Fanfics Brasil - 17 - Vamos a caça do coelho Andy Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1)

Fanfic: Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1) | Tema: Fantasia


Capítulo: 17 - Vamos a caça do coelho Andy

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Eu acabei ficando muito bom em atacar bonecos de treino. Ferdinand estava três passos de distância dando dicas de como golpear. Até que ele era um bom instrutor, não era tão rigoroso quanto a Graci parecia ser. Ele gritava bem menos. Eu não era o melhor duelista dali, mas segundo ele, o meu progresso estava razoavelmente dentro do esperado para o primeiro dia. Ferdinand explicou que os reflexos de batalha vão aparecendo quanto mais instigados somos a luta, seja contra bonecos de treino ou contra monstros reais. O sol vinha sendo um fator preocupante durante o treino. O calor que vinha direto em cima da minha cabeça me deixou zonzo por algumas vezes, sendo "salvo" pelo Ferdinand, que tinha arranjado uma garrada d'água para nos refrescarmos.


Entre uma pausa e outra, Ferdinand arranjou uma compressa de gelo para colocar nas minhas costelas. A dor não era tão grande, quase não sentia mais, mas o gelo serviu para acelerar o processo de cura. Aproveitou e pegou uma pra si, pressionando onde eu havia acertado o golpe nele.


Em um dos golpes causados contra o boneco, acabei empregando força extra que nem sabia que tinha e acabei cortando um dos braços dele. Alguns alunos que estavam de frente para mim, pararam o treinamento e entraram na gargalhada. A cena era engraçada: eu estava "lutando" contra um boneco sem um dos braços. Até Ferdinand entrou na onda e também riu.


— Acho que isto encerra o treinamento por hoje, Tampinha. – disse Ferdinand após diversas tentativas de conter o riso.


— Finalmente. Não aguentava mais maltratar o Godo. – respondi.


— Godo? – ele estranhou.


— Sim, o boneco. – respondi com bom humor. – Após lutarmos tanto, acabamos ficando amigos.


— Ah, claro. – papeou Ferdinand. – Mas acho que amigos não arrancam o braço do outro.


— Além do mais, estou derretendo aqui, embaixo do sol quente. – Minha roupa estava empapada de suor, ainda bem que tinha colocado o casaco de lado, senão o resultado seria ainda pior.


— Não era para estar tão quente assim. – ele concordou. Tinha tirado a parte superior da armadura. – Bom, acho que você está dispensado, Adrian. Ah, amanhã no mesmo horário. – adiantou-se. – É isto, Tampinha. Recomendaria uma boa ducha depois daqui.


— É. Vou fazer isso quando chegar no quarto. – garanti. – Ainda tenho que me preparar para a caça do coelho.


— O quê? Você vai? – Ferdinand foi pego de surpresa.


— Sim. – respondi, infeliz. – Gregório meio que nos obrigou a ir; Sue e eu. E, não sei como vai ser isso. Não tenho notícias dela desde antes o almoço, e ela não apareceu no refeitório.


— Última vez que a vi ela estava no Arsenal conversando com a Leta. – disse ele. – Desde então, não sei. Talvez ela não tenha se decidido com qual arma pegar. Pelo menos, espadas e afins não foi, se não ela estaria aqui. Ela pode estar com o pessoal da arquearia, treinando a mira ou usando a lança, ou até mesmo com o povo da equitação. Ela gosta de cavalos? – perguntou, subitamente, em um estalar de dedos como se tivesse acendido uma lâmpada na sua cabeça.


— Ahn, não que eu saiba. – retruquei. – Seja lá qual arma ela tenha escolhido, eu sei que ela se sairá muito bem.


— Aposto que sim. – consentiu Ferdinand. O garoto pegou a parte superior da armadura e colocou sobre o ombro. – Bom, até a mais tarde, então. Nos vemos na caçada.


Ferdinand cruzou até a metade da arena, parou para falar alguma coisa com Nick e Graci. Depois seguiu em direção a saída do anfiteatro.


As dez duplas continuavam treinando, agora em ritmo mais lento, por causa do sol. O que não deixou Graci mais contente. Ela parecia o tipo de pessoa que espera duzentos por cento de alguém em todos os momentos, mesmo em certas dificuldades.


Pressionei a lua crescente do lado direito do guarda-mão da Anoitecer e ela instantaneamente virou um relógio. Coloquei-o envolta do meu pulso. Peguei o casaco do chão, espanei a poeira para longe. Mesmo de longe, numa chance que tive, dei tchau para Nick e Graci, que estavam um pouco ocupados separando uma pequena briga que começara rapidamente entre uma das duplas. Os dois que estavam brigando entre si tinham largado as espadas de lado e saíram no tapa. Foi engraçado de ver. Os demais alunos fizeram um semicírculo e incentivaram a disputa.


Rumei em direção à ilhota em que os quartos ficavam.


Passei em frente a Arena dos arqueiros. Olhei de relance procurando Sue, mas ela não estava lá. O que foi um bocado estranho. A garota sumira em questão de horas. Comecei a ficar preocupado, um aperto foi preenchendo meu peito, quase me sufocando. Remanescentes corriam de um lado para o outro, entrando e saindo dos prédio. Pensei em ir até onde treinavam equitação ou até mesmo nos estábulos, mas, de repente, minhas costelas começaram a doer. Eu achei que o machucado tinha parado mais de doer, mas ao que parece eu estava errado.


Cheguei na enfermaria, parecia mais um hospital de guerra, tirando os soldados feridos. Era uma tenda enorme, o calçamento era composto pela grama. Os leitos eram separados por uma leve membrana de tecidos cor de areia. Tinha alguns garotos nas macas, um deles tinha o pé engessado, o enfermeiro que estava cuidando dele levou um pedaço daquele bolo cura tudo e um copo d'água. O segundo tinha cortes nas pernas e nas mãos, outro enfermeiro passou para ajudá-lo às pressas.


— Está precisando de alguma coisa? – falou uma voz atrás de mim.


Subidamente eu virei e me deparei com uma garota gordinha, usando óculos. Ela era morena com cabelos cacheados, olhos grandes em tom amendoado acobertados pelos óculos. Tinha o nariz bolinha, grandes bochechas. Vestia uma camisa laranja e um short verde-musgo, nos pés usava sandálias de florzinha. Nas mãos calçava luvas descartáveis, e por cima da roupa tinha um jaleco branco com alguns respingos que, mentalmente preferi que fosse de água.


— Ah, sim, por favor. – disse eu em meio a dor que aumentara. – Estou com as costelas machucadas.


— Ok. Deixe-me dar uma olhada. – Fiquei tão aéreo por algum tempo que só depois percebi que ela usava aparelho nos dentes. A garota levantou minha camisa para verificar o local onde estava luxado. – É, está feia a coisa. – ela fez uma careta, sem tirar os olhos do machucado.


— Puxa, obrigado pelas boas notícias. – retruquei sarcasticamente. – Será que pode fazer alguma coisa?


— É para isso que você está aqui, não é? Senta ali. – apontou para uma das macas desocupadas. – Espera um momento enquanto pego um pedaço do bolo.


— Sim, doutora. – a dor quase não deixou que eu fosse até a maca, mas com certa dificuldade consegui sentar. A respiração estava ficando difícil, pesada. Era como se eu estivesse escalado uma montanha gigante e o ar ficara rarefeito.


Cinco minutos depois ela voltou com o bolo.


— Aqui. Coma isto. – ofereceu-me o pedaço daquela iguaria milagrosa.


Sem pensar um minuto sequer, empurrei o bolo goela abaixo. Felizmente ela tinha trazido um copo de água também, o que facilitou para engolir. O gosto ruim inicial era o mesmo, mas quanto mais eu mastiguei o sabor que tinha antes da comida da Marie foi substituído por um outro qualquer. Era como se estivesse comendo um donuts e não o bolo de laranja que ela preparava.


As costelas foram voltando para o lugar, o que doeu bastante, mas àquela altura eu já devia estar acostumado já que foi acontecera a mesmíssima coisa após a luta contra Galiofeu. O machucado foi se esvaindo, a dor parecia distante até que passou de vez. Já conseguia respirar normalmente. Estava inteiro de novo.


— Obrigado. – falei a garota, que me encarava de um jeito estranho.


— Levanta a camisa. – ela respondeu. – Quero ver se o ferimento se foi mesmo.


Mesmo a contragosto levantei a camisa. Ela começou a tatear onde estava machucado, fazendo perguntas se estava doendo.


— É. Está curado, não que eu tivesse alguma dúvida. – disse a garota. – Depois que redescobriram a receita do bolo cura tudo, nossa vida aqui na enfermaria ficou mais fácil. – confidenciou-me. – Aliás, meu nome é Lili. Lilian, na verdade.


— Meu nome é... – ela me interrompeu na hora


— Eu sei. Você é o Adrian. O garoto novo que veio acompanhado com a filha de Aezirel.


— Será que não passa pela cabeça de vocês que ela quem veio comigo? – perguntei, já estava ficando frustrado em falarem que eu acompanhei a Sue por toda sua jornada épica até chegar no Instituto, quando foi claramente o contrário.


— Tanto faz. – Lili deu de ombros. – Mas ela foi Clamada. E você?


— Não é justo. – fiz muxoxo.


— Nada na vida é justo, Adrian. – disse Lili. – Eu queria ser boa com lanças, mas deu-se que meu pai era deus da medicina. E aqui estou eu. – fez um gesto circular com as mãos se referenciando a enfermaria.


— Bom, sinto muito, eu acho. – falei com um pouco de pressa. – Enfim, obrigado por ter curado meu machucado, mas agora preciso ir. – Estava quase saindo da ala dos machucados, quando ela segurou meu braço.


— Ei, espera aí, apressadinho. Como é que você conseguiu esse machucado?


— Ferdinand. – respondi. – Estávamos treinando e ele golpeou com a espada.


— Sempre ele. – Lili colocou a mão no rosto. – Quase toda semana ele manda um aluno com machucados pra cá. Aquele grande desajeitado. – A maneira como ela chamou Ferdinand quase parecia que não era aquilo que era queria ter dito realmente, mas não procurei entrar em detalhes.


— É, aquele grande desajeitado. – repeti suas palavras. – De novo, obrigado Lili.


— Por que está com pressa? – questionou-me. – Tem algum lugar pra ir?


— Ahn, sim. – repliquei. – Tenho que voltar para meu quarto, tomar banho, arranjar novas roupas e, depois de tudo isso, ir para não sei aonde para caçar o maldito coelho, que por sinal se chama Andy. – Estava ao ponto de explodir com aquele montante de perguntas. Fora que, estar ali sem notícias da Sue era terrificante.


— Vai com calma, esquentadinho. – manifestou-se achando graça. – Mal chegou e já está indo para a caçada? Não sei é corajoso ou burro, Adrian.


— Talvez eu seja os dois, Lili. – retorqui, fazendo sinal com as mãos de que tinha desistido de entrar naquela provocação.


— Tá. Tá. Você está liberado para ir, esquentadinho. – disse Lili. – Nos vemos depois na caçada.


— Você também vai? – perguntei, surpreso. – Achei que não fosse de lutar.


— Ora, não luto. Mas sempre precisam de médicos para curá-los. – repontou com um sorriso enlatado por causa do aparelho dentário. – Tchau pra você também.


Dei tchau e marchei em direção à ponte avermelhada, para cruzar o riachinho e chegar na outra parte do Instituto onde fica os quartos. Mesmo cansado e ofegante, conseguir aguentar o caminho até meu quarto, sob o calor fumegante vindo do sol.


Logo de cara fui aturdido por um choque térmico: enquanto lá fora estava quente, dentro do quarto estava um frio monstruoso. O quarto estava escuro, exatamente como tinha deixado naquela manhã. Não precisava ligar a luz, já que conseguia enxergar perfeitamente como estava o quarto. A minha cama parecia que não tinha sido usada na noite anterior, estava toda arrumada.


Com pena de bagunçar a cama novamente, joguei meu casaco surrado e cheio de poeira no sofá, tirei os sapatos, arranquei as meias fora. Coloquei Anoitecer em cima da mesinha ao lado da cama. Retirei a camisa e calça empapadas de suor. Não me incomodei com o fato de ter que lavar depois, já que a cama tinha sido arrumada magicamente, o que significa que as roupas também seriam lavadas através de mágica, ou eram autolimpantes.


Entrei rapidamente no banheiro e liguei o chuveiro. A água gélida tocou-me a pele. Me senti desmoronar. Fazia mais de vinte e quarto horas que não tomava um banho, e estar ali fez sair todo o peso do dia que tive hoje e enxurrar as más lembranças do dia anterior. Toquei onde tinha sido machucado nas costelas, o ferimento havia sumido, como a Lili tinha dito. Mas, nas minhas mãos, eu não tinha percebido antes, pois estava todo empoeirado, havia pequenas marcas, cortes nas palmas. Agora, eram apenas cicatrizes descoloridas.


Saí do banho com a toalha enrolada na cintura. Parei em frente ao espelho da pia, o reflexo que tinha de mim mesmo não era um dos melhores: meu rosto, mesmo após o banho, ainda ostentava um semblante de cansaço e tristeza. Pensei em tentar dormir um pouco antes da caçada, mas certamente eu não acordaria tão cedo, mesmo com o despertador gigante que eles têm.


Quando voltei para o quarto, notei que as roupas antes no chão e sujas, estavam dobradas, limpas e cheirosas como se fossem novas em cima da cama. Me permiti um breve sorriso. Fiquei tentado em vestir as mesmas roupas, mas não achei que seria legal vesti-las novamente. Queria testar se a mágica daquele lugar era boa mesmo e, se tinha trazido as minhas roupas. No armário, tinha as mais variadas camisas que eu tinha. Peguei uma camisa jeans verde e uma calça preta de academia (não que eu fizesse) para facilitar na hora de correr atrás do coelho. Iria usar o mesmo sapato. Voltei até a mesinha, recoloquei Anoitecer em meu pulso, de novo senti o mesmo choque inicial que ela dava quando a colocava. Ainda faltava duas hora para o sol começar a se pôr e ter início à caça ao coelho Andy. Fiz a única coisa que poderia fazer naquele momento: coloquei um filme na tv, peguei umas fatias de pizza na geladeira mágica (agora, usei as luvas. Só se erra uma vez) e algumas latinhas de refrigerante.


Me enterrei no sofá.


Não sairia dali até a hora da caçada.


***


A caça estava prestes a começar quando soou a corneta ensurdecedora. Eu juro que ainda vou dar um pescotapa em que faz isso. Ainda não tinha me acostumado com aquilo, e quase pulei do sofá.


Coloquei o prato e as latinhas de lado.


Peguei o casaco que estava no braço do sofá e fui em direção para fora do quarto.


Para a minha má sorte, eu não tinha sido o único a ter voltado para o quarto quando o treinamento acabou. A fila para atravessar a ponte era relativamente grande.


A maldita corneta reverberou ruidosamente de novo, o barulho agudo ecoava pelos quatro cantos do Instituto.


Não demorou mais que dez minutos para que eu conseguisse atravessar. Enquanto eu esperava, vislumbrei o céu. Estava em tons alaranjados, o sol estava escondido atrás das poucas nuvens, indo descansar no canto esquerdo das alturas. Era uma cena linda de se ver e experienciar, coisa que fazia com meu pai quando ele tinha uma folga no Planetário. Aquela lembrança de meu pai me fez ficar infeliz por não ter sido capaz de salvá-lo, ou a Marie. Mas eu tinha prometido por eles, que faria de tudo ao meu alcance para trazê-lo de volta, nem que eu tenha que morrer no processo.


— Eu vou trazer você de volta pai... – sussurrei baixinho para mim mesmo.


Enxuguei as lágrimas que se formaram em meus olhos com as costas da mão, e segui os outros remanescentes para o lugar onde seria a concentração pré-caçada. Gregório, como líder do Instituto, estava aos pés da Grande Árvore. Estranhei a Sr.ª Allen não estar presente já que, como ela gostou de frisar, é também a diretora do Instituto. Gregório tinha trocado o figurino e agora trajada roupas mais casuais: uma camisa xadrez avermelhada, calça social e sapatos fazendo par com a calça. Sobre a camisa, ele usava suspensórios marrom. O cabelo estava embebido de gomalina, o bigode parecia ter sido retocado.


Formou-se um quarto de círculo à sua frente. Gregório coçou a nuca, afagou o bigode. E, só então falou:


— Olá a todos! Estão animados para a caça?


A multidão gritou, ecoou para os céus.


— Calma. Calma. – fez gesto com as mãos para cessar a gritaria. – Vocês já sabem como funciona, certo? Porém, temos dois novatos – apontou para o meio da multidão, para mim. E depois para além do meio das pessoas quase no final, para Sue. Ela parecia diferente. –, então darei uma explicação rápida. A caça ao coelho é composta por três equipes: verde, laranja e vermelho. Cada uma delas é liderada por duas pessoas; um arqueiro e um espadachim. O objetivo, como o próprio nome já diz, é caçar o coelho Andy. Para isso vocês precisarão marcá-lo com a cor da sua equipe. Andy é um ser mágico e não pode ser morto por suas armas, então, o combate está liberado. – Gregório espanou as mãos. – Bom, é isto. Informações dadas, agora a parte que vocês tão ansiosos quanto a caçada: saber em que equipe foram colocados. – ele virou-se de costas, ficando de frente para a Grande Árvore. – Sem mais delongas, os papeis estão a postos na Grande Árvore. Vão, vejam e juntem-se as equipes designadas. Vocês terão cerca de quinze minutos para se reunirem, colocarem as armaduras e só após meu sinal, terá início a caça.


Gregório, como um passe de mágica, estalou os dedos e sumiu numa cortina e fumaça, à la mágicos que passam na tv.


Os sessenta alunos foram em alvoroço ver em qual equipe estavam. Eu, como prezo pela minha saúde física e por não gostar de ser espremido, esperei eles saírem aos poucos para, só então ir ver em qual equipe eu fiquei. Por coincidência, ou nem tanto, outra pessoa também tivera a mesma ideia: uma garota com a pele tonalizada semelhante as amêndoas, cabelos castanhos ondulados e de olhos quase dourados idênticos a coloração do mel, ficou parada, esperando a "confusão" cessar diante da Grande Árvore. Mesmo com outra roupa, ainda assim a reconheci: era a Susan. Ela já não vestia mais a blusa vermelha de hoje cedo. Optara por uma camisa de manga comprida amarelada, e por cima da blusa vinha o seu icônico casaco cinza. Às costas, trazia uma aljava com dezenas de flechas prontas para acertar o adversário.


— Sue! – gritei, enquanto ia em direção até ela.


Ela olhou pra mim e abriu um largo sorriso. Sobre a luz do sol poente ela tinha ficado ainda mais bonita e, certamente, mais perigosa com aquelas flechas.


— Oi, cabeção. – disse ela após eu ter ido ao seu encontro.


— Você sumiu depois que foi ao Arsenal. Fiquei preocupado com você. Aonde você estava? – perguntei. A inquietação por não saber dela estava se esvaindo.


— Estava no Arsenal, Adrian. – Sue, das muitas vezes em que conversamos desde ontem, ela raramente olhava para o chão, preferia manter o contato visual, mesmo que desviasse o olhar de vez em quando. Mas, agora, ela estava completamente vidrada nos seus pés, como se fossem as coisas mais lindas do mundo. – Fiquei indecisa em escolher uma arma, até porque não sou do tipo que sai esfaqueando em todo mundo. Só que a Leta disse para que eu levasse o tempo que fosse necessário, pois é a arma que escolhe seu portador. Por fim, deu-se que acabei sendo "escolhida", por assim dizer, por duas, o que é raro, segundo Leta. – Sue fechou os olhos por poucos segundos. Eu já tinha visto isso acontecer antes, mas foi com a Candence. Assim que os abriu novamente, um arco estava repousando em sua mão esquerda. – Esta. – deu-me o arco para que pudesse dar uma olhada mais de perto.


Seu novo "brinquedinho" era semelhante ao que Candence utilizava, mas com um pequeno porém: ele era totalmente preto. Dedilhei-o por todo seu comprimento. Em suas extremidades o arco tinha encrustado duas runas prateadas que ao pé da letra estava escrito: Nunca Erra.


— Leta não explicou o que significado dessas runas. – disse Sue, como se pudesse estar lendo minha mente. – Você não saberia, não é, Adrian? – ela arqueou a sobrancelha.


— Hã? Por quê? – fui pego de surpresa por aquela pergunta.


— O jeito como você ficou ontem, quando Gregório falou sobre saber o idioma dos deuses. Você perguntou se era possível ler em armas, como a sua, por exemplo. Naquela hora você disse que não era nada, mas o pouco que te conheço é o bastante para saber que você mentiu. Além disso, você chama sua espada pelo nome: Anoitecer, deve ser isso que está escrito nas runas roxas dela.


— Tudo bem, Sue. – abaixei a cabeça, relaxei os ombros. – Supostamente eu posso ler algumas coisas, mas não quer dizer que eu saiba falar o idioma dos deuses. – Devolvi-lhe o arco. – Está escrito Nunca Erra nele. Deve fazer você ser a melhor arqueira deste lugar ou do mundo, ou dos mundos.


Seus olhos cor de mel cintilaram, esperançosos por aquilo ser verdade.


— Pode ser. – disse Sue em um muxoxo, recolhendo os ombros. – Acho que deve estar errado isso daí. Eu não acertei uma flecha no centro do alvo. Se não fosse o bastante, ainda tive que aturar aquela chata da Candence me caçoando por não acertar com precisão.


— Não dá para ser a melhor arqueira em apenas uma tarde, Sue. E em relação a Candence, é só não cair na provocação dela. Tem o fato de você ter sido recém-Clamada, ela não está sabendo lidar com isso. – confortei-a. – Se você acha sua tarde foi difícil, imagina treinar com o Ferdinand.


— O quê? Quando isso aconteceu? – Sue parecia incrédula e relutante em acreditar.


Contei a ela sobre o treinamento que tive durante toda a tarde com o Ferdinand. E, se não bastasse ele ser meu treinador, ainda falei sobre a luta-treino que tivemos, sobre como quase o venci, mas por uma fração de microssegundos fui derrotado, caindo prostrado no chão. Após terminar de relatar, Sue começou a rir de mim, tipo, bem alto. Por sorte ninguém deu-se a coragem de vir e perguntar o porquê. Estavam ocupados demais em saber as equipes.


— Ai, desculpa, Adrian. É que não achei que fosse ser possível vocês estarem juntos sem tentar arrancar a cabeça do outro.


— Nah, acho que já está tudo bem entre nós. – confidenciei-lhe. – Acho que devo agradecer a Candence depois.


A expressão de alegria da Sue se foi na hora. Era falar na Candence que ela ficava possessa e com raiva, exatamente como eu fiquei com o Ferdinand.


— Vamos olhar em que equipe estamos. – Sue mudou de assunto rapidamente, e logo foi em direção a Grande Árvore.


— Ei, Sue. – segurei-lhe o braço. – Você disse que pegou duas armas. Qual foi a outra?


Quase que imediatamente ela rodou um anel atado em seu dedo indicador. Se eu não tivesse me afastado, provavelmente estaria morto agora. Sue retirou o anel após rodá-lo duas vezes. Ele se alongou ao ponto de virar um bastão de aproximadamente um metro e meio de comprimento, feito do mesmíssimo material das lâminas das espadas que se encontravam na Arena.


— Ops! Preciso apontar melhor isso na hora de retirar do dedo. – disse Sue, tentando se desculpar. Mas, sinceramente, acho que ela até fez de propósito depois de eu mencionar o nome da Candence.


— Este aqui não tem runas. – apontei para o óbvio. Olhei para o bastão, não parecia ter nada de extraordinário. Mas, como Sue falou: é a arma quem escolhe seu portador. Então é se de pensar que a arma tem algum objetivo para deixar Sue usá-la. – Parece-me ser uma boa arma, Sue.


— É provável que seja mesmo, mas enquanto eu não utilizá-lo bem, não será tão eficaz. – Sue apertou em um pequeno botão na parte inferior do bastão e o objeto retesou e tomou a forma do inofensivo anel. Ela recolocou em seu dedo.


Enquanto estávamos conversando, a baderna em frente a lista das equipes foi diminuindo, até não mais que cinco pessoas. Elas conversam entre si, agitando os braços. Não demorou muito e foram para suas respectivas equipes.


Sue e eu fomos até a Grande Árvore. Tinha a esperança de cair no mesmo time que ela. No pior cenário, eu cairia contra ela, Candence e Ferdinand, ou seja, todos que conheço. No melhor, seriamos do mesmo time e botaríamos para quebrar, ou tentar. Comecei a procurar pela equipe vermelha, felizmente meu nome não estava lá. Além de não conhecer ninguém daquele equipe, ela era liderada pela Graci, a instrutora casca grossa da Arena dos guerreiros.


— Isso! – gritou Sue do meu lado. – Achei meu nome. Estou na equipe laranja, liderada por um tal de Nick e pela instrutora que me ensinou na Arena de arquearia: Megan. – Ela se virou para mim, triste. – Infelizmente, você não está aqui, Adrian.


Se tiver algum deus da sorte, eu juro que vou dar um mega pescotapa. Logo agora que reencontrei a Susan, vamos ser adversários.


— Bom, acho que sobrou a equipe do Ferdinand. – disse eu, após um tristonho sorriso. – O Nick é um cara legal, instrutor do treinamento com espadas.


Sue afastou-se da lista e me abraçou. Um abraço apertado, demorado. Senti meu corpo prestes a desmoronar. Eu nunca havia sido tão abraçado constantemente assim, nem mesmo pela Marie ou meu pai. Não que eu esteja reclamando, longe disso, só não é comum pra mim. Até ontem, eu tinha zero amigos, com exceção da minha família, então esses laços efetivos é algo inédito pra mim.


— Se aparecer na minha frente, cabeção... – Sue se afastou devagar de mim. – Vou acertar uma flecha em você.


Não sabia se ela estava brincando ou não.


— Ou me cutucar com seu bastão. – entrei na onda, esperando ter sido apenas uma brincadeira. – Além do mais, se você aparecer na minha frente vou ter que usar Anoitecer e estou pegando o jeito muito fácil de acertar as pessoas com ela.


Ela mais uma vez riu alto que depois teve uma breve crise de tosse. Após se despedir, ela seguiu em direção onde estavam os membros da equipe laranja. Mesmo distante, deu pra ver que Nick havia dado a ela uma cota de malha e a couraça, a parte superior da armadura e algo proteger os antebraços.


Fui até a equipe verde, encabeçada pelo Ferdinand e, certamente, com a Candence para ajudar, já que ela não estava nos outros dois times.


Havia um semicírculo para ouvir as instruções do Ferdinand, sendo apoiando pela Candence, que andava de um lado para o outro conferindo se as armaduras estavam bem encaixadas. Quando me viu, ela abriu um largo sorriso e gritou fazendo todos olharem pra mim:


— Adrian! Finalmente você apareceu. Já estava achando que teria que arrastar você até aqui.


Ela me puxou pelo braço até onde estava sobrando uma cota de malha e a couraça.


— Veste aí, acho que é o tamanho certo pra você.


— É bom você também, Candence. – disse eu, amistoso.


Fiquei todo perdido na hora de colocar a couraça e depois amarrar os cordões para que não ficassem frouxos. Por sorte, ela veio me auxiliar e apertou um pouco forte demais que ficou difícil de respirar.


— Assim você vai matar o garoto, Candy. – reclamou Ferdinand sem sair do lugar, e voltou a dar as ordens.


Após ter amarrado de uma forma que ficaria bem para respirar, Candence se afastou um pouco e ficou me encarando.


— E então, como está? – perguntou-me, parecia uma pergunta com mais de um foco.


— Bem. É pesada, mas estou bem. – respondi. Era preciso ser forte para não desabar com tudo aquilo amarrado.


— É para ser pesada mesmo, Trevosinho. – Ela havia me chamado pelo apelido que o pai da Sue, Dustin, havia colocado em mim, durante sua ligação de vídeo chamada com sua filha. – Você vai receber golpes duros que, se não fossem por este peitoral – ela deu uns soquinhos testando a resistência da placa protetora em meu peito. –, você seria morto facilmente. Já no meu caso, como sou da arquearia, a minha é mais leve que as demais, para facilitar a agilidade e furtividade do ataque.


— Será que ainda há chance de eu arranjar um arco? – disse eu.


— Não. – respondeu, no mesmo tom descontraído. – Agora, venha, Ferdinand está terminando de dar as últimas instruções.


As instruções que ele estava nos dando não era nada complicado, ainda mais pra mim, iniciante naquilo tudo. Felizmente, ele havia dado uma informação que Gregório esquecera de contar, ou simplesmente não quis: quem for atingido pelo time adversário mais de três vezes é eliminado. Quando se é acertado na armadura por alguém do time adversário, é "pintado" pela cor da equipe e está eliminado caso seja atingido três vezes por três pessoas diferentes. Caso não consigam capturar Andy, ganha quem tiver mais membros restante. Ou seja, vão focar o novato e eliminar ele logo de uma vez, que no caso sou eu. Claro, fiquei preocupado com a Sue de focarem-na, mas ali éramos adversários. Cada um por si.


O céu tremeu ao reverberar da maldita corneta. Os quinze minutos finalmente tinham findado, e agora era hora da caça. Voltamos para onde tinha sido a concentração, aos pés da Grande Árvore. Gregório voltou em uma nova cortina de fumaça, fez todo um discurso acalorado sobre o vencedor receber as honras e tudo mais. Ele fechou os olhos por não mais que cinco segundos e apareceu um cajado dourado com uma grande joia avermelhada no topo. Com o cajado em mãos, fez gestos e abriu uma fenda no ar, assim como os Zumbis de Areia fizeram para fugir com meu pai. Mas só que, Gregório era do bem e não nos levaria para a cova dos monstros. Os outros remanescentes marcharam para a abertura, eles gritavam entusiasmados com o início da caça.


Antes de entrar, dei uma última olhada para o céu. Os tons alaranjados do pôr-do-sol deu lugar ao azular da noite. Diferente da noite anterior, a lua se escondia atrás das diversas nuvens que preenchia o céu noturno. Pontinhos brilhantes se faziam presentes lá em cima, eram as estrelas que nem mesmo as nuvens foram capazes de encobrir. De repente, senti uma força percorrer por todo meu corpo. Uma onda de choque vindo da Anoitecer fez "acender" meus sentidos. Apertei o botão esquerdo. Em fração de poucos segundos Anoitecer deitava em minha mão. Eu parecia estar pronto para a luta.


E adentrei na fenda.


Cá entre nós, eu sei agora que mágica é real. Mas aquilo era além do mágico. Uma hora eu estava abaixo de uma árvore com centenas de metros, e depois estava no que parecia ser uma floresta. Não parecia... era uma floresta. Dezenas, ou até mesmo centenas de árvores espalhadas por todos os lados, arbusto, galhos quebrados pelo caminho. O mais estranho era que, antes a lua que pairava tímida no céu, encoberta pelas nuvens, agora estava à mostra. Iluminando tudo e todos. O ar congelante entrava nas minhas vias respiratórias. Nunca estive tão vivo, pensei subitamente.


Olhei para todos os lados, só vi gente do meu time, que agora ostentavam faixas verdes no braço. E eu também tinha uma dessas. A fenda que estava atrás de mim tinha sumido. Era como se estivéssemos jogados em algum lugar para ver quem sobreviveria por mais tempo. E é exatamente isso que se tratava o exercício da caça ao coelho: sobreviver. Gregório não estava mais ali, talvez não estivesse vendo o que estava para acontecer, ou não. Ele poderia estar sentado neste exato momento na sua poltrona, na sala com dezenas de animais empalhados, tomando seu uísque e gargalhando de nós.


O time verde se reuniu sob as ordens do Ferdinand, que agora não possuía mais o sorriso amigável. Seus olhos pareciam vermelhos, como aconteceu momentos antes da luta contra os Zumbis de Areia.


— Vamos lá, verde! – vociferou o grandalhão. Os outros integrantes gritaram que ecoou por todo aquele lugar. Em resposta aos nosso gritos, as outras equipes revidaram e berraram de volta. – Sei que somos todos amigos, mas durante a caçada somos adversários. Não temos outra opção senão vencer! Pelos deuses!


— PELOS DEUSES! – um coral uníssono partiu dos outros dezoito integrantes do time verde.


A gritaria ocasionada pelos três times foi interrompida por um guincho rouco e alto que foi tão ensurdecedor quanto a corneta tocada pela manhã, as cinco horas. Ficamos nos olhando, tentando saber o que fazer agora. Só podia ser o tal coelho Andy.


Outro guincho.


— Avançar! – Ferdinand se esgoelou ordenando todos nós. – Vão! Vão!


Como bons subordinados, corremos como se não houvesse amanhã. Não éramos os únicos ali, tínhamos que tomar cuidado para não sermos atingidos logo de cara por flechas adversárias e acabar eliminado, prejudicando o time. Formamos um bloco, protegendo a retaguarda, os lados e a dianteira. Os galhos espalhados no chão foram obstáculos iniciais para continuar prosseguindo em direção ao Andy.


— Parem! – ordenou Candence, ofegante após dez minutos de corrida. Estávamos perto de um riacho que corria forte e rápido na direção de uma descida. – Está muito estranho, não acham? Não vimos ninguém até agora.


— Está... tudo silêncio. – falou um garoto trajando armadura completa, com direito a elmo emplumado. O único, na verdade.


— Cadê os outros? – perguntou um segundo remanescente.


— É uma armadilha. – deduziu o terceiro.


Um murmurinho começou a se aflorar até que Ferdinand interveio:


— Quietos! Não esqueçam do planejamos agora pouco, ok? Dividir para conquistar, pessoal. Dividir para conquistar. – disse uma frase digna daqueles generais estrategistas dos filmes clássicos. – Candence, Mateus, Glória e Adrian, venham comigo. Grupos de cinco, pessoal. Vamos, time verde! – gritou novamente, encorajando os parceiros.


— E-eu? – cutuquei Candence que estava do meu lado. – Nem sou tão experiente assim.


Ela esperou os outros quinze irem separando-se em grupos e partirem para surpreender os outros adversários, e só então respondeu.


— O Fer viu muito potencial em você, Adrian, não só ele. Foi quase uma briga entre ele, Nick e Graci para ter você no time. – ela afagou-me os ombros. Era muita pressão pra mim estar logo no time do Ferdinand. – Não fique tão nervoso ou ansioso, basta relaxar e se divertir, Adrian.


— Relaxar? Fácil. É só fingir que não têm várias pessoas avidas por me acertar com golpes de espadas, flechadas e bastões. – rebati, sarcasticamente. – Moleza, Candy.


— Você me chamou de Candy? – ela fez uma careta, e depois sorriu.


— Talvez...


— Apenas relaxe.


E voltou para o lado de Ferdinand.


Ferdinand deu a ordem para voltarmos a nos mover. Abordamos a mesma estratégia de antes, mas em menor escala: proteger a dianteira com Mateus, um garoto de óculos e magricela que devia ter por volta dos quinze anos, que carregava um grande escudo e uma lança colossal. Nas laterais, ficou Ferdinand e eu com as espadas em punhos. Mais atrás, dando cobertura, Candy e Glória, uma guria que trajava as roupas pretas e maquiagem pesada, estavam atentas com os arcos para retardar qualquer um que viesse pela frente ou trás.


Ganhamos os primeiros cinquenta metros, a formação estava funcionando até que, pelos lados apareceram cerca de dez adversários de faixas laranjas amarradas nos braços, carregando lanças e espadas. Eles urravam alto em regozijo por ter nos cercado. Eles nos rodearam até formar um círculo perfeito. Estávamos acuados. As nossas especialistas em combate a distância não tinham espaço para fazer mira. Mateus tremia ao ponto de quase derrubar sua lança e o escudo. Ferdinand continuava rígido sem dizer uma palavra sequer. Parecia estar concentrado, focado no que fazer nos próximos minutos. Eu, por outro lado, estava apreensivo, e além disso, estava batendo com meus cálculos achar que seria facilmente eliminado da caçada.


— Mas olha só o que os bons ventos nos trouxeram, pessoal. – falou um cara com a voz abafada por causa do elmo. – Se não é o grande Ferdinand e sua namoradinha, Candence.


Ferdinand continuou calado.


— Veio apanhar de novo, Lucas? – provocou Candence. – Não basta semana passada ter sido feito de idiota na frente de todos do seu time?


Glória deu um sorrisinho tímido. Mateus, ao meu lado, deu uma relaxada no seu nervosismo e a tremedeira diminuiu. Os "comparsas" que seguiam Lucas cochicharam entre si, relembrando do suposto vexame que ele tinha passado na semana anterior.


— Não quero perder meu tempo com vocês, perdedores. – esbravejou Lucas. Retirou seu elmo enegrecido e deu a ordem para nos atacar. – Acabem com eles, rapazes.


Lucas foi tão arrogante que após a ordem, ele deu de costas e voltou pelo caminho de onde veio, pelos matos, para quem sabe se reagrupar com o restante do time laranja e contar que tinha derrubado o líder da equipe verde.


Era uma luta injusta. Dez contra cinco, sendo um deles inexperiente e um outro extremamente nervoso. Ferdinand parecia compensar em bravura, experiência e tamanho, mas sozinho não era páreo para os inimigos. Candy e Glória ainda precisariam de uma folga para poder sacar as flechas e dispará-las.


Os "capangas" do time laranja avançaram. Ferdinand, como sempre, tomou a dianteira. Travou dois com sua espada pesada de ferro cinza. Outros dois foram para cima do Mateus que, mesmo tremendo, conseguiu repelir os ataques com seu escudo e acertar um deles com a ponta de sua lança. As garotas começaram a atacar com o arco, tentando espantá-los. Eu tentei lembrar do recém treinamento com Ferdinand, e não ser eliminado. Meus instintos de batalha, mais uma vez, não falharam. Defendi meio torto golpes de um, dois, três caras.


— Mateus! – gritei pelo garoto.


Ele veio cambaleante ao meu lado, pôs seus escudo na frente das espadas do inimigo, aparando os golpes. O garoto manejava a lança com certa dificuldade por causa do tamanho dela, mas vez outra conseguiu quase acertar de raspão um deles. Só depois reparei que Mateus tinha sido acertado uma vez. Mais duas e ele estaria fora. Cerca de seis deles haviam sido atingidos duas vezes, precisava que mais alguém os atingisse também. Ferdinand continuava segurando os dois com sua espada, havia sido marcado uma vez na lateral da couraça.


Os inimigos recuaram alguns metros. Isto deu brecha para que as garotas do ataque à distância começassem a saraivá-los. Derrubou dois, três, quatro, fazendo-os desaparecer em fumaça alaranjada. Restando apenas suas faixas laranjas no chão barrento.


— Reagrupar. – gritou o líder após Lucas ter os abandonado.


Agora, a luta estava ficando justa. Eles ainda tinham um na vantagem, mas a nossa pequena vitória nos deu confiança, e até mesmo Mateus havia parado de tremer. Ele parecia furioso e focado para derrotar o grupo adversário. Nós fizemos o mesmo que eles: reagrupamos. De novo, Mateus ficou na frente por causa do escudo e a lança. Candence e Glória continuavam a despejar flechas neles, os afastando, e ocasionalmente acertando um ou outro. Ferdinand estava ofegante, pingando de suor.


— Tampinha. – ele me chamou entre uma respiração pesada e outra. – Temos que acabar com eles. Vamos ser a linha de frente.


— Nós? – perguntei, estranhando o raciocínio dele. – Mateus é quem tem o escudo e pode melhor proteger você.


— Não, Adrian, tem que ser você para me ajudar. Somos os únicos com a espada. Eles três vão nos dar cobertura, certo? – olhou fixamente para os três atrás de nós.


— Sempre, Fer. – rebateu Candy, dando um inesperado beijo nele.


Aquilo fez ele se encher de coragem. Seus olhos ficaram tão rubros quanto antes, talvez até mais.


— Agora! – gritou ele.


E fomos correndo feito loucos para cima do inimigo.


Enquanto corríamos, flechas zumbiam rente aos nossos ouvidos, indo de encontro aos alaranjados. Só no impacto das flechas, mais dois foram eliminados. Quatro contra cinco. A vantagem era nossa. Ferdinand se degladiou com um deles que empunhava um espada curvilínea. Eu encarei outro com um punhal. Ele tentou me acertar na barriga, mas consegui esquivar pulando para trás. Outro ao meu lado tentou marcar com sua lança. Sorte que consegui rolar para o lado na hora, mas acabei caindo nos pés de um outro que acertou em cheio na couraça. Eu tinha sido marcado.


Mais flechas voavam.


Mateus veio correndo em disparada com sua lança, mas acabou escorregando no barro misturado com lama e caiu sentado. Os adversários não perdoaram e acertaram-lhe mais duas vezes e ele acabou eliminado. Me senti triste por ele ter sido eliminado, já que tentou me ajudar. Ao invés de lamentar, continuei lutando ferozmente contra os dois. Eu conseguia defender facilmente, rolava, esquivava, pulava para trás, para o lado, parecia tudo tão fácil, que decide atacar. Manuseei Anoitecer em uma investida rápida na horizontal, acertando um terceiro que acabou virando fumaça laranja na minha frente. Infelizmente os outros dois não ficaram parados e tentaram me golpear, escapei de um deles por pouco, mas fui acertado de raspão e contabilizado. Mais um acerto e seria eliminado.


Ferdinand apareceu por trás dele como uma assombração. Havia derrotado o inimigo no qual ficara encarregado. As flechas das garotas pararam de voar, o que me fez pensar que tinham acabado. O que acabou se confirmando quando Glória gritou:


— Estou sem flechas por agora. Vai demorar dez minutos para recarregar a aljava.


— Voltem e procurem outro agrupamento do nosso time. – esbravejou Ferdinand. – Vão!


Candy e Glória foram correndo mata a dentro. Com sorte elas encontrariam aliados.


Agora, a luta estava igualitária. Ferdinand empurrou um dos adversários, que com agilidade conseguiu esquivar do seu golpe com a espada. O grandalhão veio mais uma vez ofegante, e agora colou as costas nas minhas. Empreguei todo o treinamento que tive – o que não foi muito – e lutei de igual para igual ao laranjinha. Ele já havia sido marcado por mim na primeira vez, então Ferdinand teria que acertá-lo. O Laranjinha Um tentou me acertar, mas coloquei Anoitecer na frente e aparei seu golpe. Tentou mais uma, duas vezes e em todas consegui esquivar. Ferdinand parecia estar na mesma situação que eu.


— Ferdinand. – chamei-o em meio a luta. – Trocar!


Falei na esperança dele entender a mensagem. Ainda bem que ele também era esperto, além de parecer um touro encoberto de músculos. Em um movimento rápido, rolamos para lados opostos, confundindo os inimigos, que acertaram a lama. Levantamos ligeiramente e atingimos os adversários contrários, fazendo-os virar poeira laranja em meio a claridade da luz.


Exaustos e terrivelmente ensopados de suor, Ferdinand e eu nos escorramos um no outro. Ele guardou a espada na bainha. Se apoiou mais forte em mim e abriu um sorriso.


— Eu disse que tinha que ser você, Tampinha. Eu sei o que estou fazendo.


Respondi com uns tapinhas em suas costas. Na falta de ideia melhor entramos na trilha que as garotas foram correndo, na tentativa de achar mais do time verde e conseguir algum médico para arranjar um pedaço do bolo cura tudo. Por sorte (eu tenho que parar de falar isso), Candy e Glória não estavam muito longe e/ou sozinhas. Com elas, vinham mais oito pessoas, entre elas três médicas que reconheci da enfermaria e uma delas me chamou mais a atenção. Era uma garota gordinha, com óculos avermelhados e de sorriso metálico.


— Lili? – perguntei, quase sem forças.


— Eu disse que nos veria de novo, esquentadinho. – provocou-me. – Tragam eles para cá. – reclamou com todos garotos com arcos para nos levar até elas.


Após termos nos recuperado bem da luta anterior, nós, os doze que sobraram da equipe verde voltamos a andar em blocos. Nos protegendo sempre, ficando atentos a cada movimentação em arbustos, cada balançar nas folhas das árvores. Os guinchados do coelho Andy foram ficando mais altos com o passar do tempo. Desde a luta contra os laranjas, não fomos tão atazanados pelas demais equipes, só quando encontrávamos um ou outro grupo perdido e eliminávamos rapidamente.


Dos doze que haviam sobrados, três deles haviam sido eliminados posteriormente, incluindo a enfermeira falastrona, Lili. Aquele lugar era enorme, praticamente infindável. Tinha sei lá quantas possibilidades de encontrarmos Andy e/ou os inimigos. Naquela altura, o número parecia mais irrisório do que a qualidade de cada um de vez. Os arqueiros carregavam aljavas praticamente cheias. Aqueles que antes estavam com lanças haviam trocado para punhais. As duas médicas que sobraram andavam com o kit de pronto-socorro sempre atentas para curar qualquer machucado. Quase nós todos tínhamos sido marcado duas vezes, então por isso redobramos a atenção.


Mais adiante uma silhueta peluda e saltitante se iluminou nas penumbras da floresta. Ele guinchava alto. Era o famoso coelho Andy. Quando falaram que era um coelho, imaginei ser um bicho pequenino, mas de perto, ele era enorme. Era quase do tamanho de um fusca, com pelugem branca, com as patas e orelhas pretas. Olhos vermelhos. Estava tudo calmo. Suspeitamente calmo. Era quase como se fosse...


— Abaixem. – gritou um dos garotos com punhal, mas não foi rápido o bastante para fazer aquilo que falara e foi atingido em cheio na armadura por uma flecha e se desfez em fumaça esverdeada.


Detrás das árvores pulou uma figura conhecida e antes amigável Nick Pontes. De todos os lados saltaram remanescentes com faixas laranjas envolta dos braços. E, ao lado de Nick uma figura detestável: Lucas. O subordinado que abandonou seu grupo para se vangloriar os louros, achando que teria nos derrotado. Mais atrás, uma garota de camisa amarelada e couraça apareceu carregando um arco preto com runas prateadas, era a Sue, que de forma inexplicável não tinha sido eliminada tampouco marcada. Permanecia incólume.


— Ferdinand, meu amigo. – disse Nick, usando um tom agradável. – Vejo que Lucas se antecipou na comemoração de sua eliminação. Ah, oi Adrian. – deu tchauzinho pra mim sorridente. – Candy é sempre bom ver você.


— Nick... – falou Ferdinand entre os dentes. – Você derrotou a Graci?


— Sim, foi difícil pra caramba. Sabe como é, né?! Ela é muito teimosa e não saiu sem deixar sua marca. – apontou para a mancha avermelhada na armadura. – Mas chega disso. Estou aqui para aceitar sua rendição, meu amigo.


— Render? – Ferdinand riu ruidosamente fazendo o som ser transportado por toda a floresta, dando um ar assombroso ao lugar. – Nem morto, Nick. Você sabe que não entrego vitória.


— Eu sei. – riu-se. – E eu também não queria vitória fácil, por isso não marcamos o Andy. Então, como quer fazer isso?


— Atacar! – foi Candence quem gritou, inspirando os poucos dos nossos.


— Ai, tudo bem. – disse Nick, retesando os ombros. – Ataquem eles também, minhas crianças.


Éramos nove – sete se não considerar as médicas – contra cerca de quinze deles. E muitos nem tinham sido marcados ainda, enquanto nós estávamos com duas marcas. Mais uma vez, empreguei o treinamento que tive, Ferdinand e mais outro vieram ao meu lado. Candy, Glória saraivaram os inimigos, acertando alguns poucos, eliminando menos ainda. Como eles tinham mais vantagem em números, apenas aguardaram nosso ataque. Os arqueiros do time laranja contra-atacaram e, infelizmente, atingiram as nossas arqueiras, eliminando-as rapidamente. Nossas enfermeiras ficaram facilmente expostas e foram atingidas por golpes de espadas na couraça, virando fumaça verde.


Por fim, éramos apenas Ferdinand, eu e outro espadachim. Contra, agora, onze deles. Lucas veio com sangue nos olhos para cima do Ferdinand, que esquivou agilmente e acertou o inimigo na parte das costas, o eliminando.


Flechas zumbiram no ar.


Nosso último homem, além de Ferdinand e eu, caiu após outra bateria de ataque do time laranja. Sabíamos que não teria mais chances, então fomos com tudo. Não sei explicar, mas senti uma força crescendo dentro de mim. Algo no meu interior não queria perder. Ouvi uma voz profunda e suave na minha mente: Você consegue, Adrian. Me concentrei naquelas palavras, o cansaço estava batendo, mas não queria ceder. As sombras é sua aliada, Adrian, use-a com sabedoria. Sussurrou a voz na minha mente. Não entendi o que significava, mas uma coisa era certa: quem estava dizendo isso era minha mãe.


Senti as sombras que eram formadas pelas árvores iluminadas pela luz do luar, que não tocavam a floresta densa. A vitalidade estava voltando para meu corpo, os movimentos dos inimigos foram ficando lentos ao ponto de parecer que estavam parados. Ferdinand, ao meu lado, estava com o cansaço bem evidente. As flechas pararam subitamente. Nick veio pessoalmente para a briga, lutando contra Ferdinand. Em um momento falho, Ferdinand perdeu a pegada e foi atingido pelo Nick, se esvaindo em fumaça esverdeada.


Restava apenas eu. O novato. O acompanhante da Susan.


Nick ordenou que os outros recuassem. Lutaríamos no mano a mano. Eu não tinha a menor chance, mesmo revigorado. Ele foi o cara que treinou o Ferdinand e tantos outros dali. O líder da equipe laranja investiu em um golpe rasteiro, mas consegui esquivar. Tentou outro golpe na horizontal, coloquei Anoitecer na frente para frear o ataque. Tentou mais outro e outro. Nossas armas se chocavam constantemente, fazendo ecoar às alturas. Minhas energias estavam se extinguindo de novo. Era só uma questão de tempo até eu ser atingido.


Armei um golpe para acertar no contrapé dele, mas foi rápido e rolou para trás.


— Nossa. – falou Nick, animado. Ele ostentava um sorriso no rosto. – Você é mesmo muito bom, Adrian.


— Ferdinand foi um bom treinador. – rebati, arfando, suado.


— Eu sei. – deu de ombros. – Eu que ensinei o que ele sabe. Sendo assim, tudo o que você sabe.


Nick avançou tão rápido que quase não o vi chegando. Os outros, antes pareciam mais lerdos, mas não ele. O garoto tinha energia e agilidade de sobra. Em um movimento astuto e inesperado, Nick acertou-me bem no meio da couraça, sem a possibilidade de me defender com Anoitecer.


— Lutou bem Adrian. – disse o garoto.


E então tudo ao meu redor ficou verde.


A última coisa que me lembro é de flutuar em uma nuvem de fumaça esverdeada para voltar até o Instituto.


Zonzo, olhei ao redor. Estava aonde tinha sido a preparação do time verde. Os outros integrantes eliminados estavam lá, sob os cuidados das nossas enfermeiras.


Ferdinand se levantou de onde estava e sentou do meu lado, no meio do pátio.


— Você lutou bravamente, Tampinha, o que foi um bocado estranho para um novato com pouco treinamento. Mas você está de parabéns.


Antes que pudesse apagar por completo, arranjei forças suficientes para dizer:


— Lutamos bem, todos nós. Mas, agora, preciso tirar uma soneca.


Por fim, desmaiei de exaustão.


 


Quando acordei depois da caçada, Candence comparou minha notória habilidade em desmaiar com um tal de Jason das Graças, embora eu não soubesse quem era esse cara e como ele ganhara tal fama de Bela Adormecida. Eu tinha ficado na enfermaria por cerca de dois dias me recuperando, mesmo com o tratamento à base do bolo cura tudo. Segundo Lili, a enfermeira falastrona, eu tinha sido levado ao extremo da exaustão e precisaria de quanto tempo fosse necessário para me recuperar por completo.



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