Fanfic: Mentira Perfeita- AyA | Tema: Ponny
POV Alfonso
Desejei, e não pela primeira vez, estar em qualquer lugar do mundo que não fosse ali, na sala de estar do apartamento do meu irmão mais velho. Na fila do correio com um office boy armado com duas gordas pastas bem na minha frente; aguardando uma consulta num hospital do SUS; acompanhando minha mãe em uma loja de departamentos. Qualquer uma dessas alternativas seria melhor que ficar ali ouvindo a gritaria sem sentido da minha família.
— Não posso aceitar, Marcos! Ele é só um bebê! — Minha mãe soluçava.
Ruth Herrera era uma das mulheres mais duronas que eu conhecia. A menos, é claro, que o assunto fosse um dos seus filhos.
— Ruth, calma, por favor. — Meu pai tentava, em vão, fazê-la parar de andar de um lado para o outro na sala pouco espaçosa do apartamento de Christopher e Dulce. — Ninguém vai se mudar e ponto-final.
— Vou sim, vocês queiram ou não — desafiei. — Agora, podemos cortar o drama e jantar?
— Alfonso, pelo menos ouça — demandou meu irmão. Christopher ainda não tinha se manifestado até então. Parecia dividido entre a preocupação e o entendimento de que eu já não era um garoto.
— Pra quê, Christopher? — retorqui. — Eu já tomei a minha decisão. Não tenho que pedir permissão, sou maior de idade. Você saiu de casa sem nenhum escândalo.
Ele revirou os olhos.
— Isso é o que você pensa.
— Por que você quer se mudar, Alfonso? — Minha mãe se ajoelhou na minha frente, pegando minha mão e a aninhando entre as suas. — Não me opus quando você saiu da chácara porque achei que ficar com o seu irmão poderia ser bom. Você está bem instalado aqui. Pra que sair? O Christopher não tem te tratado bem?
Soltei o ar com força.
— Mãe, o Christopher e a Dulce são ótimos. Sério. Mas eu quero um canto só pra mim. — Não era pedir muito, era?
— Mas você não pode ter um canto só pra você, meu querido. — Seu rosto se contorceu de angústia. — Porque... porque você...
— Mãe — Christopher interferiu. — Não.
Mas eu sabia como aquela frase teria terminado se meu irmão não tivesse se intrometido. Porque você é um maldito aleijado. Era assim que ela acabaria. Não que minha mãe fosse dizer com todas as letras.
Provavelmente escolheria algo sutil, na linha do "pessoa com deficiência", ou o meu favorito: "portador de necessidades especiais". A babaquice do politicamente correto.
Eu estava farto. Estava cansado dos olhares preocupados de minha mãe, de meu pai se levantar cada vez que eu respirava para perguntar se eu precisava de alguma ajuda, de atrapalhar o relacionamento do meu irmão.
Estava de saco cheio de tudo isso.
Eu entendia que toda aquela preocupação era porque eles me amavam.
Mas até o amor cansa às vezes. Eu queria encontrar um canto onde pudesse ouvir meus pensamentos sem ter que me preocupar se um dos meus familiares se ofereceria para fazer isso por mim.
Além disso, eu estava apenas antecipando as coisas. A lesão em minha medula não era total, e meu quadro tinha mudado havia pouco mais de um ano. Voltei a ter sensibilidade nas pernas e nos pés e, segundo minha ortopedista, isso era indício de que ainda havia uma chance de voltar a andar. Então, no fim das contas, eu só estava me preparando para o momento em que minha vida sairia daquele limbo tenebroso.
Eu até tinha voltado a estudar — por exigência de Christopher, mas ainda assim. Esse tinha sido o acordo para que eu pudesse sair da chácara onde meus pais moravam e vir para a cidade. Eu frequentava as aulas todos os dias, conseguira um emprego. O salário não era lá essas coisas, mas dava para sair umas seis vezes por mês sem ter que pedir dinheiro para ninguém.
Autor(a): daanitzm
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