Fanfic: Lembranças de Outono | Tema: Romance
— Acabei de chegar. Aguardo aqui embaixo. — disse Milo ao telefone e desligando em seguida enquanto realizava um contorno na rua. Dirigia um Toyota Yaris Sedan grafite metálico e estacionava junto à área concedida do edifício Pier Alfa, localizado na Rua Quatro — também chamado de Corredor Nobre Norte devidos os prédios mais abastados.
O bairro que antes eram blocos prediais formando um corredor de depósitos foi um dos alvos de revitalização e de um audacioso projeto para transformá-lo num bloco residencial com a linha flat à beira-mar. Não somente deu certo como em pouco menos de três anos tornou-se cobiçado e supervalorizando o bairro a ponto de tornar-se um dos cartões-postais de Sunport.
Para um fim de semana, o bairro estava movimentado, com muitos buscando aproveitar aquela tarde de sol incomum para o primeiro dia de outono no hemisfério norte. Estava um calor agradável, ideal para um passeio no píer ou próximo ao parque ou mesmo às praias da qual Milo vislumbrou quando precisou contornar o bloco até onde residia o amigo.
Após uma semana inteira migrando de seu escritório para infindáveis salas de reuniões, despertara naquela manhã decidido trocar o terno por um calção de banho e aproveitar as agitadas ondas que vira de sua janela. Um mergulho seria mais que suficiente para aliviar a tensão que aqueles dias havia lhe proporcionado.
Contudo, seus planos caíram no vazio quando uma ligação para o amigo para um convite ao lazer o deixou intrigado devido a seriedade e pesado tom na voz que o fez lembrar que ele não estava sozinho, mas havia algo além disso.
Saiu do carro ainda com telefone em mãos e seguindo para a calçada de modo a abrigar-se na sombra do prédio em seus três andares com uma fachada que bem lembrava o estilo industrial de SoHo com um clássico dos centros urbanos dos anos 20 da própria Nova Iorque — algo que muito atraiu Milo a adquirir uma propriedade naquele bairro movido pela nostalgia.
Recostou no carro, bocejando — ainda sofrendo pela ressaca da noite anterior — enquanto se perguntava mentalmente da razão de uma viagem tão repentina do amigo. Um malicioso `Boa tarde!` despertou de seu devaneio fazendo-o fitar duas mulheres que passavam pela calçada e cobiçando aquele homem bem apessoado em seus 34 anos de madeixas loiro mel bem aparados e rebeldes fios que caiam sobre sua face de pele bronzeada, capturando seus olhos azuis safira. Ele devolveu o cumprimento com seu sorriso mais cafajeste que tinha, arrancando risos das jovens.
— Só um amigo... — dizia Milo levantando o dedo indicando um apontamento. — ... um amigo de verdade... — e ri daquilo. — ... para me fazer perder um dia raro como esse. — e cruzou os braços. — Imagine como deve estar a praia nesse momento, aquelas ondas...
— Lamento estragar seu dia. — comentou Alexis surgindo e puxando a única mala que trazia com ele, além da bagagem de mão.
— Ei, que cara! Nem mesmo eu que estou com uma puta ressaca estou com uma cara tão feia. — comentou o loiro fitando-o, jogando-lhe a chave para abrir o porta-malas. — Espero que não seja porque atrapalhei qualquer coisa.
— Não, não tem a ver com você. Apenas um aborrecimento logo cedo. — comentou o outro enquanto arrumava a mala no carro, aproveitando para deixar também a bagagem de mão. — Quando ligou, a tempestade já havia passado. Fora que te ligaria de qualquer jeito.
— Uau! O que foi? A Suicide Blonde[1] não gostou da sua performance? — tentou brincar o loiro, batendo no ombro do amigo de leve, mas esse parecia sério demais para retribuir qualquer coisa. — Tudo bem. O que foi desta vez?
Alexis suspirou, apoiado no bagageiro com as duas mãos e meneando negativamente ao pensar na discussão de mais cedo, fazendo uma careta. Tirou apenas um estojo de óculos do bolso externo da bagagem menor, colocando de imediato. Milo apenas ficou a observá-lo intrigado.
— Resumindo. Ela ficou irada porque surgiu um imprevisto e não poderia levá-la para passear no Píer como havíamos combinado. — Alexis explicou e forçou um sorriso, fechando o bagageiro de vez e entregando-o a chave. — Quando ligou, ela tinha acabado de bater a porta, não sem antes que eu tomasse rumo do Aqueronte em direção ao Inferno.
— Admira-me que ela saiba sobre Aqueronte ficar no Inferno. — comentou o loiro com cinismo, conferindo o bagageiro devidamente fechado. — E essa viagem repentina. Não tem a ver com Nova Iorque, né?
— Não. Estou de partida para Atenas. Grécia! — respondeu o outro abrindo a porta do carona e conferindo a hora. — O meu voo sai às 16h. Temos pouco mais de duas horas para te colocar a par de tudo.
— Não era o tipo de conversa que queria num dia como esse, mas... — respondeu Milo dando de ombros, colocando também os óculos escuros antes de assumir o volante e dar a partida.
O Bairro do Píer era um dos muitos distritos ilhados de Sunport, com pontes ligando a diversos outros e levando aos centros mais urbanizados. Por outro lado, poderia desfrutar-se de tomar um caminho mais longo pela marginal com paisagem para a baía e memoráveis praias da costa leste com o mar em seu tom entre verde e o azul profundo. A presença de barcos pesqueiros dividindo espaços com lanchas de pequeno e médio porte completavam a paisagem com o sol riscando as águas.
E sendo Sunport um ilhéu, não havia como acomodar um aeroporto, senão um aeroclube para expedições postais que, nos últimos dez anos, ampliou seu espaço para taxis aéreos de modo a ajudar no fluxo de veículos para a capital nova-iorquina. Todas outras expedições mantiveram sua tradição via marítima.
Na alta estação, com Sunport crescendo no comércio turístico, os passeios aéreos tornaram-se um empreendimento lucrativo. Com um bom conhecimento e influência, no entanto, não foi difícil para Alexis conseguir um voo direto para o aeroporto internacional de Nova Iorque ainda para aquela tarde. Já havia uma reserva para a próxima semana, e conseguir um adiantamento foi um privilégio.
Enquanto a caminho, Alexis comentou do jantar com Gwenn e da tórrida noite que tiveram, quando combinaram um sábado juntos com um passeio pelo Píer, almoço no restaurante D`arezzo e um passeio no festival do parque que estava em sua última semana. Afinal, ela sairia em viagem e somente retornaria dentro de quinze a vinte dias. No entanto, um telefonema era responsável pelo cancelamento dos planos e daquela repentina viagem, o que teria feito a companheira explodir sem nem ao menos ele ter a chance de se explicar.
Quando comentou sobre o telefone, Alexis apenas ouvia Milo respirar fundo. A expressão de cinismo deu lugar a uma expressão dura quando o amigo explicou o que tinha acontecido, sobre Themis estar ligando para ele desde meados da semana e não encontrá-lo por estar com o telefone desligado devido as constantes reuniões e audiências. Por fim, apenas recostou no banco, tão injuriado quanto preocupado.
— Somos amigos há muito tempo, Alexis, então perdoe-me o que vou dizer agora... — comentou o loiro olhando-o de lado, sem perder a atenção na estrada. — A Gwenn deve ter uma chave de perna muito boa para você aguentar tudo isso. Qual é? Ela tem uma boceta mágica, por acaso?
— Não vou demonizá-la também. — suspirou Alexis, se voltando para o amigo. — Se eu tivesse deixado o telefone ligado teria poupado desse estresse.
— Não acredito que esteja justificando a atitude egoísta dela. — disse o loiro meneando negativamente. — Alexis, era para ser apenas uma aventura qualquer, uma foda casual e apenas isso. Errou no momento que a deixou entrar em seu espaço pessoal.
— Talvez... — resmungou o carona, ainda que admitisse que o amigo estava certo quanto aquilo. — A questão é que você também tem uma implicância natural por ela.
— Nunca menti da minha antipatia com relação à ela. — e o motorista deu de ombros, fazendo um cruzamento antes de tomar novamente sua via. — Gwenn é uma garota mimada e controladora que só aceita que atendam aos seus caprichos. Particularmente, odeio mulheres assim.
— Ela não é controladora. Eu faltei com a minha palavra. — explicou o outro mais uma vez. — Além do mais, ela é livre para se relacionar com quem quiser, assim como eu.
— Desde que ela seja a oficial! — pontuou Milo elevando um dedo. — Fala sério, Alexis. O seu erro foi dar liberdade dela em sua casa... Você deu acesso do seu apartamento para ela! — pontuou o amigo se voltando brevemente para ele e bufando. — Vai por mim, eu já tive essa experiência e digo: não vai acabar bem, não com tipo como ela.
— Mas até que vocês faziam um belo casal. — sorriu Alexis olhando para o amigo de canto.
— E não imagina o quanto isso alimentava o ego dela... — Milo fez uma careta de desgosto. — Ah, víbora desgraçada!
Alexis apenas riu contidamente. Sabia o quanto aquele relacionamento do amigo ainda o transtornava, mas ao longo do tempo compreendeu que não fora um simples término e sim uma questão de orgulho das duas partes. Afinal, a relação havia se transformado num jogo relativamente tóxico. A simples menção dela o deixava completamente irado. Ele era tolerante com as brincadeiras de Alexis, mas mesmo o próprio sabia até onde ir, e aquele era o momento de encerrar aquela conversa.
De modo a encerrar o assunto, Alexis conferiu a hora e percebendo estarem adiantados o bastante para não se preocuparem, ligando o rádio seguidamente para notícias em Nova Iorque — clima ameno e queda de temperatura como era minimamente esperado. No entanto, uma música fez o advogado parar, reconhecendo a mesma e fazendo-o engolir a seco. "Essa música...", pensava ele de maneira nostálgica.
Milo estranhou aquele comportamento silencioso do amigo até atentar-se o que estava sendo tocado e mudar a estação, ajudando o seu carona a despertar de um transe momentâneo e deixando-o desconcertado por aquilo.
— Ela não sabe sobre isso, não é? — questionou o loiro num tom sério, vendo o amigo afirmar negativamente enquanto recostava no banco. — Talvez seja melhor que ela nunca saiba disso ou vai conhecer uma verdadeira loira homicida.
Alexis nada disse, limitando-se a desviar o olhar para o horizonte e calando-se por breves instantes, pensativo. Quando retomaram assunto, não envolvia nada de Gwenn, mas sobre o assunto que seria tratado na próxima semana em Nova Iorque, ajudando a quebrar o clima estabelecido desde a rádio e quebrar também a tensão de ambos.
Quando chegaram ao aeroclube, o mesmo não parecia tão cheio quanto esperado. Poucas aeronaves estavam na pista e o trânsito de pessoas era razoável. Após a confirmação de viagem, o tempo de aguardo era suficiente para que Alexis pudesse fazer uma refeição antes daquela viagem, uma vez que a discussão pela manhã o deixara estressado o bastante para dispensar um desjejum.
Seguiram para um restaurante próximo dali, onde Alexis pediu uma refeição leve com arroz, salada de folhas e peito de frango grelhado no azeite e ervas finas. Milo acabou por acompanhá-lo, dispensando apenas o arroz e pedindo um suco de frutas cítricas de modo a ajudá-lo com a ressaca.
— Hum... Acredito que quando voltar já vai ficar em Nova Iorque. — comentou Milo limpando a boca com um guardanapo, bebendo do suco de laranja.
— Sim, mesmo porque já chegarei bem em cima da hora se não houver contratempos. — pontuou Alexis após uma garfada. — Diria que se eu ficar um dia lá... será muito. Já estou com passagem de volta... — e bebericou do suco que também pediu. — ... e pretendo estar aqui ainda na terça-feira para estar minimamente descansado para a audiência.
— Sabe que isso vai te deixar acabado, né? — alertou o loiro com leve preocupação. — Não se preparou para essa viagem, vai ter efeitos, ainda que mínimos com deslocamentos em tão curto tempo.
— Eu sei, mas não posso faltar com ela, muito menos com... — o outro dizia quando se calou, parando de trabalhar com os talheres, respirando fundo enquanto mantinha os olhos fixos no prato já quase vazio.
Milo compreendeu a hesitação do amigo. Empurrou seu prato o suficiente para abrir espaço e apoiar-se na mesa, cruzando-os. Não bastava o estresse, o aborrecimento e a preocupação de um tempo tão apertado, havia ainda a tensão daquele reencontro.
— Quanto tempo já faz...? Cinco anos...? — calculou o loiro franzindo o cenho.
— Seis anos. — respondeu Alexis desistindo de comer o restante da comida, também empurrando o prato. — Já fazem seis anos e nem mesmo estive ao seu lado quando tudo aconteceu, do acidente... — murmurou Alexis levando a mão ao rosto. — Não vou mentir que tenho medo de como será esse nosso reencontro, mas algo me diz que devo ir.
— Acho que não haveria melhor momento, Alexis. — comentou Milo ainda o fitando. — Esse dia havia de chegar, nós dois sabemos disso.
— Eu apenas não queria ter que resolver isso com a cabeça tão cheia. — lamentou ele enquanto buscava a carteira, mas foi imediatamente impedido pelo amigo.
— Primeiro. Esqueça o lance dessa manhã, ok? Não vale à pena. — o loiro retirou algumas notas e deixando sobre a mesa. — Não falo por implicância, mas sim porque ela não é relevante nesse momento. Quanto a audiência, estamos tranquilos. Não há nada que se preocupar, está bem? Apenas preciso que esteja aqui na quarta-feira, firme e forte.
— Não é a Gwenn que me preocupa. Ela é apenas... — respira fundo. — ... um inferno astral bônus. — reclamou, elevando os braços e dobrando atrás da cabeça antes de baixar novamente. — Além do mais... — forçou um riso. — A lua parece mexer com algumas pessoas. No meu caso, a estação que melhor mexe comigo e já nas primeiras horas.
— É... Eu sei disso. Incrível como isso ainda mexe com você após tanto tempo. — Milo faz uma careta, mas mantendo os olhos fixos no amigo. — Deveria procurar de novo aquela terapeuta. Houve um tempo que isso ficou mais brando. Talvez...
— Talvez ajudasse se não fosse um porém. — e o advogado novamente forçou aquele sorriso, mas com ar levemente sacana. — Não posso voltar nem se quisesse.
— Ah, sim. Claro. Esqueci que andou transando com sua terapeuta. — lembrou o loiro, rindo contidamente. — A sua sorte foi que a nossa transferência para Sunport saiu tão logo se deram conta da merda que estavam fazendo. Talvez um terapeuta... homem... seria o mais ideal.
— Prometo pensar nisso quando voltar, está bem? — e se levantou quando foi anunciado a chamada para o voo. — Aliás, vou abusar um pouco mais de sua boa vontade... — e pareceu procurar algo no bolso interno do paletó. — Não tive muito tempo para arrumar as malas, peguei apenas o básico a contar com o que já tinha para situações de emergência... — e lhe entrega a chave do apartamento. — Vá ao meu apartamento e veja dois, três ternos. Tenho uma mala no meu armário. Leve uma mala extra pra mim. Depois acertamos.
— Deixa comigo! — o amigo bateu de leve em seu ombro após guardar a chave, ouvindo novamente a chamada para o voo. — Precisando, me ligue! Não importa a hora, está bem? Vou deixar as duas linhas ativas.
— E eu estou levando o notebook. — Alexis bateu de leve na bolsa. — Qualquer coisa, qualquer mudança nos planos, você me avise. — e o abraçou forte para despedida.
— Precisando, viajo na mesma hora. Se cuide! — assegurou Milo.
— Estarei aqui, firme e forte para o nosso grande dia! — sorriu o outro enquanto pegava a passagem.
— Esteja mesmo. — alertou o loiro. — Se der merda, não quero ser o único a levar uma comida do rabo do patrão.
— Por acaso tem medo de gostar? — riu Alexis dando às costas e acenando.
— Se fosse você, talvez. — o outro respondeu rindo, vendo-o rir também.
- •・✧・••
A chegada em Nova Iorque foi tranquila, e como bem se informara, a cidade já apresentava bem mais a cara da estação e já com pequenas pancadas de chuva que ajudava na queda de temperatura. Da baía que banhava a costa de Sunport para a selva de pedra nova-iorquina.
Realizou todos os procedimentos padrão, do check-in à expedição da única mala que levava com ele, restando apenas aguardar para seu voo definitivo. Até lá, foi encaminhado à sala vip onde poderia relaxar até sua chamada — se é que isso seria possível.
Por um lado, o privilégio desses espaços garantia o silêncio que Alexis precisava já que uma leve enxaqueca já se anunciava, resultado do estresse matutino somado à preocupação da viagem repentina e dos planejamentos da semana seguinte, fechando com a ansiedade de um reencontro.
"Como pode, em poucas horas, tudo virar de cabeça pra baixo?", pensou ele ao deixar a bolsa que trazia consigo numa das muitas poltronas vazias da sala. Apenas duas estavam ocupadas com outros passageiros bem distantes com seu jornal e computador pessoal que apenas cumprimentaram àquela nova presença por mera educação.
Alexis serviu-se de um café expresso forte e de aroma bem agradável e buscou sentar-se na poltrona ao lado de onde deixara sua bagagem de mão, próximo às janelas verticais. Os voos estavam no horário e não havia qualquer problema na pista que pudesse atrasar seu voo. "Poderei descansar ao menos algumas horas quando chegar...", pensava ele ao conferir a hora.
Até então, Alexis pouco parecia atentar-se a TV ligada no noticiário local, quando a repórter mostrava a mudança paisagística de Central Park com a chegada de Outono na cidade e suas folhagens amarelas, laranjas e vermelhas. Aquela imagem remeteu a Alexis algumas lembranças, sobretudo a ponte da qual a repórter atravessava enquanto apresentava a matéria.
Há alguns anos passeava por um cenário similar. Era também início de outono e bem lembrava do chão bem mais cobertos com aquelas folhas de cores tão quentes para uma estação que antecedia a mais fria. Seria o cenário perfeito para o fechamento de um ciclo e início de um novo onde, pasmem, tudo dera início.
"O fim não de um ciclo, mas uma renovação para um novo que se inicia", foram as palavras que ecoaram na mente de Alexis e seus olhos recaindo sobre o anel em espiral duplo com um aro dourado e outro num castanho-avermelhado como as folhas que pintavam Central Park. Um amuleto pessoal, uma recordação triste de um plano que ficou apenas na memória.
"Talvez Milo esteja certo", pensou Alexis contemplando o anel, o brilho da luz sobre o aro escuro refletir o vermelho cintilado. "Você amava essa estação e seria o momento perfeito para...", e suspirou, engolindo aquelas palavras, praguejando seguidamente por se deixar levar por aqueles pensamentos mesmo após tantos anos.
Risos ecoaram na sala e aquilo ajudou a despertar de seu devaneio, acabando de beber o café e deixando a xícara na mesa de vidro. Pelo reflexo na janela, um casal que chegava abraçado. Não se voltou imediatamente para os dois, apenas observando o reflexo de ambos que, com a iluminação do ambiente e transparência para a pista externa, não permitia melhor definição deles. O advogado arrumava-se na poltrona, visando recolher uma revista quando realmente o fez arregalar os olhos, surpreso.
— Ei, zangadinho... — dizia a jovem em um tom manhoso, puxando o seu acompanhante de traço latino com uma expressão aborrecida. — Vai ficar me ignorando...? — e fez um biquinho, conseguindo a atenção que queria e abraçando-o para um beijo.
Alexis se voltou para o casal e sentiu o ar faltar-lhe por alguns instantes. A jovens de cabelos escuros, bem cacheados, trazia um arranjo de flores de lírio no alto da cabeça e um vestido branco simples. Após se darem conta, pediram desculpas aos presentes, aos risos, agora mais contidos, e assumiram lugar nas poltronas mais ao centro após se servirem de espumante. Tudo isso sob o olhar atônito de Alexis que buscou disfarçar sua surpresa mediante aquilo.
"Ei, zangadinho... Vai mesmo ficar me ignorando?", ecoou em sua mente, não de maneira manhosa como há poucos instantes, mas as palavras foram exatamente as mesmas para uma situação muito semelhante com ele também aborrecido. Mais uma vez lançou um olhar, desta vez mais discreto, ao casal e vendo-a com a cabeça deitada no ombro do companheiro, com ele acariciando seus ombros. "Dejà vu!".
A partir dali, Alexis se manteve inquieto, sentindo tamanho vazio e uma dor preencher seu peito, obrigando-o a soltar um ar pesado. De repente a sala se tornara sufocante a ponto de sentir os olhos lacrimejarem pelo incômodo por aquele breve momento. Agradeceu quando a chamada foi feita, tomando sua bolsa, saindo com certa pressa e sem mais olhar para trás. Apenas pedia mentalmente para que aquele casal não fosse seguir a mesma viagem com ele.
Quando finalmente se acomodou em seu lugar, solicitou apenas água para que pudesse ingerir um calmante de modo a aplacar seu ânimo. Fazê-lo dormir por toda aquela viagem seria um efeito secundário desejável, mas era algo que ele julgava ser impossível com o turbilhão de pensamentos que martelavam em sua mente e piorando a enxaqueca.
Não era a melhor ideia naquele momento, mas uma música poderia ajudá-lo a limpar sua mente, ajudá-lo a relaxar. Era aquilo que realmente precisava. Enquanto buscava algo na playlist, parou diante de um que o fez sorrir, selecionando a mesma e ativando o repeat. Colocou o fone e fechou os olhos quando os primeiros acordes começaram. Inclinou o banco, quase que deitando a mesma entoando aqueles versos.
"Blurring lines in the book of our lives
Though the binding`s cracked...
And the pages start to yellow
I`ll be in love with you
I`ll be in love with you"
Enquanto a ouvia, voltou-se para o anel, beijando-o demoradamente. "Seria o meu presente de outono... a você", pensou quando a música voltava a tocar.
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[1] Suicide Blonde é um sucesso dos anos 90 da banda australiana INXS.
Nota extra:
Enquanto escrevia esse capítulo, pensava que música melhor poderia descrever os sentimentos de Alexis nesse momento. Foi visitando minha playlist de `naftalinas` que a serenidade e poesia que me encantou. Ao ler a tradução, percebi que não haveria outra canção que melhor fazia sentir esse vazio no personagem. Recomendo que conheçam a tradução dessa canção de tão linda.
"Longer" foi lançado como single no final de 1979, antes do lançamento do álbum Phoenix . Tornou-se o maior sucesso de Fogelberg em sua carreira. Liricamente, a música compara vários eventos ("Mais longas do que as estrelas nos céus") com seu apego emocional ao que ele ama ("Eu estive apaixonado por você").
Autor(a): katrinnae Aesgarius
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 2
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luisarroni Postado em 11/07/2018 - 23:36:44
Escrita muito boa. Continue postando!
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katrinnae Aesgarius Postado em 10/07/2018 - 23:10:20
Após um erro de capítulos, foi preciso reupar 5 capítulos simultâneos.