Fanfic: Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1) | Tema: Fantasia
Todos, até mesmo Candence, curvaram-se diante à Sue. O silêncio reinou no refeitório. Ela se virou até mim, tentando compreender o que tinha acontecido. Nem eu tinha ideia do ocorrido.
— Adrian... o que está acontecendo? – sua voz era fraca.
— Sua mãe, Sue. Você foi Clamada como filha dela. – respondi. – Pela cara que fizeram e como estão curvando, não deve acontecer muito nos últimos tempos.
Antes que ela pudesse compreender e formular alguma coisa, foi minha vez de curvar também.
Os outros alunos ficaram olhando em nossa direção, mais precisamente, para Sue. Eles a enxergavam como outra pessoa, não mais uma recém-chegada qualquer. Analisavam-na como se fosse um projeto brilhante para um futuro promissor. Ter sido Clamada aparentemente foi um divisor de águas; possibilitando novas oportunidades que os Não-Clamados não têm.
Toda essa atenção voltada à Sue não durou mais que poucos minutos. Tendo encerrado aquela cena tocante em que todos se curvaram, Gregório nos mandou de volta até a mesa, para que esperássemos ele dar sinal verde para irmos comer.
Sue ainda parecia um tanto abalada, confusa com o que tinha acontecido. E não era pra menos, ela tinha acabado de ser reconhecida por sua mãe divina, e, principalmente, saber quem ela era. Para quem cresceu longe de um dos pais, é quase que a primeira coisa que fazemos é pergunta quem eles eram. O que faziam. Como eles eram. E, sem dúvidas, saber que sua mãe é uma deusa, é algo estarrecedor. Inimaginável para... hum, bilhões de pessoas.
Quando chegamos na mesa, Candence e Ferdinand encaravam-na. A dúvida parecia coroar suas mentes. Tentando entender como era possível. Candence, como sempre – desde que conhecera Sue – não dava o braço a torcer. Tenho quase certeza que por dentro ela estava morrendo. E ao contrário dela, Ferdinand parecia não se conter. Ele tinha esse grande sorriso no rosto, enquanto olhava para Sue. Quase tive vontade de dar um soco naqueles dentes dele, mas, certamente eu iria levar a pior depois. Então me segurei.
— Parabéns Susan, primeiro dia e já foi Clamada. – foi a primeira coisa que Ferdinand disse quando chegamos na mesa. Ele estava empolgado demais. Mais uma vez, Candence fazia cara feia em relação a alegria do grandalhão. Admito que também partilhava do mesmo sentimento que ela.
— Obrigada... eu acho. – Sue continuava perdida em seus pensamentos, tentando absorver o ocorrido. Desde ontem, tínhamos passado por tanta coisa. De monstros atacando o colégio à Zumbis de Areia e destruição no Planetário. Morte da Marie, meu pai sendo sequestrado. Mas nada disso se comparava em ter sido exposta como filha de Aezirel. Era como se a vida dela estivesse começando a fazer sentido. Eu me perguntava quando seria minha vez de saber quem é minha mãe.
— Então... hã, já podemos comer? – perguntei, dando continuidade a conversa.
— Gregório está prestes a liberar para irmos tomar café. – disse Candence.
Não demorou muito e o Raio de Sol, Gregório, anunciou que já podíamos ir fazer nossos pratos. Quando ele deu a permissão para ir fazermos os pratos, uma multidão tomou conta da mesa grande que estava o café da manhã. Cerca de cinquenta alunos foram se amontoando um cima do outro para conseguir pegar o menor pedaço que fosse de comida.
— Não há necessidade disso. – disse Candence. – Eles sabem que os pratos sempre voltam a ficar cheio depois. Mas preferem parecer um bando de trogloditas do que esperar e ter sua vez.
— Vocês vêm? – perguntou Ferdinand. Ele já estava saindo da nossa mesa e indo até onde estava a comida. O grandalhão não tirava o olho de cima da Sue.
— Sim, vamos. – Candence notou que ele estava encarando a Sue, e saiu empurrando-lhe até a mesa do banquete. - Eles vêm depois, Fer. Vamos.
— É... – o garoto não parecia muito certo disso, mas preferiu não contrariar Candence. E juntos foram até a mesa grande.
Ficamos só nós por um tempo na mesa. Susan ainda continuava cabisbaixa, contemplando a madeira da mesa. Vez ou outra ela brincava com seus dedos, fazendo pequenos círculos, mas parava tão repentinamente quanto começava. Era estranho vê-la assim, apática, triste. Perdida em seus pensamentos mais profundos. No momento em que foi Clamada, para os outros, aquele parecia ser o momento mais especial para um Remanescente. Mas, para Sue, parecia ter sido o início de um mau sonho. Agora, ela sabia quem era sua mãe, o que era bom. Mas, por outro ladro, ela estava longe de seu pai, quem ela tanto queria conversar.
Enquanto ela ficava em seus pensamentos, não pude deixar de pensar no que aconteceria em seguida. Ela ter sido Clamada logo no primeiro dia foi algo inesperado para todos, especialmente para nós dois que somos novatos nessa coisa toda. A verdade é que nem éramos tão amigos assim, claro, passamos por um bocado ontem, mas, ainda assim, só nos conhecemos tem menos de vinte e quatro horas. Susan foi a primeira pessoa que verdadeiramente posso chamar de amiga. Ela me ajudou em diversas ocasiões. E agora eu tenho esse pavor tremendo de perder sua amizade para as outras pessoas. O jeito como a olhavam, com interesse no que ela poderia fazer, fazia minha cabeça doer. Era como se bolassem planos para usá-la de alguma maneira. E, certamente, eu não fazia parte dos planos. O zé-ninguém que veio junto da filha de Aezirel.
Posso estar soando um tanto sentimental demais, mas é que quando não se tem amigos desde sei lá, quando comecei a estudar até um dia atrás, você acaba se apegando rapidamente a única pessoa que quis genuinamente ser seu amigo, mesmo que ela tenha me stalkeado um pouquinho.
— Tem alguma coisa no meu rosto, Adrian? – ela perguntou, me tirando dos meus devaneios.
— Hã? Não. – respondi um pouco confuso.
— É que você estava olhando vidrado pra mim... achei que tivesse algo.
— Ah, não é nada. Como você está, aliás? – mudei o assunto da conversa. Nessa altura eu já estava ficando um pouco vermelho.
— Sinceramente, não sei. – Ela suspirou. – Está tudo confuso, sabe? – continuou. – Está tudo acontecendo tão rápido que está me sufocando aos poucos. Ontem pela manhã, eu era uma simples garota que tinha ido para o colégio novo, e, agora, minha vida está de ponta cabeça. Descobri que minha mãe é uma deusa. Vim parar num lugar que para muitos não existe, e que na verdade, sou uma Remanescente.
— Não esqueça que fez um amigo. – disse eu.
— É, também tem isso. – seus olhos cintilaram por um curto momento, e depois ficaram marejados novamente – A verdade é que eu não sei bem como isso vai parar, Adrian. Se tudo isso não fosse o bastante, depois quando fomos na sua casa ontem, aquela conversa com a Marie, sobre eu ter que fazer uma escolha que mudará tudo, está me deixando fora dos eixos. E se minha escolha for esta? Não ficar aqui e voltar para minha casa, junto do meu pai e minhas irmãs?
Ela colocou as mãos no rosto. Ouvi ela chorar.
— Sue... – pousei minha mão em seu ombro. Olhei para os lados, procurando se alguém nos via. Felizmente estavam todos mais preocupados que a comida não acabasse. – eu não sei o que dizer.
— Ajudou muito, Adrian. – ela baixou as mãos. Seus olhos estavam vermelhos. As lágrimas haviam molhado seu rosto.
— Não é isso. – acabei me enrolando mais ainda. – Eu não sei qual será sua escolha, Sue. Você ficar ou ir, é sua decisão. Mas eu posso dizer uma coisa: eu sei como você se sente. Estamos aqui há poucas horas, não conhecemos quase ninguém. É tudo novo para nós. Eu estou com medo de tudo isso, admito. Não vai ser fácil, mas temos que ficar por aqueles que acreditam em nós. No seu caso, seu pai e o restante da sua família. E a sua mãe, agora. Você tem que ser forte, Sue. Somos amigos há pouco tempo, mas já passamos por muita coisa num único dia. Eu não queria vir pra cá, ontem. Tinha esperança que a Marie me impedisse de vir, mas, infelizmente ela acabou morrendo. Foi aí que comecei a perceber como as coisas funcionam neste mundo. O novo mundo em que entramos. Temos que ser fortes para proteger aqueles que amamos. Por muito pouco não conseguimos resgatar meu pai. – Agora era minha vez de começar a chorar. A perda dele, como a da Marie, estava muito recente, afinal tinha acontecido ontem. – Não quero dizer o que você tem que fazer, Sue, mas se você decidir ficar, você terá o treinamento que eu sei que eles darão para proteger sua família. E assim, quem sabe, poder voltar a morar com eles.
Ela ficou em silêncio. Nós, na verdade. Enxugávamos nossas lágrimas. Por um longo minutos ficamos ali, sem dizer nada, apenas vislumbrando o que seria nosso futuro. Ela, queria proteger sua família. Eu, resgatar meu pai. E aquele lugar seria fundamental para realizarmos isso.
— Podia ter começado com isso, Cabeção. – disse Sue, voltando com seu breve sorriso. – Você é bom com as palavras, sabe, quando não começa a enrolar demais.
Não pude evitar uma gargalhada. Sue me acompanham. Ela provavelmente deve estar certa. Devo ser um pouco bom com as palavras. Porém, infelizmente, eu raramente acredito nas palavras que digo a mim mesmo. Não tenho toda essa autoestima de que vou conseguir conquistar meus objetivos.
Os alunos amontados na mesa do banquete viraram quase que imediatamente, e viram nós dois rindo. Não vale a pena, devem ter pensado porque tão rápido que viraram para nos ver, voltaram sua atenção para as comidas.
Não demorou muito e os dois esfomeados Candence e Ferdinand retornaram à mesa, com seus pratos numa pilha gigante de comida. Ele, já vinha comendo algo que preferi não perguntar o que era. Já Candence, parecia ter guardado o apetite para devorar a comida na mesa.
— Não vão comer? – perguntou Candence. – Daqui a pouco as travessas voltam a ficar cheia. É bom garantirem logo antes que os fominhas ataquem novamente. – apontou para Ferdinand.
— O quê? – disse Ferdinand, com a boca cheia mal conseguindo fechá-la. – Preciso me alimentar bem.
— Se está dizendo, então tudo bem Fer. – Candence deu de ombros.
— É, melhor irmos logo, Adrian. – disse Sue.
Eu não respondi, não falando. Minha barriga roncou.
— Aí está ele, o leão da montanha que o Tampinha chama de estômago. – falou Ferdinand sarcasticamente, deixando o clima mais descontraído. Talvez ele seja um cara legal, afinal. Mas eu não queria dar essa moral pra ele.
Não contivemos o riso. E mais uma vez, os alunos olharam para nós, tentando entender qual era o motivo de tanta graça. Mas, assim como antes, voltaram logo a se importar apenas com seus pratos.
— Vamos, Sue. – chamei-a.
Fomos até a mesa onde estavam as travessas com o banquete do café da manhã. Foi exatamente como Candence falou: a comida apareceu magicamente na mesa de novo, fazendo com que parecesse que não havia sido tocada desde a hora em que foi colocada. E, para minha sorte, eles tinham a mais variada seleção de comida ali em cima. Peguei um parto e saí despejando tudo que eu gosto de comer: panquecas, ovos com bacon, sanduíches, bolos e um pedaço de bife com batatas. (Você pode estar pensamento: Ai Adrian, você come tudo isso mesmo? Sim, eu como. Estou em fase de crescimento, oras. Não recuso uma boa alimentação). Ah, e claro, peguei algumas frutas também, numa forma de homenagear Marie que sempre insistia que eu comesse nem que fosse uma simples maçã. Na parte das bebidas, tinha sucos das mais sortidas frutas, café, leite e vitaminas. Peguei o suco de laranja e retornei para a mesa. Sue voltou comigo. Seu prato estava mais simples que o meu e, definitivamente, que o de vários dali. Ela pegara apenas algumas frutas, uma fatia de bolo e suco.
De volta a mesa, começamos a comer, enquanto Candence e Ferdinand contavam algumas histórias sobre o Instituto, algumas missões antigas, e sobre como seria as aulas que teríamos mais tarde. Foi bom estar envolto de um clima harmonioso, mas não nos dando tão bem assim. Claro, tínhamos passado por várias coisas, mas isso não nos transformava nós quatro em melhores amigos. Eu, por exemplo, parecia me dar melhor com a Candence, do que com o grandão; e, Sue, consequentemente, com Ferdinand do que com a Candence. De certa forma, querendo ou não, estávamos ligados por tudo que aconteceu ontem.
Deixando as histórias de lado, Ferdinand começou a descrever como seria o evento mais aguardado do dia: a caça ao coelho.
— São três esquipes, certo? – disse ele. – Um pouco antes do pôr-do-sol, Gregório irá soltar o coelho para ser capturado. A equipe vencedora escolhe a atividade recreativa da semana seguinte. O perdedor... bom, não queiram estar nas equipes que perderem.
— O coelho... o que acontece com ele? – perguntou Sue.
— Hã, nada demais. – respondeu Candence. – Apenas o caçamos, não matamos. Não usamos armas letais no Andy. Não nele. Porém, é permitido armas para as lutas que a caçada proporciona, mas nada de golpes fatais nos integrantes dos outros grupos.
— Andy? O coelho se chama Andy? – indaguei. Eu estava mais interessado no nome do coelho do que nos combates armados. Depois dessa eu estava querendo ser atacado de novo pelos Zumbis de Areia.
Eles olharam para mim, confusos. Um minuto depois perceberam a coincidência e se deram a rir.
— Nem em mil anos isso teria acontecido. – disse Candence enquanto sorria histericamente.
— Uma feliz coincidência, não? – rebateu Ferdinand sarcástico.
Sue era a única que não estava sorrindo, embora ela estava se segurando para não rir.
— É bonitinho. Podemos te chamar de Andy também, Adrian. Se você quiser, é claro. – disse ela. O que só fez os outros dois rirem mais ainda.
— Não tem graça. – falei. Estava enrubescido por ser o alvo dos comentários. Geralmente sou eu quem faz os comentários sarcásticos, e eu odiava ser o centro das atenções.
Por sorte (ou não), Gregório passou por nós bem na hora e disse:
— Susan, Adrian, temos que conversar. Me encontrem perto da Grande Árvore, em cinco minutos. – Sua voz parecia um tanto ríspida, pesada. Como se anunciasse uma grande tragédia, ou revelaria um segredo que poderia acabar com as nossas vidas.
— Tu-Tudo bem. – Sue ficou nervosa repentinamente. E eu também, para falar a verdade.
Assenti.
Ele saiu do refeitório. Gregório não parecia mais tão altivo quanto antes. Estava um tanto preocupado. Seu rosto, antes de sair, estava taciturno, distante.
— Iiiih! Estão ferrados. – disse Candence, voltando a comer algumas uvas em seu prato.
— Eu não queria ser vocês. – completou Ferdinand, dando mais carga dramática no que ela havia dito.
— Não há de ser nada, certo Adrian? – perguntou Sue.
— Hã... claro. Com certeza não é nada. – respondi, vacilante. Por dentro, meus pensamentos gritavam: Deu ruim, rapaz. Corra o mais rápido que puder! Salve-se quem puder! Seja lá o que ele fosse conversar conosco não parecia ser nada agradável.
Um catalizador para deixar o clima tenso é quando alguém com certa autoridade chega até você e diz que quer conversar. Para piorar a situação, alguém que está vendo diz que você está ferrado. Pronto. Você fica nervoso. As mãos suam. Eu poderia aparentar estar mais nervoso do que já estava, mas, pela Sue, tentei demonstrar que estava confiante.
Não demorou muito após ele ter sumido do refeitório, Sue falou:
— Vamos. É melhor acabar logo do que ficar imaginando mil coisas. Graças aos dois daí. – apontou para Candence e Ferdinand, que pareciam estar sérios.
— É. Vai dar tudo certo. – disse a ela.
— Como você sabe? – perguntou, nervosa.
— Não sei. – sorri.
Fomos até a Grande Árvore sem nos despedir deles dois, achando que íamos vê-los novamente mais tarde. Após deixarmos o refeitório, percorremos por alguns minutos até o ponto de encontro com Gregório. Por todo o caminho, alunos ficavam nos encarando. Encarando Sue. Ela era a nova estrela do lugar, e eu apenas o coadjuvante.
Lá dentro do Instituto, como o ambiente replica o clima do mundo real, estava quente. Bem diferente da noite passada. No lugar de frio e flocos de neve caindo dos céus, calor e raios UV. O sol que, magicamente (é sério) pairava no céu azulado estava coberto por mínimas nuvens acinzentadas, carregadas de chuva. Mas isto não deixava o lugar menos quente e calorento. O cheiro de grama recém-cortada era transportado através da brisa quente, típica de verão. Os raios solares esquentava a pele, o que chegava a incomodar um pouco, e seria pior se não fosse pelo casaco que eu estava usando. Mas, mesmo assim, minha testa estava suada, assim como as palmas das minhas mãos.
Podem estar se perguntando como estou aguentando o calor usando um casaco preto. Bem, eu também não sei, na real. Por mais que incomodasse, não era tanto. Era como se estivesse me refrigerando pelo casaco.
Por outro lado, enquanto eu estava relativamente bem, Susan, que vinha do meu lado, arfava. Ela estava com a testa toda pegajosa por causa do suor. Sua pele brilhava ensopada de suor, mas isso não parecia importá-la.
Depois de quase dez minutos intermináveis sob o sol escaldante (estou sendo um pouco dramático) chegamos à Grande Árvore, uma sequoia alta-o-bastante-para-poder-saber-a-altura. Gregório, como combinado, estava nos esperando embaixo dela. Ele parecia impaciente. Seu terno alaranjado estava um pouco amarrotado, como se ele tivesse entrado em alguma discussão com alguém. Mesmo na parte que tinha sombra da árvore, os raios de sol batiam nele, fazendo-o parecer um pedaço do sol. Acho que daí veio seu apelido Raio de Sol.
— Bom, vocês vieram. – disse ele, batendo o pé direito repetidamente no chão. Os braços cruzados.
— Não parecia que tínhamos outra escolha. – Sue o respondeu com certo nervosismo em sua voz.
— É. Receio que seja verdade. – falou Gregório. – Os chamei aqui para contar-lhes o que eu prometi ontem.
— Sim, eu lembro. – disse eu. – Você disse que nos contaria tudo.
— Pois bem, vamos começar. – Gregório se chegou mais perto da árvore e bateu em três lugares diferentes do tronco. Segundos depois os contornos de uma porta se fez visível bem no meio da árvore. Gregório adentrou. – Não fiquem aí parados. Entrem.
Sue e eu nos entreolhamos. Sem titubear, entramos na árvore. Assim que passei pela porta, ela se fechou atrás de mim.
Lá, dentro da Grande Árvore, era imenso e espaçoso. Parecia uma réplica do interior do Q.G: grandes lances de escadas de madeira pela esquerda, e algumas portas à direita. A diferença entre ambos era que tudo ali dentro era mais rústico, sem acabamentos ou ornamentos e mobílias. Era apenas madeira para todos os lados. Gregório subiu as escadas e nós o seguimos. Quando chegamos no que parecia ser o primeiro andar uma das salas estava aberta.
— Entrem aí. – disse Gregório, o que mais pareceu uma ordem.
— Por quê? – perguntou Sue.
— É aqui que começa a jornada pelas respostas que vocês tanto queriam.
— Mas eu já sei quem é minha mãe, ou quase isso.
Gregório levou a mão ao rosto. Balançou a cabeça em negativa e disse:
— Não há só isto para saber, Srta. McMenning. Há mais coisas para saberem.
Eu parecia em silêncio. No lugar de falar algo, fui bisbilhotar a sala e deparei-me com algumas cadeiras, um projetor ligado, sustentado por um suporte acoplado no teto, e um laptop em cima de uma mesinha. Na parede em que a lente do projetor estava direcionada tinha escrito em letras brancas dentro da tela preta: Pressione play para começar. A sala em si não tinha janelas e só uma porta: a de entrada.
— Vamos ver algum filme. – disse eu. E logo emendei uma pergunta – As respostas que queremos vêm nele?
— Sim e não, Adrian. – respondeu Gregório. - Elas começam a serem esclarecidas aqui e depois, na outra sala ao lado, eu complemento com algumas coisas. Agora – ele agitava freneticamente as mãos. – Entrem.
Sem muitas alternativas e com a promessa de obter respostas, nós entramos. Gregório foi até o laptop e apertou o botão para dar play ao filme. Assim que começou a contagem regressiva, Gregório se retirou da sala com tanta pressa que a porta bateu ruidosamente.
***
Trinta minutos. Este é o tempo do filme que Gregório nos mandou assistir. O filme não era ruim, longe disso. Era péssimo! Porém, educativo. Relatava sobre o que fazer quando se é um Remanescente. O título era MANUAL DE INTRODUÇÃO À VIDA DE REMANESCENTE – VERSÃO ATUALIZADA (Não me peçam para falar como era o filme).
Sinceramente, quando ele disse que as respostas seriam esclarecidas achei que sairia sabendo qual era o nome da minha mãe, mas só aprendi o que é ser um Remanescente e tudo que somos capazes de fazer.
— Quem quer que tenha feito este filme... não merece viver. – Sue praguejou.
— Se você encontrar quem fez isso, eu ajudo. – concordei.
Atrás de nós, a porta se abriu. Mágica. Este deveria ser o sinal de que era para irmos até a sala onde Gregório estava.
— Raio de Sol nos espera. – disse a ela.
Sue assentiu.
A sala ao lado não era muita coisa. Gregório que segurava um copo de whisky parecia estar repousando, sentado numa poltrona executiva que ficava atrás da mesa. As paredes do lugar, também de madeira, brilhavam e tinham o cheiro forte de verniz (o que era estranho já que tudo ali funcionava com mágica). Era, definitivamente, menos exótica que a outra sala dele, com os animais empalhados. A cada gole que dava na bebida parecia apreciar mais o líquido que bebia. Ele teria nos ignorado completamente (mesmo não tendo nada impedindo seu campo de visão) se eu não batesse na porta.
— Ah, ótimo! Aqui estão vocês. – exclamou. – O que acharam do filme?
— Hã... instrutivo. – disse a ele.
— Verdade. Aprendi muito. – Sue completou.
Ele nos analisou por poucos segundos. Deu de ombros e disse:
— Nah, eu sei que o filme é ruim. Mas é obrigatório para os novatos terem uma ideia do que vão lidar. Vocês, por outro lado, são exceção à regra. Já passaram por um bocado de coisa ontem.
— E bota coisa nisso. – disse eu.
— O que você vai falar que não esteja naquele filme? – perguntou Sue.
— Ah, sim. Não ia esquecer. – sua voz mudou drasticamente, ficou mais pesada. Carregada de pesar e tristeza. Eu olhava pra ele e conseguia entender o que ele estava sentindo. – Sabe, não recebemos novos alunos faz alguns anos. Cerca de cinco anos, eu diria.
— Nós somos os primeiros desde então. – deduzi.
Gregório assentiu.
— E esse nem é o grande problema. Os deuses... – Gregório colocou a mão no rosto novamente. Ele fungava. – Os deuses sumiram.
O quê? – exclamou Sue. – Como assim sumiram? Minha mãe acabou de me anunciar como sua filha. Não é possível.
— Isso é verdade? – perguntei. Mas, a forma como Gregório agiu antes de nos contar, já dizia que era verdade.
— Sim, Adrian, é mais absoluta verdade. Os deuses se foram. – disse a nós. – Aconteceu há alguns anos atrás, uma década, mais ou menos. Estava tudo bem, harmonioso, os deuses saiam de seus panteões, dos reinos e desciam até a Terra, geralmente para flertar com mortais, se misturar e ver como os humanos estavam lidando com suas vidas, ou apenas para dar uma passada aqui no Instituto, ver de perto como estavam as coisas. E, então, puff. Nada. Nem um único sinal sequer. Eles não respondiam mais nossos chamados, as orações, nada. Estava silêncio pela primeira vez em milhares de anos. Estávamos sozinhos, abandonados.
Pensei em contar que havia visto minha mãe em algumas ocasiões e que até conversamos numa das orações que fiz a ela, mas foi melhor não ter contado. Gregório poderia achar que eu estava mentindo ou que eu poderia trazer os deuses de volta, o que seria loucura.
Olhei para Sue, ela estava incrédula. Parecia relutante em querer acreditar que logo agora que soube quem era sua mãe, ela não estaria mais aqui entre nós para a tal conversa que Sue queria. Seus olhos começaram a ficar marejados, vermelhos.
— Ferdinand estava orando para seu pai dar-lhe proteção, enquanto Candence dirigia feito louca pela cidade. – disse a ele.
Gregório deu um sorriso de canto de rosto, mas mesmo assim não diminuiu seu pesar.
— Ferdinand é um dos muitos que prefere acreditar que os deuses não se foram. Sabe, crianças, as pessoas precisam de algo para em ter o que acreditar, para o que reclamar quando algo não dá certo ou para agradecer quando conseguem algo. Eu não os culpo. Os admiro, até. São quase cinquenta anos nessa vida. – Ele levou o copo de whisky. – Um brinde a isso. – sorveu tudo num só gole. Limpou o bigode e voltou a falar. – Cinquenta anos vendo de tudo, viajando pelos quatro mundos. Mas, deuses sumindo de repente? Nunca. Foi um choque para todos nós. Principalmente pra mim, que dou as más notícias e sou o encarregado pelo Instituto.
— Mas, Gregório, minha mãe me Clamou. Como? – Sue indagou de novo.
— Eu também não sei, Susan. – respondeu-a. – Talvez fosse uma pequena fagulha de esperança, afinal sua mãe é a deusa da perseverança. Tudo é possível, eu acho. Sabe, antes de vocês, os últimos que chegaram foram Candence, Ferdinand e seu irmão mais novo Lucca. Eles foram Clamados também e depois, nada. Nenhuma mínima presença divina.
— Ferdinand tem um irmão? – perguntei.
— Tinha. – Gregório me corrigiu.
— O que aconteceu com ele?
— Não estou autorizado a falar sobre isso com vocês. Se quiserem saber terão que perguntar diretamente para Ferdinand.
— Podemos voltar aos deuses desaparecidos? Quer dizer... é triste Ferdinand ter perdido o irmão, mas isso pode ficar pra depois. – disse Sue. Eu nunca tinha visto ela ser fria a ponto de ignorar o fato do Ferdinand ter perdido o irmão.
Gregório deu de ombros.
— Contei a vocês porque sinto que tempos sinistros estão por vir. E contar com ajuda divina não será possível se eles não retornarem. Além disso, eu não sabia que você, Susan, seria Clamada. Esta conversa seria exatamente para isso: não criarem expectativas. – ele olhou pra mim. – Sinto muito, Adrian, talvez você nunca saiba quem é sua mãe.
— Mas eu posso lembrar do nome dela, certo? – perguntei.
— Sim, pode. Mas do que adiantaria saber seu nome se não poderá tê-la por perto ou orar por proteção? O mesmo vale pra você, Susan. Porém, felizmente, vocês ainda poderão adquirir e treinar as habilidades que provém das suas mães divinas.
— Po-Poderes? – Sue até se engasgara.
— Sim. Cada deus tem sua especialidade. Meu avó, Mystorian, por exemplo, além de um exímio guerreiro, ainda tem poder de manipular o tempo e o clima, e abrir portais através dos outros mundos. Por ser neto, eu possuo parte de suas habilidades, mas em menor escala, claro. Entretanto, passei vários anos treinando e fiquei tão forte quanto os Remanescentes filhos diretos dos deuses. – Ele apontou seu dedo fino para Susan. – Você, minha querida, sendo filha de Aezirel consegue manipular a luz ao seu redor, fazendo-a intensificar ou extinguir-se. Fora toda uma gama de habilidades que você poderá aprender. Já você, Adrian, como sua mãe é uma incógnita até sabe-se lá quando, recomendo começar o treinamento com armas. Treinos portando espadas deve ser mais adequado para você dado seu recente histórico.
— Tudo bem. – Sue e eu respondemos uníssono, o que foi impressionante e nada calculado.
— Antes de mandar vocês de volta tem mais uma coisa que quero dizer. – disse a nós.
— E o que seria? – perguntou Sue.
— As aulas de hoje vocês farão parte. Irão integrar as turmas de história e redação. Mais tarde, Susan deverá passar no Arsenal e falar com a Leta para escolher uma arma para si. Adrian, você já tem uma, certo?
Não o respondi oralmente. No lugar, apertei o botão esquerdo do meu relógio e segundos após eu segurava uma espada de lâmina negra com runas roxeadas.
— É uma bela arma. Não sei como arranjou, mas estou impressionado. – Ele se levantou de sua poltrona e foi até a porta. – Bom, crianças, é isto. Vejo vocês depois. – Gregório deu um tapinha na testa, como as pessoas fazem quando esquecem de algo. – Ah, sim, quase ia esquecendo disso também. Vocês irão participar da caça ao coelho.
— O quê? – perguntei.
— Mas não temos experiência nisso. – queixou Sue.
— Vão ter a partir de agora. Até depois.
Gregório foi me empurrando para fechar a porta atrás de mim. Ele tinha ficado naquela sala de madeira. Sue e eu estávamos por conta própria de novo.
Não falamos sobre o que acabamos de ouvir e voltamos para a parte externa da árvore. Achei que, como a porta havia sumido antes ela não estaria ali. Mas como sempre, eu estava enganado. Após sairmos da Grande Árvore, apertei numa das luas crescentes que ficava no cabo da espada, e Anoitecer voltou a ser um relógio no meu pulso.
— Que história, não? – disse a ela. Tínhamos nos distanciado da árvore. – Deuses sumindo. Alguma coisa muito má vindo, segundo Gregório.
Sue parecia aérea. Andava como se estivesse no "automático", sem dar importância para o mundo ao redor. Ela ficava murmurando algumas coisas que não consegui compreender. E foi aí que lembrei do que Candence havia dito ontem "E desde quando tivemos sorte?" Esta parecia quase um verso de algo profético que é cem por cento certeiro. Eu sabia bem o que ela estava passando, eu compartilho do mesmo sentimento: saber que deuses são reais, que minha mãe é uma e que eles sumiram sem dar pistas para onde possam ter ido. Estávamos às escuras, tão perdidos e sem ação como antes. Era um sentimento frustrante não só para nós, mas para todos, eu acho.
Enquanto andávamos, notei que algumas outras crianças brincavam entre si, rindo, conversando, agindo normalmente como se nada tivesse acontecido. As palavras de Gregório eram verdadeiras, as pessoas precisam acreditar que existe algo a mais. Aquelas crianças agiam como se os deuses não tivessem sumido, estavam vivendo normalmente (ou o mais normal possível que se pode quando é um Remanescente), achando que um dia, caso a coisa aperte, os deuses viriam em seu resgate. Não posso culpá-los, pensei. Todos têm que acreditar em algo, seja em deuses, ou que de alguma forma não-tão-divina as coisas iriam melhorar. No meu caso, acreditava que meu pai estaria bem aonde quer que estivesse.
— Adrian. – Sue me chamou, agitando a mão rente ao meu rosto.
— Hã, dãh? – respondi.
— O quê? Fala direito, garoto.
— Ah, foi mal. Eu estava pensando em outra coisa.
— É, eu notei pela sua cara olhando para o nada, e a testa enrugada. É como se estivesse com gases e não conseguisse soltar. – ela riu-se.
— Haha. Muito engraçado, Susan, nota dez pra você.
— Estava pensando em quê? – perguntou-me.
— Provavelmente no mesmo que você, Sue. Os deuses terem sumido assim de repente é um tanto estranho, não acha?
Sue balançou a cabeça concordando.
— Passou remotamente pela minha cabeça de que Gregório pudesse estar mentindo, mas a maneira como ele falou e, principalmente, agiu antes de nos contar...
— Ele estava falando a verdade. – completou. – É que não dá para acreditar, sabe? Toda minha vida, acho que pra você também, sempre quis saber quem era minha mãe. E agora quando eu sei quem é, ela não sumiu. É como se tudo que fizemos e passamos ontem não valesse de nada.
— Você resumiu tudo que estou sentindo no momento, Sue. – disse a ela. – Desde ontem, com a Marie morrendo, me sinto impotente, um fraco. E, se ao menos tivesse a chance de saber o nome da minha mãe – Eu não queria dar bandeira de que já estivera cara a cara com ela. Parecia o certo deixar isso em segredo por enquanto. – talvez ela ajudasse a encontrar meu pai antes que fosse tarde demais.
Num movimento rápido e inesperado, Sue pousou suas mãos em meus ombros. Ela evitou me olhar diretamente nos olhos.
— Adrian, se tivermos que encontrar seu pai por nossa própria conta, nós iremos. Não vamos precisar dos deuses para fazer isso.
— Sue...
— O quê? Você é meu amigo, Cabeção, vou ajudá-lo da maneira que puder. Se for para nos arriscar enfrentando monstros para resgatá-lo, eu faço.
Não pude deixar de me animar e ficar feliz por tê-la como amiga.
— Susan... você em um dia se tornou a melhor amiga que já fiz.
— Você não tem muitos amigos, Adrian.
— Por isso você é a melhor. – sorri. Era incrivelmente bom a forma como as coisas ficam melhores após conversarmos. É como se sempre estivéssemos nos levantando quando as coisas ficam piores.
O belo momento de amizade foi interrompido quando a trombeta ensurdecedora tocou novamente. Levamos as mãos aos ouvidos tentando minimizar o barulho. Os outros alunos do Instituto saíram correndo às pressas, não se importando com a zoada. Já estavam acostumados com aquilo. Alguns vieram correndo passando por nós. Sue chamou um deles:
— Ei, o que está acontecendo?
— Vocês são os novatos, né? – disse o garoto. – Então, é o sinal de que as aulas vão começar. É bom vocês virem também. A professora não gosta de atrasos.
— Ah, obrigado. – disse a ele.
— Sem problemas, cara.
O garoto se despediu de nós e saiu correndo até o prédio onde as aulas eram ministradas.
— É melhor irmos. – falou Sue nada feliz.
— Sabe o que isto significa? – perguntei.
— Não. – Ela parecia confusa.
— É o nosso segundo primeiro dia de aula.
— Oh não... quer dizer que vamos nos apresentar de novo? – seus ombros caíram.
— Infelizmente. – respondi. – Só espero que a próxima professora não tente nos matar como Galiofeu, ou Sr. Finchyn, tentou fazer ontem.
— É. Só que as nosso material está na mochila.
E, magicamente (mais uma vez), nossas mochilas apareceram nas nossas costas. Pude sentir o peso do material escolar lá dentro.
— Droga... ia usar a desculpa de não ter material para ir à aula. – queixou-se.
— Não temos escapatória. – falei, após um sorriso triste.
Fomos seguindo os outros alunos em direção ao prédio que ocorreria a aula. Eles se amontoavam à porta, como sempre faziam. Eu não sabia bem o que esperar daquela aula de história ou de qualquer outra disciplina. Quando entramos no corredor tive uma sensação estranha. A minha nuca começou a esquentar.
— Tudo bem, Adrian? – perguntou Sue.
— Está. É apenas ansiedade e empolgação para me apresentar de novo. – menti. Ela parece ter acreditado.
Parei em frente a porta. Tinha uma mulher de costas, revirando algo em sua bolsa de couro marrom. Ela vestia uma blusa branco-gelo, uma saia longa de jeans e sapatilhas. Os cabelos castanhos estavam amarrados numa presilha de oncinha. Quando ela se virou, um sorriso sinistro coroou seu rosto. Aqueles olhos castanho-escuro penetraram-me a alma. Era dela. Após vários meses, eu não conseguiria esquecer aquela expressão de ódio e raiva contra mim.
— Se-Senhora Allen? – gaguejei de tão nervoso que estava. – Não pode ser.
— Ora, ora, se não é meu aluno destruidor de salas favorito: Adrian West. – disse ela sombriamente. – É bom vê-lo novamente.
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Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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Eu quase pulei para fora dos meus sapatos quando revi a Sr.ª Allen. Ela era quase que uma carrasca pessoal pra mim. Aquela mulher é a última pessoa que queria reencontrar, ela me dava arrepios desde quando comecei estudar na minha antiga escola, a High Tower. Ela era, sem dúvidas, a pessoa que mais me deixava nervoso, com raiva. — O que est&a ...
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