Fanfic: O Silêncio da Paixão *AyA*Ponny* | Tema: Ponny, AyA

— Meu Senhor?

Com muito esforço, Herrera livrou-se aos poucos do torpor no qual gostaria de continuar mergulhado.

— O que é, Crane?

— Lorde Vincent está lá embaixo, meu Senhor. — informou o mordomo, apreensivo. — Ele ameaça levar Lady Anahí à força se não for falar com ele já. E o doutor Patterson também está de volta.

Herrera desencostou-se da cabeceira, todo dolorido.

Sua mão e a de Anahí continuavam unidas.

— Volto já, amor. — murmurou, beijando-a na testa febril.

Já totalmente lúcido, levantou-se e ordenou:

— Chame o valete e providencie água quente e café. Peça ao doutor Patterson que venha examinar Lady Anahí. — abrindo a porta de comunicação que dava para seus próprios aposentos, completou: — Diga a Lorde Vincent que logo o atenderei. Ele que aguarde. E ponha todos os lacaios da casa de guarda à porta de Lady Anahí. Ela não deve ser perturbada em hipótese alguma pelo conde de Keller. Entendeu?

Crane baixou a cabeça e foi cumprir as ordens.

Acomodado numa cadeira. Vincent degustava um conhaque quando Herrera finalmente adentrou a biblioteca.

— Vejo que se pôs à vontade. — comentou, sem cumprimentos.

Vincent não estava para amenidades, tampouco.

— Quero minha irmã. — declarou, curto e grosso.

— Pois não a terá. — Herrera sentou-se numa cadeira de frente para o visitante. — Considerando a farsa que promoveu, informo que Anahí agora é minha. Iremos nos casar no fim do mês que vem, se ela já estiver bem recuperada. Até lá, trate de arranjar boas desculpas para manter-se afastado dela. Depois, eu mesmo me encarregarei de mantê-la afastada de você. É tudo o que tenho a lhe dizer, meu Senhor.

Vincent levantou-se, o semblante monstruoso.

— Quem você pensa que é, seu...

— Não me provoque mais, Vincent — alertou Herrera. —, ou nunca mais verá Anahí! Se quiser falar comigo, sente-se. Estou farto de suas ameaças.

Ainda de pé, Vincent fitou-o pensativo. Então, preparou outro drinque e colocou-o em sua mão.

— Vamos falar de igual para igual, então. — decidiu, sentando-se. — Você me advertiu, eu agora devolvo o favor. Desde pequeno, tenho barganhado por minha vida com demônios cuja malignidade você não pode nem imaginar. Dificilmente um garoto como você me intimidaria. — recostou-se. — Quero que a verdade fique só entre nós. Já deve ter adivinhado quem está por trás de seu sequestro e o de Anahí. Quero apenas saber quais são seus termos.

— Você é um monstro! — exclamou Herrera, esvaziando a bebida num trago. — Após o belo discurso dizendo que jamais obrigaria a sobrinha a se casar a contragosto, submete a própria irmã a essa situação deplorável, arriscando a vida dela! — satisfeito, viu o antagonista empalidecer. — Devia ter pensado em outro jeito de me forçar ao casamento, Vincent, sem que tivesse que expor sua amada irmã a situações perigosas. Se ela um dia souber a verdade, jamais o perdoará. Se ela sobreviver a essa febre.

Vincent cerrou o punho esquerdo, a única indicação de sua angústia.

— Não precisa se casar com Anahí. Foi um grave erro tentar forçá-lo a isso. Vou levá-la para Wilborn Place, que é seu lugar, e o libero de todas as suas dívidas. Tem minha palavra de que jamais voltará a ser incomodado por mim ou meus empregados. Se quiser compensação pelo tempo e aborrecimento despendidos, é só dizer quanto quer.

— Não acredito no que estou ouvindo! — Herrera se recostou na cadeira, quase delirando de divertimento. — Agora está tudo claro! Queria que eu me casasse com sua irmã logrado, mantendo as rédeas sobre mim com ameaças, correto?! Aí, eu seria o marido ideal! Mas houve um imprevisto e eu descobri a verdade, de modo que se dispõe a me libertar, apesar dos danos na reputação de Anahí... — fitou o teto sorridente. — Nada disso, Vincent. Vai ser o contrário. Anahí fica aqui comigo e você se mantém afastado dela até nosso casamento. Depois, reze para que eu me abrande o bastante para permitir que ela o visite. — olhou fixamente para Vincent. — Terá que rezar muito.

Para espanto de Herrera, Vincent pareceu ficar humilde, quase derrotado.

— Sabe, Herrera, gosto de você. É um homem fino. Foi por isso que o escolhi para Anahí. Não foi por pensar que poderia controlá-lo.

— Perdoe-me por não conseguir acreditar.

— Você gosta dela. — prosseguiu Vincent. — Será bom para ela. Camila pode tomar conta de si, mas Anahí é vulnerável. Eu não podia arriscar que ela se magoasse com um homem que a desposasse só por sua beleza, ou por seu dote. Mas achei que você não se casaria com uma moça deficiente, mesmo gostando dela. Daí a armadilha, mas Eddy pôs tudo a perder, sem querer.

— Quer dizer que ele nos ajudou mesmo inadvertidamente?

— Sim. Foi Porter quem errou ao não participar-lhe o esquema, mas já pagou com a vida.

— E o garoto?

— Eu jamais lhe faria mal, mesmo porque não teve culpa. — Vincent pareceu voltar ao passado. — Sabe, ele lembra muito a mim mesmo, séculos atrás...

Herrera esfregou as têmporas doloridas.

— Fico feliz por tirar Anahí desse seu mundo sórdido. Não combina com ela.

— Não. — concordou Vincent. — Nunca combinou.

Apesar da fadiga, Herrera quis saber como deveria ter terminado aquela farsa:

— Você ia resgatar a mim e Anahí?

— Assim que amanhecesse. — confirmou Vincent. — Eu e meus homens representaríamos uma pequena guerra para salvá-los dos capangas de John Saxby. Ao contrário do que imagina, eu não ia me mostrar indignado ao saber que você passara a noite trancado num quarto com minha irmã. Você mesmo, com seu senso de honra, teria proporcionado o final desejado.

E foi o que aconteceu.

Esgotado, Herrera fitou as chamas na lareira.

— Não precisa se casar com ela. — insistiu Vincent. — Ainda não é tarde demais.

— É. — contrariou Herrera, encarando-o. — Para você. Se quiser que Anahí continue a olhá-lo com amor, deixe-nos em paz.

— Posso vê-la um minuto?

O apelo não comoveu Herrera.

— Você não a verá hoje, nem amanhã. Se quiser notícias, mande um mensageiro.

Vincent conformou-se.

— Como quiser, então.

— Se houver um funeral, você será o primeiro a saber. — concluiu Herrera. — É o máximo que posso fazer por você.

Sem despedir-se, Vincent abriu a porta e se foi.

De volta ao andar superior, Herrera sentiu um nauseante cheiro de sangue.

Um criado saía do quarto de Anahí com uma bacia cheia do fluido vital. O doutor Patterson acabava de fechar o corte pelo qual procedera à nova sangria.

— Ela não está apresentando o progresso esperado. — informou o médico. — Devemos nos preparar para o pior. A família deve ser avisada imediatamente.

Desesperado, Herrera temeu ser tragado pela inconsciência.

— Quando?

— Ao cair da tarde. Talvez amanhã cedo.

Herrera foi para junto da cama.

— Saiam. — pediu, sem olhar para o médico e os criados. — Todos.

Ele ficou um longo tempo observando-a em sua respiração difícil.

— Anahí... — sussurrou, por fim. — Você tem de viver, está ouvindo? Tem de viver!

Ajoelhado no chão, com o rosto enterrado nas cobertas, começou a rezar de modo incoerente, quase tão febril quanto a amada.

Deus entenderia e atenderia a suas súplicas, tinha certeza.

A porta se abriu, mas ele nem percebeu.

— Minha nossa! O que é que você está fazendo, Alfonso?!

Herrera levantou a cabeça.

— Mãe! — murmurou, voltando-se. — É a Senhora?!

Tendo acabado de chegar de viagem, a condessa ainda descalçava as luvas.

— É claro que sou eu! — ralhou, com seu jeito brincalhão. — Não mandou me chamar? — notando seu estado deplorável, apavorou-se: — Mas você precisa ir para a cama já! — obrigou-o a se levantar.

— Mãe, tem de me ajudar! — ele a abraçou, aflito. — O doutor Patterson disse que ela vai morrer!

A mãe o afagou carinhosa.

— Não, ela não vai morrer, meu querido. — prometeu. — Deixe tudo por minha conta. Agora, vá para a cama e durma. Suas irmãs e eu temos muito trabalho pela frente e você só iria atrapalhar. — acercou-se da paciente. — Ela se chama Lady Anahí, não é? Como é bonita. Agora, vá, meu filho.

Detendo-se à porta, Herrera fez um último pedido:

— Mãe, se acontecer alguma coisa, me avise. Prometa.

A pequena mulher o fitou detidamente com seus alegres olhos verdes.

— Deve gostar muito dessa moça, Alfonso.

— Vou me casar com ela.

A mãe não pareceu muito espantada.

— Entendo. Nesse caso, devo fazer com que ela se recupere o mais rápido possível. Vá dormir, meu querido. Não será preciso chamá-lo. Jamais perdi um paciente, e minha futura filha não será a primeira.