Fanfic: Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1) | Tema: Fantasia
Nota mental: Já estou cansado de desmaiar e acordar com a cabeça doendo. Só uma vez, sério, só uma vez eu queria acordar bem, ou não desmaiar.
Desculpe o desabafo. Voltando a programação normal.
Era noite.
Acordei com uma baita dor de cabeça. Pelo menos desta vez eu estava repousando no banco traseiro do carro que havíamos "pegado emprestado" do meu pai, quando passamos lá em casa. Meu pai... ele sumiu diante dos meus olhos, sem que pudesse ajudá-lo de alguma forma. E pra piorar, ele havia sido esfaqueado na barriga por um dos zumbis de areia. Já não bastasse ter perdido a Marie, agora ele. Em menos de vinte e quatro horas perdi as duas pessoas que mais amava nessa vida. Será que estou passando por testes ou algo do tipo? Uma espécie de provação, sabe? Meu pai era a outra parte boa que eu tinha dentro de mim, agora não há mais nada em que me apegar. Me sintia vazio por dentro.
Bom, comecei a me agitar no banco. A cena dentro do carro era a mesma de antes: Sue sentada do meu lado, no banco traseiro; Candence dirigindo a mil por hora, enquanto ouvia suas músicas punk/rock no volume máximo do rádio; e Ferdinand ao seu lado, fazendo as preces silenciosas para que chegássemos ao nosso destino, que agora estava se concretizando. Eu podia estar meio desorientado, mas sabia para onde estávamos indo: Bahuessi.
Este era o plano original, sabe, ir para Bahuessi. Mas fomos pegos dentro de uma armação feita pelos zumbis de areia, quando estes invadiram minha casa e mataram Marie, não bastasse tê-la matado, ainda foram atrás do meu pai, no Planetário. De uma forma distorcida, o plano se mostrara certo, mas não da melhor maneira que podia ser.
Minha cabeça girava. Ver a "paisagem" através da janela do carro a toda velocidade não ajudava muito. Fiquei tonto só de tentar encará-la. A visão do lado de fora era embaçada, passava por nós como vultos. Segundo Candence, como sua mãe é a deusa dos viajantes e das estradas, ela consegue se deslocar com uma certa velocidade acima do permitido, ficando quase que invisível para as outras pessoas. Porém, Candence gosta de viver perigosamente e quase nunca viaja invisível quando está na super velocidade à la Flash.
— Você acordou. – reparou Sue. Ela parecia abatida.
— O quê? – gritou Candence, no volante.
— ADRIAN! ACORDOU! – Sue gritou mais alto, o que foi exagerado porque eu estava do lado dela, com a cabeça doendo. Não ajudou muito.
Ferdinand parou com sua oração silenciosa para desligar o rádio.
— Ei! A melhor parte é o refrão. – protestou Candence.
O grandão deu de ombros, como quem diz "tanto faz". Se virou para trás e perguntou:
— Tampinha, está tudo bem contigo?
Demorei um tempo para responder. Era difícil assimilar que ele estava se esforçando para esboçar alguma preocupação.
— Sim. Tirando a dor de cabeça, eu acho que sim. – respondi, a voz tropegava. – Onde estamos?
— Estamos a poucos quilômetros de Bahuessi, indo para o Q.G. – Candence respondeu, ela ainda estava meio emburrada pelo rádio ser sido desligado.
— Adrian... – chamou Sue. O jeito que ela falava era como quem estava tentando prevenir alguma reação adversa. – Você lembra do que aconteceu após seu pai ter sido levado pelos zumbis, no Planetário?
Me esforcei para tentar lembrar, mas nada vinha na minha mente. Do momento em que meu pai foi levado até eu acordar no carro, não tinha nada. Apenas um escuro.
— Não. Infelizmente não. – respondi. – Por quê?
Sue não disse nada. Na verdade, ninguém disse mais nada. Desde que eu havia acordado aquela era a única vez que ficou em silêncio.
— Por que, Sue? – insisti.
— Não sei bem como falar isso Adrian. – disse ela, com certo receio.
— Ora, diga logo. – Candence se abusou pela demora. – Você teve algum tipo de surto e acabou com tudo, Adrian.
Eu fiquei sem entender.
— Surto? Como assim?
— Você correu até seu pai – agora era Sue que voltou a falar. –, quando não chegou a tempo, você começou a gritar. As luzes oscilaram, até que veio o apagão. Não foram umas simples lâmpadas queimadas. Era como se o céu tivesse apagado. E quando voltou ao normal, as janelas, os projetos de foguete, até mesmo o telescópio em si foram quebrados. Destruídos.
— Achamos você desacordado no chão, ao lado de onde seu pai estava. – completou Ferdinand. – Conseguimos tirar você a tempo de uma das maquetes cair bem em cima da sua cabeça. – Ele deu um sorriso torto, sem graça. – De nada. Acho que nos deixa quites.
— Valeu, eu acho. – agradeci meio sem jeito.
— Hã, Adrian, durante todo o percurso que fizemos até agora, desde que saímos de lá, venho pensando em algo. – disse Sue. – Aquele incidente na sua antiga escola, a High Tower, o ocorrido teve os mesmos prognósticos, não é?
— Sim. – relembrar o que aconteceu na High Tower fez minha cabeça doer mais ainda. Aquela era uma parte do meu passado que eu queria esquecer, mas parece que não dava. Sempre teria algo para me fazer lembrar.
— Você está bem, Adrian? – Sue havia notado meu mal-estar.
— Não. – respondi. A cabeça doía demais.
— Susan, pegue aquele último pedaço do bolo cura tudo que coloquei na sua mochila. – disse Ferdinand.
— Tá. – Ela abriu a mochila e retirou de dentro um paninho branco que enrolava o pedaço do bolo. – Aqui. – ofereceu. – Coma e você vai ficar bem, de novo.
Nem pensei duas vezes. Posso ter parecido alvoroçado, mas coloquei o bolo na boca na mesma hora que ela entregou. O gosto era quase o mesmo de antes quando comi um dos pedaços: o sabor era do bolo verde de laranja que a Maria fazia nos fins de semana, junto com pão de centeio feito na Confins de Júpiter, quando ia com meu pai até lá. Talvez o bolo estivesse querendo me mostrar algo como não importa aonde vá, eles estarão com você. Mas, eu não queria nada disso. Não queria me ver no meio de alguma coisa sobrenatural, envolvendo deuses e monstros. Queria ser apenas eu, Adrian West, um pré-adolescente qualquer, sem amigos. E com as duas pessoas que mais amo vivas. Mas parece que não posso, infelizmente.
Enfim, o bolo começava a fazer efeito. Minha cabeça já não doía tanto, virou apenas um incômodo passageiro. Que rapidamente extinguiu-se. Senti, também, fazer efeito pelo restante do meu corpo. Não lembrava de ter sido gravemente ferido, apenas uns pequenos cortes nas mãos e braços, e o joelho ralado de quando entramos pela passagem secreta do Planetário. Porém, a única dor que aquele bolo não curava, era a emocional.
Quando achávamos que estava tudo bem e tranquilo, Candence voltou a ligar o rádio. O punk/rock era cuspido pelo rádio no volume máximo, causando desconforto nos ouvidos. Resmungamos, mas ela preferiu nos ignorar e se concentrar na pista, enquanto cantava os refrãos das músicas errado. Ela se enrolava toda, era até engraçado.
Eu já estava confiando mais neles. Mas, ainda ficava meio relutante com Ferdinand, talvez ele parasse de pegar no meu pé após eu ter salvado ele.
***
Eram 19:30 quando atravessamos a divisa entre Sempre Noite e Bahuessi. O trânsito era praticamente escasso, a não ser por alguns animais que corriam pelo encostamento da rodovia, mas acho que não contam como trânsito. Com o dom da Candence, conseguimos percorrer o trajeto em quase tempo recorde. O tempo médio entre Sempre Noite à Bahuessi é cerca de oito horas de carro. Ela fizera na metade do tempo.
A super velocidade que Candence acrescentou ao carro foi se esvaindo após termos cruzado a placa de bem-vindo à Bahuessi. Ferdinand assim que a velocidade reduziu, parou de rezar. Ele agora parecia estar mais relaxado, mas não tanto a ponto de soltar a parte baixa do banco. Agora dava pra ver a paisagem de ambos os lados da pista. À esquerda, havia várias árvores de diversas espécies – sequoias, pinheiros, mogno e outras que não consegui identificar. Havia, também, cervos correndo para o meio da floresta que ficava as margens da rodovia. As corujas nos observavam com seus grandes olhos atentos, seguindo nosso carro até nos perder do raio de visão. E lá no alto, imponente, a lua brilhava intensamente, iluminando o caminho à frente. O céu estava limpo, sem nenhuma nuvem para impedir o brilho das estrelas. Morcegos davam rasantes entre os postes de luz. À direita, a vista não era tão agradável assim. A paisagem era totalmente urbana: arranha-céus cruzavam os céus, as luzes da cidade clareavam tudo, deixando-a ofuscante mesmo à distância. Ainda tinha alguns resquícios de árvores, claro, mas não como o lado esquerdo da rodovia. As chaminés das fábricas cuspiam fumaça. Ambos os lados serviam como contraste para si; um lado, havia a beleza da natureza, do outro, a beleza da urbanização, com suas luzes fortes e prédios tão altos que podiam facilmente tocar o céu.
Sue que estava ao meu lado parecia animada com a ida para o tal Q.G. para onde íamos ser levados. Depois de horas quando soube que ela era uma... qual era mesmo o termo que Candence disse? Ah. Remanescente, isso. Ela já estava aceitando um pouco melhor essa outra vida que entramos hoje. Toda aquela discussão com seu pai sobre o passado dela envolvendo sua mãe, ao meu ver, estava sendo amenizado com o tempo. Talvez não agora, mas, um dia ela voltaria àquele tópico com seu pai e não sairia sem ter ouvido toda a história. Essa garota é durona. Afrontou por diversas ocasiões Candence e até mesmo Ferdinand, que eram mais velhos e mais experientes em lutar contra monstros. Ela se sairá bem seja lá qual for os perigos que iremos enfrentar, se formos enfrentar.
Quanto mais adentrávamos na cidade, a floresta ia se perdendo, ficando apenas nas poucas lembranças de minutos atrás. Bahuessi, ao contrário de Sempre Noite, é uma cidade mais urbanizada, voltada a rapidez e urgência que uma cidade grande precisa. A cada esquina erguia-se um arranha-céu novo. Quarteirões e mais quarteirões daqueles prédios enormes que doía a cabeça pra conseguir enxergar o topo.
Passamos por uma rua cheia de bares, restaurantes e lanchonetes. Eram seis em cada lado, enfileirados e organizado em um único padrão, como se fossem galerias gastronômicas. Minha barriga roncou um pouco alto demais. Sue olhou pra mim, surpresa.
— O que foi isso? – perguntou Candence, sem tirar os olhos da pista.
— Foi a barriga do Adrian. – Sue não se aguentou e começou a rir.
Os outros dois a imitaram e começaram a rir também.
— Não tem graça. – protestei. – Não como desde o almoço. Estou em fase de crescimento.
— E por isso você tem um leão da montanha na barriga, Tampinha? – retrucou Ferdinand, em meio aos gargalhos.
Como sabia que não adiantava reclamar ou ficar zangado, comecei a rir também. O clima dentro do carro, com eles estava ficando legal, por um momento esqueci por tudo que havíamos passado. As pessoas que havia perdido. Esses três, em poucas horas, se provaram serem amigos leais, mesmo com um certo atrito por ambas as partes, mas conseguimos superar (ou tentamos, ao menos).
Nas poucas horas já havíamos enfrentado coisas que pra mim eram inexplicáveis, impossíveis de existir. Marie sempre me dizia para seguir apenas para frente, fazer amigos e nunca olhar para o passado. De certa forma eu estava fazendo o que ela pediu. Ela, aonde quer que esteja, deve estar orgulhosa dos avanços que fiz hoje. E meu pai... ele sempre me apoiou no que fosse. E, se ele ainda estiver vivo (eu torço pra que sim), irei fazer de tudo para resgatá-lo, não importa onde esteja.
Eu estava focado tão intensamente em meus pensamentos que demorou alguns minutos para eu notar que havíamos saído do centro urbano de Bahuessi. Essa área aonde estávamos indo, tinha bem menos prédios e mais casas tradicionais, sem grandes apartamentos. Aquela região de Bahuessi nunca tinha visto, mas era algo simples, um tanto confortável para se morar, ao menos era o que parecia.
— Estamos quase lá. – anunciou Candence.
Mas, poucos metros adiante, o carro começou a engasgar. A pifar. Saia uma fumaça esbranquiçada do capô. Até que o carro morreu. Saímos às pressas pra ver o que tinha acontecido. Candence, com ajuda do Ferdinand, levantou o capô. A fumaça veio direto na sua frente. Ela espanava a fumaça com sua mão esquerda, enquanto cobria o rosto com a outra. Ferdinand fazia o mesmo.
— O que houve? – perguntei.
Silêncio.
— Tenho duas notícias, uma boa e uma má. – disse Candence.
— Diga a má. – Sue se aproximou do capô, e eu, claro, fui junto.
— O carro morreu. Está sem gasolina para continuar o percurso. – revelou Ferdinand.
— A boa é que falta pouco para chegarmos ao Q.G – completou Candence.
— Pouco quanto?
— Uns quinhentos metros, mais ou menos. – falou Ferdinand.
— Ótimo. – resmungou Sue, chutando uma pedrinha na pista, indo para o carro.
— Bom, quem está afim de uma boa caminha ao lunar? – perguntou Candence, com seu usual bom humor.
— Vou falar com ela. – prometi.
Entrei no carro, e sentei ao lado da Sue.
— O que houve?
— Nada, Adrian. – disse ela, somente.
— Qual é, Sue, passamos por um bocado de coisa hoje. Você pode confiar em mim.
Ela não disse nada de imediato. Mas depois começou a falar:
— Não foi nada, Adrian, sério. É que se formos andando podemos ser emboscados por algum monstro. E eu não vou ser muito útil, assim como no Planetário. Servi apenas para gritar quando o zumbi de areia chegou perto, nada mais. Se ao menos estivéssemos de carro, não seriamos atacados.
Eu sabia o que ela estava sentindo. Já havia me sentido assim, também. Como alguém impotente que não consegue ajudar seus amigos ou familiares quando mais precisam.
— Ora, você não foi inútil, Sue. – tentei confortá-la. – Você achou a passagem que deu de entrada para o Planetário. Ah, e você acompanhou o grandão pelos corredores de lá. Isso é algo que pouca gente faria.
— Você é terrível. – ela esboçou um sorriso.
— Não, sério, você fez mais coisa do que pensa. Se não fosse por você, eu não estaria aqui. Galiofeu teria me levado para não sei onde, provavelmente teria me matado. Você foi muito corajosa, Sue, em segui-lo para me ajudar. Não lembro se disse antes, mas, obrigado. Até aquela história de me stalkear, vamos deixar de lado, certo? Quando estiver pronta para conversar sobre seu pai e toda aquela história com sua mãe, estarei aqui, como você esteve por mim quando Marie morreu.
Ela pareceu concordar.
E fiz algo que pareceu o certo, e ao menos tempo me deixou com um pouco de vergonha. Eu a abracei. Do mesmo jeito que ela havia feito quando derrotamos os zumbis de areia, claro, com bem menos força que ela.
Pareceu dar certo. Ela enterrou a cabeça no meu ombro, parecia estar chorando, ela fungava um pouco. Ficamos pouco mais de um minuto abraçados, e quando ela se afastou, eu estava totalmente vermelho. Parecia um pimentão. Sue não pareceu se importar. Enxugou as lágrimas dos olhos, ajeitou a roupa, pegou a mochila do piso do carro e saiu.
— Vamos, bobo. – me chamando para irmos fazer a caminhada sob o luar, junto de Candence e Ferdinand, que esperavam já impacientes. Mas, Candence nos olhava de um jeito estranho, como se apenas ela pudesse ver o que estava acontecendo além do abraço, talvez.
Nós quatro fomos andando pela calçada de um jeito nada suspeito. Dois garotos e duas garotas andando juntos, sob a luz da lua. Os vizinhos daquele quarteirão nos olhavam atravessados, era possível sentir o desgosto que eles tinham ao nos ver. Era como se eles vissem quatro jovens e dissessem "Ah, outros delinquentes estão se unindo a causa. Viva! Mais roubos no bairro. Alguém chame a polícia!!" Um deles gritou:
— Vão embora! Não precisamos de mais adolescentes problemáticos por aqui.
Candence disse para ignorarmos, e assim fizemos.
No meu relógio/espada marcava 20:05, quando paramos de frente a uma casa de madeira. Ela era velha, a madeira parecia podre. Era quase um milagre a casa ainda estar de pé. Bom, milagres deve ser uma ramificação das coisas que acontecem conosco. A casa não tinha janela, apenas um vão no lugar em que elas ficariam. A escada que tinha para subirmos estava faltando alguns degraus. Na esquerda, tinha uma macieira com o tronco apodrecido com o tempo. As folhas estavam amareladas, não havia frutos. À direita, não tinha muito pra se ver também. Tinha outro tronco apodrecido, com um pneu amarrado num dos galhos. Alguns aparatos antigos jogando no gramado da casa.
Acho que a parte mais estranha foi um senhor sentado numa cadeira de balanço virado para a rua, nos saudando.
— É aqui. – anunciou Candence, feliz.
— Lar doce lar. – Ferdinand suspirou em alivio.
Sue olhou pra eles, espantada.
— O quê?
O senhor gritou lá da sacada:
— Estão atrasados, Candence e Ferdinand. Mas, parece que trouxeram eles. Venham, entrem. A reunião está prestes a começar.
O lugar não parecia um dos mais agradáveis para se morar, mas Candence e Ferdinand seguiram até a varanda da casa. Sue e eu, fomos também, sem entender muito bem. Quando dei o primeiro passo em um dos degraus, ele se partiu ao meio. Eles viraram para trás.
— Foi mal. – falei, sem graça.
— Tudo bem, Adrian. As coisas quebram facilmente por aqui. – respondeu Candence, voltando a subir normalmente.
A cada passo que dava, ficava mais próximo daquele senhor, dando uma olhada melhor nele. O senhor devia ter por volta dos setenta, talvez oitenta anos. A pele era morena, castigada pelo sol. Tinha poucos cabelos na cabeça, mas esses poucos eram grisalhos. O detalhe que mais chamou a atenção foi o fato dele ser cego, algo que eu não havia percebido até então. Ele havia reconhecido Candence e Ferdinand sem ao menos conseguir enxergar, e, além disso, sabia que eles estavam acompanhados por Sue e eu. Ele vestia roupas simples: uma camisa branca já um pouco surrada por baixo de uma jaqueta estilo militar, suspensórios pretos (que não combina muito com a roupa), uma calça jeans azul rasgada nos joelhos e sapatos marrons que estavam encobertos de lama. Ao lado da cadeira em que ele estava sentado, no chão, havia uma garrafa de rum quase vazia.
— Demoraram muito. – disse o homem. Sua voz era profunda, meio trêmula por conta da idade. – Receio que não era uma simples missão de busca.
— É, Paul, foi mais complicado do que era previsto. – revelou Candence. – Mas, no fim, conseguimos e trouxemos eles pra cá.
— Traga eles até aqui, quero vê-los de perto.
— Vê-los? – sussurrei pra Sue, do meu lado. Ela não disse nada, apenas revirou os olhos em desaprovação.
— É modo de expressão. – falou Paul, claramente tendo uma audição muita boa.
— D-Desculpe... senhor.
— Não, tá tudo bem. – riu. – Acontece com todos que vieram pela primeira vez. Antes de mais nada, crianças, meu nome é Paul du Garth. Sou, hã, como vocês viram? O sentinela do I.Q.G. E vocês?
— Meu nome é Susan McMenning, senhor. – Sue se apresentou. – Com dois n. Mas pode me chamar de Sue
Claro que ela disse isso, de novo.
— Sinta-se à vontade, minha querida. – Paul ofereceu-lhe a mão em cumprimento. – E você, quem é? – perguntou pra mim.
— Hã, Adrian, senhor. West. – respondi, meio nervoso.
O sorriso no rosto do Paul desapareceu. No lugar, ficou apenas uma carranca sinistra. Era óbvio que ele teve algum pressentimento, ou já tinha ouvido meu nome em algum lugar.
— Ah, seja bem-vindo, Adrian. – ele limpou a garganta, me cumprimentando.
— Agora que vocês já se conhecem, Paul, temos que ir, não é? – disse Candence. – A reunião.
— Sim, sim, minha querida. – Paul estava distraído. – A reunião. É bom vocês irem logo.
— Paul, cadê o Beto? – Ferdinand perguntou, de repente.
— Ele não está aqui? – Paul riu de nervoso.
— Quem é Beto? – questionou Sue.
— Meu cachorro. Beethoven. – respondeu Paul. – Um São Bernardo gordo e velho.
— Você tem um São Bernardo chamando Beethoven? – perguntei, segurando o riso por pouco.
— É. Por quê? – Paul não parecia ter entendido a referência. Nem um deles, na verdade.
— Não, nada. É um bom nome pra cachorro. – falei em meio a contenção de uma gargalhada.
— Vamos logo. – repreendeu Candence. – Não quero lavar os estábulos dos cavalos de novo por ter chegado atrasada.
Os poucos cabelos de Ferdinand arriçou quando Candence falou isso.
— É, vamos logo. Nada de estábulos pra mim. – Ele se virou em direção ao Paul. – Até depois, Paul.
— Até, crianças. – respondeu, sucinto. Voltou para a cadeira de balanço, encarando a rua com seus olhos brancos.
— Não é por nada, mas como, logicamente, há um Q.G aí dentro? – indagou Sue. – É apenas uma cabana velha de madeira.
Candence deu um sorriso de canto de rosto.
— Vocês verão.
— São Bernardo. Beethoven. – sussurrei pra Sue. – Clássico.
— Você não tem jeito mesmo, não é? – resmungou de volta.
— Não há mais nada que eu possa perder. Só me resta o senso de humor, e nem tenho muito.
Ela revirou os olhos.
Ferdinand foi na frente e abriu a porta. Ela rangeu alto, como se não fosse aberta há décadas. Dentro da casa o visual era pior que no lado de fora. Não tinha muitos móveis, apenas uma mesa velha de madeira, um sofá rasgado no canto da sala. Havia duas escadas – uma em cada canto da sala que ligava até o primeiro andar. As janelas como já tinha visto antes não tinham vidros, apenas cortinas desgastadas. O barulho de pingueira era audível em alto e bom som.
— Isso é o Q.G? – perguntei, cético.
— Apenas entre, Tampinha. – retrucou Ferdinand.
— Venham. – chamou Candence, atravessando a porta, e, no mesmo instante sumindo através dela. Uma luz branca rodeou-a e puff sumiu.
Sue olhou pra mim incrédula, eu também estava. E eu achando que teria uma noite tranquila, sem esquisitices.
— Como? – Sue estava boquiaberta.
— Vocês vão saber tudo, após a reunião. Agora, vamos.. – Ferdinand atravessou também. A mesma luz o cercou, fazendo ele sumir também.
— Primeiro as damas? – brinquei. Sue me deu um soquinho no braço.
— Não. Vá você. Estarei logo atrás.
Relutante, atravessei. A luz branca veio. Senti meu corpo esquentar um pouco. E então foi como um flash. De repente, estava tudo branco. Não conseguia ver nada. Tentei olhar para trás, mas não adiantava. Tudo branco. Estou cego, pensei. Mas a sensação não durou mais que um minuto. Num piscar de olhos, a minha visão estava normal, como se nada tivesse acontecido. E o que eu vi me deixou maravilhado e surpreso.
Aquela velha cabana havia se tornado, hum... algo a mais. Candence e Ferdinand estavam parados à frente, enquanto Sue apareceu logo atrás de mim, tendo os mesmos efeitos que eu tive.
Logo de cara, ao nosso redor, estendia-se um arco de mármore que devia ter cerca de seis metros de altura, coberto por algumas raízes que se enroscavam nele. Na parte central do arco tinha talhado três letras: I.Q.G. Olhei para trás, a rua ainda estava lá, como a varanda daquela cabana velha. Paul continuava olhando em direção a calçada. Foquei a minha frente: o restante do lugar. Abaixo do arco tinha essa trilha feita por grandes blocos de pedras com ornamentos brilhantes na lateral, que dividia dois lados de um jardim. O gramado parecia ter sido aparado recentemente, pois ainda dava para sentir o cheiro de quando a grama é cortada. Havia arbustos, uns canteiros de flores e árvores das mais variadas espécies. Mais afastado tinha uma horta (à la Marie) abarrotada de verduras, legumes, trigos e muita, muuuita plantação de laranja. No lado esquerdo, tinha algo similar ao que fosse um laguinho com pedras envolta dele. À direita, mais adiante, podia-se ver espaço circular enorme, tipo uma arena para práticas esportivas. O prédio era grande, não tinha telhado. Uma arena ao ar livre, por assim dizer. Pude ver lá dentro poucas pessoas usando espadas contra ao que parecia ser bonecos de treino.
Mais à frente, tinha um prédio de tamanho médio feito de madeira, lotado de feno. Pessoas entravam, guiando os cavalos até os estábulos. Outros puxavam, ao que parecia ser unicórnios (Sério, unicórnios, não estou ficando maluco). Mesmo distante, dava pra ouvir alguns relinchos. No lado dos estábulos, tinha outro prédio feito de tijolos, mas este estava fechado. Porém, tinha escrito em cima: Centro de Arquearia. Ainda mais ao fundo tinha mais dois prédios que tive apenas vislumbres do que poderia ser. A coisa mais incrível que vi foi uma sequoia gigante de sei lá quantos metros, com uma luz forte amarela saindo de seu topo, iluminando o lugar como um grande farol.
Ainda no lado direito, como um apêndice do lugar, havia uma espécie de ilha onde ficava pequenos prédios, ligados até a parte principal do lugar por uma ponte vermelha, feita de madeira com detalhes coloridos, abaixo da ponte corria um afluente de águas cristalinas.
Porém, o lugar que mais chamou atenção foi uma casa enorme de madeira, estilo aquelas que ficam em fazendas. Ela tinha quatro andares. As cores com a qual a casa havia sido pintada eram de um vermelho intenso, com a ponte, e preto em alguns lugares; assim como uma espécie de quartinho de madeira que estava conectado à casa A varanda tinha um balanço, uma mesinha e algumas cadeiras. As janelas estavam descobertas, revelando os luzes acesas na parte de dentro da casa. Algumas pessoas corriam até lá, quando soou um apito.
No telhado da casa, a chaminé cuspia fumaça. Segui a fumaça com os olhos até me deparar com o céu (Eu já tinha visto, mas não tinha focado nele). Sim, o céu estava lá dentro também. O céu estrelado com poucas nuvens e a lua brilhando lá em cima. Uma mistura de surpresa e dúvida coroaram meu rosto. Como era possível o céu estar projetado ali dentro?
O vento assoprou, junto dele veio alguns gritos daquelas pessoas: "Vai logo. Está começando."
Fui tirado do vislumbre do lugar, quando Sue gritou bem atrás de mim:
— Adrian! – ela tateava o ar, me procurando.
— Calma. Estou aqui. – respondi, segurando sua mão. Senti um choque percorrendo todo meu corpo.
— Por que está tudo branco? Não estou vendo nada. – ela estava nervosa.
— Vai passar logo, Sue, também aconteceu comigo.
— Não estou gostando disso, Adrian. – sua voz ficou um pouco chorosa.
— Ai, garota, pra que o drama? – Candence se zangou com ela. – Isto acontece com todo mundo.
— É, Candy, acontece. Mas a primeira vez é sempre pior que as outras. Nossos olhos não estão acostumado a mudança tão brusca de cenário. – Ferdinand a repreendeu.
— Bah, tanto faz, Fer. Fique do lado dessa garotinha chorona e não do meu. Vejo você na reunião. – ela se virou até mim. – Foi bem legal hoje, sabe, tirando o fato que sua babá, ou melhor, a Dêida que cuidou de você, morreu, e seu pai foi levado só os deuses sabem lá onde. Até depois.
E foi em direção a casa com as luzes acesas.
— Sue, você está bem? – perguntei.
— E-eu acho que sim. – ela piscava os olhos repetidamente. – Já não está mais tudo branco. Está voltando ao normal.
— Temos que ir. – disse Ferdinand. – A reunião já vai começar.
— Vamos participar dela, sabe, Susan e eu?
— Não, não. A reunião é apenas para efetivos. Vocês ainda precisam falar com Gregório, o diretor do Instituto.
— Instituto? – estranhei. – Não era um Q.G?
— Sim, é. – Ferdinand coçou a cabeça. – Quando falei Q.G, me referia à casa, não ao lugar todo. Aqui é um dos poucos lugares que nós estamos a salvo de ataques.
— E que lugar seria este? – Sue estava meio zonza, mas participou da conversa.
— É o Instituto Quase Gente. – revelou o grandão.
— Sério? – fiz esforço para não rir.
— É, bem sério. – Ferdinand não havia entendido o motivo da graça. – Agora, temos que ir. – começou a andar até a casa.
Sue e eu seguimos ele.
As outras pessoas que também iam até lá nos olhavam como se fossemos estranhos, alguns apontavam e diziam:
— Olha, mais novatos. Já temos com quem pegar no pé amanhã.
Um grupinho deles riram.
Já dentro daquele casarão, as pessoas se amontoavam em direção a uma das salas, que ficavam no lado direito do recinto. Na esquerda, havia a escada que dava acesso aos andares seguintes. Espiei pela base da escada, tentando ver algo lá em cima, mas as luzes do outro andar estavam apagadas.
Dentro da casa mostrava-se um certo luxo – pisos de cerâmicas ornamentadas com figuras bem distintas. As paredes eram coloridas de azul claro, havia algumas mesas com vasos, alguns livros empoeirados. Tinha alguns quadros emoldurados que retravam algumas batalhas; em um deles estava desenhado duas pessoas com espadas em mãos, lutando contra gigantes seres cinzentos, com chifres enormes. Escudos e lanças cruzadas também davam vida as paredes daquela casa. A mobília encaixava perfeitamente com o restante da decoração, sofás em colorações mais leves, mesas e cadeiras, até um grande armário de madeira que guardava algumas armaduras e espadas.
Ferdinand nos levou até uma sala que tinha uma plaquinha na porta escrito: Diretor.
— Vocês vão ficar aqui, esperando a reunião terminar, para o Gregório vir falar com vocês. – disse Ferdinand. – Se ocorrer tudo bem, vocês serão integrados ao Instituto, terão direito a estadia e treinamentos para lutar contra os monstros lá fora.
— Obrigado, Ferdinand. – Sue deu um abraço nele, o que me fez ficar com um pouco ciúme.
— É, valeu. – disse, sem muito entusiasmo.
— Nos vemos por aí, Tampinha. – provocou. – Até depois, Sue.
Ele foi se afastando, indo até a sala onde estavam o amontoado de gente. Era possível ouvir a gritaria vindo de lá, mesmo estando na sala do Diretor. Até que uma voz autoritária falou mais alto:
— SILÊNCIO! Toda semana é a mesma coisa: é essa algazarra na hora da reunião. Assim eu não aguento. Falem um de cada vez. E fechem esta porta, pelo Deuses. Vocês ainda vão me matar.
Todos riram.
BAAAC!
A porta fechou num estrondo.
— E agora? – Sue perguntou.
— Bom, só nos resta esperar. – falei.
A sala do diretor Gregório era algo exagerado. Se alguém dos direitos dos animais fosse até lá, com certeza teria um troço. A quantidade de animais empalhados era assustadora. Era nas paredes, com as cabeças de animais – touros e iaques (sim, eu sei o que é um iaque), alguns leões, zebras – ou, em aves pequenas colocadas em pilares por quase toda a sala. E pra piorar, o sofá era forrado com pelo de iaque – marrom com manchas brancas, e tinha os chifres do animal nos braços da mobília. Tirando isso, era uma sala como qualquer outra. Era tingida de branco tinha uma mesa de madeira em seu estado mais bruto, como se tivessem cortado e colocado lá. Uma cadeira reclinável posta atrás da mesa, que ficava em frente à janela que dava visão do ambiente lá fora. Duas poltronas beges, o próprio sofá, onde estávamos sentados (mesmo a contragosto da Sue, que se sentiu enjoada de estar ali), uma mesinha de canto com um abajur velho em cima de um livro. Na parede, onde não tinha cabeças de animais, tinha quadros como os do lado de fora. Na mesa do diretor tinha alguns papéis jogados por toda sua extensão, um computador desligado e um daqueles telefones brancos de fio. No teto havia um ventilador, girando, deixando o ambiente mais refrescante.
— Não estou me sentindo bem, Adrian. – reclamou Sue. – Todas esses animais... parecem que estão me encarando.
— Eu sei. Também não me agrada ficar aqui. – confessei. – Mas, não temos muitas escolhas, não é?
— Infelizmente, não. – respondeu, cabisbaixa.
— Tenta não olhar para as cabeças, ou as aves.
— Sério? Como se fosse possível. O lugar todo é como um viveiro de espécies que morreram apenas para diversão desse cara.
— É, tadinho dos animais.
— Está brincando com minha cara, Adrian? – ela olhou pra mim com aquela expressão furiosa dela, com os punhos cerrados.
— Não, não. Sem brincadeiras. – levantei as mãos em sinal de rendição.
— Acho bom, garoto.
***
Até que não esperamos muito tempo naquela sala recheada de animais empalhados. A reunião acabou até que relativamente rápido. A multidão que tinha adentrado na outra salinha estava saindo, gritando, pelo corredor do casarão. Tive uma falsa esperança de que Candence e Ferdinand viessem até nós, para ajudar na explicação do que ocorrera hoje de tarde. Mas, fui frustrado quando a porta da sala abriu e o diretor do Instituto, Gregório, entrou sozinho. Assimilar o cara com aquele monte de animal na sala foi bem fácil. Ele era alto, um pouco moreno, com os cabelos pretos envoltos em gel, deixando-o brilhoso. Seus olhos eram castanhos escuros, tinha um bigode grande com alguns pelos grisalhos. Vestia um terno branco. Do paletó à calça, do colete ao sapato. Pela camisa que ele usava ser apertada, dava pra ver a protuberância da sua barriga. Ele parecia mais um dono de fazenda da década de 1885, do que o diretor daquele lugar.
Ele passou por nós sem dizer uma palavra sequer. Sentou-se na sua cadeira, de frente à janela. Pegou uma garrafa de uísque de uma das gavetas e serviu um copo pra si.
— Olá, crianças. – disse Gregório. – Por que estão aí? Venham, sentem-se nas poltronas.
Não querendo contrariar o cara, nós fomos.
— Querem alguma coisa? – ele perguntou, mas tenho quase certeza que era resposta que ele queria era não.
— Não, senhor. Obrigada mesmo assim. – disse Sue.
— E você, garoto?
— Não, estou bem. Obrigado. – respondi.
— O que acharam da minha coleção de bichinhos? – apontou para as cabeças empalhadas na parede.
— Bem exótica. – disse Sue.
— É verdade. – concordei. – A variedade de espécie dá vida ao lugar.
Sue olhou pra mim furiosa, como quem diz: Sério que está fazendo piada numa hora dessas?
Gregório não pareceu se importar com o comentário, até achou graça, na verdade.
— Vocês são tímidos e educados, creio que irei gostar de vocês. – sorriu, mostrando seus dentes amarelos. – Bom, que tal contarem a história de como chegaram aqui e só depois disso, veremos se poderão ingressar no Instituto.
Comecei a contar tudo (Quase tudo. Não falei sobre minha mãe, ter aparecido do outro lado da minha janela, pela manhã.) que aconteceu até chegarmos no Instituto. Sobre como tive algum tipo de surto dentro do ônibus, e de como depois tive acesso a memórias de deuses de que nunca tinha ouvido falar. Sue intercalava comigo na hora de contar. Ela falou sobre como o nosso ex-professor de história, Sr. Finchyn, havia se transfigurado de um homem normal para um ser felino de pele verde, que lembrava um pouco escamas e com sede de matar com seu porrete tamanho GGG. De como ele destruiu o colégio Castelo Branco no intuito de matar nós dois e nesse meio tempo de matar a Sue, fazê-la de café da manhã. Voltei a contar, também, de que as dores nas minhas costas eram providas de asas negras que cresceram.
— Asas? – indagou Gregório. – Interessante. Não parem, quero ouvir o restante da história.
Sue relatou que a chegada de Candence e Ferdinand foi crucial para matar de vez Galiofeu.
— Galiofeu? – Gregório ficou espantado. – Os dois devem ser encrenca para quem quer que estivessem atrás de vocês.
— Na verdade, senhor, ele estava atrás de mim. – contei. – Susan ter se envolvido nessa é culpa minha.
— Ora, Adrian, era me intrometer para tentar salvar você, ou você ia morrer de qualquer jeito. – lembrou Sue.
— Eu sei. E obrigado por isso. – agradeci, de novo.
— Tá, tá. É bom ver que vocês são amiguinhos. – interrompeu Gregório. – Mas, se possível podem continuar a história? Minha intuição diz que tem muito mais coisa por vir.
— Claro. – respondi. – Muito mais coisa.
Voltei a contar o que aconteceu, a partir da chegada deles dois. De quando chegamos na minha casa para pegar o carro do meu pai emprestado, mas quando chegamos lá tinha dois corpos de zumbis de areia estirados no chão, e Marie, até então a mulher que cuidou de mim, revelou ser uma das Cinco Dêidas. E logo após contar sua história, ela acabou perecendo com os ferimentos.
Sue continuou a história, enquanto eu recuperava o fôlego. Contou que fomos até o Planetário Pérola Lunar para resgatar meu pai que, segundo Marie, antes de morrer, estava em perigo. Quando chegamos lá, os zumbis de areia já haviam tomado o lugar, matando várias pessoas, incluindo o segurança do Planetário, Dave, e alguns cientistas que foram brutalmente assassinados. Por fim, deu-se que destruímos uma parte do Observatório, a parte de entrada do Planetário, para ajudar Ferdinand que havia sido cercado por três zumbis de areia, e não resgatamos meu pai das garras daqueles monstros, que parar piorar a situação, esfaquearam meu pai na barriga, fazendo-o sangrar, e então sumiram. Não deixando uma pista sequer de para onde o levaram.
Ao final de contar nossa trajetória até chegarmos ao Instituto, Gregório disse:
— Puxa! Vocês passaram por um bocado, crianças.
Só isso? Pensei. Contamos tudo que havia acontecido conosco, e tudo que ele diz é apenas isso?
— Pois é, passamos por tudo isso. – concordou, secamente. Sue parecia ter o mesmo pensamento que eu – Meu pai, antes de me despedir dele, ainda no colégio, ele disse algo relacionado a este lugar, como se ele já conhecesse.
— Seu pai? – estranhou. – Ele é mortal ou a parte divina?
— Mortal.
— Estranho. – Gregório coçou a testa. – Geralmente os mortais comuns não sabem da existência do Instituto. Aquela cabana velha lá fora serve como fachada aos olhos deles. É possível que sua mãe, a parte divina, tenha dito algo pra ele.
— É. – concordou. – ele disse algo assim, sobre ela ter alertado que esse dia chegaria.
— Bom – Ele se levantou e nos rodeou, ficando no meio de nós dois. –, acho que depois dessa história que acabaram de contar, não tenho mais dúvidas: vocês estão oficialmente integrados no Instituto. – Mostrou um falso entusiasmo. – É uma honra e blábláblá. - fez uma pausa rápida. - Desculpe, crianças, não quis parecer grosseiro. Depois da reunião de agora pouco, minha cabeça está doendo. Vocês não têm noção do que é comandar sessenta adolescentes. Mas, de fato, é uma honra ter jovens tão promissores em meio a nós. Espero que vocês não sejam como alguns outros daqui, achando que tudo que fazemos no Instituto é brincadeira.
— Não senhor. – Sue quase bateu continência.
— Pode deixar. Não faremos nada disso. – disse eu.
— Queria eu acreditar nessas palavras. – Gregório sorriu, triste. – Mas, se estão dizendo, vou dar um voto de confiança.
Gregório caminhou até a porta.
— Venham. Vou levar vocês até os quartos.
E assim estava sendo o meu dia após saber que minha mãe é uma deusa, que não podia mais vir à terra (mesmo ela vindo até mim, escrevendo na minha janela que estavam ao meu encalço); que a mulher que considerei ser uma mãe pra mim, era na verdade, uma Dêida, que são entidades responsáveis pelos elementos da natureza, e que ela sacrificou todo seu legado para vir cuidar de mim, e acabou morrendo friamente pelos zumbis de areia. E sabe-se lá quando irei ver meu pai de novo, se um dia voltarei a vê-lo.
Autor(a):
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Segui Gregório, junto da Sue, até nossos quartos. Quanto mais andávamos o lugar parecia maior do que já era. Era como se as dimensões se expandissem a cada passo que dávamos. Algumas pessoas, na maioria sendo pré-adolescentes, como eu, ou até mesmo, um pouco mais velhos, conversavam e riam despreocupadamente. Em seus se ...
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