Fanfic: Lembranças de Outono | Tema: Romance
N'outro momento estaria imerso em sua banheira com um bom vinho e ao som de Lez Zeppelin ou The Who enquanto deixava os músculos relaxarem nas águas quentes. No entanto, aquele momento pedia água fria o bastante sobre a cabeça de modo ajudar a aliviar aquela chata enxaqueca que apenas parecia aumentar a cada instante.
A família de Lydia era dessas bem animadas e festeiras, com a casa sempre cheia com familiares tomando qualquer algo para um festejo. Quando Andrew anunciou o noivado, a família Karras organizou uma comemoração que durou dois dias seguidos com muitos comes e bebes. Familiares vindos da Grécia para a ocasião, incluindo o Patriarca, que fechou a noite com inúmeras histórias regadas a ouzo.
No casamento não seria diferente, acontecendo dois festejos: um em SoHo reunindo familiares e amigos dos noivos, e outro nas terras da família, em Cálcis, com direito a disputa de quem ficaria de pé no fim da noite.
Alexis por pouco não foi internado com coma alcoólico.
Doze anos depois o advogado voltaria ali com toda a família novamente reunida. Não para uma festa com ovações e danças, mas de uma melancolia que não fazia sombra daquela família que conheceu.
Os irmãos de Lydia estavam acolhidos com suas esposas e filhos, tal como Themis, que se mostrava a mais abatida dentre todos, acalentada pelo marido e a única filha do casal. A mãe era a mais serena de todas, acolhendo a todos enquanto o pai mantinha-se destacado de todos sentada em sua cadeira de balanço na área dos fundos da casa e visitado por outros familiares.
Alexis reconheceu o mesmo padre da cerimônia do irmão com Lydia, este tão deprimido quanto o restante dos presentes que, a todo momento, prestavam condolências a Andrew, algumas vezes ao próprio advogado desconhecendo ou esquecendo que ele tinha um gêmeo. E assim como ouzo era usado nos festejos, era também uma tradição brindar como uma forma de despedida, o que foi realizado ao menos quatro vezes na contagem do advogado.
Embora não houvesse as ovações de outrora, Alexis sentia que a cabeça fosse explodir meio a todos ali presente. Estava realmente precisando se retirar, descansar, e Andrew sabia disso. Ofereceu-se para levá-lo ao hotel no centro de Cálcis não somente para confraternizar com irmão, mas porque também queria fugir, nem que fosse por algumas horas, de tudo aquilo.
“Podemos estar distante um do outro há muito tempo, mas imagino o quão desesperado está pensando em sumir daqui, ficar só”, pensou Alexis ao entrar no carro oferecido por Adônis, marido de Themis, e ver o irmão suspirar num breve alívio.
A viagem foi silenciosa, com o advogado apenas recostado no banco e com os olhos fechados e o banco reclinado para ajudá-lo no descanso. Era ao menos 1h de viagem até o centro da ilha. Cansado, Alexis pareceu cochilar e despertar quando atravessavam a marginal que dava para a baía que banhava a cidade, fazendo-o levantar o banco e contemplar aquela paisagem.
"Havia me esquecido o quão bela é esta cidade", pensava Alexis observando o pôr do sol em seu tom alaranjado no horizonte em meio às poucas nuvens. Já passava das 20h que, em Sunport, já teria o céu coberto pelas estrelas, diferente dali onde o sol ainda estava a se despedir sobre as águas.
Seria um cenário perfeito para o casal recém-casado que viu na sala de espera do aeroporto em Nova Iorque. "Você teria adorado esse lugar", pensou ele com tamanho saudosismo que até mesmo o fez sentir o perfume de lavanda, fazendo-o relaxar os ombros e acalmar a mente por aqueles breves instantes.
Um banho. Isso era tudo que Alexis precisava naquele momento. Ajudaria a relaxar a tensão que sentira ao longo de todo aquele dia. Embora o chuveiro não fosse como a cascata de seu apartamento, a força da água ali foi mais que suficiente para aliviar a pressão que sentia contra a cabeça. A temperatura da água estava na medida certa. Desligou o chuveiro quando ouviu o serviço de quarto entregando o jantar, retirando-se por fim já que Andrew ainda o aguardava.
Enxugou os cabelos acobreados e voltou para o quarto, vendo o irmão próximo à janela aberta e mexendo no telefone. Viu o jantar sobre a mesa da pequena área social do quarto, junto com uma jarra de suco e um balde de gelo com algumas latas de água tônica, da qual tomou em mãos.
— Agradeço pela carona. — disse Alexis se voltando para o irmão, chamando sua atenção.
O arquiteto se encontrava na varanda. Havia aproveitado que o mais novo tinha ido banhar-se para respirar um pouco de ar fresco e fazer uma ligação. Não deixou de sorrir ao ver que seu visor indicava uma mensagem.
— Sente-se melhor? — indagou Andrew guardando o celular após desliga-lo. — Themis estava preocupada com você.
— Nada que um banho frio não resolva. Apenas ainda me sinto... — e abriu a tampa de um dos pratos, encontrando tiropitakia, pequenos folheados triangulares recheado com queijo feta. — ... nauseado. — e tapou novamente o prato, servindo-se apenas de torrada. — E acho que aquele tanto de ouzo não ajudou muito.
— Ao contrário de mim que estive a base de ouzo na última semana... — comentou Andrew chamando a atenção do irmão que franzia o cenho com estranhamento. — Isso me fez lembrar do Sr. Karras que sempre tomava um copo pela manhã como se fosse um elixir.
— Talvez isso explique como ele viveu por mais de 100 anos com um vigor invejável! — comentou o mais novo rindo. — Lembra-se de como ele embriagou Milo e eu às vésperas de seu casamento numa disputa de virar copos...?
— Como esquecer daquilo? A mãe preocupada de vocês entrarem em coma alcoólico. — lembrou o gêmeo mais velho fazendo os dois rirem.
— Ah! Só de pensar nisso minha cabeça dá voltas ao lembrar da enxaqueca na manhã seguinte. — comentou o advogado levando a mão à cabeça pela leve fisgada. — Não me preparei para uma viagem assim, tão repentina...
— Também fiquei assim por uns... dois dias. — contabilizou Andrew caminhando pelo quarto. — Eu demorei alguns dias até que meu corpo se adaptasse após uma viagem assim, tão repentina, ainda que me sinta esgotado físico e mentalmente, apenas não mais nauseado.
— Infelizmente não terei alguns dias. Adoraria ficar, mas não é a ocasião nem mesmo é possível. — lamentou-se o advogado tomando uma lata de água tônica e abrindo. — Preciso voltar amanhã para ter, ao menos, um dia de descanso para uma reunião na quarta, em Nova Iorque. Prometi ao Milo que estaria lá, sabe-se lá como!
— Nova Iorque para Cálcis e de volta a Nova Iorque em 48h é louco o bastante até mesmo para alguém como você, Alexis. — pontuou o arquiteto cruzando os braços com uma leve preocupação enquanto olhava o irmão.
O jet-leg que o outro enfrentaria seria cruel. Ir de um ponto ao outro do mundo em um intervalo tão pequeno iria cobrar um preço um pouco caro. Esperava que tudo desse certo e que Alexis pudesse cumprir com seu trabalho sem correr o risco de cometer alguma gafe por conta do cansaço da viagem.
— Quanto a isso não posso discordar de você. — o mais novo deu de ombros. — No entanto, a falha foi minha. Themis tem buscado me contatar ao longo da semana... — e se deixou jogar no estofado da área social do quarto. — ... mas estive tão ocupado que... Enfim! Eu precisava vir.
Aquelas últimas palavras fizeram Andrew fitar o irmão por alguns instantes.
— Sabe o quanto gostava de Lydia. Ela era uma boa pessoa, sempre com um sorriso no rosto, simpática e bem disposta. Nunca pude visitá-la nesses anos embora buscasse saber de sua condição através de Themis. — continuou Alexis após aquela pausa. — E quando ela me contou que despertou do coma chamando por você eu fiquei... — e o advogado arrepiou-se, estremecendo.
— É... Também tive essa mesma reação de surpresa quando ela me disse que Lydia perguntou por mim. — comentou o gêmeo mais velho sentando-se no braço do estofado, suspirando. — Então tomei o primeiro voo que achei saindo do aeroporto direto para o hospital implorando que chegasse a tempo para vê-la... — e engoliu a seco. — Para que ela me visse... mais uma vez.
— Estava com ela quando... — o advogado perguntou e viu o irmão assentir antes mesmo que concluísse suas palavras sobre estar junto dela em seu último suspiro.
Por um momento, Alexis fechou os olhos, soltando o ar que ele sequer tinha percebido que havia prendido. Devagar, baixou a cabeça com pesar. Assim ficou por alguns segundos, embora para os irmãos aquilo parecesse durar uma pequena eternidade.
Levantou-se, deixando a lata com água tônica sobre a mesa de centro e caminhando pela sala. "Agora entendo o que foi aquela sensação de angústia e vazio há alguns dias", pensou o advogado levando a mão ao rosto. "É a mesma sensação de quando ele..."
— E como... — indagava Alexis levemente perturbado com aquilo. — E como está... está lidando com isso?
— Bem... — respondeu Andrew batendo de leve na perna. — Na medida do possível, claro. Lembra quando disse que estava a base de ouzo nos últimos dias...? — e viu o irmão assentir. — Quando cheguei aqui eu não esperava menos que uma despedida. Eu vim preparado para isso e fiquei feliz dela lembrar-se de mim, chamando por mim... — e pausa em suas palavras, hesitando por alguns instantes. — Esperando por mim.
Alexis assentiu, respirando fundo. Ouviu atentamente aquele relato enquanto sua mente remetia há alguns anos e quão impactante aquilo foi para os dois. Agora o irmão estava mais uma vez sendo submetido aquilo? Certamente não era algo que ele iria querer relembrar naquele momento. Ele mesmo não gostava de quando rememorava, ainda que acidentalmente, aquele evento em especial.
— Quando Themis me ligou na manhã de ontem me contando o que tinha acontecido, não hesitei em vir. Pensava apenas que deveria estar aqui ainda que... — Alexis respirou fundo, umedecendo os lábios enquanto buscava pelas palavras. Queria mudar o rumo que a conversa estava tomando, antes que ambos ficassem mais melancólicos. — ... ainda que não soubesse qual seria a minha reação ou a sua após tantos anos…
— Alexis…
— Eu sei… Eu sei! — reagiu Alexis reagindo a chamada do irmão, percebendo a expressão séria do irmão mais velho. — Não deveria estar falando sobre isso agora… Não agora. Não é um bom momento pra isso.
— Não, não é. — e se levantou, também caminhando pelo quarto, levando a mão à cabeça e descendo pelo rosto até descer à cintura. — Eu sei que teremos de falar sobre isso. Precisamos falar sobre isso e estou ciente que já adiamos o bastante. Apenas não quero discutir aqui... e agora.
Alexis concordou, ainda que quisesse resolver aquele assunto e findar por vez aquilo. Por outro lado, o irmão estava certo uma vez que nenhum dos dois estava pleno de suas condições físicas e mentais para retomar aquele assunto que os afastou nos últimos seis anos mesmo com ambos morando na mesma ilha.
Naqueles seis anos, tudo que tinha conhecimento do irmão era através de Themis ou de informações nos círculos sociais que compartilhavam. Por diversas vezes buscou uma reaproximação, mas acabava por desistir e ou mesmo não querer forçar qualquer ação, mesmo com Lydia buscando ajudar na reconciliação dos irmãos.
— Sinto muito. — lamentou-se, voltando-se para o irmão. — Eu não queria parecer insensível, muito menos soar egoísta querendo forçar qualquer coisa…
— Não está forçando nada, relaxa... — corrigiu o outro de imediato. — Quero conversar sobre isso tanto quanto você, mas nenhum de nós dois está com cabeça sã o bastante para falar sobre isso. Foi um dia longo para nós dois… — e abriu os braços como se mostrasse aberto a tudo e descansando as mãos abertas sobre a perna. — ... e ambos demos o primeiro passo para quebrar uma barreira que levantamos nesses anos.
— Não esperava que precisasse chegar a isso. — comentou Alexis ao acaso. — Quero dizer, num momento como esse.
— Não leve toda a culpa. Eu também não ajudei muito com esse meu jeito fechado que fazia mamãe sempre me chamar de ‘ostra’. — e forçou um riso, fazendo com que o outro acabasse rindo com ele. — Eu não dei espaço para que se aproximasse, fui intransigente… Portanto, não se culpe por esse afastamento nosso quando eu também, tenho minha parcela de culpa.
— Tudo bem… — e Alexis bateu na perna, virando-se para o gêmeo. — Vamos um passo de cada vez e deixemos esse assunto quando não tiver nauseado com o cheiro de queijo feta que parece estar empesteando esse quarto e me deixando ainda mais nauseado.
Ambos riram, ajudando a quebrar aquele clima de tensão que se instaurou há poucos instantes. Alexis se levantou e caminhou até a janela aberta e observando a noite já cobrindo quase totalidade o céu.
— Enfim! — pronunciou-se o advogado.— Até quando pretende ficar aqui? Pelas minhas contas chegou há pouco mais de uma semana.
— Eu ainda devo ficar mais alguns dias. — respondeu Andrew também se levantando, aproximando-se. — Devo ficar até o dia da missa em memória dela, tempo o bastante para a saída da documentação. Enviei apenas algumas cópias para agilizar todo o processo de bens da Lydia.
— Entendo… — assentiu o outro. — Eu adoraria ficar para a missa em respeito à Lydia. Era o mínimo que poderia fazer em memória dela.
— A sua presença aqui já contou bastante Alexis. — e bateu de leve no ombro do irmão. — Não imagina o quão agradecido fiquei quando soube que estava a caminho.
"Isso realmente está acontecendo?", perguntou-se Alexis enquanto conversavam. Era como se todos aqueles anos afastados um do outro jamais tivesse acontecido tamanha tranquilidade ocorreu aquele encontro. Não que o passado seria esquecido, ambos ainda conversariam sobre aquilo.
Por muito adiou uma aproximação temendo a reação do irmão mais velho. Ainda que fossem gêmeos, univitelinos, eram bem diferentes na maneira de pensar e agir, o que os definiam como extremo opostos um do outro — introvertido e extrovertido, calmo e exaltado, sensato e impetuoso. Contudo, ambos ainda sempre conseguiam surpreender, seguindo bem a definição de Yin-Yang — Alexis sempre o vigoroso e emocional que não escondia seus sentimentos; enquanto Andrew, o passivo e de forte frieza lógica que, como o mesmo disse, era capaz de se fechar para tudo e para todos.
Sofreram um grande golpe quando perderam o pai aos 14 anos por conta de um aneurisma cerebral, nos braços do mais novo dos irmãos, antes que a ambulância pudesse chegar. Embora fosse um homem duro e sempre parecesse mal-humorado, os dois guardaram uma imagem carinhosa e presente do pai apaixonado por futebol, e pelo amor que tinha como técnico da equipe juvenil que dirigiu por quase 20 anos. Tinha 52 anos quando deixou a esposa, sendo esta 16 anos mais nova.
Foi nesse período que a polaridade dos irmãos se tornou mais evidente. Andrew assumiu uma postura mais fechada e fria para lidar com todo aquele momento de luto, enquanto Alexis se tornara um rebelde ao ponto de envolver-se com algumas gangues nos bairros baixos, até ser suspenso da escola por conta de brigas.
Naquela noite tiveram uma longa conversa, falando das frustrações e negações da morte do pai que o mais novo tanto idolatrava. Ele assumiu o egoísmo de suas ações e lamentou-se, desculpando-se com a mãe e, por fim, aceitando seguirem para Nova Iorque, da qual Alexis tanto se negava aceitar temendo as lembranças que constituíram ali.
“Agora é minha vez de resgatá-lo dessa dor, Andrew?”, pensava o advogado, relembrando o olhar do irmão naquela manhã escondido. A sombra de uma expressão dura de quem sempre se mostrava forte, mas que era consumido por dentro tanto quanto quando o falecimento do pai o desgastou.
No fim, era sempre um buscando resgatar o outro, algo que aqueles anos não foi capaz de mudar.
— Que hora sai seu voo? — indagou Andrew despertando o irmão do devaneio.
— Ah… Início da noite. — respondeu Alexis levemente aturdido. — Peguei o voo das nove, assim devo chegar na terça de manhã e terei um dia todo para dormir, descansar para a reunião na quarta. — e soltou um longo ar. — Ao menos assim espero.
— Então podemos almoçar amanhã, o que me diz? — propôs Andrew levando as mãos ao bolso.
— Acho uma ótima ideia.
Autor(a): katrinnae Aesgarius
Este autor(a) escreve mais 3 Fanfics, você gostaria de conhecê-las?
+ Fanfics do autor(a)Prévia do próximo capítulo
O telefone de Andrew vibrou anunciando a chegada de uma mensagem. Já estava desperto àquela hora. Ainda que estivesse em outro fuso-horário, seu corpo parecia ter se adaptado o bastante para levantar a determinado horário, independente de seu extremo cansaço físico e mental daqueles últimos dias. No entanto, a aproxima&ccedi ...
Capítulo Anterior | Próximo Capítulo
Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 2
Para comentar, você deve estar logado no site.
-
luisarroni Postado em 11/07/2018 - 23:36:44
Escrita muito boa. Continue postando!
-
katrinnae Aesgarius Postado em 10/07/2018 - 23:10:20
Após um erro de capítulos, foi preciso reupar 5 capítulos simultâneos.