Fanfic: Mentira Perfeita- AyA | Tema: Ponny
— Não, mas ele está louco para conhecer a senhora. — Agora que eu havia começado, não tinha como voltar atrás. — Na verdade, ele já te ama.
— Ah, meu Deus! Eu quero conhecê-lo! — Seu olhar reluziu. Era impressão minha ou suas bochechas pareciam mais coradas?
Estava funcionando!
— Eu o vi pela primeira vez no ponto de ônibus. — Tá bem. Eu podia fazer aquilo. Podia inventar uma porcaria de história de amor cheia daquelas coisas melosas de que ela tanto gostava. — Ele estava sentado, e eu acertei a cara dele sem querer com a mochila.
— Seu computador estava dentro da mochila? — Um pequeno sorriso apareceu naqueles lábios sem cor.
— Estava — assenti. Meu amigo empurrou uma cadeira sob meus joelhos. — Obrigada, Miguel.
— Disponha. — Ele contornou a cama e pegou a mão de tia Marieta, acariciando-a.
— E aí? O que aconteceu? — ela me incentivou.
Pois é. O quê? Nunca fui muito boa em inventar histórias.
Miguel, em compensação...
— Ela pediu desculpas — meu amigo se entusiasmou — e ele fingiu que não estava doendo, mesmo com metade do rosto quase roxa pela pancada. Aí ela perguntou se podia fazer alguma coisa para que ele a perdoasse. Ele sorriu e disse que perdoaria se ela aceitasse tomar um café. "Mas e se eu te acertar de novo sem querer com esta mochila descontrolada?", ela perguntou. E ele respondeu com um sorriso daqueles bem brilhantes: "Estou contando com isso. Assim você teria que se desculpar de novo, e eu teria outra chance de te ver".
— Ownnnn... — minha tia suspirou, o olhar vidrado em Miguel. — Fala mais, querido. Como ele é? Você o conhece?
— Ainda não. A Anahi queria primeiro apresentá-lo para a senhora. Diz para a sua tia como ele é, Anahi.
— Ele é... o cara mais lindo que eu já vi. Gosta das mesmas coisas que eu... — Fui buscando na memória todas as características dos heróis dos livros e filmes que tia Marieta mais amava. Por fim, acabei descrevendo um homem tão perfeito que foi um milagre ela ter acreditado que ele realmente existia.
— E ele mencionou alguma vez a palavra que começa com C? — Tia Marieta umedeceu os lábios.
— Hã... É... Mencionou, sim. — Uma mentira a mais, uma a menos... que diferença faria? — Acho que ele pretende pedir a minha mão para a senhora, como manda a tradição, assim que sua saúde melhorar.
— Ah, Annie! Que menino encantador! Ele não devia ter esperado nada. Quem se importa com uma velha doente?
— Eu!
Ela riu de leve, mas seu rosto estava contorcido, como se sentisse dor.
— Já posso até ver você entrando na igreja com um dos meus vestidos. Um quarteto de cordas no canto, um corredor de flores brancas. E aquela tiara da vovó Marta. Você tem que usar aquela tiara, Anahi! Vai ser a noiva mais linda de que já se teve notícia.
— Vamos ver — desconversei. — A senhora trouxe a bolsinha de remédios?
— Devo ter trazido. Mas isto aqui é um hospital. Remédio é o que não falta. Como foi o seu dia, meu amor?
— Bom. — Entrei no automático, contando a ela sobre o pouco que havia acontecido naquela manhã enquanto meu cérebro girava a toda a velocidade, passando por estatísticas e números de compatibilidade, coisas tão familiares para mim. De modo geral, havia 13,3 doadores de órgãos para cada milhão de habitantes. Desses, quarenta e cinco por cento não chegavam realmente a fazer a doação, já que a família se negava a autorizar na hora H. Restavam, então, apenas 8,6 doadores para cada milhão de habitantes. Se você levasse em conta a compatibilidade desses 8,6 com tia Marieta, teríamos algo em torno de...
Ela gemeu baixinho, me arrancando de meus pensamentos. Seu rosto estava contorcido em uma careta de agonia, mas ela não emitiu som algum.
Eu a conhecia bem o suficiente para saber que a dor estava ficando insuportável.
Apertei o botão na cabeceira, chamando ajuda.
— Anahi, querida — ela disse com dificuldade —, por que você e o Miguel não vão buscar um pouco de água pra mim?
— Tem água aqui. — Peguei a jarra sobre a mesa alta de metal.
— Essa não. Tá aí desde que o hospital foi construído. Pegue um pouco de água fresca.
Eu a encarei por alguns segundos. O que ela estava fazendo?
— Tia...
— Vá pegar a água, menina!
A porta se abriu e uma enfermeira entrou. Miguel se abaixou e beijou o dorso da mão de minha tia antes de se afastar da cama.
— É melhor deixarmos a dona Mari descansar — ele me pediu em um sussurro.
— Mas...
— Vá pegar minha água, Annie! Por favor! Vou estar no mesmo lugar quando você voltar.
Hesitante, deixei a enfermeira mexer nos tubos ligados a ela. Eu me inclinei e beijei sua testa demoradamente.
— Volto em dois minutos — sussurrei. — Te amo.
— Te amo, meu biscoitinho. Mais do que você jamais poderia sonhar. Mas vá depressa. Estou com muita sede. Vá!
Eu me demorei um minuto a mais. Não queria me afastar dela. O dr. Victor podia entrar a qualquer momento dizendo que o coração novo apareceu.
Miguel deve ter percebido minha hesitação, pois me levou para fora com firmeza, ainda que fosse gentil. Parei quando alcancei a porta, olhando por sobre o ombro para a única mãe que já tive.
Tão pequena sobre aquela cama. Tão frágil e sem cor. Onde estava aquele bendito coração novo?
Meu amigo me puxou com carinho para fora dali.
— Onde fica o bebedouro? — ele perguntou, segurando a jarra.
— No fim do corredor — falei no automático. Havia algo errado. Comecei a andar, mas um pensamento sinistro me fez derrapar no piso. — Ah, meu Deus!
— O que foi? — Ele me amparou quando minhas pernas bambearam.
— Miguel, ela tá fazendo a coisa do elefante!
Ele entendeu imediatamente.
Tia Mari era costureira e trabalhara a vida inteira em um ateliê de noivas. Teve que parar quando a insuficiência cardíaca apareceu, e desde então passava muito tempo em frente à TV vendo filmes antigos ou programas do Animal Planet. Um deles a fascinou tanto que ela fez Miguel e eu assistirmos à reprise com ela. Um elefante preso no zoológico de Michigan adoecera e percebera que não iria resistir. O animal entrou em parafuso, tentando escapar do cativeiro e ir para longe da sua fêmea.
Segundo o documentário, os elefantes sempre sabem quando é hora de partir e preferem morrer longe dos parceiros e da manada, para não provocar sofrimento.
Um apito agudo ressoou pelo corredor. Um enfermeiro passou zunindo por mim e entrou no quarto de tia Mari. Outro deles veio em seguida. E depois o dr. Victor.
Tentei voltar, entrar lá, mas o médico me impediu.
— É melhor esperar aqui fora, Anahi— ele disse antes de fechar a porta.
No entanto, ele não foi rápido o bastante. Pela fresta, pude ver um dos enfermeiros debruçado sobre a cama, aplicando uma ressuscitação cardiopulmonar em minha tia.
— Anahi... — Miguel também se viu sem palavras, correndo a mão pelo cabelo curto. — Cacete, Anahi! Eu sinto muito! Eu sinto muito, florzinha. — E me abraçou com força.
Tia Marieta teria se levantado e ido para bem longe se pudesse. Como não podia, ela me mandou embora.
Ela estava fazendo a coisa do elefante do jeito que podia.
Autor(a): daanitzm
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Não me deixaram entrar na UTI. Nem mesmo ficar no corredor! Me enxotaram dali como se eu fosse um cão sarnento. Talvez o fato de eu ter tentado entrar à força tenha algo a ver com isso. Miguel ficou ao meu lado o tempo todo e tentava me consolar, afirmando que tudo daria certo e que ela sairia dessa, como aconteceu das outras vezes. Eu queria mui ...
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