Fanfics Brasil - 16 - Até que não sou ruim com espadas Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1)

Fanfic: Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1) | Tema: Fantasia


Capítulo: 16 - Até que não sou ruim com espadas

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Eu quase pulei para fora dos meus sapatos quando revi a Sr.ª Allen. Ela era quase que uma carrasca pessoal pra mim. Aquela mulher é a última pessoa que queria reencontrar, ela me dava arrepios desde quando comecei estudar na minha antiga escola, a High Tower. Ela era, sem dúvidas, a pessoa que mais me deixava nervoso, com raiva.


— O que está fazendo aqui? – exclamei. Devo ter gritado alto demais porque os alunos que passavam para as outras salas olharam pra nós.


— Não sei você, Adrian – disse ela, com deboche – mas eu estou aqui para ensinar história.


— Hã... Adrian, vocês já se conhecem? – perguntou Sue.


— Responda, Adrian. – falou a Sr.ª Allen. Dava pra ver que ela estava se divertindo com aquilo. – Diga de onde nos conhecemos.


— Ela... ela – eu estava tão possesso que as palavras não saiam. Respirei fundo, o que sempre me acalmava, mas estar de frente a ela era algo que não me deixaria com menos raiva. – Foi ela. – falei. – Foi durante a aula dela que tive aquele lapso que acabou destruindo a sala. Foi por causa dela que tive que mudar de cidade e de colégio – vociferei. Nessa altura eu nem estava mais me importando se estavam ouvindo.


— Não posso levar todo o crédito. – ela se defendeu. – Grande parte disso ter acontecido foi por causa daquele pirralho, o Rupert.


— Você sabia? E mesmo assim me culpou por ter jogado aquela maldita bolinha de papel. – Meu rosto estava ficando vermelho. Se eu ficasse mais nervoso era capaz de destruir mais uma sala de aula.


— Não tem mais importância. – Srª Allen deu de ombros. – Agora, se tem mais alguma coisa pra falar sobre o que aconteceu meses atrás, fale depois da aula, Adrian.


— Adrian... – chamou-me Sue. – Você não quer destruir outra sala de aula, não é? Depois vocês tiram a história a limpo.


— Escuta sua amiga, Adrian, ela tem mais juízo que você. – dito isso, a Srª Allen voltou até sua mesa, onde estava alguns livros de história empilhados.


Mais uma vez, contei até dez mentalmente. Foi difícil, mas a raiva foi se esvaindo. Eu não a odiava, de fato. Mas é que, como ela acabou de dizer, sabia que eu era inocente. Eu nunca desrespeitaria um professor, mesmo que ela pegasse no meu pé. Quando me acalmei realmente, fui em direção a outra carteira desocupada, ao lado da Sue. Passei pela professora sem dar a mínima.


Foi só depois de alguns minutos que percebi que enquanto discutia com ela, minha mão tinha ido instintivamente até Anoitecer, presa no meu pulso, em sua forma de relógio. Sue olhou pra mim, sua expressão era como quem dizia "Calma, Adrian, não adianta agredir a professora. Tente ficar calmo".


— Então, alunos – começou a Srª Allen. –, depois dessa ceninha que vocês presenciaram, a aula está prestes a começar.


Engoli em seco. A forma como ela dissera me fez lembrar os maus dias na High Tower. A parte boa de tudo aquilo era que nem eu nem Sue precisou fazer aquela apresentação, virando o centro das atenções. O ruim era que eu sabia como a Sr.ª Allen ensinava. A única coisa que não encaixava era ela ser professora de história, já que antes ela ensinava geografia.


Imagina uma aula de história com uma professora casca grossa que não deixa sair nem para ir ao banheiro. Chato, não é? Então, essa foi a aula que tive com a Sr.ª Allen. Foram as piores três horas de aula que já tive na vida, ganha das aulas de geografia que, coincidentemente, era com a mesma professora. Nem mesmo a Sue que parecia empolgada em saber sobre a história dos remanescentes não aguentou e ficou aérea durante o restante da aula.


Por sorte, graças as aulas particulares que meu pai insistiu que eu tivesse com o Sr. Turner durante o tempo que fiquei em casa, quando a Sr.ª Allen fazia alguma pergunta pra mim eu saberia as respostas, menos para as perguntas que envolviam a nossa história da parte remanescente. Sue, depois de voltar de onde sua mente estava vagando, começou a anotar algumas coisas que a professora falava.


Após o término da aula, os alunos foram se dispersando da sala. Quando eu estava saindo com a Sue, a professora apareceu atrás de nós.


— Nossa pequena conversa não acabou, Adrian. – disse ela, sombriamente. Só falou ela soltar um MUHAHAHA!


— Da última vez que algum professor quis falar comigo depois da aula foi quando eu fui sequestrado por um Chacáh. Então, acho que passo. – rebati, rispidamente. E saí andando.


— Adrian... – mais uma vez, Sue era quem me chamava. Ela parecia querer dar um ponto final naquela minha discussão com a Sr.ª Allen. – Acho que você deve ficar.


Revirei os olhos. Queixei-me mentalmente. Voltei até a sala. Tentei bolar alguma desculpa mentalmente, mas fui tapeado pelos meus próprios pensamentos.


— Só porque você pediu, Susan. – retruquei com a mínima empolgação, praticamente nula.


— Vou esperar lá fora. – disse Sue.


A Sr.ª Allen fez um gesto com a mão para que Sue não fosse.


— Seria bom se você ficasse também.


Sue estremeceu-se toda.


— Tu-tudo bem.


Puxamos duas cadeiras para ficar rente à mesa da Sr.ª Allen. Ficamos nos encarando por dois minutos sem dizer nada. O clima estava pesado, tenso. Sue ficava mexendo com os dedos pelo braço da cadeira.


— Então, o que você quer? – perguntei a professa do mal.


— Ah, tomando a iniciativa. Você mudou de uns meses pra cá. – disse a Sr.ª Allen. – Primeiro, nada de hostilidade aqui. Estamos aqui para conversar amigavelmente.


— Não tem nada de amigável em você. – rebati. Só de ouvir ela falar, a raiva começava a tomar conta de mim. Talvez estivesse errado e eu realmente a odiava.


— Não importa o que você acha de mim, Adrian. Segundo, nada de puxar sua espada, essa daí – apontou para meu braço. – que está em seu pulso.


Como ela sabia da Anoitecer? Pouquíssimas pessoas sabiam que meu relógio transmuta-se numa espada.


— Ele não vai. Eu garanto. – prometeu Sue. Olhei para ela, parecia tão confiante de que eu não faria besteira. Sue, diferente de mim, não tinha nada contra a Sr.ª Allen, então não via motivos para hostilidades entre nós três. – Professora – prosseguiu. –, o grande mistério aqui é saber o motivo de você estar na High Tower, se você ensina aqui.


Ela não respondeu logo de cara. Desviou o olhar como se estivesse selecionando o que podia ou não dizer para nós. Por fim ela disse:


— Vamos dizer que fui informada que havia alguém com possibilidade de ser um remanescente frequentando aquela escola. Com isso, me infiltrei passando por uma professora de geografia e, por um trabalho singular, fui promovida a ser parte do Conselho daquele lugar. Demorou um tempo para que eu tivesse certeza de quem era. E deu-se que era seu amiguinho aqui. – ela me fuzilou com seus olhos castanhos. – Então, acho que devo agradecer aquele peste do Rupert.


— Quem mandou você ir até lá? – perguntei. Aquele dia mudou minha vida acho que para sempre.


— Não sei. – ela disse simplesmente.


— Como assim não sabe? – estava prestes a me levantar da cadeira, mas Sue me conteve.


— Ora, não sei. Era como uma voz sussurrando rente ao meu ouvido.


— Uma voz? - tentei me acalmar. – Ela era de mulher?


— Hã... não. Definitivamente não era. Tava mais para algo mais masculino, rouco, grave, quase anciã. Sua voz entrava na minha mente como um cântico antigo, quase que me deixando em transe. – ela respondeu. Dava pra ver que aquela voz seja lá de quem fosse, a deixara desnorteada por algum tempo. – Espera aí. – disse ela. – Por que seria uma voz de mulher?


Tinha sido pego. Falei demais e agora não tinha saída: teria que falar sobre minha mãe, das vezes que tínhamos conversado... e espera aí. Veio um pensamento repentino na minha mente, poderia dar certo, mas seria muito errado e desrespeitoso.


— Podia ter sido a Marie. – falei.


— Marie? Quem é Marie? – ela parecia perdida em relação ao nome.


— Ela era... vamos dizer que a protetora do Adrian. – respondeu Sue.


— E por que ela falaria comigo? – Sr.ª Allen ainda continuava sem entender.


Então, para acabar de vez com suas dúvidas acabei revelando o segredo de Marie:


— Porque... ela era uma Dêida. – meus olhos marejaram.


Ela riu em escárnio.


— Não pode ser verdade. É sabido por todos que as Cinco Dêidas estão na Gruta, intocadas na Caverna da Reflexão e nunca saem de lá. Por que vocês, crianças, inventariam algo desse tipo?


A nossa nada adorável professora ficou rindo e olhando para nós. Aos poucos seu sorriso foi desaparecendo, após perceber as nossas feições de seriedade e, particularmente, a minha de tristeza. Não tínhamos motivos para mentir, principalmente eu que convivi com a Marie durante minha vida toda.


Percebendo que não riamos, ela levou as mãos a boca, finalmente aceitando a verdade. Ela parecia estar contendo um suspiro ou um grito de surpresa.


— C-Como? – ela perguntou em meio a gaguejos. – Não faz o menor sentido.


— Claro. Porque deuses, monstros são bem lógicos. – respondi.


— Por que tinha uma Dêida morando com você, Adrian? Onde ela está agora?


— Respondendo a primeira pergunta: não sei. – fiz a melhor imitação das palavras que ela usara minutos atrás. – A segunda... Marie está morta. Morreu na invasão dos Zumbis de Areia a minha casa, quando foram atrás de mim. Ela lutou bravamente, mas acabou sendo ferida e acabou sucumbindo. Ela se sacrificou para que eu pudesse ter uma chance de salvar meu pai, mas falhei, também. – falei, pesaroso.


Tentei ser forte para não cair aos prantos mais uma vez pela falta deles.


A sala de aula ficou novamente em silêncio. Fui inundado com memórias da Marie. Era doloroso pra mim a morte dela, se tivesse outra opção não teria contado, mas eu não podia revelar que tive conversas com minha mãe, não ainda. Segundo ela, ainda não era a hora certa para revelar seu nome, logo, não parecia ser a coisa certa sair divulgando que conversei com ela para qualquer um. E, infelizmente, ainda não consegui saber seu nome, mesmo quando Gregório dizendo que aos poucos os nomes dos deuses iriam se esclarecendo nas nossas memórias.


— Sr.ª Allen – tentei ser cordial o máximo possível com ela, coisa que não era fácil. Ainda mais após falar da Marie. Enxuguei algumas lágrimas que enchiam meus olhos. –, por que deixou que eu levasse a culpa?


— Existe uma membrana separatória entre os mundos, o que nós podemos ver e o que é omitido para os mortais comuns. – disse a nós. Ela fitava o sol que se abria pelas janelas do lado da sala.


— O Véu. – afirmou Sue. – Já estamos familiarizados sobre isso.


— Certo. – prosseguiu Sr.ª Allen. – Quanto mais acuado você ficava – ela me encarou com seus olhos castanhos do mal. –, por consequência, ficava mais nervoso, e isso causou um abalo no Véu. Tal coisa precedeu aos desmaios e destruição daquela sala. – ela fez uma breve pausa e voltou a falar logo após. – Aquilo que aconteceu, em relação ao que Rupert fez ao jogar a bolinha de papel e colocar a culpa em cima de você, fez com que seu lado remanescente despertar-se. Na verdade, eu diria que foi um catalisador.


— Deixa ver se eu entendi. – disse eu. – Se nada daquilo tivesse acontecido eu ainda seria um garoto normal, e não teria ocorrido nada com meu pai e com a Marie?


—Não. – retrucou Sr.ª Allen. – Aquilo foi um caso isolado, sabe? Você teve mais algum lapso daquele antes de ontem?


— Não...


— Entenda. – ela argumentou. – Aconteceu meses atrás. O que houve com vocês ontem foi algo que não está relacionado ao fato ocorrido na High Tower. Alguém ou alguma coisa está atrás de você, Adrian, por isso mandaram aquilo para te levar até aonde fosse o lugar em que estão se refugiando. Por sorte, ou seja lá como queiram chamar, Gregório foi "chamado" por uma energia inexplicável que o guiou até a Grande Árvore. Lá, ele teve uma previsão de um ataque de monstros em cima de um remanescente: você. Por isso, enviou Ferdinand e Candence para caso acontecesse de fato o ataque, eles pudessem protegê-lo e mais alguém que estivesse com você. – apontou para Sue. – E acontece que ele estava certo.


— Como você sabe disso? – questionei. Sue também parecia confusa, ela não falara muita coisa, apenas observando a conversa entre a Sr.ª Allen e eu. – Como soube de tudo que aconteceu ontem?


— Gregório. – disse ela, simplesmente. – Ele me contou. Sou responsável pelo Instituto também, nós dois somos.


— Mas ele não disse nada sobre você. – falou Sue a ela.


— É que ele gosta de falar que cuida sozinho das coisas... – deu de ombros, indiferente.


A conversa foi interrompida por um barulho nos alto-falantes que ficava nos corredores. Alguns alunos passaram apressados para as salas de aula. Sr.ª Allen se levantou e arrumou sua bolsa de couro, se aprumou e rumou até a porta, sem dizer mais nada. Sue e eu nos encaramos sem entender o porquê dela ter feito isso no meio da conversa. Por fim, levantamos das carteiras e fomos até o corredor. Olhei na Anoitecer que, se passara dez minutos desde que a Sr.ª Allen nos chamou para conversar, havíamos perdido todo o intervalo.


Sem demorar muito, fomos seguindo os alunos que estavam conosco na aula de história para outra sala, em que seria ministrada a aula de redação. Confesso que não estava muito animado para ter aulas desse tipo. Quer dizer, aquele lugar têm arena de arquearia, lutas com espadas e tudo mais, quem se importa com matemática? Sue também não parecia muito contente com isso, ela tinha seus próprios problemas para pensar: o lance de ter sido Clamada, a distância que se encontra do seu pai, Dustin, e toda uma gama de outras coisas que ela deveria estar pensando no momento. Sem falar, claro, na conversa que acabamos de ter com a Sr.ª Allen. Sue ficou ouvindo atentamente cada palavra que nossa professora maléfica de história disse para nós. Eu partilhava da mesma dúvida que ela estaria tendo para conciliar uma coisa com outra. Afinal, de quem era a voz que a Sr.ª Allen escutara, mandando ir atrás de mim na High Tower? Por que eu era importante? Quem era Ele, a pessoa que mandou Galiofeu ir atrás de mim?


Assim que adentrei na sala de redação, me obriguei a esquecer todas aquelas dúvidas que coroavam meus pensamentos. Pelo menos, por enquanto.


A aula esteve prestes a começar.


***


Devo dizer que a aula de redação me surpreendeu. A nossa professora, Olivia Souverado, era bem... hã, instrutiva. Era uma senhora por volta dos seus cinquenta anos, com cabelos louros fundidos com mechas grisalhas. Seus olhos eram rodeados por pequenas rugas, encobrindo um pouco seus olhos azuis claros. Ela era alegre e falante, não deixando a sala ficar em silêncio por mais de um minuto, explicando à disciplina, como escrever e ser coeso na hora da montagem da redação. Em relação ao tema escolhido, ela deixou que a gente ficasse à vontade para escrever sobre o que achamos de ser um remanescente, o que esperamos que aconteça, essas coisas. Não mais, após a entrega das redações, a professora nos liberou da aula.


Como não haveria mais aula após aquela, só de combate e era no mais tardar do dia, Sue combinou de ir no Arsenal falar com a tal de Leta, que Gregório ordenou que ela fosse para escolher uma arma para usar durante à caça do coelho Andy. A ideia do Gregório em participarmos logo de cara da caça foi no mínimo inconsequente ao meu ver. Quer dizer, não seriamos experientes nem nada, Sue recém pegaria a arma e já iria para o combate com pessoas que treinam há anos. E eu, que só usara Anoitecer eficientemente uma vez, que foi para defender o Ferdinand. O máximo que faríamos era atrapalhar os integrantes do grupo que caíssemos.


Após o almoço, começou um alvoroço dos alunos para irem as arenas de treino. Desde o final da aula de redação não tive mais notícias da Sue. Talvez a escolha de uma arma seja mais difícil do imaginei. Pensei em ir atrás dela, mas seria bom para ela ficar um pouco sozinha, pra mim também, na verdade. Era a chance de me tornar mais sociável com os outros remanescentes.


Seguindo a recomendação do Gregório, decidi que era bom ter treinamento em combate com armas. Outros alunos também tiveram a mesma ideia que eu e passaram correndo por mim em direção à Arena de combate. Garotos e garotas marchavam em disparada, muitos com armas embainhadas, esbarravam em mim, sem a educação de pedir desculpas. Eu era mais um zé-ninguém. E lá se foi minha chance de fazer novos amigos. Um desses garotos que passaram por mim era familiar, alguém que implicara comigo o dia todo: Ferdinand. Ele trajava a mesma roupa desde cedo, só que agora com um peitoral couro, protegendo o tronco. Quando se deu conta de que havia passado por mim ele voltou. Ficou estacado na minha frente, com a espada repousando na bainha.


— Olha só, é o Tampinha. – disse ele, mexendo no meu cabelo, em um comportamento nada comum para comigo. – Vejo que está indo para a Arena.


Respondi acenando positivamente com a cabeça. Não queria conversa com ele, tentei sair pela tangente, mas ele não deu brecha, infelizmente.


— Ótimo! – exclamou. – Vamos juntos. – ele passou o braço ao redor do meu pescoço um pouco forte demais e saiu me arrastando junto dele.


Não tive forças para escapar de sua pegada por dois motivos: 1) Ele é muito mais forte e alto do que eu. 2) Eu sabia que seria pior mim se tentasse sair dali, poderia acabar me machucando mais grave do que um pescoço doendo. Desta feita, não tive outra opção a não ser aceitar meu destino.


E seguimos em direção a Arena.


— Por que está sendo legal comigo? – perguntei quando paramos em frente à entrada da Arena.


— Não posso? – rebateu, sem entender o motivo da pergunta, ou não quis se importar tanto. – Sinto que peguei pesado ontem com você, e por isso queria recompensar com alguma coisa.


— Foi a Candence, não é? – deduzi. Esta opção era mais plausível do que ele querer ser meu amigo genuinamente, ou se desculpar por algo.


Ferdinand retirou seu braço do meu pescoço, senti a articulação doendo pela pressão que ele fizera. Ele relaxou os ombros, coçou a nuca e disse:


— Você me pegou, Tampinha. Candy pediu – a forma como falara parecia mais que tinha sido uma ordem do que um pedido. – que nos déssemos bem, sabe? E por mais que eu tenha sido contra, ela pode ser... hã, bem persuasiva. E, sinceramente, o que há de mau nisso, Adrian?


— Tirando o fato de você não gostar de mim? Nada. – falei sarcasticamente. – Ontem, se fosse possível, você teria me deixado com os Zumbis de Areia.


— Cara... – disse ele. – não é verdade. Eu posso ter sido um pouco...


— Um pouco? – intrometi.


— Tá! Entendi. Posso ter sido um bocado hostil com você, mas não o deixaria ser comida de Zumbi, ou ser levado por aquele Chacáh. Você era a nossa missão. E, além disso, você me ajudou na luta contra os Zumbis de Areia, no Planetário. Estou te devendo uma, Tampinha. – Ele olhou para o chão. Coçou o braço. Parecia desconfortável em dizer aquilo. – Ah, e eu sinto muito mesmo pelas perdas que você teve. Sei como é perder alguém que ama...


— Lucca... – disse eu. O nome veio quase que automaticamente na minha cabeça.


— O quê? – Ferdinand tinha sido pego de surpresa. Ele deu um pulo para trás de tão inesperado que foi. – Co-como você sabe dele?


— Gregório. – revelei. – Ele nos contou que antes de nós, os últimos tinham sido vocês dois e a Candence. Depois, não disse mais nada sobre o que aconteceu com ele.


— Não é uma história muito agradável de se ouvir, Tampinha. – ele confidenciou a mim. – Lucca morreu como um herói, para que Candy e eu sobrevivêssemos.


— Eu não sabia...


— Tudo bem. – disse Ferdinand. – Não tinha como você saber. Está no passado, mas ainda assim, tão presente.


Talvez Ferdinand não fosse tão chato quanto pensei que era. Ele tinha passado por perdas também, e eu sei como é isso. É algo triste que temos em comum, mas não sei se é o bastante para sermos amigos.


— Sinto muito pelo seu irmão. – disse a ele. Dei um soquinho em seu braço. – As pessoas que perdemos estarão sempre conosco, cara, não importa o que aconteça.


— É... claro. – Ele passou as mãos nos olhos, poderia estar chorando, mas não saberia dizer ao certo, não acho que ele seja tão emotivo assim, mesmo falando sobre a morte de seu irmão. – Bom, agora chega disso. – ele falou, numa mudança inesperada de expressão facial. – Agora, o que interessa são as aulas de esgrima. Espero que esteja pronto para isso, Tampinha.


— Não pode ser mais difícil do que lutar contra Zumbis de Areia. – retruquei, num tom humorado. 


Ferdinand se permitiu um sorriso tímido.


— Vamos. – me puxou pelo braço para conhecer os outros esgrimistas.


A Arena era exatamente como eu vi de relance ontem à noite. Espaço aberto com chão empoeirado no centro e ao redor coberto pela grama rasa. Como não era provida de teto, alguns pássaros davam rasantes por um ou o outro boneco de treino em desuso. O lugar era grande, que tinha uma arquibancada feita de pedra em um dos lados da Arena, dando visão completa do prédio. Era como se houvesse "espetáculos" lá dentro de vez em quando. Um pouco depois da entrada tinha uma espécie de urna com diversas espadas em mais sortidos tamanhos – facas, adagas, gládios, espadas longas etc. Por sorte eu já tinha a minha: Anoitecer, que diferente das outras não era forjada daquele material cinza, bem similar ao ferro. Era polida por um metal enegrecido que eu não sabia se existia nesse plano terrestre.


Mais adiante, tinha alguns alunos cutucando uns bonecos de treino, cortando-lhes os braços de palha, tronco, pernas, cabeças (sim, tinha uns decapitados). No centro da Arena tinha cerca de vinte alunos, separados em dez duplas, golpeando uns aos outros, sem causar muito perigo ao adversário. Dois instrutores passeavam por eles, dando dicas de como manejar a espada, a postura de como atacar/defender. O primeiro deles era um rapaz que devia ser o mais velho dali. Tinha cabelos pretos sedosos, os olhos puxados eram na cor castanho escuro, a pele um pouco bronzeada e brilhosa por causa do suor. Vestia o mesmo modelo de peitoral de couro que Ferdinand estava usando, por baixo tinha uma camisa azul claro de manda longa, bermuda bege e sapato de corrida preto. A cada estocada que um dos alunos dava no outro, ele batia palmas e comemorava como se fosse ele mesmo que tivesse diferido o ataque. O outro instrutor era uma garota loura com olhos esverdeados e atentos para qualquer movimento. Ela, assim como seu parceiro de monitoria, tinha a pele castigada pelo sol, e nela estava mais evidente algumas marcas de cicatriz no braço. No lugar de apenas o peitoral, trajava uma armadura completa, exceto por um elmo que estava jogado no chão. A garota não parecia ser de muitos amigos, pois ficava resmungando com os alunos para prestar atenção na hora de golpear e contra-atacar, defender, esquivar.


Ferdinand foi na frente conversar os dois instrutores. Fiquei esperando ao lado da urna das armas. Não sei bem o que eles ficaram conversando, mas Ferdinand vez ou outra apontava em minha direção, dava tchauzinho e voltava a atenção para os outros dois. Já estava preocupado, até que Ferdinand gritou de lá do meio da arena para que eu fosse até eles.


Meio sem jeito, fui até eles, cabisbaixo.


— Então, gente – disse Ferdinand, com um grande sorriso forçado. –, este é o Adrian. Vocês devem ter visto ele na apresentação de hoje pela manhã.


A garota me analisou da cabeça aos pés, vendo se eu valia ou não a pena. Quando supostamente chegou à conclusão, ela deu de ombros.


— Não é aquele que veio junta da filha de Aezirel? – disse ela, indiferente. O fato é que a Sue quem veio comigo, não o contrário. Mas tudo bem. Ela era parte do pacote essencial, aliás.


— Sim, o próprio. – Ferdinand confirmou, vacilante.


— Oi cara. – o outro instrutor ergueu a mão para cumprimentar. Apertei-a. – Eu sou Nicholas Pontes. Mas, geral me chama apenas de Nick. Bem-vindo ao Instituto, aliás. Enfim, sou filho de Rikkan, deus dos conselhos e da sabedoria. Não necessariamente nessa ordem...


— Meu nome é Adrian. West. – disse a ele. – Não sei quem é minha mãe. Meu pai foi levado por Zumbis de Areia e minha protetora, que na verdade era uma Dêida, foi morta por eles. Não nessa ordem.


— Ah – Nick suspirou, sem graça. – Sinto muito, cara. Mas, deixando o assunto triste de lado, ou nem tanto, essa daqui é a Graci Fontani. – apontou para a garota ao seu lado. Ela parecia estar impaciente, olhava para os alunos que treinavam nos bonecos e depois para as duplas, fazendo cara feia. – Ela é filha de Liceia, deusa das estratégias em batalha.


— Oi. – falei na esperança dela ser legal comigo, mas não deu certo.


Nick deu um cutucão com o cotovelo nela, mesmo contra vontade, ela respondeu revirando os olhos:


— Oi.


— Ela é ou não é um doce de pessoa? – perguntou Nick, sarcasticamente.


Ferdinand riu alto.


— Ela é a melhor, Nick, até bate em você. – Ele conteve um sorriso. Voltou sua atenção a mim. – Adrian, estes dois foram os responsáveis por me treinar desde que cheguei aqui, anos atrás. São os melhores que conheço, e graças ao treinamento, sou o terceiro instrutor. E hoje – disse ele, um tanto entusiasmado. –, serei seu parceiro de treino.


— Agora que todos foram apresentados, vão para o centro da arena. – Graci estava impaciente e irredutível em seu comportamento. – Vocês dois já me dão dor de cabeça e muito trabalho, se não bastasse, arrumam outro calouro para o treinamento.


Ela saiu marchando em direção as duplas, gritando e gesticulando freneticamente os braços.


— Bom, vamos lá. – disse Ferdinand.


O grandão saiu me arrastando mais uma vez, só que agora para o centro da arena. As dez duplas pararam subitamente com o treino e formaram um círculo ao redor de nós dois, como se estivessem esperando um show. Talvez, agora, eu tenha compreendido a serventia da arquibancada que se mantinha intocada.


Ferdinand desembainhou a espada de lâmina cinzenta e bordas douradas. Ela reluziu diante da luz do sol. Segui seus passos e saquei Anoitecer, apertando o botão esquerdo do relógio. Após poucos segundos, estava segurando uma espada de lâmina negra encrustada por runas roxas. O ar ao seu redor ficou um pouco mais gélido. Os outros alunos suspiraram, surpresos. Nick e Graci olharam para mim com estranhamento.


— Bela espada. – gritou um dos alunos no meio do círculo.


— Ahn, obrigado. – respondi por cima do ombro, sem saber quem havia dito aquilo.


— Está pronto para sua primeira aula, Tampinha? – provocou Ferdinand.


— Não. – retruquei.


— Vamos começar pelo básico, certo? – disse ele. Ferdinand manejava a arma com maestria. – Vou mostrar o que você tem que fazer por agora e depois irá repetir.


Ele fez movimentos rápidos com a espada. Estocando o ar. Aplicando golpes laterais, de cima para baixo, de baixo para cima. Fez algumas posições de defesa e contra-ataque. Depois de ter terminado, ele havia passado a bola pra mim. Fui tentar fazer na mesma destreza que ele, mas meus movimentos não eram tão rápidos quanto ele. Contudo, consegui fazer a bateria de golpes. Após terminar, eu estava arfando pesadamente. Tentando obter ar quase que desesperadamente.


— Ele tem futuro. – disse Nick, aplaudindo. – Não acha, Graci?


— Você se anima com pouco, Nick. – rebateu Graci, rispidamente.


— Não ligue para a Graci. – falou Ferdinand, chamando minha atenção. – Ela tem essa cara de brava, mas é um doce de pessoa. Com o tempo você se acostuma. Mas, vamos lá, Adrian. Eu sei que você é capaz de mais. Lembre-se de ontem, durante a luta contra os Zumbis de Areia. – recordou-se.


Depois de recuperar o fôlego, fiz novamente a série de golpes mais duas, três vezes. Desta vez, eles saíram com mais facilidade, estava me acostumando com os movimentos. Anoitecer cortava o ar com mais intensidade e ligeireza. Ouvi alguns sussurros dos outros alunos que estava me observando. Eu não era muito fã de ser o centro das atenções, mas, enquanto eu estivesse com a mente ocupada com a feitura dos golpes, estava tudo bem.


— Boa! – Ferdinand deu um tampinha em meu ombro. Ele estava mais empolgado do que eu. – Agora, vamos ver como se sai contra um adversário mais forte. – O grandão olhou para os lados, procurando alguém para duelar comigo. – Ah, que tal eu? – sorriu.


— Não fico surpreso que tenha se oferecido. – disse eu, pouco entusiasmado. Já tinha visto Ferdinand lutar, e ele era muito bom, mesmo vacilando em raros momentos contra os Zumbis de Areia.


— Isto vai interessante. – até achei estranho quando percebi que quem tinha dito era a Graci. Ela continuava com sua cara de brava, mas estava com os olhos atentos para cada movimento que iriamos fazer.


A luta era injusta. Ferdinand era anos mais experiente e mais forte. Se isto não bastasse, ele ainda estava com o peitoral da armadura. Mas, ele foi legal ao ponto de tirar para ficarmos iguais.


— Lá vou eu. – anunciou, vindo feito um trem desgovernado para cima de mim.


Dá mesma forma que ele veio, me atingiu em cheio e eu caí no chão. Machuquei as mãos no solo arenoso da arena, mas nada tão grave, apenas uma vermelhidão. Ferdinand estendeu a mão para que eu pudesse me levantar.


— Sua defesa não estava tão boa assim, Adrian. – alertou-me Ferdinand. – Não deixe a espada muito alta. Agora, de novo. Fique alerta. Preste atenção na defesa.


Ele veio em carga total para cima de mim novamente. Agora eu estava mais atento e consegui desviar do golpe. Ferdinand passou "voando" do meu lado, parando alguns passos atrás. Ele voltou, gritando, me atacou. Levantei Anoitecer atravessada para me defender, como ele havia mostrado.


— Boa. – garantiu Ferdinand, embora eu não ache que tenha sido tão bom assim. Atacou de novo. Plaft! – Não deixe a guarda tão baixa desta vez, Adrian. – Outro ataque. Plaft! – Saia da defensiva, Adrian. Dê o contra golpe. – Atacou de novo. Plaft!


Assim como na peleja contra os Zumbis, quanto mais a luta avançava, meus sentidos para a batalha se afloravam. Manuseei Anoitecer para atacar o contrapé do Ferdinand, mas ele estava atento no movimento e conseguiu esquivar para o lado, fazendo o golpe passar direto. O garoto contra-atacou rapidamente, me atingindo com a parte chata da espada nas costelas. A dor inundou meu corpo, mas segui no combate. Tentei de todos os modos possíveis atacá-lo, mas Ferdinand era rápido, contrariando sua estatura alta. Recuei alguns passos. Estava com dificuldades para respirar graças a pancada nas costelas. A visão ficou temporariamente turva, mas consegui discernir Ferdinand à minha frente. Ele fazia movimentos com a espada que não conseguiria fazer tão cedo. Analisei a forma como se portava diante de mim, o jeito como ele vinha em carga para atacar.


Só que, ao invés dele atacar, eu que tomei a iniciativa. Ferdinand sorriu, desdenhoso, se preparando para o ataque. Avancei em cima dele, sua espada estava relaxada.


Quatro passos de distância.


Estava frente a frente com ele quando Ferdinand levantou sua espada em posição de defesa, flexionando os joelhos para suportar o impacto. No momento em que ele ergueu a espada, desviei para o lado, atacando a parte exposta do garoto. Com o pomo da Anoitecer, atingi o braço do Ferdinand que empunhava a espada. Sua mão fraquejou, deixando a arma cair no chão. Em um movimento rápido, acertei-o com a parte chata da espada nas costelas dele, equivalendo os machucados. Por um momento achei que tinha a vantagem, mas em um rápido movimento, Ferdinand deu-me uma rasteira, me fazendo perder o equilíbrio e cair, levantando poeira. Anoitecer ficou prostrada do meu lado. Fiquei sem forças para levantar. Ferdinand foi até sua espada, pegou-a do chão e voltou até a mim, colocando a ponta dela em meu peito.


Os alunos que estavam em círculos gritavam, berravam, reverberando os ruídos para fora da Arena. Eles urravam e aplaudiam Ferdinand.


— O que foi isso, Adrian? – disse ele, recuperando o fôlego aos poucos. Mais uma vez, estendeu a mão para que eu pudesse levantar.


— Ahn, desculpa? – respondi, depois de conseguir respirar normalmente. – Você disse para atacar, e eu ataquei.


— E fez muito bem. – explanou Graci, o que pegou todos de surpresa. Nick, que estava ao lado dela, se espantou com as palavras que ela acabara de dizer. Ferdinand olhava pra ela vidrado, como se não acreditasse que era verdade. – O quê? Ele foi realmente bem, mas ficou um pouco convencido no final e acabou sendo derrubado pelo Ferdinand.


— Obrigado, eu acho. – respondi, incrédulo.


— Ela está certa, Tampinha. – era Ferdinand quem falava. – Com muito treino, você pode ser um grande duelista.


Dito isto, os alunos começaram a falar meu nome bem alto. Agitavam suas espadas. O círculo formado pela "plateia" foi se desformando, alguns passaram por mim e deram tapinhas nas minhas costas, outros parabenizando. Contudo, eu não achei que tinha sido tudo isso, mas resolvi não falar nada.


— Ei, Adrian. – chamou Nick, dando os parabéns com um forte aperto de mão. – Você tem talento, deu uma surra no grandão aqui. – cutucou Ferdinand, que não se importou com a provocação e sorriu. – É sempre bom ter jovens como você por aqui.


— É. Mas não vamos deixá-lo convencido. – retrucou Ferdinand, bem humorado. – Agora ele vai se achar imbatível. Tampinha, vou cuidar do seu treinamento pessoalmente. Vai ser uma forma de me desculpar por ontem, se você quiser, é claro.


— Tu-tudo bem, Fer. – chamei-o pelo apelido que Candence havia dito no dia anterior.


Com a multidão dispersada, Nick e Graci voltaram a atenção para as duplas que retornaram ao treinamento. Quanto a mim, Ferdinand me levou aos bonecos de treino que, segundo ele, eu posso ter ido bem, mas que tinha coisas para aprimorar e que foi apenas um momento de sorte eu ter vencido ele. Depois dali, não tive mais ressentimentos dele por causa das coisas de ontem. Era visível que ele estava se esforçando para ser legal, mesmo tendo sido obrigado pela Candence. Além disso, meio que éramos semelhantes: ambos tínhamos perdidos pessoas que amávamos. Não que os outros não possam ter perdido também, mas é que, isto nos tornava mais próximos, assim como a Sue.


Após ditar suas instruções, Ferdinand deu início ao meu treinamento em atacar os bonecos de palha.



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Eu acabei ficando muito bom em atacar bonecos de treino. Ferdinand estava três passos de distância dando dicas de como golpear. Até que ele era um bom instrutor, não era tão rigoroso quanto a Graci parecia ser. Ele gritava bem menos. Eu não era o melhor duelista dali, mas segundo ele, o meu progresso estava razoavelmente dentro do espe ...


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