Naquela noite, Alfonso não voltou para casa. Por três dias seguidos foi assim e então o domingo chegou. Maite mentia para Serena dizendo que ele estava ligando direto para dizer que estava tudo bem e mandando beijos para a menina, assim como sempre perguntando por ela. Entretanto aquilo não impedia que Serena ficasse triste e sentisse a falta do pai. Por anos foram só eles dois, a menina estava muito abalada e Maite simplesmente não sabia o que fazer... Quatro dias era muito e nem Maria, que era a fiel empregada dele, sabia do seu paradeiro. Eram dez horas da noite quando ele chegou.
Serena estava dormindo, as empregadas não estavam lá... era domingo, elas ficavam de folga. Maite, entretanto, estava deitada no sofá que ficava bem em frente ao elevador e pulou quando ele abriu, Alfonso saindo do mesmo. Ele franziu o cenho para ela, estranhando, então ergueu o pulso vendo a hora no relógio e quando subiu novamente o olhar para ela viu que a mesma estava em pé, os olhos arregalados e com a boca aberta olhando-o apavorada. Só então ele lembrou o motivo... suspirou e terminou de entrar no apartamento.
Alfonso estava todo quebrado. Além disso, havia sangue em sua camisa, nas suas mãos, sua testa sangrava também, havia um corte na sua bochecha e um olho do mesmo estava roxo. Ele andava com dificuldade, o que mostrava que havia algo de errado no corpo dela que ela não conseguia ver também.
─ Sentiu saudade, querida? ─ ele tirou um tempo para debochar dela, que ainda estava em choque.
─ Onde diabos tem um kit de primeiros socorros aqui? E me dê o número de Dulce ou Paul ou quem quer que seja que você conheça e seja médico ou médica, por gentileza. ─ Pediu em um tom furioso, impaciente.
Viu ele se aproximar da mesma e se sentar no sofá, o corpo cansada e quebrado se esparramando no mesmo... além de tudo, ele estava com uma terrível dor de cabeça.
─ Anda, Alfonso! Fala merda! ─ ela bradou irritada.
─ Por que raios você está estressada mesmo? Não lembro de ter feito nada de absurdo na sua vida ainda. ─ respondeu atrevido e ela queria tanto dar um tapa naquela cara já toda fodida dele. ─ Tem um kit na área de serviço daqui de baixo. Não vou te passar número nenhum, você vai lá pegar o kit e eu mesmo vou me virar aqui como sempre faço. Não estou afim de responder perguntas dos meus queridos amigos e familiares hoje. ─ falou extremamente dolorido e ela suspirou, o gênio daquele homem era um inferno.
Não demorou muito até Maite ir pegar o kit e voltar com ele em mãos. Alfonso abriu os olhos quando ouviu ela arrastar a mesinha de centro de madeira para bem perto dele e sentar na mesma, a malinha de primeiros socorros ao seu lado enquanto ela procurava algo.
─ Que merda está fazendo?
─ Cala a boca. ─ Rebateu na mesma hora. ─ Oh, Alfonso, eu estou tão irritada com você que poderia terminar de te quebrar todo até te ver não aguentar mais, eu juro que estou. ─ Ela disse e então se levantou, possessa.
─ Eu viveria para te ver tentar, querida.
Ela ignorou o afronte e abaixou o corpo na direção dele, desabotoando a camisa que estava ensanguentada como se nem houvesse sangue nela e Alfonso franziu o cenho, mas estava tão dolorido e exausto que nem tinha força para empurrá-la dali. Então ela tirou delicadamente a camisa do corpo dele, a enrolou e colocou em cima da mesinha, vendo que havia um roxo absurdo na costela dele. Ela suspirou e foi até a malinha, pegando o álcool em gel e passando em toda a região da sua mão e dos braços até o cotovelo. Ele a observava atentamente como podia... já que um olho estava quase fechado e ele via tudo embaçado e o outro estava quase fechando pelo cansaço que ele sentia.
─ Tem luvas aí também. ─ Deixando o orgulho de lado em prol do seu próprio corpo ele falou e Maite então virou para a malinha, achando as luvas em um saquinho e as colocando. Melhor assim.
─ Esse spray é de água? ─ ela indagou levantando o potinho com água até o olhar dele que assentiu. ─ Vai arder um pouco, mas logo passa...
Alfonso pensou em responder aquilo com algumas de suas ironias, porém preferiu ficar calado. É claro que ele sabia da dor, não era a primeira vez que ele estava naquelas condições, inclusive, já esteve em piores. Maite então apertou o spray na bochecha dele, pegando um lencinho e passando delicadamente por cima da ferida. Alfonso fechou os olhos... de fato estava acostumado com aquela dor, mas em nenhum momento da sua vida esteve acostumado aquele cuidado que ela estava tendo com ele naquele momento.
─ Suas mãos estão feridas também? ─ ela indagou, vendo as mesmas banhadas de sangue, que pareciam já secos.
─ Não, Maite. Aqui e na camisa têm sangue da outra pessoa que se meteu no meu caminho. ─ Ele falou com fúria, esperando que ela se afastasse de vez... queria simplesmente que ela não desse a mínima, queria que saísse dali e o deixasse se virar, mas aquela mulher além de tudo de ruim que era, ainda estava sendo intrometida.
─ Entendi... ─ ela falou e em seguida passou o spray na testa dele, fazendo o mesmo processo que fez com o corte na bochecha. Naquele momento Alfonso teve certeza que ela estava louca. ─ Tem mais algum corte como o da testa e o da bochecha? ─ Ele negou com a cara fechada. ─ Agora preciso cuidar desse olho... espere só um minuto. ─ Disse e virou para a malinha pegando um dos panos de algodão que ela havia visto ali e indo em direção a cozinha. Alfonso esperou, mas verdade seja dita, tentou levantar e sair dali para ir para longe dela, porém seu corpo protestou e ele praguejou, voltando ao lugar que estava. Um tempo depois, Maite voltou. ─ Desculpe por isso... ─ ela falou e ele ergueu o olho bom para olhá-la. ─ Eu sei que dói bastante, mas tem que aguentar. ─ Ele viu o pano enrolando pedaços de gelo e entendeu o que viria agora, já havia passado por aquilo também. Então ela mordeu o lábio e pressionou o pano sobre o olho roxo e inchado dele, que pela primeira vez arqueou e ela quase desistiu de pressionar, mas ele cobriu a mão dela com a sua e a manteve ali, firme. Ela engoliu a seco vendo a mão dele cheia de sangue seco de alguém sobre a sua, mas não seria agora que ia dar pra trás. ─ Precisamos ficar no mínimo uns dez minutos assim pra ajudar a diminuir e interromper o sangramento por baixo da sua pele... ─ falou e quase gritou quando sentiu a outra mão dele pegá-la com força pela cintura fazendo ela sentar no colo dele.
─ Qual era o seu plano? Ficar dez minutos em pé com a coluna inclinada na minha direção? ─ ele ergueu a sobrancelha do olho bom para ela que revirou os olhos.
─ Preocupado comigo? ─ Indagou debochado.
─ Eu não, mas quem parece estar preocupada comigo aqui é você... ─ Rebateu e ela não disse nada, só revirou os olhos mais uma vez. ─ Quando eu estiver novo em folha, Maite, e não vai demorar... vou te dar uma lição que te fará entender que nunca deve revirar os olhos para mim. ─ ameaçou e o corpo dela estremeceu. Então ela, sem reação, empurrou um pouquinho mais o gelo no rosto dele que arqueou, gemendo de dor e apertando o olho bom pra ela, ameaçadoramente, a mesma riu debochada piscando para o mesmo. E eles ficaram assim... até ela achar que devia.
─ Pronto... depois você faz isso de novo, se quiser eu ajudo. ─ ela deu de ombros e se levantou. ─ Espera mais um pouco. Não que você tenha a opção de sair, mas enfim...
─ Acho que você está muito debochada, Maite.
─ Enquanto o lobo está debilitado, os porquinhos fazem a festa. ─ Ela piscou antes de ir para a cozinha e voltar com mais um pano enrolado com novos gelos, sentando no colo dele novamente e aplicando dessa vez na sua costela, ele gemeu. ─ Oh, me perdoe... vai passar logo. ─ não tinha deboche na sua voz, daquela vez. Certamente, Maite era tão bipolar quanto Alfonso. Porém muito mais amável que ele.
Alfonso sequer disse nada pela dor que sentia, então ela ficou o tempo necessário aplicando o gelo ali, tirando e colocando... mudando a posição do pano vez ou outra, assim como fez com o olho a propósito. Então, quando chegou a conclusão de que estava bom, se levantou e saiu dali sem dizer nada daquela vez, se livrando dos gelos e panos. Quando voltou foi direto para a maletinha e se sentiu aliviada quando viu uma pomada de arnica ali que simplesmente era a melhor que ela já havia utilizado para machucados, era infalível...
─ Essa pomada de arnica vai ser sua salvação. Elas são muito boas, realmente diminuem o inchaço mais rápido e alivia a dor também. ─ ela falava com tanta propriedade que ele franziu o cenho.
─ Já usou?
─ Algumas vezes. ─ Deu de ombros enquanto passava na região da costela dele e viu o mesmo se retrair... não era pela dor naquele momento. ─ É para melhorar, eu não vou parar. ─ Resumiu óbvia quando ele tentou pará-la com as mãos sobre seu pulso e ele grunhiu, afastando a mão e deixando-a passar a pomada.
Quando terminou, virou-se para a maletinha e se sentiu satisfeita o ver que haviam gazes dos mais variados tamanhos ali... então pegou a maior que achou e se virou para ele.
─ Sei que está cansado, com sono, mas preciso que me ajuda para aliviar suas dores... chegue o corpo para frente, vou enrolar isso na sua costela e vai melhorar com o tempo. ─ Disse e franziu o cenho quando o viu cumprir o que ela pediu sem pestanejar. Ela aproveitou o milagre e enrolou a costela dele, delicadamente, com a ajuda do mesmo que segurava a gaze enquanto ela dava a volta na mesma. Por fim, concluiu o serviço com um esparadrapo e suspirou, só então se dando conta de que estava com sono. ─ Oh, já ia esquecer da pomada... podemos passar um pouquinho no olho também.
Há algum tempo Alfonso não falava quase nada porque não cansava de analisar Maite. Pela primeira vez ele se perguntava se não estava enganado a respeito dela, porque estava difícil realmente não pensar naquilo. A mulher era um amor com sua filha, era doce, terna, com ele sempre era atrevida, debochada, mas ele procurava isso... e ainda assim, mesmo ele procurando fazer da vida dela um inferno sempre que podia, ela estava ali disposta a cuidar com muita atenção, por sinal, dele. Ficaria louco, tinha certeza.
A partir de agora uma parte da vida do Alfonso que vocês ainda não conhecem vai começar a aparecer aos poquinhos... fiquem atentas aos detalhess! Beijos!