de maneira divertida para Anahi.
- Hoje, na verdade - Corrigi a fazendo arregalar os olhos.
- Vocês não dormiram a noite toda? Da próxima vez coloco em quartos separados. - Senti o corpo se revirar em meu colo.
- Não. - Ouvimos a voz rouca se pronunciar. - Desculpa tia Blanca, a culpa foi minha. Eu estava sem sono. - Bocejou. - A propósito, bom dia! - Sorriu se sentando.
- Bom dia, dorminhoca. - Soltei risonha.
- Tá. Dessa vez passa. - Passou a mão pelo queixo de Anahi.
- São que horas? - Perguntei procurando pelo relógio.
- Quase meio dia - Minha mãe se levantou da cama enquanto eu enterrava a cara no travesseiro.
- Tudo isso? - Anahi se alarmou - Tenho que ligar pra Mari.
- Acho que não precisa. - Minha mãe respondeu já de pé. - Ela chegou mais cedo. Está lá embaixo desmaiada no sofá. Sabe que se sua mãe perguntar vou ter que falar a verdade, não sabe?
- Sei sim. Pode falar, eu não tenho nada haver com isso. - Deu de ombros se deitando novamente na cama.
- Negativo. - Minha mãe sacudiu nós duas. - Lá embaixo em dez minutos. Ninguém mandou passarem a noite em claro.
- Tá bom mãe. - Minha voz foi abafada pelo travesseiro. - Daqui a pouquinho a gente desce.
- É tia. Deixa a gente aqui só mais um pouquinho. - Anahi suplicou ainda deitada ao meu lado.
- Só um pouquinho. - Dona Blanca avisou antes de sair e fechar a porta.
O quarto ficou em silêncio e eu quase acreditei que iria voltar a dormir. Já estava avistando a luz no fim do túnel quando senti alguém pular na cama. Anahi.
- Então - Me chacoalhou - Precisamos conversar antes de descer.
- Deixe eu dormir - Choraminguei.
- Ontem eu deixei você dormir - Reclamou - Vem, acorda - Abaixou roçando o nariz por todo meu rosto - Acorda, amor - Sussurrou roçando os lábios nos meus e quando avancei ela recuou. Abri os olhos confusa a avistando com um sorriso maroto.
- Isso foi golpe baixo - Comentei antes de me sentar na cama formando um pequeno biquinho zangado.
- Ó meu Deus! Tadinha. - Ameaçou me abraçar mas a afastei.
- Você queria conversar. Então vamos conversar. - Provoquei.
- Chata. - Atirou a língua. - Quem pode saber disso? - Apontou pra mim e depois para o próprio peito.
- Ninguém. - Gargalhei.
- Ninguém? - Repetiu. - Mas..
- Any.. - A cortei. - Sabemos que você não consegue disfarçar e que detesta esconder coisas, mas quanto menos pessoas souberem do que seja lá o que nós estamos tendo melhor.
- Mari - O nome veio junto com o espanto. - Ela.. ela..
- Ela o quê? - Franzi a testa.
- Ela vai descobrir. - Se levantou andando de um lado para o outro no chão ao lado da cama. - E quando descobrir nossas vidas vão virar um inferno.
- Como você é dramática. - Gargalhei divertida. - Se a Mari descobrir ela só vai zuar a gente. Nada demais.
- Pra você que não vive grudada com ela vinte e quatro horas. - Disse realmente preocupada.
- Ai. - Suspirei me ajoelhando no colchão a puxando para meus braços a fazendo me encarar. - Relaxa. Se depender de mim ela não vai saber de nada, okay?
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- Suco ou café? - Perguntei abrindo a geladeira.
- Quantas vezes vou ter que repetir que não tomo café da manhã? - Indagou sentada a mesa virando a pagina da revista em suas mãos.
- Mas já está de tarde. - Argumentei me sentando a mesa. - Você deveria comer alguma coisa.
- Argh - Revirou os olhos.
- Desculpa - Bebi do suco em meu copo. - Só estou tentando cuidar de você. - Anahi sorriu passando a mão em meu rosto de maneira carinhosa.
- Obrigada, mas eu estou bem. - Disse com os olhos ternos. Peguei sua mão em minha face a beijando no pulso.
- Okaaay.. - Ouvimos uma voz sonolenta vinda da porta. - Eu posso estar com muita ressaca, com a cabeça explodindo, mas já faz um tempinho que reparei vocês duas meio estranhas. Agora só confirmei que tem algo que eu ainda não sei. - Mari caminhou até nós se sentando em uma das cadeiras. - Anda, desembuchem. - Acenou com as mãos.
- Relaxa.- Anahi fez um falsete imitando meu tom de voz. - Se depender de mim ela não vai saber de nada, okay? - Completou com os olhos de peixe morto virados em minha direção.