Fanfics Brasil - Folha 12 - Andrew: Sobre Amor & Compaixão Lembranças de Outono

Fanfic: Lembranças de Outono | Tema: Romance


Capítulo: Folha 12 - Andrew: Sobre Amor & Compaixão

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— Por que não me admira encontrá-lo hoje aqui? — disse Charlie entrando na sala de Andrew sem cerimônia, vendo o amigo trabalhando em alguns papéis.


— Porque tive um fim de semana inteiro para descansar e não aguentava mais ficar em casa... — respondeu o arquiteto parando de mexer nas plantas e tubos que estavam espalhados sobre a mesa de projeção. — ... ainda que estes dias tenham sido muito bem acompanhado. — e sorriu olhando para o amigo por cima dos ombros.


— Então as flores deram resultado? — o outro fez uma careta de descrença enquanto buscava pela poltrona mais próxima, sentando-se. — Talvez eu use para disfarçar minhas faltas que não são poucas.


— Você precisa mais que flores, Charlie. — dizia o arquiteto guardando algumas plantas e deixando-as num reservatório ao lado da mesa, algo criado por ele para impedir que caíssem e ficassem rolando pela sala. — Selina não é do tipo que é comprada por um buquê de flores.


— Eu sei que não. Aliás, eu diria que ela é um bilhete de loteria. — comentou o sócio, enquanto cruzava as pernas. — E sendo bem sincero, pensei que quando chegasse pudesse ter... uma recaída. — comentou com um tom preocupado. — Segundo me contou no telefone sobre o que aconteceu...


Andrew suspirou, deixando os papéis e se voltando para o amigo. Ainda que denotasse pesar, seu semblante não tinha uma expressão tão séria como já conheceu uma vez, o que deixou o administrador surpreso.


O maior medo de Charlie para com Andrew naquele momento era de que a perda terminasse arrastando-o de volta para o turbilhão depressivo de alguns anos. Foi um período turbulento do qual Charlie precisou intervir seriamente.


Não o censurava por seguir sua vida em frente, mesmo ainda sendo legalmente casado. Acompanhou relativamente de perto todo aquele calvário. Também compreendia as razões dele de ter deixado tudo como estava: a esposa já não podia responder pelos próprios atos, sendo necessária a assinatura e o consentimento de outra pessoa para que o divórcio acontecesse. Andrew achou injusto tudo aquilo.


— Eu estou em paz. Sério! — e forçou-se a rir, sendo até bem natural para a surpresa do próprio arquiteto. — Foi triste vê-la ali, tão frágil quando Lydia sempre foi uma mulher forte e determinada... mas ela estava em paz. Ela partiu em paz. — pausou em suas palavras, puxando ar. — Acho que ela quis passar um pouco dessa tranquilidade pra mim, ainda que tenha sido difícil assimilar nos dias que seguiram. Acho que a ficha caiu no momento que abri a porta do apartamento na última sexta.


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Abrir a porta e encontrar aquela mulher de cabelo cor de figo soltos e ondulados — algo até incomum já que estava quase sempre presos por conta do trabalho — caindo sobre os ombros, com aquela charmosa mecha sobre sua face de pele alva querendo cobrir aqueles olhos grandes violetas era como uma miragem.


O tempo deveria estar esfriando bastante, a contar que na tarde anterior já podia sentir uma temperatura mais baixa ao calor que tinha deixado Sunport há duas semanas.


Ela usava uma blusa de tricô vazada longa cor de vinho que contrastava com uma pashimina, lenço de pescoço, lilás num tom pastel e a calça preta combinada à ankle boots, bota de cano curto, que dava ilusão de ser conjunto único. Além da bandeja com café, apenas uma bolsa preta e os óculos escuros da qual prendia o cabelo acima.


A última lembrança que tinha era apenas de se levantar e seguir para o quarto, pouco se importando em vestir algo para dormir. Sequer se deu conta de que ainda vestia o roupão de banho mesmo ao atender a porta e vê-la ali, com aquele sorriso em seus olhos.


“Eu adoraria dizer ‘Bom dia!”, mas como já passa das 16h...”, ela chegou a dizer com um sorriso arteiro que Andrew não compreendeu de imediato. De imediato, percebeu apenas que a mulher trazia uma bandeja com duas grandes copos de café e oferecendo-o em seguida.


— Alguém adivinhou o que exatamente queria.  — disse ele abrindo passagem para ela entrar, fechando a porta em seguida.


Somente ao fechar a porta, por conta do detalhe lustroso e de vidro que tinha na mesma percebeu que vestia somente um roupão e este não estava adequadamente fechado. Naquele instante compreendeu melhor a pausa em suas palavras e de seu olhar recaindo sobre ele, quase como que o devorando.


Não necessariamente constrangido por aquele deslize, mas se retirou-se momentaneamente alegando que se vestiria enquanto ela poderia assar uns pães que estavam no refrigerador para acompanhar o café.


“Não acredito nisso...!”, pensou ele já no quarto e rindo daquilo, principalmente por ela nada dizer sobre. Trocou-se rapidamente colocando uma camisa de manga escura e uma calça de moletom. Nenhum calçado, apenas um chinelo — embora já fizesse algum tempo que vinha sentindo prazer em andar descalço quando em casa.


— Sinto por há pouco e... — o arquiteto mostrou suas vestes casuais, mais simples do que ela estava acostumada a vê-lo. — ... por isso.


— Não que eu estivesse me importando. — ela comentou atrás da bancada, olhando-o. — A visão estava maravilhosa, se me permite dizer. Afinal, não é todo dia que há uma recepção assim. — e mordiscou os lábios, até vê-lo corar, fazendo-a rir. — Sério mesmo que deixei você vermelhinho?


— Ah... Digamos que não estou no meu melhor dia... ainda. — disse ele levando a mão à nuca, um tanto encabulado por aquilo.


—Ok... — ela disse assentindo, fitando-o. — Acho que estava com a razão quando decidi vir aqui.


A expressão de preocupação dela não era diferente ao de Charlie quando o pegou no aeroporto, fazendo questionamentos para sondá-lo, deixando-o no apartamento após ter a certeza que estava bem.


Aqueles dias cinzentos, como o próprio Andrew definia, não era algo que ele queria reviver. Inclusive, estava surpreso com ele mesmo sobre como estava sendo capaz de aceitar aquilo, algo que não imaginava quando tomou o avião com destino a Càlcis há algumas semanas.


— Está tudo bem, Selina.ele sorriu, tomando um banco para se sentar próximo à bancada que separava a cozinha da sala, debruçando sobre o mesmo. — Ainda estou assimilando tudo, mas estou conseguindo lidar com isso.  


— Mesmo?murmurou ela tocando delicadamente a face dele e vendo-o assentir. Ele, por sua vez, puxou seu rosto segurando-a pelo queixo para um selinho. — Eu queria te ligar ontem, mas imaginei que estivesse cansado e só quisesse relaxar.


— Relaxei o bastante para adormecer na poltrona após umas taças de vinho acompanhado com um jazz... — dizia enquanto limpava seu rosto da mecha de seu cabelo. — ... e não tenho certeza de quando fui para o quarto e desmaiei até há pouco com aquele roupão de banho de quando a atendi.


— Credo...! Que delícia! — murmurou ela vendo-o rir com aquilo quando ouviram o alarme do forno.


Selina retirou uma bandeja com, pelo menos, meia dúzia de pães exalando um suave perfume de queijo. Andrew a auxiliou colocando-os num cesto e chamando-a para se sentarem na sala, onde poderiam ficar mais confortáveis ao som do mesmo CD na noite anterior — The Cooltrane Quartet.


— Aliás, tem duas coisas que queria te dizer. — dizia ele sentando-se no estofado, ao lado dela, abrindo seu café e sentindo o aroma do mesmo. — A primeira é que achei tocante você ligar para Themis para dar-lhe os pêsames. Ela agradeceu muito por sua atenção, assim como as flores de lírios brancos que chegou em seu nome.


Selina sorriu por aquilo, contente em saber que sua demonstração de sensibilidade fora bem aceita. Receava que a família de Lydia fosse interpretar aquilo como a uma afronta, como se estivesse realmente desejando que aquilo acontecesse logo, para que Andrew ficasse livre daquele compromisso.


— Eu fico contente que ela tenha gostado. Tem gente que levaria isso muito mal e criaria caso. — ela comentou, dobrando a perna enquanto sentada no sofá.


— Themis simpatizou muito com você... — ele comentou, sorvendo mais do café, sentindo-o aquecer seu corpo. — ... e ela sempre pergunta quando liga ou quando ia visitá-la.


— A relação de Themis com a irmã, com a família num todo, lembra muito a relação que tenho com meus irmãos ainda que não tenhamos laços de sangue. — comentou Selina abrindo um sorriso. — Eu me coloquei no lugar dela se perdesse Shaun ou Theo.


Andrew ficou momentaneamente em silêncio. Naquele instante veio as lembranças de seu irmão, do encontro dos dois no velório de Lydia e dos breves minutos que ficaram a se encarar após quase seis anos sem trocarem uma única palavra.


Mesmo Lydia, quando ainda lúcida o bastante, recomendava uma reaproximação, mas havia o ressentimento e o orgulho do qual ambos compartilharam o desejo de dar um primeiro passo nunca dado, impedidos pelo estúpido orgulho.


— Ela estava em paz quando morreu. — comentou Andrew com os olhos baixos. — Havia serenidade em seu olhar que há muito havia se perdido. Não havia mais a dor ou qualquer culpa. Confesso que... — respirou fundo. — ... não estava preparado para uma despedida por mais que soubesse que seria uma. No entanto, ela compartilhou a  sua paz comigo. Naquele breve momento acabei por refletir sobre algumas coisas.


— Eu notei que seu semblante não está nublado como tantas vezes o via quando viajava para vê-la ou quando tinha notícias dela. — comentou Selina baixando o copo de café e deixando-o descansar em seu colo. — Até o brilho dos seus olhos mudou, Andrew. E isso ficou mais notório após o sepultamento. Pareceu mais... confiante!


— Não quero ser interpretado errado, mas foi como tirar um peso sobre mim. Eu pensei que ficaria mal sendo eu a vê-la pela última vez, com quem ela trocaria as últimas palavras, mas não. ele falou, soltando a respiração como alívio. — Eu amava a Lydia, não vou mentir, Selina. Eu a amei até ela fechar os olhos para nunca mais acordar. Doeu sim, mas também me senti em paz quando tudo acabou.


— Eu não a conheci senão pelo que todos falavam. Você, Charlie... — a mulher deu de ombros, olhando o copo de café e tomando um gole. — Do que sempre ouvi vocês falarem, até mesmo da Laura, Lydia foi uma mulher incrível! Não o culpo por amar alguém assim.


Não havia ensaio naquelas palavras, mas uma espontaneidade que fez Andrew piscar aturdido por alguns instantes. Mesmo com ambos com uma relação casual não havia qualquer demonstração de ciúmes ou incômodo por ele expressar seus sentimentos à ex-esposa como declarar que ainda a amava, algo do qual ele nunca mentiu. Contudo, tal sentimento mais era de compaixão que aquele que levou os dois a se casarem.


— Ainda assim, isso parece incomodar algumas pessoas por inúmeras razões. — comentou ele lembrando de alguns comentários, sobretudo quando iniciou um caso com a mulher diante dele.


— As pessoas simplificam a palavra ‘Amor’, Andrew. Acham que se resume a algo carnal... — bufou ela, prendendo o cabelo. — Amor é algo puro, sublime. Por isso não há nada de errado sentir-se em paz com a morte dela quando assistiu alguém tão brilhante se apagar por conta de uma culpa e sofrer por isso. E esse amor que tinha por ela, sendo bem sincera? Eu sempre achei isso... — e procurava as palavras. — ... peculiar. Admirável, pra dizer a verdade. E não há porquê de sentir-se culpado por estar em paz com sua morte, mas feliz porque ela finalmente descansou e que todos à sua volta também possam livrar-se desse tormento em vê-la naquele estado.


— A mãe dela disse algo assim. — relembrou ele franzindo o cenho. — “Lydia descansou e também a todos que a amavam”.


— Uma mulher sábia. — Selina murmurou e buscou a mão de Andrew que estava apoiado no encosto do sofá. — Permite-me fazer um apontamento? — e o viu assentir. — Creio que Lydia o chamou lá exatamente porque ela sabia o quanto você sofria e queria compartilhar a paz que a tomou com você porque era quem mais precisava. Eu posso garantir que ela te amou muito até também fechar os olhos, Andrew. Ao perceber que conseguiu isso, ela pôde realmente partir.


O arquiteto ficou a olhá-la por longos minutos e tomou a mão que ela o segurava e puxando-o suavemente para um beijo.


— Ela fez mais que isso, eu diria. — ele falou enquanto brincava com a mão dela. — Porém, isso só o tempo dirá. — e percebeu o estranhamento dela. — Vai entender em breve. Mas agora, tenho o segundo ponto que queria conversar com você. — respondeu, soltando momentaneamente a mão dela para que pudesse inclinar o corpo e deixar seu copo de café na bandeja posta na mesa de centro da sala e se voltando de frente para ela. — Esses dias fui bem egoísta e só falei de mim, como até há pouco, nem mesmo a avisei de minha chegada.


— Ainda tá preocupado com isso? — ela riu daquilo. — Já disse que está tudo bem e não vim aqui te cobrar nada. Ao contrário, fico feliz que possamos conversar sobre isso.


— Eu sei e não imagina o quanto admiro você por isso. No entanto... — ele coçou o rosto, sentindo a barba crescendo. — Sei o quanto estava ansiosa para a Semana da Renascença e do seminário que foi convidada em Florença e que, indelicadamente, eu não perguntei como foi. Inclusive a deixei preocupada em plena semana de sua palestra e peço desculpas.


— Não, tudo bem. — agora era Selina ficar levemente corada por aquilo. — Confesso que fiquei surpresa em receber a mensagem, temendo pelo que seria quando viajou às pressas para Cálcis. — e pausou por um momento. — Agora, o que posso dizer é... FOI DEMAIS!! — reagiu ela numa explosão de entusiasmo. — Desculpa! Eu ainda estou tentando acreditar!!!


— Então me conta como foi. — pediu ele a fitando.


Selina ficou a encará-lo alguns instantes, sendo ela agora a deixar o copo na mesa de centro e chamando-o para mais perto dela, batendo em seu colo. Andrew compreendeu de imediato e deitou-se em suas pernas dobradas enquanto ela curvava o corpo mais frente usando o encosto do estofado de modo que se permitissem trocar olhares enquanto ela narrava o seminário da qual foi convidada.


Ao longo de quase duas semanas Andrew a ocupou com sua dor e luto, e mesmo naquela tarde ela se permitiu ouvi-lo um pouco mais sobre um capítulo de sua vida que havia chegado definitivamente ao fim. E mesmo numa etapa importante em sua vida, aquela mulher, a qual ele mergulhava naqueles profundos olhos violeta enquanto deitado em seu colo, se mostrou uma ouvinte paciente e compreensiva.


“Não seria um sonho resultado dos anti-depressivos...?”, temeu por alguns instantes. No entanto, o calor que tantas vezes compartilharam não poderia ser um mero devaneio.


O Seminário da Semana da Renascença foi um evento acadêmico do qual ela foi uma das ilustres convidadas a palestrar. Doutora em Artes pela Università degli Studi di Firenze — Universidade de Florença, Selina contava a emoção de ser chamada para ser co-autora de um livro sobre as ‘Origens do Renascimento’ ao lado de um dos mais respeitados doutores no assunto e curador do Musée National de la Renaissance — Museu Nacional do Renascimento — localizado em Paris.


Andrew sabia o quanto aquele evento era importante e a ajudou no que pôde para seu discurso e sua apresentação. No entanto, no dia que seria sua apresentação, em vez de desejar-lhe boa sorte havia mandado uma mensagem de sua viagem urgente à Cálcis, e depois a nota de falecimento seguida de desabafos.


Somente teria se dado conta de sua gafe quando no avião ao perceber na sua agenda o jantar que havia marcado para os dois para uma eventual comemoração que não aconteceu. Não bastasse isso, não conseguiu notificá-la de seu retorno. E ainda assim, ela estava ali com aquele sorriso e sendo tão compreensiva com aquele seu egoísmo.


E mesmo meio a tudo isso, para a surpresa do arquiteto, ela foi sensível o bastante de enviar lírios acompanhado de um cartão de pêsames para a família de Themis.


— Lírios branco. — comentou Themis com o vaso das flores e mostrou-lhe o cartão. — Foi enviado por sua amiga, Selina Katharlos, com seus pêsames.


— São belas flores. — comentou Andrew tomando um ramo em mãos.  — Uma escolha diferente quando muitos usam rosas.


— Eu entendo a razão da escolha e digo que ela não foi apenas sensível como bem pontual, eu diria. — sorriu a ex-cunhada após aqueles dias de lágrimas e tristeza. — A flor de lis é uma flor é muito usada pela realeza que, apesar de simbolizar poder, também fala da pureza do corpo e da alma. Em outras culturas, também significa o amor eterno. — explicou ela fitando-o em seguida. — Ela sabe o quanto você amou a Lydia e por isso a escolha dessa flor.


Andrew apenas baixou a cabeça, levando a mão ao bolso da calça após devolver a flor ao vaso.


— Acho que o primeiro grande amor a gente nunca esquece. — respondeu Andrew.


— Mas isso não o impede, Andrew, de que você possa seguir em frente. — disse Themis ainda o fitando. — E o que vejo é que ela é uma boa mulher. Do pouco que a conheci percebi o quanto ela te fez bem em fazê-lo respirar meio a tudo isso. A minha irmã pode ter sido seu primeiro amor, mas não precisa ser a única.


— Ela é uma amiga... Uma grande amiga, apenas isso. — o arquiteto apressou-se em dizer, ainda que vacilando nas palavras.


— Uma grande paixão nasce de uma amizade. — disse a cunhada para sua surpresa. — Além do mais, ninguém aqui vai te censurar por seguir sua vida. Você merece ser feliz, Andrew. Lydia o chamou aqui para dizer-lhe isso, lembra? Recomeçar. Deixe o passado e viva o presente para o bem do seu futuro. — disse ela colocando a mão em seu ombro e se retirando em seguida com as flores deixando-o pensativo.


“Talvez seja o momento de deixar o passado no passado, se dar uma nova chance, um bom momento para recomeçar”, foram as palavras ditas pelo próprio Andrew ao irmão, influenciado por Themis.


Aquilo o fez sorrir enquanto brincava com as mãos de Selina sobre seu peito, acompanhando seu relato do evento e que, mesmo meio aqueles pensamentos, estava também atento quando perceberam um clarão na sala.


— Oh, começou a chover de novo... — disse Selina quebrando a atenção de Andrew dela para a janela com os respingos da chuva. — Está assim a semana toda.


— Charlie me disse isso, reclamando que estão atrasando as obras do bairro norte por isso. — comentou ele se levantando. — E está bem escuro. A chuva deve estar forte lá fora.


— Na verdade anoiteceu sem que nos déssemos conta. — ela riu daquilo. — Não sei como não te fiz dormir contando isso. Achei que estava te entediando.


— Nem um pouco! — comentou ele roubando um palitinho de queijo restante. — Embora estivesse calado, estava atento a tudo que dizia, desde o elogio de todos à sua tese que a levou ser convidada ao evento falando sobre o cuidado com as artes renascentistas, motivo este que será autora de um dos livros sobre o assunto da qual domina? — ele a puxa para um demorado beijo, mantendo seu rosto ainda bem próximo dela. — Acho mais que merecido.


— Não imagina o quão feliz estava e do quanto queria falar isso com você. — ela sorriu, umedecendo os lábios. — Desculpe se vim aqui perturbar seu descanso com isso.


— Não, não perturbou. Aliás, eu adorei que tenha vindo. — Andrew olhou para a mesa. — E não veio sozinha. — e olhou para os copos de café alguns poucos palitinhos de queijo restante, levando-os a rirem juntos. — Adoraria que ficasse aqui hoje, aproveitar esse som da chuva acompanhado de uma bom vinho, uma boa música... — murmurou para ela, tocando em seu rosto. — ... ou um bom filme. O que me diz?


— Um programa digno para uma sexta à noite. — ela faz uma careta fingindo desdenhar, mas sorri em seguida. — Adorei! — e foi ela, desta vez, a roubar um beijo, puxando-o para se deitarem no sofá enquanto Andrew esmaecia a luz mergulhando a sala na penumbra.


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— Eu fico admirado do quão benéfico a Selina foi pra você. — comentou Charlie com um copo de uísque em mãos, oferecido pelo amigo que se sentou diante dele, também após servir-se de um. — Ela surgiu num momento oportuno, foi ajudando você e isso foi ótimo. Quanto a isso sou eternamente grato por ela. Afinal, você estava se perdendo, Andrew.


— Sim, eu estava. — e suspirou. — O pior é que tinha ciência disso e não sabia como sair naquilo que tinha mergulhado. Nem tinha certeza de que queria sair!  Às vezes ainda acho que estou meio um sonho e que acordarei naqueles dias cinzentos e que ela tenha sido uma alucinação.


Charlie ficou em silêncio por alguns instantes fitando o amigo, alternando para seu copo. Estava recostado na cadeira com as pernas cruzadas e pensativo. Por fim, ajeitou-se de modo a aproximar-se do amigo, descruzando as pernas e jogando o corpo para frente.


— Andrew, não quero ser invasivo, mas como amigo me sinto no dever de te perguntar isso. — ponderou Charlie provocando uma reação ambígua ao amigo que o olhou com estranhamento. — Esse sentimento que tem por Selina. Tudo bem que estão tendo um caso há meses, mas isso não é apenas medo de uma recaída ou mera gratidão, não é? — questionou, percebendo o olhar do amigo. — Você é mais que um sócio, mas um amigo. Um irmão que nunca tive e sabe o quanto admiro e gosto de você e o quanto me preocupa.


Andrew baixou a cabeça, mas Charlie notou um sorriso sereno. Por um momento aquilo o tranquilizou o bastante para voltar a sentar-se ereto na cadeira, acompanhando o amigo se levantar e caminhar pela sala.


— Eu pensei sobre isso também, Charlie. Aliás, pensei isso por meses e tive aquela sensação de culpa achar que a estava usando-a como uma terapeuta. Sabia que, ao longo destes dias que estive em Cálcis, conversávamos quase todos os dias mesmo com 7h de diferença? Eu não perguntei um dia sequer sobre sua conferência, mas ela foi compreensiva entendendo meu lado por mais egoísta que tenha sido ainda que não tinha sido minha intenção. Eu podia desabafar e ela sempre conseguia me confortar e não falo isso com sexo.


— Ela me disse. Ela veio aqui por conta da planta do anexo de sua loja e conversamos longamente e me disse que conversavam. — lembrou Charlie enquanto tomava um gole de seu uísque. — Eu percebi que ela se preocupava demais com vocês. Eu também estava. Quando o vi no aeroporto percebi que estava longe daquele zumbi de Andrew de alguns anos.


— Aquilo é passado. Voltei decidido a renovar minha vida. Voltei decidido recomeçar! — respondeu o arquiteto. — E Selina está nos meus planos.


— Então não se trata de gratidão. — confirmou Charlie abrindo um sorriso.


— Não, Charlie. Eu estou realmente apaixonado por ela e quero recomeçar a minha vida com a Selina.



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Autor(a): katrinnae Aesgarius

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Comentários do Capítulo:

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  • luisarroni Postado em 11/07/2018 - 23:36:44

    Escrita muito boa. Continue postando!

  • katrinnae Aesgarius Postado em 10/07/2018 - 23:10:20

    Após um erro de capítulos, foi preciso reupar 5 capítulos simultâneos.




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