Fanfic: Através das barreiras do tempo | Tema: amizade, ternura,
— Quer dizer que você é mesmo um bruxo? Um mágico! Feiticeiro!
— Pelo meu tamanho não seria… uma fada?
— Fada é mulher!
— Venha comigo que vou lhe mostrar algo.
O barbeiro da família.
Arrastei-o para o quarto, onde, ao adentrar, pedi:
— Feche a porta.
Ele me obedeceu. Abri o guarda roupas, procurei no maleiro superior minha roupa de adulto, sentei na cama, ao qual ele sentou-se ao meu lado. Desembrulhei a roupa, apanhei meu aparelhinho guardado e mostrei-lhe:
— Já viu um desses alguma vez?
— Não! — Tentou apanhar.
— Ninguém nunca viu! Nem foi inventado ainda!
Liguei-o, que fez um barulhinho um pouco estridente, fazendo-o se assustar:
— É um rádio? — perguntou ansioso.
— Muito mais do que isso!
Assim que o aparelho terminou de ligar, em seu visor apareceu a foto de uma menina, modéstia à parte muito bonita. Cabelos castanhos longos.
— É uma moldura de fotografia? — arriscou Regis (já que decidimos que sou Arthur). — Colorida! Quem é ela?
— Minha filha! Tem doze anos de idade! Quando eu estava na praça, estava esperando por ela, que estava no dentista.
— Não pode ser sua filha! Não com você sendo um pivetinho!
Procurei entre os arquivos, mostrando a ele o trecho de um vídeo criado por mim mesmo com o título “como é ser pai de menino”. O vídeo mostra um adulto fazendo a barba com gilete diante de um espelho e um menininho de sete anos de idade ao seu lado, imitando-o, com o rostinho todo branco por espuma de barbear e um aparelho sem lâminas.
— Uau! — gritou ele. — Uma televisão com imagem colorida! Ninguém tem isso aqui!
— Fale baixo! — pedi, forçando-o. — Vai chamar a atenção dos outros.
— Que chique! Você deixa eu ver?
— Você sabe quem são os dois que estão no filme?
Ele negou com os ombros.
— Eu e meu filho do meio.
— Você tem aquela filha e este menino desse tamanho? — nem acreditou ele.
— Tenho três filhos! Este aí do filme já nem é mais desse tamanho! Está moço!
— E este cara adulto é você?!
— Isso mesmo!
— Quem filmou?
— Eu mesmo! Sei que nem vai acreditar! Você é de um mundo que não existe nem televisão preto e branco e eu venho de outro, onde posso gravar você com este simples aparelhinho.
Desliguei o vídeo, acionei a câmera do aparelho e apontando para o menino, gravei-o, que protestou:
— O que você está fazendo? Por que está apontando para mim?
— Tolinho! — Virei a câmera para nós dois em tipo self, fiz gestos com os dedos para ela, depois, dei um beijo irônico em meu eu.
— Sai de mim, owh! — protestou ele, limpando a face. — Parece bicha!
— Não sou bicha! — ri. — Eu posso beijar eu mesmo!
Desliguei a câmera e reproduzi o vídeo gravado, entregando o aparelho para que ele mesmo pudesse ver melhor:
— U…au! Podemos fazer um filme de verdade com isso!
Continuou assistindo até o final.
Peguei o aparelho dele, desligando-o completamente.
— Só temos um pequeno problema — aleguei. — A bateria é limitada e tão logo ela acabe não temos como recarrega-la, pois esqueci de trazer tal acessório.
— E se acabar a bateria ele não funcionará mais?
— Com certeza não! A menos que a gente consiga algum tipo de adaptação.
— Como?
— Adaptar e carregar na bateria de um carro, por exemplo.
— Esse aparelho é incrível! — se entusiasmou ele. — Em seu mundo existe mais deles?
— Milhões! Quer dizer… bilhões! Nem sei quantos existem!
— Ele tira foto também?
— Ele faz de tudo! Deveria ser apenas um telefone, mas acabou virando um tudo. Você sabe o que é um telefone?
— Claro! Tá me chamando de burro? Em frente a chácara da vó da Vila tem um lugar onde as pessoas vão para telefonar.
— Pois é! Este aparelho é um telefone…
— Cadê o fio? — interrompeu ele.
— Não tem fio! É um telefone que não precisa de fio!
— Então vamos telefonar… pra alguém!
— Não vai dar! — neguei. — Atualmente só existe este aparelho no planeta Terra. Suas centrais, seus satélites… ainda nem foram inventados!
— O que é… satélite?
— Já existe alguns no espaço. Mas em meu tempo existirá milhares. Funciona como se fosse um espelho. Você falará neste aparelho, sua voz subirá até a pelo menos quinhentos quilômetros de altura, o satélite refletirá sua voz de volta para a central própria que interligará você com a pessoa a quem você queira falar.
— Posso segurar?
Entreguei para ele e continuei:
— No meu tempo este aparelho ensinará a gente a viajar para qualquer lugar do mundo. Você só diz a ele aonde quer ir, entra no carro e ele vai te dizendo… a duzentos metros vire a direita… entre na rodovia tal e siga por duzentos quilômetros. Coisas assim.
— Acha! — não acreditou o outro menino. — Como ele sabe aonde você quer ir?
— Ele sabe muito mais do que isto! — ri convicto. — Se você falar pra ele assim… Regis Aparecido Albuquerque, ele dirá tudo sobre nós dois.
— Se tá é mesmo maluquinho da cuca! — não acreditou Regis.
— Não estou! Este carinha aqui faz muito mais coisa do que você possa imaginar. Ele também é lanterna. Veja.
Tornei a religar o aparelho, acionei sua lanterna, deixando o maninho maluquinho da silva:
— Uau! — gritou ele. — que manero, cara! Será que algum dia eu poderei ter um?
— Já tem! Afinal eu sou você!
— Você é eu, mas o aparelho incrível fica com você. Que graça isso tem?
— Esse carinha também consegue te dizer se hoje vai chover ou fazer sol.
— Me mostre.
— Não vai dar! Os satélites ainda não estão lá no alto. Porém, uma coisa ele já consegue fazer.
— O quê?
— Qualquer tipo de conta que você precisar.
Acionei a calculadora e lhe mostrei.
— Yho-rho! — gritou ele engraçado. —Me empreste pra leva-lo na escola?
— Não senhor! Quem tem que fazer suas contas na escola é você, não meu aparelhinho mágico.
— Se eu tivesse um aparelho desse, meus amigos iriam morrer de inveja.
— Pois é! E por falar nisso, pode ir pro seu banho, antes que acabe indo pra cama assim mesmo, fedendo.
Desliguei completamente o aparelho.
Ele forçou os braços, cheirando suas axilas e protestando:
— Não estou fedendo!
— Estou sentindo um fedozinho de xixi que vazou na cueca que nem usa! Cuide desse corpo ai, menino! Pro bem de minha saúde no futuro.
— Não faço xixi na calça!
— tornou a protestar.
— Só uns pingos de moleque que esquece de urinar, ou quando urina, se esquece de dar três balançadinhas.
— Você me ajuda a pôr água e levantar o chuveiro? É que eu não consigo!
— Pede pro papai.
—Você é meu aliado. Lembra?
É®Ê
Sábado à tarde, Regis acabara de chegar da escola com o irmão José. Nesta época Sábado é um dia normal, onde as pessoas seguem para seus empregos nas lavouras, comércio ou indústrias e as crianças para suas escolas, como qualquer outro dia da semana, com exceção do domingo, que sim, é o dia de ficar em casa com a família e ir principalmente para a missa (é a época também que mais de noventa por cento das pessoas no Brasil são católicos e que este número vai se alterar drasticamente para menos no futuro, pois a igreja católica teima em ser tradicionalista e as pessoas vão querer mudanças neste comportamento religioso).
Quando os dois meninos entraram pela porta da sala, encontraram papai com uma máquina de cortar cabelos nas mãos, uma toalha e uma cadeira já aos fundos do quintal.
Neste horário, a malvada maquininha já teria feito estragos nos lindos cabelos loiros dos dois filhos caçulas, deixando-os praticamente carecas, escapando dessa tortura apenas a Camila, por ser menina e… por enquanto eu, que estaria longe de casa, brincando sozinho na rua.
— Regis — chamou-o papai. — Guarde a bolsa e venha cortar o cabelo.
Sem dizer uma única palavra, o menino seguiu para o quarto, guardou o material no guarda roupas, tirou a camisa do grupo escolar e…
— Você vai deixar ele cortar seu cabelo? — interferi na decisão de papai, ao qual o menino apenas balançou os ombros, seguindo de encontro a seu martírio.
Eu, por ser ele, sabia o quanto o menino detestava ver seus cabelos caírem sobre seu peito nu, se aninhando sobre a calça curta por estar sentado na cadeira e depois de ser acariciado com os dedos indicadores e polegares, escorregarem para o chão para nunca mais voltar.
Apesar disso, ele obedecia o papai cegamente, seguindo como um bezerrinho para o matadouro e eu, ao longe, sentia piedade do pobrezinho.
Em poucos minutos, a maldita máquina, fazendo “caminho de rato” deixara o menino parecido com um verdadeiro soldadinho americano e o carrasco papai, com a cara de mais uma missão cumprida.
Regis, se levantou, limpou os fiapos de cabelos que permaneciam grudados em seu corpo, parecendo pedir socorro para voltar para seu devido lugar e papai seguira em busca do outro filho, que deveria estar escondido debaixo da cama.
Depois de encontra-lo preso dentro do banheiro, fingindo uma diarreia interminável, que teve que terminar assim mesmo, levando-o ao trono do sacrifício, em poucos minutos, também fazia parte da escalada de soldadinhos americanos.
Agora só restava eu e Leonardo, que nem havia chegado de seu trabalho na marcenaria.
— Agora é a sua vez, meu outro Regis — chamou-me ele. — O seu cabelo deve fazer um ano que ninguém põe a mão.
— Nós decidimos que meu nome é Arthur — insinuei. — Para que não nos misturemos.
— Uh rhum! Arthur! Gostei! — riu ele. — Pode se sentar, príncipe Arthur.
— Arthur não foi príncipe! — neguei para enrolar um pouco o tempo. — Ele foi rei e mosqueteiro.
— Com nove anos de idade com certeza não era rei! Sente-se.
— Não vou cortar os cabelos, papai! — neguei, embora um pouco assustado.
— Claro que vai! Tá parecendo um bugio!
— Não estou parecendo tal bugio! Meus cabelos estão curtos, bonitos e é assim que gosto deles! — fiz pequena pausa e caçoei. — E as meninas também!
— As meninas também o quê? — estranhou papai. Para ele, onde se viu um pivetinho falando em garotas!
— Elas também gostam de meus cabelos assim!
— Pra quê? Juntar terra e piolhos?
— Não vai juntar piolhos! — neguei. — Ajuntaria piolhos sim, se eu não cuidasse! Se não lavasse ou penteasse.
— Pare de enrolação e sente-se aqui! — ameaçou ele.
— Não vou cortar os cabelos, papai! Vou economizar este trabalho pro senhor.
— Você é mesmo mach… valentinho, não!
Arrastei Regis ao meu lado e pedi:
— Observe nós dois e me diga, quem está mais bonito?
— É claro que é ele! — foi incisivo o homem. — Cabelo igual de gente!
— Não é, papai! Ele não gosta de cortar os cabelos assim! — cutuquei o menino. — Fale pra ele, Regis! Pare com esse medo! Ele é seu pai, não seu carrasco! Se você nunca contar a ele o que você gosta, ele nunca vai saber!
O menino nada falou. Papai insistiu:
— Fale pra ele, Regis! Diga que assim seus cabelos parecem de gente!
— Não parece não, pai! — criou coragem meu outro eu. — Está feio! Um dia quero ver meus cabelos compridos.
— Pra quê? — ficou nervoso, papai. — Parecer uma mulherzinha!
— Não! Pra parecer um menino de verdade! Desse jeito eu pareço um… sei lá o quê!
— Tudo bem! — acho que aceitou ele. — Da próxima vez você me ensina como cortar seus cabelos!
— Papai — chamei-o. — O senhor pode cortar os cabelos das crianças. É necessário. Mas procure usar mais a tesoura e menos a máquina.
— Está certo! — concordou ele. — Sente-se aqui. Vamos fazer este teste.
— Não em mim! — protestei. Acha que eu seria sua primeira cobaia!
Ele já se retirava, levando consigo a cadeira.
— Papai — chamei-o, ao qual ele se voltou e eu arrisquei. — A gente precisava de algum dinheiro!
— Pra quê? Cortar o cabelo?
— Comprar coisas, papai! Principalmente roupas!
— Vocês têm roupas de montão!
— Não! Não temos! Cheguei aqui pelado! Estou usando roupas compartilhadas de Regis. Pra quem já quase nem tinha, ficou a zero. Têm dias que somos obrigados a usar a mesma camisa. Só tenho uma cueca. E ele não tem nenhuma!
— Pra que você quer cueca?
— Experimente o senhor ficar sem!
— Se acha mesmo um hominho?
— Sim! Eu sou hominho! Detesto ficar sem cueca! O mesmo que o senhor tem debaixo da calça eu também tenho. Apesar de ser um pouquinho menor, mas eu tenho e o Regis também tem!
— Ainda bem que tem! — Riu ele se afastando para a cozinha com a cadeira nas mãos. — Um pouquinho menor…
Autor(a): celso_innocente
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
— Sim! Eu sou hominho! Detesto ficar sem cueca! O mesmo que o senhor tem debaixo da calça eu também tenho. Apesar de ser um pouquinho menor, mas eu tenho e o Regis também tem! — Ainda bem que tem! — Riu ele se afastando para a cozinha com a cadeira nas mãos. — Um pouquinho menor… Cuecas. Domingo ...
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