Fanfics Brasil - Penúltimo capítulo parte dois My world was always you ( portinõn) finalizada

Fanfic: My world was always you ( portinõn) finalizada | Tema: Rebelde


Capítulo: Penúltimo capítulo parte dois

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P.O.V ANAHÍ


************


 


Anahí!


Anahí Portilla!


Anie!


Anahí!


Anie!


A voz do meu inconsciente chamando por meu nome começa a ficar mais alta. Balanço a cabeça em negativo na tentativa de afastar o peso de meu próprio nome sobre minhas costas.


Dulce!


O estalo em minha mente é automático e encaro a porta de meu quarto, ainda fechada.


Dulce!


Dulce María Savinõn!


Minha Candy!


Diferente do meu, o nome dela é sussurrado. Trazendo uma dor mais lenta e maior que a do grito.


Arfo na busca por controle, mas minhas mãos já estão trêmulas. As esfrego no rosto tentando acordar do suposto pesadelo, mas não consigo. É real.


O nó surge na altura de minha garganta e o soluço seco me escapa a boca. Não era para ser assim. Não podia ser assim.


Engulo em seco correndo os olhos apressados pelo aposento destruído. Tudo está infectado do perfume dela, o cheiro dela, e isso me perturba. Me faz querer correr em sua direção, dizer que aquilo não passa de um engano, mas não posso.


Estalo os dedos compulsivamente sentindo meus joelhos tremerem com violência. Preciso voltar a respirar, preciso fazer o aperto em meu coração cessar. A culpa paira sobre mim, fazendo meu corpo ficar pesado. A descrença na realidade me faz questionar minha própria existência, fazendo com que o filme curto e intenso que me atormenta a mente corra solto diante de meus olhos fechados.


-Você está ao menos se ouvindo?


Passei, impacientemente, as mãos por meus cabelos olhando através do vidro escuro da janela do carro. Tudo o que eu queria era chegar ao ponto onde a mulher concordasse comigo, mas ao notar que minhas explicações não penetravam em sua mente tudo o que eu queria era me manter distante.


- Eu estou me ouvindo sim, mãe. – Gesticulei para a mulher que dirigia ao meu lado. – Quem parece não estar ouvindo uma palavra do que eu digo aqui é a senhora.


Observei dona Marichelo respirar fundo enquanto entrava em uma curva antes de levar meus olhos para a janela que me mostrava a cidade correndo ao lado de fora do carro.


- Eu te ouvi muito bem, Giovanna. – A voz da mulher preencheu o carro me causando dor de cabeça. – Agora eu te pergunto se você me ouviu. Eu não vou deixar, em hipótese alguma, essa sua fase estragar o resto de sua vida.


- Não é uma fase e eu não vou me afastar da Dulce, se é isso o que a senhora está pensando. – Fui rápida já sentindo a irritação se transformar em raiva.


- Eu não disse para se afastar da Dul, querida. Pelo contrário. – A risada nasal da loira fez com que a proporção da raiva aumentasse me causando tremedeira. – Olha, meu bem, o seu futuro ainda é incerto dentro desse ramo e nós não queremos que você seja mais uma adolescente talentosa arruinada dentro das paredes da televisa.


Tranquei a mandíbula roçando os dentes uns nos outros me concentrando para que a tensão que havia reunido em minhas juntas e na respiração constante me trouxesse a estabilidade das minhas emoções de volta. Devido meu silêncio, a mulher continuou.



- Fiquei sabendo que Maite não está muito bem com os diretores, da novela. – O nome de minha amiga me fez estalar o pescoço para olhar o sorrisinho no canto dos lábios finos de minha mãe. – Com um pouco mais de sorte, ela não será mais a princesinha preferida, já que em Rebelde ela esta se destacando mais que você e Dulce.


- Eu não posso acreditar que você esteja falando isso. – Neguei com a cabeça voltando minha atenção para frente.


- E por que não? – A risada descontraída da mulher arranhou meus ouvidos, piorando a dor de cabeça. – Se ela sair, da novela na próxima temporada, Dulce entra. já que a personagem de Dulce está se destacando mais que a sua. Queria muito que fosse você, mas sua ambição parece quase nula. Dulce realmente parece que vai saber lidar bem melhor que você, querida.


- Eu quero ser reconhecida pela po/rra do meu trabalho, não por trepar em cima dos outros. – Soltei rouca.


- Trepar é uma palavra muito forte para uma estrela de 18 anos. – Revirei os olhos. – O ponto não é esse. O ponto é que se alguém descobrir que as duas princesas estão em um relacionamento amoroso, a carreira das duas estará bem no fundo do poço. Se eu fosse você cortava logo o mal pela raiz e aceitava essa oportunidade de publicidade com o Poncho, mas sem se distanciar dela. Vejo potencial em Dulce e Pedro Damian também. O vínculo entre vocês duas e um relacionamento amoroso com um dos Rbds pode melhorar e muito na sua imagem.


A força que eu fazia para não revidar era a mesma que eu fazia para que as lágrimas que embaçavam os meus olhos não caíssem. Eu me sentia coagida, limitada dentro dos padrões que alguém ditava. Eu sentia raiva por esse alguém ser minha mãe.


- Às vezes eu me pergunto se a senhora realmente se importa comigo. – Falei sem olhá-la enquanto desprendia o cinto de segurança.


- Eu me importo! – A ouvi quando abri a porta do carro.


- Não é o que parece. – Suspirei antes de olhá-la outra vez. – Parece que você só se importa com o que a fama ou o dinheiro pode te dar.


- Giovanna, não seja estúpida. – O sorriso no canto dos lábios surgiu outra vez. – Se eu não cuidar dessa parte, quem é que vai cuidar? – Fiquei a encarando tentando processar cada palavra que saia de sua boca. – Faça um favor a si mesmo e deixe de ser inocente. O mundo não é um conto de fadas.


"O mundo não é um conto de fadas". Eu já sabia disso e não precisava que ninguém o jogasse em minha cara. Havia esperanças de criar uma história bonita dentro daquele mundo caótico, mas cada pedra que surgia diante dos meus pés, era uma lasca da esperança que se dissolvia no meu espírito.


- Obrigada, mamãe. – Disse fria sem tirar meus olhos dos dela. – Eu também te amo.


Em primeira vista foi medonho. Desejar amorosamente e carnalmente uma pessoa que cresceu ao seu lado como melhor amiga e confidente era extremamente desnorteador. Os olhos dela pareciam me convidar para me afundar nos castanhos calmos, a boca pequena se estendendo a sorrisos graciosos sempre me desconcentrava do que sua língua dizia, a pele de veludo tão tentadora ao toque me impedia de ficar longe por muito tempo. Amor. Desejo. Paixão. Sentir meu coração disparar só com o perfume fresco emanando dos cabelos de Dulce me dava a reação imediata de tremer. Sentimentos, que antes trancafiados por inocência, eram cuspidos para fora de meus poros mediante a um simples sonho onde meus lábios encostavam-se aos dela. Eu queria saber se aqueles lábios eram tão macios, quentes e suaves como eram em meu sonho. Se a língua era ágil e saborosa como os devaneios que eventualmente me encontrava.


Em um segundo momento foi maravilhoso. Constatar que todas minhas idealizações eram de fato realidade fazia cada célula do me corpo gritar em comemoração. Cada dia que passava era um passo a mais em nosso relacionamento, a cada carinho mais significativo era um sopro de vida novo que corria por meu pulmão, a cada beijo que nossas bocas compartilhavam era mais um tijolinho para a construção do nosso Forte invencível.


 


No terceiro ato, um exército negro derrubava tijolo após tijolo do nosso Forte. Minha primeira reação foi chorar e a segunda entrar em negação. Os soldados eram habilidosos e sagazes, e eu era uma menina frágil que só queria viver um amor que os tais soldados não gostariam de ter conhecimento. Minha mãe havia dito isso e eu não podia acreditar que ela fazia parte do exército que me destruiria.


- O que aconteceu?


A voz do meu anjo me resgatou dos destroços fazendo a poeira, que me cegava em um sentimento destrutivo, se afastar lentamente de mim.


– Um pouco de tudo. – Prendi o lábio entre os dentes correndo os olhos pelo cômodo, sentindo os pensamentos desordenados dentro de minha cabeça.


– Anie.. – A voz suave soou outra vez e me obriguei a dizer alguma coisa, qualquer coisa.


– Anunciaram as gravações da segunda temporada da novela. – Soprei repassando as informações diante de meus olhos. - Eu não quero fazer. – Confessei ao mesmo tempo que fazia uma prece para que tudo se encaixasse em seu devido lugar.


– E por que você não quer? – Aquele tom. Eu conhecia aquele tom e não queria que Dulce me convencesse do contrário, porque o contrário nos levaria ao desastre. -Será ótimo pra você e..


– Não, não será. – Cortei com a voz mais forte buscando as palavras soltas para transformar em frases coerentes. - Eu não quero fazer essa temporada, eu não quero ficar perto do Poncho. Pedro é um idiota que só sabe criticar, nada está bom o suficiente, nada que eu faço tem valor pra ele. – Minha voz oscilou enquanto tentava omitir parte da verdade.


– Baby.. Por que isso agora? – Respirei fundo fechando os olhos. Ela não desistiria do assunto tão cedo, e eu sabia disso.


– Eu disse pra minha mãe que não queria fazer, mas ela disse que estava no contrato e que eu não podia dispensar essa oportunidade. – Também estava nas entrelinhas daquele contrato minha propaganda com Poncho e era aquilo que mais me perturbava. -Eu não quero saber de contratos, queria que me apoiasse, perguntasse o que está acontecendo. Isso é pedir demais? Mari é a única pessoa que está comigo durante os eventos e as gravações, ela sim veio aqui me perguntar o porquê de tudo, ela sim se comporta como mãe. Coisa que Marichelo não faz.


– Não faz isso. – Dulce me repreendeu levemente. - Sua mãe é uma ótima pessoa, você sabe.


Se ela ao menos soubesse.


– Com os outros. – Me encolhi no peito de Dulce querendo colocar um ponto final na conversa.


– Você não pode ficar com raiva da sua mãe, ela quer o melhor para você. – Não consegui segurar o riso sem humor que coçava em minha garganta. - O que mais está acontecendo?


Ela não pararia até ter uma resposta satisfatória, então a dei. Dei uma resposta que não era uma mentira, mas também não era o que me preocupava.


– Voltei a ter pesadelos. – Segurei na camisa dela mais para comprovar sua materialidade perto de mim. - São sempre os mesmos e ele aparece na maioria.


Eu não precisava dizer quem aparecia. De acordo com nosso histórico, Dulce sabia muito bem que eu me referia a meu disturbio e sabia também que era um assunto que não deveria tocar caso eu não quisesse.


– Desde quando? – O sussurro da garota cortou o silêncio que se instalou entre nós.


– Uma semana. Todas as noites. – Suspirei sentindo um nó na garganta por ter que esconder algo dela. - Tenho medo de dormir, eles são tão reais...


 


– Sh... – Dulce me apertou contra ela e o soluço seco rompeu por minha boca. - Está tudo bem.


Me permiti acreditar naquelas palavras. Me permiti acreditar no que Dulce falava como sempre cegamente acreditei.


***********


"Vocês não podem!"


A frase voltou a falar em minha mente assim que o efeito da erva que Estefânia havia me dado começou a cessar.


"Não podem!"


"É errado!"


A música alta anestesiava meus tímpanos enquanto meu corpo ainda sentia os resquícios da droga.


"Vocês estão juntas?"


A voz de Estefânia ecoou em minha cabeça outra vez. Aquela pergunta havia desencadeado o medo trancafiado dentro do meu peito, me fazendo negar de maneira imediatista, porém arrependida. Arrependida por não dizer a verdade. Arrependida por não ter coragem de pronunciar meus sentimentos por Dulce.


"Fica comigo."


Não!


"Ninguém vai ficar sabendo."


Não!


As vozes começavam a conflitar em minha mente outra vez e eu só queria que elas calassem a boca. Eu podia sentir o estrago emocional ser substituído por uma completa calamidade psíquica. Eu precisava colocar um fim naquilo, colocar um fim nos problemas.


- Hey você.


A voz doce através do meu aparelho celular trouxe a paz súbita para o meu peito, aquietando a tribulação que percorria minhas veias.


- Dulce. – Degustei seu nome desenrolar em minha língua com calma, notando as vozes em minha cabeça se calarem.


- Está tudo bem?


- Não. Está. – Suspirei coçando a testa nervosa. – Quer dizer, não sei.


- Você está bêbada? – Dulce mudou a entonação para preocupada e senti um pedaço do meu coração se romper do todo.


- Não. Talvez um pouquinho. – Mordi o lábio, incerta do porque havia ligado para ela no meio da madrugada. Se eu estivesse sóbria lidaria com meus demônios em silêncio, mas bêbada meu primeiro impulso era correr para seus braços.


- Anahí, aonde é que você está?


- Eu não sei. – Ri me sentindo uma completa estúpida. – Eu estava com o pessoal da novela, ai eles resolveram ir para uma boate e depois chegamos em uma casa.. – Olhei o quarto que eu estava, tentando identificar alguma coisa. – Não sei de quem é essa casa.


- Onde está sua irmã?


Mari estava em casa, onde minha mãe estava, onde eu não queria estar.


- Ih, não sei não viu. – Menti. – Estou sem babá hoje.


Gargalhei sem humor, sentindo as vozes voltarem mais altas na minha cabeça. Meu coração se comprimiu com os sentimentos mesclados e desorganizados. Talvez eu tivesse nascido com algum defeito, propensa a estragar tudo o que colocava a mão, propensa a estragar a mim mesma. Olhei meu pulso coberto por pulseiras que escondiam as marcas do feito, as marcas da imperfeição.


- Você disse que não está bem. – A voz de Dulce penetrou meus ouvidos como um bote salva-vidas me resgatando do oceano turbulento que eram meus pensamentos. – O que houve? Por que me ligou?


 


"Porque eu preciso de você!"


A voz em minha mente gritou tão alto que tive que fechar os olhos para que a enxurrada de lágrimas não lavasse meu rosto de uma vez.


- Eu te amo, Candy. – Sussurrei sincera derramando meu coração para ela. – Nunca se esqueça disso. Eu sei que sou uma idiota, sei que de vez em quando deixo você triste, mas você é a única coisa que faz meus pés ficarem no chão, é a única coisa que presta na minha vida. – As lágrimas já inundavam meu rosto e um soluço baixo rompeu minha garganta. – Mas..


- Anie, você está chorando?


- Não. – Menti inutilmente limpando o rosto com a mão livre. – Nós não podemos estar fazendo isso, Dul.


Soltei fazendo meu coração saltitar malcriado. "Nós podemos sim!" dizia meu coração. "Não podemos não!" diziam todas as vozes embaralhadas em minha mente. Embrenhei a mão livre nos cabelos os puxando com força diante ao silêncio torturante do outro lado da linha. Eu não queria que ela concordasse, ela não podia concordar.


- Anie. – O sussurro me veio baixo, fazendo as lágrimas subirem aos meus olhos com mais vontade. – O que você está dizendo?


-Eu não mereço você. – Lutei contra os soluços tentando expor a guerra que se instaurava em meu corpo. – Eu não posso estragar a sua vida.


- Você está bêbada, Anie. Não acha melhor falarmos sobre isso quando estiver sóbria?


Neguei com a cabeça como se ela pudesse me ver.


- Não, Dul. – Meu coração fragmentado naquela altura já tinha um grande buraco em seu meio. – Hoje vieram me perguntar se havia alguma coisa entre a gente, sabia? – Cuspi o que gritavam na minha cabeça. – Você sabe como eu fiquei? Eu queria dizer que estou com você, queria dizer que você é minha garota, mas já pensou no estrago que isso causaria? – Perguntei retórica e sem fôlego. – Você é um anjo e eu não posso simplesmente trazê-la para o inferno.


Meu corpo tremia de medo. Medo de mim por não seguir um raciocínio normal, medo do que o futuro guardava para nós, mas principalmente, medo de perdê-la para sempre.


- Anie. – A voz calma fluiu por meus ouvidos me fazendo relaxar imediatamente. – Por favor, meu amor, me escuta. Eu amo você. O resto do mundo não me importa, quem me importa é você. Só você. Não faça isso com a gente de novo. Nós valemos a pena, todos esses anos juntas e esses últimos meses provam isso.


Nós valíamos a pena. Eu tinha mais certeza daquilo como tinha certeza que morreria caso meu coração parasse de bater, mas o problema era que precisávamos de mais do que amor juvenil naquele momento. Nós precisávamos de decisões e aceitações. Coisas essas que eu não achava que conseguiríamos naquele tempo.


- Promete que não vai desistir de mim? – Minha voz saiu tão baixa que não soube ao certo se ela havia ouvido. Então a porta do quarto se abriu, me fazendo levantar da cama que estava sentada e encontrar um grupo de jovens desconhecidos que passavam pela entrada. – Tenho que ir. – Forcei a voz por cima da música para que Dulce me ouvisse. – Boa noite.


E assim encerrei a ligação.


************


A rubrica naquele contrato foi o símbolo da minha alma sendo vendida para o diabo. O sorriso da minha mãe era largo enquanto apertava as mãos dos homens dentro daquela sala fria, mas meus olhos não desgrudavam dos olhos de Poncho que me pedia desculpas em nosso silêncio. Um relacionamento promocional não era o que queríamos. Éramos jovens, éramos talentosos, mas aquilo não era o suficiente.


 


Meu corpo suava frio ao me lembrar de alguém, ao me lembrar de Dulce e ao me lembrar de que a perderia de vez com aquele jogo. Esfreguei meus próprios braços, procurando me livrar do arrepio sobre minha pele quando as mãos quentes de Poncho substituíram as minhas e seus lábios murmuraram que ficaria tudo bem.


Mas não ficou tudo bem.


"Ela merece algo melhor!"


Algo em meu cérebro se apertava deixando os pensamentos comprimidos e impedidos de desaparecer. A foto de Dulce ao lado de Fuzz já causava o desconforto forte na boca do estômago, mas assim que meus olhos avistaram Ucher ao seu lado o meu primeiro impulso foi vomitar. Já que eles também teria um certo romance por conta dos seus personagens.


Me olhei no espelho desconhecendo o reflexo que me encarava. Minha boca sufocava a verdade gritada de meus olhos vermelhos e agitados. Tudo o que eu queria era que a dor cessasse, que a vida passasse, que meu coração estúpido parasse de sentir aquela dor insuportável pela ausência da minha doce Dulce que eu mesmo havia provocado.


Por que? Por que eu havia a afastado? Os motivos pareciam relevantes quando fiz, mas naquele momento pareciam banais. Eu poderia estar ao lado de Dulce, eu queria estar ao lado dela, eu não queria deixar ninguém chegar perto dela. Mas era egoísmo da minha parte.


Conflitos.


A lembrança das brigas com minha mãe saltou na minha cabeça me lembrando do porque havia me afastado. Não queria usar Dulce, queria amar Dulce. E se eu não pudesse amá-la por perto, tentaria ao menos de longe, mas isso me matava aos poucos. Eu sentia que estava me perdendo de mim mesmo, sentia que meus impulsos contra Dulce eram todos contra mim. A raiva canalizada em relação a toda situação se manifestava contra a garota que dominava meus sonhos e pensamentos lúcidos por puro ciúme. Ciúme por vê-la perto de outra pessoa, ciúme por me sentir substituível, ciúme por não ser mais dona de seus sorrisos, ciúmes por não tela apenas para mim.


Eu me sentia suja e usada. Um pedaço de carne jogado aos leões famintos que transformaram o meu sonho em pesadelo. Qualquer desejo que florescia em meu peito deveria morrer asfixiado ainda no plano das ideias antes mesmo de minha boca proferir alguma vontade própria. Eu havia virado uma marionete sem ao menos notar. Falava e agia como comandavam enquanto meu antigo eu escalava entre as rochas procurando alguma brecha para poder escapar.


Passei o polegar pelo nariz limpando os resquícios do pó branco, embrenhei as mãos pelos cabelos respirando fundo e sai do banheiro correndo os olhos pelo avião particular até que o nome que me perseguia flutuou dentro da aeronave.


"Dulce"


Por mais que a voz tenha sido baixa, as sílabas penetraram meus ouvidos de maneira clara. Caminhei até minha poltrona escutando a garota comentar sobre o possível caso que minha ex-amiga estaria tendo com o Ucher. Peguei um copo com água o bebendo com calma.


- Cala a boca, Maria. – Minha voz saiu controlada, diferente do que acontecia dentro do meu corpo.


- Pensei que não fossem mais amiguinhas. – A risada dela foi acompanhada por mais duas dançarinas me fazendo fechar os olhos rapidamente.


- Maria. – Soltei o copo na bandeja calmamente. – Cala a po/rra da sua boca.


Mais uma rodada de risadas causando um suspiro meu.


- Por quê? – A voz pingando veneno surgiu, fazendo-me levantar daquela vez. – Fodeu com ela também? – Outra rodada de risadas. – Sabia que era uma vadiazinha. Aquela cara de boa moça nunca me enganou.


Talvez tenha sido a cocaína, ou talvez só o meu desejo de descontar minha raiva e frustração em cima de alguém. A única coisa que me lembro foi os últimos dois socos e as expressões assustadas de quem tentavam separar as minhas mãos do rosto de Maria. Meu coração corria feito um trem desgovernado dentro do peito e só foi naquele momento que eu consegui me sentir viva. Conseguia sentir o oxigênio fazer cócegas em meus pulmões e minhas mãos doloridas devido aos socos. A adrenalina alternou com velocidade entre excitação e horror. O sangue saindo do nariz e supercílio de Maria me arrancou o ar outra vez fazendo todo o cenário desaparecer com a mesma velocidade que surgiu.


 


************


- Você vai ficar aqui até que as coisas se acalmem. – Minha mãe jogou a mala em cima da cama do quarto simples. – Eu não posso acreditar que você fez isso.


Me sentei na cama olhando as paredes lisas do quarto de hotel. Meu corpo se mantinha firme, mas minha mente se encolhia no chão. Meus pensamentos, minhas vontades, minha opinião se asfixiava dentro da minha mente e meu corpo não reagia a nada, me mantendo com uma aparência fria como pedra que nada se assemelhava ao meu interior.


Não sabia ao certo quantos dias haviam passado quando meu pai atravessou a porta do quarto sendo acompanhado por minha mãe. O homem parou rente a cama na qual estava deitada e colocou as mãos na cintura de maneira impaciente.


- As notícias não são boas, Anahí. – Pisquei entediada assistindo-o coçar a barba. – A mídia já está cobrindo o caso. – Fechei os olhos calmamente tentando sentir algo, qualquer fagulha de emoção, mas nada além de estafa me atingia. – Conversei com sua mãe e o ideal é você passar um tempo em uma clínica de reabilitação. – Estreitei os olhos para os dois tentando entender melhor o raciocínio do casal. – Os diretores já estão cientes e isso diminuiu a raiva deles com toda essa situação.


- Além do mais, isso é comum hoje em dia. – A voz de minha mãe complementou a explicação de meu pai. – Muitos artistas passaram por uma reabilitação e estão melhores hoje em dia. Britney é um exemplo real disso.


- Sim. – Olhei para papai que tomava a palavra. – Drogas é algo que a mídia foca muito, mas precisamos de algo mais íntimo e palpável para os fãs se sentirem comovidos e se identificarem com sua história. – Minhas sobrancelhas se uniram enquanto tentava acompanhar o raciocínio, mas tão logo a explicação veio. – Vamos expor a bipolaridade e distúrbio alimentar. – As palavras me atingiram feito um raio sem relâmpago de aviso. – Preciso ver seus pulsos. – Olhei para minha mãe que aguardava de braços cruzados. – Anda, Giovanna, deixe-me ver seus pulsos.


Meus pulsos estavam limpos, intactos. Alisei meu braço pensativa, talvez aquilo fosse uma chance. Talvez Deus houvesse me dado a chance de passar uma borracha em toda minha vida para começar a tracejar uma história nova para o meu futuro. Levei meus dedos até minha coxa coberta pela calça de algodão. Era ali que os ferimentos recentes se encontravam. Olhei para papai já podendo sentir a brisa de esperança correr pelo meu corpo.


- Mutilação. – Soprei concordando em entrar no jogo outra vez.


***********


Uma descrição.


- Como podemos descrever algo tão abstrato, doutor? – Retruquei para o homem de meia idade que permanecia em silêncio aguardando por minhas palavras.


Joguei a cabeça para trás no encosto do divã, encarando o teto cinza do consultório. Não me recordava ao certo quanto tempo eu estava ali trancafiada naquela clínica, mas conseguia traçar uma linha cronológica de quanto tempo não tinha contato com Dulce. Cada dia longe de sua presença, de sua existência, era um dia morto. Eu sentia minha alma deixando meu corpo a cada pulsar de meu coração.


Os olhos azuis do psicólogo ainda me fitavam por cima do óculos de lua, aguardando em silêncio o que havia me perguntado faziam minutos.


Minutos.


O tempo é relativo. Ele não passa rápido ou devagar, ele é o mesmo. O que muda é a forma como ele é utilizado.


- Eu sinto meu cérebro comprimido. – Pisquei os olhos tentando expor ao psicólogo o que ele havia me perguntado. – Eu não sinto mais dor física ou anseio por sair da bolha na qual entrei. O senhor quer uma descrição do que me leva a crer que amo Dulce? – Perguntei retórica me sentando de frente para o homem. – Quando eu penso nela o meu peito dói, minha respiração fica alterada e o meu cérebro.. – Apontei para minha própria cabeça. – Relaxa. Eu me sinto viva.


 


Os olhos azuis não se alteraram, mas o mínimo movimento da linha fina que eram seus lábios me fez crer que estava no caminho certo. Puxei uma respiração branda alisando minhas próprias coxas, buscando organizar as palavras que se bagunçavam em minha mente.


- Eu poderia falar para o senhor que Dulce não sai da minha cabeça, que meu coração dispara quando a vejo e que as borboletas no meu estômago sempre aparecem quando ela está por perto, mas quão comum isso seria? – Franzi o cenho olhando o pingente com a letra D entre meus dedos. – Dulce é a melhor parte de mim. Quantas vezes eu sumi de meu corpo e quem o preencheu foi ela? Quando a minha sanidade se ausentava, era ela quem era minha consciência. Quando eu estava sã, a nossa unidade era inquebrável. É impossível explicar com palavras o que sinto por ela, mas se o senhor quer uma descrição melhor do que isso eu posso descrever minhas ações para com ela.


O psicólogo se aprumou na poltrona descruzando as pernas e as cruzando novamente para o lado contrário, parecendo interessado no que eu dizia.


- E tem certeza que você poderia descrever suas ações no estado a qual se encontra? – Sua voz era curiosa e os olhos claros pareciam extasiados.


- Eu sempre posso descrevê-las. Não importa se estou sóbria ou sob os efeitos das drogas, a única coisa que se altera nessas condições é a forma com a qual eu consigo sentir a dor. – Meus olhos eram fixos nos dele que sequer tremelicavam. - Eu faria tudo por ela, doutor. – Sorri amarga olhando novamente para o pingente. – A minha vida não é nada sem a garota que compartilhou anos da vida ao meu lado. Eu já ouvi de seus colegas de trabalho que isso é doentio e extremamente dependente. – O olhei outra vez estreitando os olhos. – Mas vocês sempre entendem errado. – A máscara impassível do homem falhou miseravelmente, me causando uma breve satisfação. – Eu faria tudo por ela, inclusive me afastar e fingir estar bem, quando na verdade estou morrendo por dentro.


E foi o que eu fiz.


"- A bipolaridade pode exagerar certas coisas como a sexualidade e talvez, ficando longe de você, seguindo com meus próprios pés sem ter você ao meu lado, eu possa enxergar que nossa amizade é muito forte e o nosso amor muito bonito."


Balela! Suspirei irritada comigo mesmo ao lembrar-me de minhas próprias palavras. Ficar trancafiada dentro da reabilitação me trouxe duas certezas: Eu era louca e eu era louca por Dulce.


Não foi uma tarefa fácil vê-la aos beijos com outra pessoa ao redor do mundo, entretanto, por incrível que pareça, eu me sentia ligeiramente contente por ela viver um romance digno com um alguém que poderia fazê-la feliz.


Estapeei minha própria cabeça com o pensamento. Eu deveria ser aquela pessoa que a faria feliz. Eu deveria estar ao lado dela, mas não podia deixar de pensar que estando comigo seria sinônimo de estar presa em uma redoma de vidro que corria o risco de se espatifar, nos causando ferimentos permanentes.


A minha ideia era tão simples como dois mais dois ser quatro. Eu deixaria Dulce livre para viver uma vida ao lado de quem a faria feliz, eu estava disposta à me sacrificar por seu sorriso, por seus olhos brilhantes e gargalhada rouca. Eu me humilharia e aguentaria o sal jogado em meus cortes todas as vezes que veria seu sorriso apaixonado ser direcionado à outra pessoa, afinal eu fiz com que ela acreditasse que o que eu sentia não era real. Que tolice a minha pensar que minha ideia brilhante surtiria algum efeito contra meu coração ridiculamente possessivo e apaixonado.


Bastou minhas narinas aspirarem o ar puro fora da reabilitação para que meu desejo em tê-la de volta me arrebatasse. Duas noites mirando o teto de meu quarto foram o suficiente para entender que ninguém a conheceria ou a amaria como eu, o que fez com que meu egoísmo substituísse o altruísmo, fazendo com que eu me lançasse de volta a sua vida disposta a lutar por seu coração mais uma vez.


 


Não me era o bastante voltar a ser sua melhor amiga, não me era o bastante tê-la sob meus olhos quando possível. Na verdade, nada me era o bastante quando se tratava da garota que cresceu e viveu ao meu lado todos os dias de minha vida. Declamar meu coração à ela ao som do piano havia aberto a gaiola que aprisionava o pássaro hiperativo e apaixonadamente bobo que morava em meu peito, as mensagens que trocávamos não pareciam ser o suficiente para mim que necessitava de sua respiração em meus ouvidos e suas mãos em minha pele. Eu era inteiramente dela e queria que ela fosse inteiramente minha, mas ainda existia um porém, ainda existia Cristopher que estampava as capas de cada maldita revista ao seu lado.


- Você realmente ficou boa nisso. – Minha voz flutuou entre as quatro paredes do quarto de Dulce, sobressaltando a garota de short branco e regata azul que ofegava olhando para mim.


- O quê.. O quê está f-fazendo aqui? – Sua voz rouca saiu perigosamente baixa sem que os olhos se desconectassem dos meus..


- Desculpa entrar assim mas.. – Entrei totalmente, fechando a porta atrás de mim e me recostando em seguida. - Eu toquei a campainha e ninguém atendeu. Eu ouvi a música e peguei a chave extra. – Dei de ombros pouco me importando com a desculpa porque, na verdade, tudo o que eu queria era realmente vê-la novamente.


Dulce pareceu agitada olhando o espaço a nossa volta com os orbes perdidos.


- Você tem que parar de fazer isso. – Ralhou com o corpo nitidamente tenso. - Você não pode sair entrando assim na casa dos outros.


- Se você quiser não faço mais. – Desviei os olhos da garota, temendo uma possível expulsão e, consequentemente, o repudio que eu não estava podendo receber de Dulce naquele momento.


- O que você quer, Anahí? – Sua voz veio irritada. - Você some e volta quando dá vontade?


- É.. – Minha boca se abriu junto aos meus olhos, buscando por palavras que não piorassem minha situação. - Eu estive muito.. Ocupada esses dias. Eu queria ter perguntado antes, mas.. Bom, queria saber como foi terminar a novela. Deve ter ficado arrasada com o último episódio.. E perguntar se você gostou do meu... presente. – Terminei o discurso torto, referindo-me ao pequeno buquê de flores do campo que havia lhe enviado dias atrás.


- Presente? – Dulce perguntou mais relaxada.


- As flores. - Mexi na pulseira pendurada em meu pulso ansiosa para que o confronto terminasse da melhor maneira possível.


Levei meus olhos em direção aos dela e senti o arrepio forte me cortar a espinha. Os olhos de Dulce eram negros, famintos, devoradores ao ponto de me arrancar o ar. Seus passos rápidos em minha direção acelerou-me o coração que quase explodiu quando os lábios carnudos reivindicaram os meus com urgência. Meu ser soltava fogos de artifícios em comemoração enquanto nossas línguas se entrelaçavam em saudade mútua. Tê-la novamente era algo que eu não sabia que tornaria a acontecer. Beijá-la novamente, amá-la novamente e ter a oportunidade de fazê-la mulher sob meus dedos era infinitamente melhor do que todos os meus sonhos em conjunto. Poder tocá-la, olhar em seus olhos, contemplar seu sorriso sincero enquanto nossos corpos se tocavam soprava uma felicidade absurda para dentro de meu peito. Ter Dulce de volta a minha vida era como se minha alma houvesse voltado ao meu corpo. Como se Deus houvesse me devolvido a vida, porque a minha vida era ela. Entretanto, uma peça do quebra-cabeça parecia desalinhada no quadro montado. Quanto mais Dulce e eu estávamos juntas, mas necessitávamos uma da outra. A posse, o ciúme, a insegurança mesclada à falta de definição do que éramos assemelhava-se a um campo minado prestes a explodir. E esse campo minado era eu.


 


- Você pensa em voltar com ele?


Minhas palavras saíram atrapalhadas naquela noite onde estávamos sentadas na areia da praia. Eu não queria externar meu medo, mas simplesmente não conseguia deixar guardadas as palavras enroladas em minha língua. Talvez a medicação na qual me submetia estivesse acabando seu efeito. A insegurança batia na porta de meu cérebro incessantemente avisando que Cristopher poderia ser uma pessoa infinitamente melhor para estar ao lado de Dulce, e a pior parte desse meu medo era que Dulce também achasse isso.


- Você pensa em me deixar outra vez?


A resposta para a pergunta de Dulce piscou em vermelho neon diante de meus olhos. Eu não a deixaria, sob qualquer hipótese. Não havia maneira de viver longe de sua presença, longe de meu coração que estaria guardado eternamente com ela. Eu já estava certa de que nosso futuro era certo, porém, o universo parecia brincar com nossa existência ao permitir que uma única hipótese me desestabilizasse completamente.


- É arriscado, Anahí. – O homem engravatado entrelaçou os dedos sobre o tampo da mesa. – Podem não aceitar essa informação muito bem.


Olhei para Cristian que encontrou os castanhos com os meus. Os olhos dele eram perdidos, diferentes dos determinados nos quais eu sempre confiava.


- É arriscado, Anahí.


Cristian repetiu as palavras de Guilhermo e eu só conseguia sentir raiva. Meus olhos abandonaram os castanhos de Cristian, voltando minha atenção para o homem na outra ponta da mesa.


- Eu não me importo se é arriscado, Guilhermo. Se não aceitarem o meu profissionalismo por causa da minha vida pessoal, eu tento menos exposição e mais burocracia.


- Você conseguiria viver longe dos palcos? – O sorriso torto no rosto oleoso do homem me fez fechar as mãos em punhos. – Você não conseguiria viver trabalhando atrás das câmeras, Anahí.


Pisquei de volta para Cristian procurando o apoio, mas não encontrei. Sua cabeça pendia para baixo enquanto prestava atenção na conversa.


- Eu não sou tão egocêntrica ao ponto de trocar uma pessoa que amo para ser algo que desconhecidos esperem que eu seja.


- É egocêntrica ao ponto de arrancar a carreira da Dulce? – A voz baixa e calma de Cristian me causou calafrio. Logo ele que já esteve no meu lugar. – Anie, eu apoio totalmente vocês duas e o que mais quero é que você seja feliz. Mas destruir o sonho que ambas batalharam para viver é simplesmente loucura.


Loucura. Eu já havia refletido naquela palavra que parecia reger minha vida, e como os poetas antigos sempre caracterizavam o amor como falta de racionalidade; sim, eu estava louca. Porém aquelas palavras colocadas na pergunta de Cristian cravaram-se em meu coração como uma faca afiada. Os olhos sinceros do garoto que havia crescido comigo me demonstravam preocupação e eu só conseguia pensar que ele não poderia estar certo.


- Vocês estão olhando pelo lado negativo. – Argumentei de volta para nosso empresário. – A aceitação da minha relação com Dulce pode ser boa.


- A porcentagem é minúscula, Anahí. – O homem respondeu calmo. – Quase nula na sociedade em que vivemos. Sem contar o contrato de vocês. Não haveria a menor possibilidade.


Respirei fundo ignorando o aperto no coração e secando uma lágrima no canto de um dos meus olhos com a ponta do indicador.


- Eu quero marcar uma reunião mesmo assim. – Avisei fungando ao me levantar da cadeira. – Quero saber a opinião de todos para uma base de decisão.


 


- Anie. . . – Olhei para Cristian que havia acabado de se levantar. – Pense no que eu te disse. Eu odiaria ver o talento de vocês duas sendo enterrados.


Embrenho as mãos em meus cabelos os puxando com força. A dor do ato faz com que uma pequena quantidade de ar toque em meus pulmões e um outro estalo surge em minha mente.


Olho para os cacos de espelhos esparramados pelo chão, o desespero começa aflorar minha pele e a adrenalina já deixa minha mente em branco. Mergulho outra vez os dedos nos cabelos os puxando com mais violência enquanto os flashes me bombardeiam.


- Droga, Mari! Droga!


Subi as escadas correndo ainda ouvindo as vozes de negação em meus ouvidos, mas pior do que isso, a voz de Cristian. Eu poderia ignorar toda opinião contrária à minha relação com Dulce, mas não poderia ignorar fazer da vida dela um inferno.


"Eu odiaria ver o talento de vocês duas sendo enterrados." Eu odiaria ver o talento dela ser enterrado.


Bati a porta de meu quarto com toda a força que larguei no braço, tentando achar a saída outra vez, mas não havia. Tudo colaborava para o nosso fim outra vez e isso me enlouquecia. A luta interna entre ceder e não ceder me causava dor física.


Dor.


Olhei o armário considerando meu próximo passo. Eu só fazia besteiras, aquela só seria mais uma dentre muitas. Tirei a calça indo de encontro às gavetas fechadas. A dor em minha nuca surgiu, me fazendo recuar as mãos trêmulas. Não queria ceder, não queria precisar daquilo, mas a voz de Cristian soou mais alta outra vez me fazendo encolher: "É egocêntrica ao ponto de arrancar a carreira de Dulce, justamente a de Dulce, Anahí!?"


Fechei os olhos com força antes de abri-los com mais determinação. A gaveta escolhida foi a certa; bonés de basquete e relógios antigos se disfarçavam no meio da caixa de jóias lilás. Toquei a tampa sentindo o arrepio subir por minhas pernas e atingir a espinha, fazendo com que minha mente ficasse branca e meus atos inconscientes.


Por que tinha que ser algo difícil? Era para ser simples. Desde o momento que meus olhos bateram em Dulce, meu coração se escancarou para sua existência. Por mais que a idade nos fosse pouca, foi ali que a base de tudo começou. Minha confiança em Dulce sendo fortalecida por sua lealdade. Éramos perfeitas juntas, mas éramos um caos separadas. Cristian deveria saber disso, Guilhermo também. Aliás, o mundo deveria saber disso.


Podia sentir a turbulência em meu peito se acalmar e a tempestade em minha mente se tornar uma brisa fresca. O oxigênio já não parecia tão pesado, conseguindo entrar por minhas narinas com facilidade até chegar em minha caixa torácica.


- Anie!


Um rosnado insatisfeito feriu minha garganta quando mãos delicadas arrancaram-me o alívio. Mari me sacudia pelos ombros quando comecei a ter noção da realidade. O vermelho tímido do sangue brotava de minha perna alva enquanto me mantinha agachada contra a parede. Meu corpo tremia, meus dedos formigavam e o ar parecia ter entalado em minha garganta, fazendo com que meu cérebro voltasse a doer.


- Mari? - Ofeguei, focalizando minha irmã diante de mim.


- Sou eu, okay? - Os olhos cor de mel pingavam desespero e eu não conseguia entender o porquê. - Anie, você não está respirando. Solta a respiração, okay?


Tentei fazer o que Mari havia instruído, mas a tentativa era dolorosa. Meu peito doía a cada tentativa e o grito de agonia saia de minha boca sem eu ao menos perceber. A tentativa inútil de parar de tremer me causava o pior sentimento de raiva que já havia saboreado.


 


Os braços de minha irmã me apertavam com força quando percebi que estávamos deitadas sobre o carpete de meu quarto. A antiga canção de ninar que a mulher sussurrava, enquanto me balançava com cuidado em seus braços, auxiliou no controle de meus pulmões que lentamente voltavam a funcionar. Meu corpo ganhou vida lhe agarrando o corpo e mergulhando o rosto no peito confiável quando um novo soluço escapou de minha boca.


- Shhhh.. - Os braços me apertaram mais contra o corpo quente. - O que fizeram com você? - A pergunta foi um sussurro retórico que não me preocupei em responder.


O que fizeram comigo? A pergunta ecoava em minha mente como um disco arranhado.


Destruíram-me.


Mari puxou meu rosto para fora de seu pescoço, limpando minhas lágrimas com as pontas dos dedos.


- O que aconteceu?


Inspirei fundo e soltei o ar lentamente pela boca, procurando uma forma de colocar em palavras aquilo que me atormentava em sentimentos.


- Eu não posso ficar com Dulce. - Mordi o inferior, me impedindo de voltar com o choro descontrolado.


- Isso tem alguma coisa a ver com a reunião? - Balancei a cabeça em concordância. - Anie, ninguém pode te impedir de viver a sua vida.


Um sorriso amargo tomou conta de minha face e a náusea que me atingiu foi forte.


- Não é sobre mim. - Corri a língua por meus lábios ressecados antes de prosseguir. - É sobre ela. - Observei Mari franzir o cenho nitidamente confusa. - Me diga uma coisa. - Uni as sobrancelhas olhando para baixo, procurando fugir do olhar que minha irmã me dava. - O que você acha que vai acontecer com a vida da Dulce se vir a público que nós estamos juntas? - O silêncio de Mari durou um pouco, permitindo-me continuar com a teoria. - O estouro seria enorme, a perseguição exaustiva, mas eventualmente as pessoas se cansariam do assunto e a indústria nos abafaria como inúmeros outros casos.


- Dulce não se impor...


- Ela não se importaria em se sacrificar por mim. - Sentei-me no carpete, cortando a frase da mulher. - Mas isso não significa que ela deva.


- Você não pode decidir por ela. - A voz de Mari era firme ao me dizer a verdade. - Dulce nunca te trocaria e eu venho presenciando isso desde a primeira vez que a vimos. Ela não vai desistir de você.


- A não ser que eu a afaste. - Sussurrei com os olhos fixos no sangue seco preso em minha coxa.


- Se você a afastar agora, Anie. - Mari pausou e eu senti meu peito doer mais do que o habitual. - Ela nunca mais irá voltar.


Era como se o pesadelo de tempos atrás houvesse voltado e se reinstalado em minha vida. Eu estava com tanto medo de qualquer coisa que fosse acontecer, de qualquer decisão tomada, qualquer resultado alcançado. Dulce havia voltado para minhas mãos, mas parecia escapulir como se fosse areia da praia. Os sentimentos depressivos pareciam me nocautear vinte vezes mais e com isso a duplicação de remédios descendo por minha garganta.


Dulce tentava controlar meu choro como em todas as vezes que aquilo ocorria. Seus dedos leves roçavam em meu couro cabeludo e seu abraço firme não vacilava entorno de meu corpo. Estar com ela parecia tão certo que eu não conseguia compreender o porquê de ser tão difícil. Dulce era minha calmaria, meu porto seguro, minha alma gêmea em todos os sentidos clichê. Não era para ser tão difícil.


- Faça amor comigo. – Sussurrei em desespero para esquecer o mundo que me matava.


Os lábios de Dulce não tardaram a buscar os meus com paciência. O doce sabor de sua boca combinado com o calor de seu corpo era meu completo êxtase. As mãos delicadas subindo por meu corpo e elevando minha camisa deixavam um rastro de fogo em minha pele. A boca carnuda largando a minha para se dedicar ao meu pescoço me arrancava suspiros incontáveis. O peso de seu corpo sobre o meu fazia a adrenalina correr loucamente por minhas veias e a coxa lisa aplicando a pressão exata em meu íntimo me fez gemer em seu ouvido.


 


Eu poderia ignorar qualquer contrato, qualquer ordem, qualquer pessoa que surgisse como empecilho para que Dulce e eu nos separássemos. Eu não me importava com nada se a tivesse ao meu lado, mas eu não poderia ignorar ela.


- Você acha que eles estão certos? Sobre nós? – Minha pergunta saiu simples em comparação com o desespero silencioso que acontecia na minha cabeça.


- Eu acho que eles podem ter razão. Não precisamos necessariamente assumir algo que pode ser vivido sem os palpites da indústria. E nós duas ainda estamos cruas, podemos sair prejudicadas demais se não seguirmos o que eles ditam.


A resposta de Dulce foi semelhante a um soco no meu estômago que destruiu cada célula que ainda tentava batalhar naquela guerra. A faísca de esperança que ainda tentava viver em meio a devastação se apagou fazendo-me soltar um riso sombrio.


"Podemos sair prejudicadas." A frase ecoava em minha cabeça, certificando-se de me massacrar mais e mais como um trator. Eu poderia prejudicá-la e dentre tudo e todos, eu não poderia deixar aquilo acontecer.


- Sabe o que eu acho? – Perguntei retórica. - Que você merece todos os méritos do mundo. Você vai conseguir conciliar a música com o cinema e vai ser uma artista completa em todos os sentidos.


- O-kay. – Dulce esboçou uma careta que fez meu coração saltitar com a saudade antecipada, o que me fez rir da minha patética vida. - O que foi?


- Nada. – Balancei a cabeça e limpei a lágrima teimosa que havia escapado de meus olhos. - Eu só te amo, só isso.


Não existia mais um "talvez". Eu havia nascido com defeito, havia nascido indigna, ao contrário de Dulce que parecia resguardada por um manto sagrado que eu não poderia rasgar. O meu inimigo não era empresários, contratos ou pessoas que me sugavam até a última gota. O meu inimigo era eu. Eu e somente eu que sempre fazia o errado para tentar consertar o desastre que minha existência causava.


- Por que você sempre vem? – Minha voz saiu grossa quando deixei que Dulce entrasse em meu mundo caótico. – Não importa a merda que eu faça, não importa a merda que eu sou, você sempre.. vem!


Levei a garrafa de álcool até minha boca, evitando olhá-la. Evitando confrontar a realidade que eu mesmo havia criado.


- A pergunta seria: Por que você sempre tem que estragar tudo, Giovanna?


Arrisquei olhar para o anjo que sempre tentava me resgatar do inferno. Eu queria ser salva, eu queria tanto ser salva que esse meu desejo se revestia em dor aguda em meu peito porque eu não podia. Ou meu anjo permanecia no céu, ou meu anjo se mudaria para o meu inferno e eu não podia deixar que isso acontecesse.


- Eles têm razão, hn? – Perguntei retórica. – Nós nunca daríamos certo e só acabaríamos com a vida uma da outra.


- Do que você está falando?


- Estou falando que eu sou um defeito, Dulce. Eu não posso acabar com a sua vida assim. – Meu coração doía tanto que eu realmente acreditei que fosse sofrer um ataque cardíaco, o que me facilitaria muita coisa, já que ao fazer Dulce ir embora minha vida acabaria. – Eu nunca conseguiria fazer isso com você.


- Isso o quê? – Seus olhos vagaram atormentados pelo quarto.


- Me afastar. Terminar.


- Você..


- Eu estou dizendo que você precisa ir. – Cortei, aproximando-me de Dulce. – Você não precisa lidar com a bagunça que eu sou. Você precisa de alguém que..


- Cala a boca. – Sua voz veio firme, fazendo-me engolir os resquícios de álcool ainda presente em minha língua. – Guarde os seus conselhos para você e vá para o inferno. – A minha dor era irrelevante enquanto a assistia chorar, o soluço que saiu de sua garganta me impulsionou a abraçá-la, mas suas mãos me empurram com força. - NÃO ME TOCA! – Gritou com tanta raiva que o álcool se dissipou em meu organismo, trazendo-me de volta a sobriedade. – Eu estou farta dessa sua bipolaridade! Estou cansada de sempre estar aqui enquanto você faz o que bem entende na hora que bem quiser! Por/ra, Giovanna! O QUE EU SOU PARA VOCÊ? – Fechei os olhos com força devidos os espasmos que meu corpo sofria a cada palavra. – Você disse que me amava.


- Eu te amo. – A frase saiu dolorosa de minha garganta.


- Você quer mesmo que eu vá? – A voz de Dulce se quebrou e eu precisei fechar os olhos para não olhá-la quando concordei com a cabeça. – Eu juro que não conheço a mulher que está na minha frente. Você quer que eu viva a minha vida e a deixe em paz? Okay! Eu sinceramente não me importo mais, sabe o por que? Porque você não se importa! Eu tentei amar por nós duas durante todo esse tempo e olha no que deu! Passar bem, Anahí! E faça o favor de dessa vez não voltar para a minha vida! – O som da porta, batendo com força, me saudou com o fim.


Aperto os olhos na busca por acordar do pesadelo, mas nada se modifica. Ainda estou dentro de meu quarto destruído, ainda sinto meu corpo tremer, ainda não consigo respirar.


"O que eu sou pra você?"


Tudo.


A resposta está entalada na minha garganta, mas não posso dizer. Minha fé perdeu sua força novamente. Nós estamos no fim.


***********


Bem meninas ainda não será literalmente o fim.
Ainda irei postar mais um capítulo amanhã.


 



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Autor(a): portisavirroni

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 5



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  • fernandaayd Postado em 06/03/2018 - 14:30:21

    Já acabou?? Que pena, pois essa foi uma das melhores histórias que já li. E de alguma forma me ajudou muito. Obrigada pela dedicação e vc escreveu tudo com o coração, pq dar pra sentir isso em casa capítulo. Parabéns por tudo★

  • fernandaayd Postado em 28/02/2018 - 17:41:23

    Será que a Dul, vai falar para Anie sobre a depressão? ?

  • candy1896 Postado em 25/02/2018 - 20:44:37

    Continuaa, que não aconteça nada de ruim com Dul.

  • fernandaayd Postado em 09/02/2018 - 14:16:33

    Estou acompanhando e você escreve muito bem, parabéns! E que bom que você sempre posta.

  • Lorahliz Postado em 31/01/2018 - 21:07:49

    To acompanhando sua fic e to amando!!! Posta mais...o cap 7 tá dando erro!!


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