Fanfics Brasil - Capítulo 31 My world was always you ( portinõn) finalizada

Fanfic: My world was always you ( portinõn) finalizada | Tema: Rebelde


Capítulo: Capítulo 31

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''A filosofia é algo irrelevante. Ao menos é isso o que as pessoas passam para o mundo. Ninguém está interessado em saber como o cara que inventou o relógio pensou para realizar tal feito, mas todos o usam sem questionar. Na verdade ninguém está interessado em saber o porque das coisas.


O que a sociedade quer é consumir matéria, acumular riqueza. Afinal, estamos aqui para isso, certo? Acumular riquezas, mostrar soberania, ditar como o outro deve ser.


Não critico quem pensa dessa forma e acha que filosofia se resume à Platão e Sócrates. Pelo contrário. Os invejo.


Queria eu me importar com a roupa que usarei para impressionar na reunião de família. Queria eu me angustiar porque engordei ou emagreci algumas gramas. Queria eu chorar só porque o cara mais gato do colégio não me dá atenção.


Queria tanto essas coisas. Queria tanto pensar como qualquer outra pessoa feliz em sua normalidade. Queria que os pensamentos parassem de me atormentar, queria que as questões banais e complexas sumissem de meu foco, principalmente naquele momento."


"Somos todos poeira cósmica."



***************



Queria que a citação de Carl Sagan evaporasse assim como o fato, mas era impossível. O meu querer não era possível. Nenhum deles.


O corredor era frio e vazio. As paredes brancas pareciam se fechar a minha volta, diminuindo cada vez mais o espaço, me espremendo em uma cúpula invisível que me asfixiava inconscientemente. O ar não me chegava aos pulmões, sentia a boca seca e o corpo gelado. Os ouvidos zuniam enquanto a garganta se apertava cada vez mais.


O contraste daquele dia ainda é vivo e gritante na minha mente. Lembro de ter acordado com a sessão de cócegas de Angélique.


Incrível como certas relações se estabelecem em meio ao nada. Um exemplo era eu e Angel. Nós não possuíamos rótulos ou receios. Se me perguntassem sobre qualquer momento da minha vida adolescente até os dias atuais, eu afirmaria que Angelique permanecia ao meu lado. Sem cobranças, sem malicias ou julgamentos pré concebidos. Era como se fossemos uma em um plano social ou espiritual totalmente nosso.


Em meio a luta por controle sobre as cócegas, consegui ficar por cima de Angel prendendo os braços magros contra o colchão e sentando sobre a cintura fina. Os cachos loiros se esparramavam pelo travesseiro, alguns fios cobria os olhos claros e o sorriso largo enfeitava a face rosada.


- Por Deus! - Esbravejei tentando conter a risada que saia da garganta. - Estou pensando seriamente em te mandar de volta para a França.


- Você não seria capaz. Não consegue viver sem mim. - Soltou convencida me fazendo revirar os olhos com a presunção.


- O pior é que tem razão. - Rolei para o lado da loira compartilhando da gargalhada fácil.


Aquele era um dos poucos momentos de paz que adquiríamos quando resolvíamos sumir do mundo. Simplesmente nos trancávamos em uma de nossas casas, nos entupíamos de besteiras e trocávamos o dia pela noite em meio à filmes e conversas desconexas. Não fazíamos absolutamente nada e era esse o segredo da felicidade. Triste era quando as responsabilidades batia em nossa porta, porque era ali que nosso conto de fadas acabava.


Olhei por cima do óculos observando a interação de minha amiga com dona Blanca. Minha mãe carregava um sorriso genuíno nos lábios finos, o rosto redondo estava mais cheio e as pernas já davam sinais do inchaço da gestação. Angelique alisava a barriga proeminente da mulher com carinho sorrindo boba enquanto conversavam sobre qualquer coisa.


O som da buzina ao longe combinou com os passos apressados que soaram da cozinha. Olhei para trás encontrando Carmem, nossa recém empregada, enxugando as mãos em um pano de prato.



- Senhorita, eu acho que é aquele rapaz. - A mulher de meia idade falou calmamente antes de completar. - Cristopher.


Suspirei voltando a olhar as duas mulheres no sofá que me observavam ansiosas antes de me dirigir à Carmem novamente.


- Abra o portão.


Não demorou dez minutos para Angelique ir embora e minha mãe acompanhar a empregada na cozinha. Ucher havia me convidado para almoçar e os flashes que vinham de fora do restaurante italiano já estavam me causando dores de cabeça. As pessoas nas outras mesas nos olhavam com um sorriso presunçoso nos lábios, e através da vidraça podia contar os três paparazzi que não respeitavam nossa refeição.


Respirei fundo antes de beber da água em meu copo. O garçom me servindo da massa da casa me fez sair do meu próprio mundo e sorrir de maneira educada.


-Você está bem?


A voz de Ucher me despertou outra vez me fazendo perceber que estava em sua companhia. Olhei para o garoto notando o rosto pálido, um tom escuro envolta dos olhos dourados denunciavam cansaço. O cabelo castanho era bagunçado de uma maneira elegante e a boca rosada se comprimia em meio ao nervosismo. Sorri. Eu realmente havia sentido a falta dele.


- Sim. Está tudo bem. - Afirmei mesmo não possuindo muita certeza. - E você?


O garoto ergueu uma sobrancelha com um sorriso divertido nos lábios mexendo o espaguete com o garfo.


- É. Eu estou legal. Soube que você vai ter um irmãozinho?


Sorri ao lembrar das semanas passadas enquanto o garoto engolia a refeição.


- Na verdade.. - Beberiquei do suco na mesa antes de continuar. - É uma irmãzinha.


O sorriso que Cristopher exibiu foi caloroso. Os olhos claros brilharam expulsando qualquer sinal de tensão e isso me fez rir.


- Isso é fantástico! Acho que você não será mais a caçula da família - A voz animada do mesmo fez minhas bochechas doerem pelo sorriso duradouro. - Meus parabéns!


- Obrigada. - Agradeci voltando a notar os flashes e sentindo um ligeiro rubor em minha face.


O silêncio recaiu na mesa enquanto degustávamos do prato bem elaborado. Hora ou outra notava os olhos de Ucher sobre mim de maneira misteriosa. Eu sabia o que ele queria, mas eu não sabia o que eu queria.


- Sinto sua falta. - Ouvi a voz do garoto enquanto terminava a refeição. - Eu realmente sinto a sua falta. Sabe como antes, parece que estamos tendo uma distância... não sei.


Mantive minha boca calada enquanto me servia mais do suco de laranja.


- Mas eu preciso saber o que você tem pensado, Dulce. - Bebi do líquido claro enquanto o ouvia. - Eu preciso saber se ainda me quer.


- Minha cabeça está uma bagunça, Cristopher. - Disse baixo observando o copo repousar sobre a mesa. As gotículas se formando no vidro bonito. - Eu preciso de um tempo pra pensar.


- Mais tempo? - Sua voz foi quase alarmante e fechei os olhos implorando à Deus que ninguém notasse a conversa. - Dulce. - Abri os olhos encarando Ucher que agora se inclinava levemente sobre a mesa para que ninguém mais nos ouvisse. - Eu preciso de você. Eu não consigo sozinho, okay?


Os olhos dourados beiravam ao desespero. Franzi a testa inclinando a cabeça em desentendimento. Eu nunca havia entendido os sentimentos de Cristopher por mim, hora ele era como um irmão, meu amigo. Às vezes ele agia como se eu fosse apenas mais uma garota, mas em determinados momentos eu era quase uma obsessão.


- Cristopher. - Falei calma segurando a mão fria do garoto sobre o tampo de madeira. - Eu não posso tomar uma decisão agora. Eu.. - Fechei os olhos retomando o fôlego ao lembrar de Anahí. - Eu preciso resolver uma coisa antes.


 


- Que coisa? - A indagação do garoto quase me fez perder a paciência, mas mantive a calma. Ele não tinha culpa alguma. - Esse tempo todo não deu para você resolver as coisas?


Observei nossas mãos juntas sobre a mesa, as pontas dos meus dedos passeando pelos calos provocados pelos instrumentos do músico. Entrelacei nossos dedos voltando a encarar os dourados com suavidade e seriedade.


- Eu prometo que quando resolver eu te ligo. Você pode esperar? - Recebi um aceno relutante do garoto. - Ótimo. Agora preciso de uma carona.


Soltei o cinto de segurança assim que o carro estacionou enfrente a mansão. Olhei para o garoto no banco do motorista que não havia soltado uma palavra ao sairmos do restaurante elegante. As mãos ainda estavam fixas no volante e os nós dos dedos já azulados denunciavam a força que exercia sobre o mesmo. A mandíbula era rígida e uma veia se destacava no pescoço pálido, os olhos fixos além do para brisa estavam semicerrados e eu tremi em receio.


- É ela não é?


A voz rouca e carregada me atingiu junto à lufada de ar frio. Senti meu corpo arrepiar e meu coração doer com as batidas lentas. Meu cérebro parecia atrofiado com a falta de oxigênio e tudo o que eu queria fazer era negar qualquer desconfiança que havia Cristopher ainda tinha, mas eu o havia feito me levar à casa de Anahí, e também ele foi um dos primeiros a saber nosso suposto envolvimento, na época de banda.


- Era tão óbvio. Isso nunca passou né - Ucher continuou com minha falta de resposta. - Você mudou tanto quando se separaram e.. a reabilitação.. - O observei fechar os olhos com força e soltar o volante. - Quanto tempo? Você ainda está envolvida com ela.


Limpei a garganta diante a pergunta. Quanto tempo? Eu mesma havia perdido a noção do espaço temporal. Havia perdido a noção do perigo. Havia perdido a noção de mim.


Antes que eu respondesse o garoto ergueu uma mão para que eu não o fizesse.


- Eu não quero saber. - A voz de Ucher soou urgente. - Eu não quero imaginar.. Ai meu Deus! - Cristopher pendeu a cabeça para frente ofegante apoiando a testa no volante enquanto massageava o próprio peito. - Só me diga que não aconteceu nada enquanto estávamos juntos. Só...


- Não! - Gritei antes de perder a voz outra vez. - Não, Cristopher! Eu nunca faria isso com você.


Me virei no banco de frente para o rapaz que tomava quantidades exageradas de ar e agradeci a Deus por notar que depois de certo tempo Cristopher estava se acalmando. Acariciei os cabelos castanhos sufocando a incrível vontade de me derramar em lágrimas. A última coisa que queria era machucar Ucher, desde o princípio. A ultima coisa que queria era que Anahí se machucasse. Mas não estava dando certo. Eu estava me machucando e machucando todos ao meu redor.


- Cristopher, eu imploro... - Minha voz saiu falhada e minha visão começava a ficar turva quando ele me interrompeu.


- Eu não vou contar para ninguém. Eu nunca contei Dulce. - Sua voz saiu baixa, vazia. - Resolva o que tem que resolver e me liga.


Engoli em seco diante a frieza do menino. Os olhos antes brilhantes se cruzaram com os meus se mostrando vermelhos e opacos. Meu coração se apertou me provocando uma dor aguda. A falha em fazer feliz alguém que eu amava me reduzindo à nada. A batalha interna entre abraçá-lo e deixá-lo estava me deixando louca. Mas no meu subconsciente achei a decisão mais justa. Eu precisava deixá-lo para não o machucar ainda mais com minha indecisão. Deixei meu coração de lado dando ouvidos à minha cabeça.


- Obrigada.


Sussurrei antes de lhe beijar a face e sair do carro, deixando com Ucher uma parte de mim.


Limpei o canto dos olhos evitando que notassem as lágrimas que queria derramar. Sorri quando Aninha abraçou meu quadril. A garota já chegava quase ao meu tamanho e fiquei me perguntando quantos anos eu mesma tinha. Cruzei com Mari na escada que usava pérolas no pescoço fazendo par com o brinco bonito.


 


A casa tinha uma atmosfera diferente. Estava quente, silenciosa. A mais velha me orientou onde encontrar a sua irmã antes de sair porta a fora com Aninha. Massageei minha nuca entrando no corredor reformado. O tapete felpudo e a mobília em tom de ouro me arrancou um riso debochado. Parei enfrente ao quarto conhecido estranhando a porta. A madeira antes personalizada, havia sido substituída por uma porta semelhante aos dos outros quartos.


Girei a maçaneta dourada colocando a cabeça para dentro do quarto em duvidas se eu estava mesmo no lugar certo. O aposento estava nitidamente diferente. Senti falta das roupas amontoadas sobre a poltrona e jogadas pelo chão. Senti falta das folhas soltas na escrivaninha e até mesmo sobre o colchão. Senti falta do violão de madeira seca e da janela fechada. Tudo estava em perfeita ordem. A cama grande bem arrumada, o notebook solitário na escrivaninha, a luz da tarde entrando pela janela aberta. Diferente. Mas uma coisa continuava a mesma. Anahí em seu short curto e camisa larga andando de um lado para o outro enquanto falava ao telefone.


Me encostei na soleira da porta a observando, todos os meus pensamentos desastrados sumindo por um momento. Todo receio e perturbação que antes me levava à agonia se dissipando ao fechar meus olhos e inalar aquele perfume único. Eu sentia falta de quando não havia nada além de nós, você não? Às vezes ainda me pergunto se tudo o que eu sentia, você também sentiu. Peguntas tolas, eu sei. Tolas porque acho que nunca obterei respostas.


Anahí gargalhava hora ou outra ainda não notando minha presença. As pernas nuas pareciam ainda mais torneadas, a camisa grande cobria os braços bronzeados até o cotovelo e os cabelos castanhos claros presos em um coque mal feito deixava a nuca exposta. Os olhos sem maquiagem cruzaram com os meus e sorri diante a surpresa da garota que se prontificou em encerrar a ligação e jogar o telefone sobre a cama. Certos hábitos nunca mudavam.


- A quanto tempo está aqui?


A voz divertida de Anahi soou enquanto adentrava o quarto fechando a porta.


- Tempo suficiente para essa casa me dar medo. - Franzi o cenho abrangendo o quarto com um dedo. - O que significa tudo isso?


Anahí riu jogando os braços sobre meus ombros ficando na ponta dos pés para me abraçar. Afundei o rosto no pescoço quente aspirando o cheiro único com afinco e a apertando contra mim. Lembro que antes da reabilitação eu tinha medo de quebrá-la em meu abraço, o corpo frágil e magro me causava receios. Mas naquele momento Anahí parecia muito mais saudável do que eu. Muito mais saudável...


- Senti sua falta. - O sussurro próximo ao meu ouvido ganhou um breve aceno de cabeça meu. - Mamãe achou melhor fazer uma reforma. O que achou?


Olhei ao redor do quarto e me lembrei de todo o caminho que percorri no interior da casa grande.


- Está tudo lindo, mas não consigo encaixar você no meio desse luxo todo. - Me afastei plantando um beijo leve sobre os lábios rosados. - O que aconteceu com sua porta?


Minha pergunta foi dirigida aos olhos azuis que desviaram dos meus rapidamente sinalizando algo de errado.


- Achei melhor trocar. - Anahí respondeu simples se desvencilhando do meu abraço para buscar o telefone sobre a cama e colocá-lo no lugar correto sobre o criado mudo. - E minha mãe sempre me encheu a po/rra do saco sobre não combinar com a pintura.


Fitei Anahí dar de ombros antes de fechar a janela. Torci a boca para a súbita suspeita que minha cabeça formulava, algo na reação de Anahí me deixou em alerta. Mas eu não queria me preocupar com aquilo.


- Você vai ser a irmã do meio mais linda do mundo. Cláudia que me desculpe - Sorri sentada contra a cabeceira enquanto Anahí falava. - Eu preciso visitar sua mãe. Eu preciso ver aquele barrigão. Seu pai deve estar radiante.


 


- Ela reclamou esses dias sobre seu sumiço. Mas ele está mesmo - Comentei observando a garota olhar as horas e se dirigir ao frigobar ao lado da cama. - Mas avisei como anda as coisas e tal.


- Eu vou separar um tempo. É que.. - Anahí abriu uma garrafa d'água colocando um comprimido entre os dentes. - Quando eu tenho tempo vocês não estão em casa.


A olhei tomar a medicação com calma. A garrafa voltando para o frigobar e a garota voltando para o meu colo na cama. Anahí soltou os cabelos para se acomodar melhor em meu peito enquanto meus dedos roçavam em seu couro cabeludo.


- É um regulador de humor. - Ouvi a voz de Anahí após alguns minutos de um silêncio constrangedor. - Eu tomo uma vez por dia.


- Precisa tomar todos os dias? - Minha voz saiu grossa e rouca assustando à mim mesma.


Anahí concordou com a cabeça se aconchegando ainda mais em meu peito. A questão dos remédios à perturbavam e eu sabia. Mari se mantinha imparcial ao contar o que acontecia na rotina de Anahí. Em suas mensagens para mim sempre deixava algo no ar, mas nunca se aprofundava sobre o que achava. Sabia que a irmã mais velha havia se desentendido com a mãe e se afastado da rotina de Anahí consideravelmente, deixando a mãe em seu lugar. Eu particularmente era completamente contra, mas por algum motivo curioso Anahí gostava de manter a mãe por perto.


- Eu não conseguia compôr. Não consigo. - Anahí disse me puxando dos devaneios. - São tantos comprimidos e efeitos colaterais. Eu queria a inspiração de volta e o regulador parecia o menos importante.


- Você suspendeu ele? - Tentei olhá-la de onde estava.


- Eu deixei de tomar por alguns dias e.. as coisas ficaram bem loucas.


A risada seca me provocou um ligeiro calafrio e a apertei de maneira segura contra mim.


- Mesmo tomando o antidepressivo?


Anahí tornou a balançar a cabeça sem dizer mais palavras. Lhe beijei a testa chamando a atenção de seus olhos e sorri ao vê-los. Anahí podia ter crescido, passado por uma porrada de coisas, ser um exemplo para a sociedade, mas ali nos olhos azuis encontrei a mesma garota insegura de anos atrás que compartilhava do mesmo sonho que o meu e que um dia foi minha melhor amiga.


- Está tudo bem. - A assegurei sincera tentando lhe passar toda confiança que havia em mim. - Você está indo muito bem. Esses remédios só estão ajudando. Não precisa ficar com medo.


- Eu não estou sempre bem, Dul. - Os olhos tremeram e pude ver ainda mais medo ali. - Às vezes eu nem me dou conta das coisas que faço. Eu tenho medo de surtar em público e..


-Sh.. - Pousei o indicador sobre os lábios carnudos a silenciando. - Você não vai.


- Eu menti sobre a porta. - o sussurro de Anahí foi quase inaudível.


- O quê? - Franzi o cenho tentando entender os olhos marejados à minha frente.


- Eu a quebrei. Eu..


Anahí se afastou de meu peito mostrando as mãos pequenas que eu não havia sequer notado. Manchas esverdeadas podiam ser vistas ao longo dos pulsos e antebraços. Os dedos finos revelando pequenos cortes que já cicatrizavam. Minhas sobrancelhas se arquearam enquanto meu estômago revirava.


- Me desculpe. - Pisquei para o pedido desviando a atenção dos sinais de masoquismo. - Eu não quero mais isso, Dulce. - Fechei os olhos para a voz chorosa, minha garganta se fechando. - Eu.. Eu evito tanto! Mas tem vezes que não dá, eu não tenho controle e..


Chegou uma parte que eu já não conseguia absorver mais nada. Eu sentia que a qualquer momento eu iria desmaiar. Minha cabeça girava em meio a escuridão de meus olhos fechados. Minha garganta ainda estava entalada e eu não conseguia respirar. A imagem que Anahí vendia era de pura saúde, onde na verdade os mesmos demônios continuavam a perseguindo. E eu entendi porque o ódio que eu sentia por sua mãe só crescia mais e mais. A mãe de anahi ignorava o bem estar da filha e se aproveitava de tudo aquilo.


Eu queria conversar com ela decentemente. Colocar as cartas na mesa e dizer que o ideal seria que voltasse para a reabilitação e esquecesse aquela fabrica da fama por alguns anos, mas eu não sabia se o conselho seria recebido de bom agrado. O medo de Anahí cometer o suicídio fez minha cabeça latejar, porque até eu mesma cheguei a cogitá-lo em algum momento da minha vida. Dar fim à toda agonia que sentia era no minimo tentador em sua situação. Mas o suicida não tem a intenção de acabar com a própria vida, ele tem a intenção de acabar com a própria dor. Ao menos era isso que estudiosos diziam. Por mais que o que Anahí passasse fosse sufocante para ela, alguma coisa a impedia de acabar com tudo. E eu morria de medo de perguntar que coisa era essa.


Levando em conta todo o pensamento sobre o suicídio e a questão de deixar de existir, o fato de Anahí se ferir para libertar a agonia me soava até tranquilizador. O que fez com que eu pulasse da cama em direção ao banheiro para jogar toda massa italiana que eu havia almoçado na pia.


Sentia o corpo gelado e a garganta ardente devido ao vômito. Abri a torneira para lavar o rosto, a água fria me despertou quase imediatamente quando ouvi o toque do meu celular. Entrei no quarto novamente encontrando Anahí encolhida na cama abraçada a um travesseiro.


Eu queria confortá-la. Dizer que tudo aquilo iria passar. Dizer que tudo ficaria bem, que nós ficaríamos bem e que não era para ela se preocupar. Queria falar que eu estava bem com tudo aquilo, mas eu não estava. E iria piorar mais ainda.


Meu celular voltou a tocar e busquei a bolsa na poltrona pegando o pequeno aparelho. o nome não me surpreendeu então o atendi sem receios.


- Hey, Pai. Como está? - Sorri fraco ao saudar nosso amigo.


Eu deveria ter ignorado aquele telefonema. Eu deveria ter ignorado a vontade de ir à casa de Anahí. Eu deveria ter ignorado o convite de Cristopher e ter ficado em casa. Acho que até mesmo ter ignorado os dias que passei com Angelique. Talvez se eu tivesse feito algo diferente, de uma maneira diferente, eu não estaria naquele corredor de hospital e minha mãe não teria sofrido um aborto espontâneo.


Eu costumava pensar que tudo fosse por uma razão. Mas eu não conseguia encontrar uma razão para Deus levar minha irmã. Eu não conseguia entender porque deveríamos passar por aquilo. Eu não conseguia respirar ao lembrar dos projetos que a caçula nos fez fazer. No quarto já mobiliado, nas roupas já compradas. E acima de tudo, na minha vida inconstante.


O pensamento sobre a morte me levou de volta à Anahí e seus problemas. Por mais que eu estivesse ao lado dela, por mais que tudo parecesse estar bem, ela continuava o mesmo trem desgovernado de sempre. E isso me atormentava. Isso me enlouquecia. Saber que eu não podia salvá-la de si mesma me provocava ira.


Talvez as coisas realmente acontecem por um motivo maior. Talvez Vitória tenha levado mais uma parte de mim e virado uma pequena estrela cedo demais por um motivo maior. E olhando o sofrimento de minha mãe e meu pai eu pedia à qualquer Deus que esse motivo maior não fosse eu, porque minha cota de culpa já estava transbordando.


 



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Autor(a): portisavirroni

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 5



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  • fernandaayd Postado em 06/03/2018 - 14:30:21

    Já acabou?? Que pena, pois essa foi uma das melhores histórias que já li. E de alguma forma me ajudou muito. Obrigada pela dedicação e vc escreveu tudo com o coração, pq dar pra sentir isso em casa capítulo. Parabéns por tudo★

  • fernandaayd Postado em 28/02/2018 - 17:41:23

    Será que a Dul, vai falar para Anie sobre a depressão? ?

  • candy1896 Postado em 25/02/2018 - 20:44:37

    Continuaa, que não aconteça nada de ruim com Dul.

  • fernandaayd Postado em 09/02/2018 - 14:16:33

    Estou acompanhando e você escreve muito bem, parabéns! E que bom que você sempre posta.

  • Lorahliz Postado em 31/01/2018 - 21:07:49

    To acompanhando sua fic e to amando!!! Posta mais...o cap 7 tá dando erro!!


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