"Ah, mas mesmo se eu me apaixonar de novo com alguém novo, nunca poderia ser do jeito que eu amei você..."
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Um nada. Um vazio. O silêncio em minha volta deixando minha respiração contida parecer gritante.
– Se quiser eu realmente posso ficar aqui, Dona Blanca.
A voz abafada vinda do corredor me fez despertar da inércia que me encontrava.
– Não será necessário Derick - A voz materna respondeu quase inaudível. - Mas obrigada por trazê-la em casa.
– Qualquer coisa pode me ligar. Estarei na cidade a semana inteira e não me incomodarei em fazer companhia à Dulce.
Sorri amargamente em meio ao choro mudo ao ouvir a curta conversa de meus dois guardiões no corredor. Encostei na cabeceira da cama abraçando com força meus joelhos encolhidos até ao peito, ainda tinha dificuldade para respirar, porém o choro já estava cessando. Um buraco parecia ter sido aberto em meu coração e quanto mais o último acontecimento se repetia em minha cabeça mais o buraco parecia crescer.
O ranger da porta não me fez desviar a atenção da colcha que cobria a cama. Senti o colchão ceder ao peso do corpo conhecido que se aproximava de mim. Minha mãe não me tocou ou disse coisa alguma, o silêncio ali presente era o suficiente para me consolar. Ergui uma das sobrancelhas ainda fitando o nada, analisando em voz alta.
– Eu fui muito inconsequente. - Balbuciei em meio ao arrepio que meu corpo recebia. - Ela disse que mudaríamos, mas... - Pausei sentindo a garganta seca. - Eu não acreditei que um dia estaríamos onde estamos. - Completei levantando meus olhos marejados para encarar a mulher ao meu lado. - E-Eu preciso dela comigo. - Desviei dos olhos chocolate atônita. - Eu não sei o que fazer. - Confessei voltando à me render as lágrimas quando senti o afago carinhoso de minha mãe em meus cabelos.
–Flash Back-
Corri o indicador pelas cordas soltas do violão mais uma vez, um sorriso bobo tomando meus lábios ao sentir o cheiro de sabonete que começava a impregnar o quarto. A porta do banheiro se abriu revelando a loira vestindo um simples short preto e minha camisa branca dos Power Rangers.
– Você me deu a camisa para você mesma usar? - Sorri implicante ainda arrancando sons aleatórios do instrumento em meu poder.
– Ela está com o seu cheiro. - Respondeu simples soltando os cabelos claros e os bagunçando levemente.
Senti uma reviravolta gostosa em meu ventre e o coração acelerar com o simples movimento. Algo em minha expressão deve ter me denunciado porque Anahi soltou uma gargalhada divertida ao me olhar.
– O quê? - O sorriso bobo ainda em mim.
A Portilla se aproximou calma e puxou o violão para longe de meu corpo antes de se deitar sobre mim.
– Você é linda. - Brincou com o nariz em meu rosto. - Cheirosa.. - Aspirou o cheiro de minha pele seguindo em direção ao ouvido. - E gostosa. - Sussurrou me fazendo sorrir envergonhada.
– E você uma pervertida. - Retruquei evitando olhar nos olhos azuis.
– E qual a novidade nisso? - Nossas gargalhadas se mesclaram em meio ao silêncio absoluto da noite.
Corri os dedos pelo cabelo acobreado da garota que havia se deitado sobre meu peito. A noite, o silêncio e a presença calorosa da loira sendo o suficiente para meu peito explodir de felicidade.
– Seu coração tem um compasso tão gostoso. - Anahi suspirou se agarrando mais ao meu corpo. - Gosto de ouvir as batidas dele.
– É porque talvez ele esteja batendo por você. - A beijei carinhosamente no topo da cabeça.
– É.. - O tom de sorriso na concordância. - Pode ser. - Outro suspiro. - Um mês.
– O quê? - Perguntei confusa.
– Hoje faz um mês que você me atacou na estrada. - Um sorriso fraco surgiu em meu rosto, fechei os olhos me lembrando do dia e deixei uma risada me escapar da garganta.
– Como se você não tivesse gostado. - Comentei presunçosa.
– Nunca disse isso. - A voz soou risonha. - Só acho que deveria ter sido mais romântico.
– Mais romântico do que o carro quebrar no meio do nada e eu te beijar a força sob o céu estrelado?
A gargalhada compartilhada mais uma vez.
– Você não é nada romântica, Duul! - O tom ainda divertido. - Vamos deixar essa parte comigo, certo? - Se ergueu para me olhar nos olhos.
– Por mim tudo bem. Sempre foi a conquistadora do grupo.
– Você falando assim parece que sou uma safada desalmada.
– Pode ser.. Aí! - Exclamei com o beliscão em minha barriga. - Safada, desalmada e violen...
Não deu tempo de completar a palavra porque a boca quente já atacava a minha com possessividade aprofundando o beijo urgente sem nenhum pudor. A língua carinhosa abrindo caminho e alcançando todos os cantos de minha boca. Suspiramos em meio ao contato e nos afastamos um tanto quanto sem fôlego.
–..ta. - Balbuciei perdida entre a respiração irregular. Anahi sorriu ainda de olhos fechados.
– O quê?
– Violenta. - Disse a palavra toda. - Você não deixou eu terminar a frase.
Anahi sorriu mais largamente e balançou a cabeça antes de se esconder em meu pescoço.
–Flash Back Off-
– Safada, desalmada e idiota! - Sussurrei raivosa no meio da cozinha.
Bati a xícara vazia na mesa engolindo o último gole de café. Esfreguei a testa tentando me livrar da dor de cabeça absurda que me acompanhava ao longo da semana, os sonhos durante a noite não ajudando em nada na minha recuperação. Seria mais um mês juntas.
Mais uma vez a campainha gritando pela casa, mais um grunido escapando de minha garganta. Segui em direção à sala encontrando ao lado de minha mãe o ser que perturbava minha manhã depressiva.
– Angelique? O que faz aqui? - Franzi o cenho ao notar a loira sorridente vestindo short jeans e camisa branca.
– Oi pra você também, Dulce - Me corrigiu bem humorada deslizando em minha direção e me acolhendo em um abraço saudoso.
– Oi - Corei com meu mau humor refletindo em minha educação. - O que faz tão cedo por aqui? - Me afastei mirando os olhos azuis.
– Vou ficar esse final de semana em casa e queria que ficasse comigo esses dias - Torci levemente a boca considerando a oferta. - Não aceito "Não" como resposta. Precisamos de um tempo para conversar, sair e fazer palhaçadas.
– Angel, eu.. - Tentei enrolar, mas minha mãe me cortou.
– Tem o final de semana livre, Dulce - Levei meus olhos para Dona Blanca - Por que não se diverte um pouco com seus amigos? Ficar trancada dentro de casa não adianta em nada.
Alternei o olhar de minha mãe para Angelique me sentindo perdida no meio das duas. Abri a boca para dar qualquer desculpa mas antes que pudesse começar a falar a Boyer já me puxava escada acima.
– Vamos arrumar logo sua bolsa.
[...]
Puxei dois cabides de dentro do armário tentando decidir qual vestido levar. Um era azul claro mais voltado para festas sociais, o outro branco parecendo mais esportivo e descontraído. Seria mais fácil se soubesse para onde iria. Olhei para Angelique sentada em minha cama analisando as próprias unhas despreocupada.
– De quem e onde será a festa? - Perguntei ganhando a atenção da loira.
– Eu não sei de quem é.. - Comentou incerta me fazendo rir. - Mas sei que será em uma casa de praia.
– Branco - Decidi jogando o vestido sobre a cama e voltando para guardar o azul - Só uma festa?
– Só - Suspirou se levantando. - Vai ser no domingo. Tudo bem?
– Sem problemas. Vou vir direto para casa?
– Isso. - Estreitou os olhos claros. - Tem dormido bem, Saviñon?
– Tenho. Por que? - Desconversei passando pela figura alta e colocando minhas coisas dentro da bolsa.
– Não está com uma aparência muito boa. - Explicou se posicionando enfrente a estante. - Você e Anah..
– Se quer fazer esse fim de semana dar certo não toque nesse assunto, okay? - Cortei sentindo a raiva voltar.
– Dul, você está sofrendo e..
– Angelique! - A repreendi observando sua expressão preocupada.
– Não negue isso. Não negue que a ama. Não negue saber que ela sente o mesmo. - Cerrei o dente com a declaração abusada da loira.
– O amor entre nós duas não foi o suficiente. - Soltei tentando ficar calma, me sentindo fria. - Eu não sei mais dela e prefiro esquecer. Eu preciso esquecer isso, Angelique. Posso contar com você? - A loira torceu os lábios ponderando. - Angel.. Só não toque no assunto. Por mim, okay? - Pedi sincera.
– Okay. - Respondeu baixo se balançando nos calcanhares. - Arruma logo isso, quero aproveitar o sol na piscina.
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Joguei meu corpo pesadamente sobre o sofá de couro assim que saí do local mais movimentado da casa. Meus pés latejavam pelas sandálias que os esmagavam por ficar tanto tempo de pé. A luz baixa reinava no ambiente enquanto dois homens bebiam no mini bar assistindo à um jogo de futebol qualquer na pequena TV.
Queria tanto ir para casa e descansar. Não sabia onde Angelique estava e na verdade nem estava muito afim de saber, só queria ficar quieta e em silêncio. Fechei os olhos deitando a cabeça no braço do sofá pensando em como seria bom dormir tranquilamente quando senti alguém se abaixar à minha frente. A blusa social preta bem engomada dava um grande contraste com a pele pálida e no pescoço descansava uma charmosa gravata vermelha. Os olhos cor de mel me olhavam com certo divertimento me fazendo sorrir de lado. Com um dedo colocou minha franja delicadamente atrás de minha orelha.
– Hora de criança estar na cama? - Sussurrou com um sorriso travesso.
– Acho que não já que você ainda está aqui. - Retruquei rindo junto com a figura gentil.
– Boa resposta. - Observei o corpo esguio se erguer e sair em direção aos dois homens assistindo ao jogo.
Ali naquela noite, pela primeira vez, comecei a reparar em Jose. Ele havia crescido, estava maior do que eu pelo menos. Não tinha corpo, isso era um fato, mas seu ótimo e constante senso de humor junto à sua generosidade compensava de certa forma. O garoto cumprimentou os dois ali sentados de maneira educada, chamou o barman e logo dois copos estavam em suas mãos vindo em minha direção.
– Aqui. - Me ofereceu um dos copos.
– Obrigada. - Me endireitei no sofá o recebendo ao meu lado.
– Cansada? - Perguntou sem me olhar.
– Exausta. - Beberiquei o refrigerante. - E você? - Me virei para ele que ainda encarava o vazio a sua frente.
– Normal. - Deu de ombros.
Ficamos em silêncio por um bom tempo e coisas me passavam em mente. Primeiro, ele não queria papo. Segundo, por incrível que pareça estava o achando interessante. O maxilar estava rígido, parecia tenso e eu me sentia muito curiosa para saber o porque. Balancei a cabeça em negativo para mim mesma, eu estava carente isso sim.
– Qual o problema? - A voz do Enrique me despertou.
– O quê? - Me alarmei. - Como assim problema?
– Faz tempo que sinto você diferente - Se virou em minha direção deitando a cabeça no encosto do sofá.
– Estou apenas cansada - Fugi dos olhos do garoto começando a brincar com a borda do copo - Muito trabalho - Me desculpei.
– Vou fingir que acredito - Um sorriso compreensivo apareceu nos lábios finos.
– Você é um bom amigo, J - Fui sincera e meu peito se encheu quando percebi o quanto gostava dele.
– É.. - Sua expressão me demonstrou desapontamento.
– Desculpe - Me virei na direção do garoto descansando minha cabeça no encosto do sofá como ele. - Você sabe que..
– Eu sei - Me cortou soltando uma risada cansada e abaixando os olhos. - E você também sabe - Me olhou.
Seus olhos eram tão sinceros, tão devotos, tão intensos. Por um breve momento fiquei sem respirar e automaticamente Anahi tomou conta de minha mente, aparecendo diante de meus olhos. Suspirei cerrando os dentes me impedindo de ter outra recaída. Lembrei que não tinha mais seus olhos, sorrisos e sentimentos mais sinceros. Eu havia perdido. Perdido tudo que conquistei durante dez anos para pessoas desconhecidas e sexo.
Meu coração se apertou enquanto sentia as lágrimas querendo chegar. Jose estava ali na minha frente disposto a me fazer feliz, ou pelo menos tentar, e eu tinha o direito de ser feliz. Ele me conhecia bem, me fazia sorrir, me mimava e acima de tudo, era meu amigo. Algo bem no fundo da minha cabeça sussurrava que eu não deveria ir à frente com aquilo, que eu estava tentando tampar a ausência da pessoa que eu realmente queria. Não era correto usá-lo, mas eu precisava de alguém, eu queria alguém.
– Será que você pode me levar em casa? - Perguntei de repente.
– Como? - A reação surpresa do garoto me fez sorrir.
– Estou cansada, Angelique não me deixou descansar o fim de semana inteiro e eu estou dependendo dela para ir embora, mas pelo visto vai amanhecer por aqui. - Expliquei. - E então? Pode me levar?
Jose ainda permanecia estático me encarando e eu não sabia se teria que fazer a pergunta novamente, mas depois de alguns segundos se levantou apalpando os bolsos rapidamente.
– Claro que levo! - Respondeu prontamente puxando o molho de chave de um dos bolsos. - Vamos?
– Vamos, só tenho que avisar a Angel.
– Eu ajudo a encontrá-la. - Me ofereceu educadamente uma das mãos para me ajudar a levantar.
[...]
O som do motor cessou no meio da noite fazendo o silêncio da madrugada se instalar entre nós dois. Olhei para o portão de minha casa antes de suspirar e voltar meus olhos para Jose atrás do volante.
– Obrigada. - Agradeci em voz baixa ganhando um aceno de cabeça
– Sempre às ordens. - Torceu levemente a boca em uma expressão engraçada me fazendo sorrir.
– O quê? - Perguntou um pouco perdido.
– Você é um ótimo, um ótimo garoto mesmo, J.
– Mas isso não funciona muito com você, não é? - A pergunta indiscreta me fez morder a língua.
– Não seria justo com você. - Tentei explicar.
– Me esquece só por um segundo, pode ser? - Largou o volante, os olhos cor de mel correndo pelo painel. - Gosto de você. Você é linda, inteligente, divertida. Deixa eu tentar fazer isso dar certo?
– Jose, eu..
– Sei que você gosta de outra pessoa e eu não quero saber quem é o estupido que está deixando você nesse estado. - Me cortou voltando a me encarar com os olhos intensos. - Só quero uma chance para tentar te conquistar. Eu sei o risco que estou correndo, não precisa se preocupar em me machucar.
Parei de encarar os olhos e desci minha atenção para a boca bem desenhada. Cautelosamente o rosto pálido se aproximou do meu que permanecia na mesma posição. Nosso olhar travava uma conversa muda, ele sabia que eu não o amava mas isso não o impediria de tentar. Fechei os olhos quando os dedos macios tocaram a maçã de meu rosto. Senti nossos narizes roçarem e com calma os lábios frios chegaram aos meus. O beijo foi gentil, carinhoso, foi bom. Não houve nenhum tremor de terra e nem vulcão entrando em erupção, mas naquele momento consegui esquecer do vazio que me acompanhava ao longo dos dias.
Minha língua pediu passagem pelo lábio inferior e com um sorriso ele concedeu. Nos afastamos um pouco deixando nossa respiração se misturar na curta distância.
– Boa noite, J - Desejei próxima.
– Boa noite, Dul
[...]
Subi os degraus da escada sentindo o aperto em minha garganta e a vontade de chorar piorar gradativamente. Entrei pelo corredor à passos calmos e leves, fechei a porta de meu quarto assim que me vi dentro do cômodo escuro. Bati a mão no interruptor iluminando o ambiente e em seguida meus dedos foram em direção à um dos cordões que estava usando. Retirei a correntinha com calma, as lágrimas começando a rolar pelo meu rosto.
Abri o baú abaixo da janela puxando de lá uma caixa mediana passei a mão no rosto tentando poupá-lo da inundação que ocorria em meus olhos. Abri a última gaveta do guarda roupa encontrando algumas peças conhecidas, shorts e calça jeans. A camisa dos Power Rangers ao lado da Madonna que ainda havia ficado em meu poder. Coloquei os objetos da gaveta dentro da caixa antes de me dirigir à penteadeira, abri o delicado porta jóias que guardava a pulseira de prata e o cordão de palheta.
– Chega de insistir - Sussurrei solitária.
Peguei os dois acessórios leves enquanto flashes me atingiam, a letra da música que vinha me perseguindo nas últimas semanas gritando em minha mente, um soluço aparecendo.
– Vamos acabar com isso. - Coloquei os objetos e a foto que ainda ficava sobre a estante dentro da caixa.
A fechei pensando no que fazer. Não tinha coragem de me livrar daquelas coisas que carregavam tantas lembranças boas, uma época mais fácil. Dei uma olhada em volta a procura de um local, mas guardá-las em meu quarto não me parecia uma boa ideia.
Abri a porta do escritório escuro, a luz do luar me revelando o que eu tanto queria; o piano lustroso me instigando à tocá-lo. Dei alguns passos ao interior do aposento, deixei a caixa em uma das pontas da banqueta ao me sentar na outra. Suspirei encarando a lua gigante que me velava através da janela.
– Poderia ser maravilhoso. Poderia ser mágico - Confessei para o piano silencioso. Soltei um suspiro derrotado formando o primeiro acorde e batendo as teclas. – And it might be wonderful.. - Outro acorde. – It might be magical. It might be everything I've waited for, a miracle. Oh, but even if I fall in love again with someone new... - Pausei, as costelas asfixiando o músculo que tropeçava para continuar batendo. – It could never be the way I loved you..
Engoli em seco afastando as mãos do instrumento de madeira. Me levantei rapidamente com a caixa e a guardei dentro do piano companheiro antes de fechá-lo.
– Hora de seguir em frente, Dulce - Sussurrei no escuro, no vazio.