Como levou um tiro à queima- roupa ao mesmo tempo em que recebia um beijo, Dulce confundiu a dor do amor com a da morte.Ma tirou a dúvida quando afastou os lábios e viu a pístola.
Senti um arrepio pelo corpo inteiro.Pensei que fosse o beijo.[ me disse ela, desfalecida a caminho do hospital.]
_ Não fale mais, Dulce __ [ disse-lhe e apertando minha mão ela pediu que não a deixasse morrer. ]
_Não quero morrer, não quero.
Apesar de animá-la dando esperanças, minha expressão não a enganava.Até moribunda estava bela, fatalmente divina se esvaía em sangue quando entraram com ela na sala de cirurgia.A velocidade da maca, o vaivém da porta e a ordem estrita da enfermeira me separaram dela.
_ Avisa minha mãe_ pude ouvir ela falar.
Como se eu soubesse onde morava sua mãe.Ninguém sabia, nem mesmo Emilio, que a conhecia tanto e teve a sorte de possuí-la.Liguei para ele.Ficou tão calado que tive de repetir o que eu mesmo não acreditava, mas, de tanto repetir para tirá-lo daquele silÊncio, caí em mim e entendi que Dulce estava morrendo.
_Vamos perdê-la , cara.
Disse isso como se Dulce fosse dos dois, ou quem sabe tivesse sido um dia, num deslize ou no desejo constante dos meus pensamentos.
_Dulce.
Não me canso de repetir seu nome enquanto amanhece, enaquanto espero que Emilio chegue, e ele certamente não virá, enquanto espero que alguém saia do centro cirurgico e me diga alguma coisa. Amanhece mais lentamente do que nunca, vejo se apagarem as luzes do bairro alto onde Dulce desceu.
____Olha bem para onde estou apontando.Lá no alto, sobre a fileira de luzes amarelas, um pouco mais para o alto, ficava minha casa. Ali deve estar dona Rubi rezando por mim.
Eu não vi nada, só o seu dedo apontando na direção da parte mais alta da montanha, enfeitado com um anel que nunca imaginou que teria, eo braço mestiço e o cheiro de Dulce.Seus ombros de fora, como quase sempre, as camisetinhas minúsculas e os seios tão fartos e empinados quanto o dedo que apontava. Agora esta morrendo depois de tanto se esquivar da morte.
___Ninguém me mata___ disse certa vez.___ Sou vaso ruim.
Se ninguém sai, é porque ainda está viva. Perguntei várias vezes , mas ninguém sabia me responder; não a registramos, não deu tempo.
_____ A menina, a do tiro.
_____Aqui quase todo mundo chega baleado__ informou a recepcionista.
Achávamos que fosse à prova de balas, imortal apesar de viver rodeada por mortos. Veio-me a certeza de que apesar de que um dia nos alcançaria também, mas me consolei com o que Emilio dizia: ela tem um colete à prova de balas por baixo da pele.
___ E por baixo da roupa?
___ Carne firme ___ respondeu ele à brincadeira de mau gosto ___ E contente-se em olhar.
Todos gostamos de Dulce, mas Emilio foi o unico que teve coragem, porque devo confessar que não foi só uma questão de sorte. Era preciso coragem para se meter com Dulce, e, mesmo que eu tivesse tido, de nada adiantaria, porque cheguei tarde. Emilio foi quem a teve de verdade, quem a disputou com seu dono anterior, quem arrsicou a vida e o único que lhe ofereceu trazê-la para nosso lado."Mato ele e depois mato você", lembrei que Pollo o havia ameaçado. Lembro disseo porque cheigeui a perguntar a Dulce:
__O que o polli disse?
__POLLO.
__Isso , Pollo.
__ Que primeiro ele mata Emilio e depois me mata __ explicou Dulce.
Voltei a ligar para Emilio. Ñão lhe perguntei por que naão vinha me acompanhar; tinha lá suas razões. Disse-me que ele também continuava acordado e que sem dúvida mais tarde daria uma pasada por aqui.
____ Não liguei pra isso,liguei pra pedir o telefone da mãe da DuLCE.
____Soube de alguma coisa?__ perguntou Emilio
____Nada. Continuam lá dentro.
____Mas e ai? Dizem o quê?
____Nada, não dizem nada.
____ E ela pediu que você avisasse a mãe dela??__ perguntou Emilio
____Disse isso antes de a levarem.
____Estranho ___ comentou Emilio.___ Até onde eu sei, ela não falava mais com a mãe.
____Não tem nada de estranho, Emilio e sim de sério.
Dulce sempre lutou para esquecer tudo o que deixou para trás, mas seu passado é como uma cas antiga ambulante que a acompanhou até o centro cirurgico, e que abre espaço ao seu lado entre monitores e balões de oxigênio, onde aguardam que ressucite.
___Como disse que se chamava?
___ Como se chama? ___ corrigi a enfermeira
___Dulce ___ minha voz pronunciou o nome com alivio.
___Sobrenome?
Dulce Tijeras, deveria dizer, porque era assim qua a conhecia. Mas tijeras não era o nome dela, e sim sua história.Trocara-lhe seu sobrenome contra sua vontade, causando-lhe um grande desgosto, mas o que ela nunca entendeu foi o grande favor que lhe fizeram as pessoas de seu bairro, porque num bairro de filhos de prostitutas trocaram-lhe o peso de um único sobrenome, o de sua mãe, por um apelido. Depois se acostumous e até acabou gostando da nova identidade.
___Só com o nome já assusto___ me disse no dia em que a conheci__ Gosto disso.
E dava prar ver que ela gostava , porque pronunciava seu nome enfatizando cada sílaba e arrematava com um sorrisso, como se os dentes brancos fossem seu segundo sobrenome.
____Tijeraas_ disse à enfermeira
____Tijeras?
____Sim Tijeras ___ repeti , imitando o movimento com dois dedos. ___ Aquela que corta.
" Dulce Tijeras", anotou ela, depois de um risinho *******.