Fanfic: Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1) | Tema: Fantasia
O tempo havia corrido mais do que era esperado. Já era de tarde.
Eu estava possesso. Mal via a hora de colocar minhas mãos naquele sapo balofo e fazer dele picadinho. Ou, sendo menos radical, jogá-lo em um brejo e cobrir com cimento. Após os acontecimentos no hotel, decidimos certamente em não confiar em ninguém, além de nós quatro. Ainda mais naqueles que parecem ser humanos, mas são monstros usando "avatares" de pessoas comuns.
Mesmo escapando das garras afiadas de Ayza, a Dama das Sombras, o clima entre nós ainda era tenso. Não por estarmos em conflito, mas, sim, por termos experimentado aquela sensação claustrofóbica em meio ao escuro e monstros que emergem das sombras com sede de matança. Sue, sendo a algoz de Ayza, ainda estava atônita com o que ela fez para derrotar a Dama das Sombras. Segundo ela, durante nossa breve conversa no quarto do hotel, ela só conseguira utilizar sua habilidade graças alguma ajuda misteriosa de sua mãe, Aezirel, desnorteando Ayza e a liquidando posteriormente.
Depois de sairmos do hotel, misteriosamente, ele começou a pegar fogo mais uma vez. Mesmo estando algumas quadras distantes dava para ouvir as sirenes dos bombeiros a caminho do hotel em chamas, e, claro, a fumaça preta que seguia trilha para o alto dos céus. Destruir prédios meios que se tornou uma especialidade de nós quatro, visando que destruí (não por querer) o colégio Castelo Branco e depois o Observatório do Planetário que meu trabalhava.
Ferdinand e Candy estavam carregando as estatuetas de esmeralda consigo, após encontrá-las em meio uma pilha de outras quinquilharias que Ayza havia surrupiado e levado para aquele hotel caindo aos pedaços. Tais peças não eram "figuras horríveis", como o Sr. Bocarra (não sei por que ainda chamo de Sr.) havia sugerido. Elas eram, sim, estranhas e diferentes dos tipos de monstros que já tinha visto nos livros da biblioteca, mas nada que fosse tirar meu sono a noite. Quer dizer, eram action figures de monstros que existiram há milhares de anos atrás, em um tempo remoto.
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Regressamos para a Avenida do Bazar. Em meio a rua, tinha um relógio bem grande marcando a hora e a temperatura do lugar. Tive que conferir duas vezes nele e em Anoitecer para ter certeza que já era quase meio dia Tínhamos passado tempo demais naquele hotel assombrado, mas não parecia. Era como se ali tivesse algum tipo de magia que retardasse os sentidos para a passagem temporal.
Passamos mais uma vez pelos vendedores, agora a senhora que vendia pastel já não mais se encontrava no local. Os mesmos comerciantes de antes, tentavam novamente nos empurrar produtos que não queríamos. Sue ficou solidária em querer comprar algo, mas Candy logo tratou de empurrá-la para irmos direto para o antiquário do Bocarra.
— Viu Abe? – gritou o comerciante da loja vizinha, Carlos. Não sei como consegui memorizar o nome dele. – Você de novo espantando os jovens fregueses.
— Ah, vai comer minhas cuecas, Carlos. – respondeu Abe, agitando os braços freneticamente.
Se não fosse a urgência de chegar até a loja de penhor, e a avidez para "interrogar" o Sr. Bocarra, eu teria ficado ali vendo a discussão que os dois vendedores começaram de novo. Não demorou muito, em meios aos embrenhos pela Avenida do Bazar, chegamos ao antiquário. Estava incólume desde que saímos. Era a hora de botar as cartas na mesa e descer o sarrafo no Bocarra.
Ferdinand, no auge de toda sua delicadeza e jeito para diplomata, escancarou as portas duplas em um chute potente, fazendo-as bater ruidosamente na parede, arrancando alguns pedaços da tinta, estremecendo quadros pendurados nas paredes por todo o lugar.
— Toc! Toc! – gritou Candy, batucando na porta.
O Sr. Bocarra saiu assustado e desesperado para saber quem tinha ousado em adentrar tão abruptamente em seu estabelecimento. Quando nos viu, certamente, ele ficou surpreso e imaginou que aquele seria seu fim. E, bom... ele estava certo.
— C-Crianças... – gaguejou Sr. Bocarra. A expressão que ele ficou foi impagável, era óbvio que estava amedrontado por nos rever. Ainda mais por ter nos mandado para uma armadilha, onde ele tinha plena convicção que iriamos falhar e acabar morrendo. – V-Vocês conseguiram. – limpou a garganta. – Quer dizer, é claro que conseguiram. Não esperava menos de vocês.
Ele estava com muito, muito medo do que aconteceria consigo.
— Sabe, pode parar com esse joguinho? – falou Ferdinand. Nessa altura ele já havia sacado sua moeda prateada do bolso e transformado-na em uma espada de chapa metálica. – Viemos barganhar, sapo.
— Barganhar? – Sue adentrou no diálogo. – Ele nos enviou para uma armadilha. Ao meu ver... – fez uma pausa dramática. – ele não merece ficar com as estatuetas.
— Obviamente que os mandei para uma armadilha. – respondeu o Sr. Bocarra, na falha tentativa de se defender. – Mas – Acrescentou rapidamente. –, eu sabia que vocês sairiam bem sucedidos de tal empreitada, afinal vocês são aluno de Gregório, um aliado de velhos tempos, e ótimo instrutor por excelência. Ademais. – recompôs a postura pomposa, tentando tomar para si as rédeas da conversa. –, não falei que recuperar as peças seria tarefa fácil.
— Ah, eu não sei. – disse eu. – Meio que concordo com a Sue em fazer picadinho dele.
Para colocar mais medo em suas veias, apertei no botão do relógio e saquei Anoitecer. A espada bruxelava em tons roxeados por causa das runas escritas na lâmina negra. Sacar a espada foi uma jogada arriscada tanto por mim quanto por Ferdinand, o Sr. Bocarra poderia muito bem desaparecer e não nos dar nada, deixando as estupidas estatuetas conosco. Se não fosse ruim o bastante, ele é um monstro que, por não conhecermos até onde vão suas habilidades, poderia derrotar nós quatro facilmente.
— Ora, mas não precisa de tudo isso, heróis. – Aquela foi a primeira vez que não nos chamara de criança. Talvez a "ameaça" de sacar as armas tivesse ajudado, afinal. Sr. Bocarra estava suando de nervoso. – Vamos resolver este impasse como seres educados, certo? – sugeriu o sapo. – Eu dou o que vocês querem e em troca me dão o que é meu por direito.
— As estatuetas. – murmurou Candy.
— Como saberemos que não vai nos enganar? – perguntou Sue, voltando a sua cautela usual. – Já nos traiu uma vez, o que impede que faça novamente?
O Sr. Bocarra riu alto.
— Que tal um pouco de fé?
Ninguém achou graça.
— Grupinho mais mal-humorado. – prosseguiu ele. – Está bem. Dou minha palavra que não irei enganar vocês. Olhem. – Sr. Bocarra abaixou-se para pegar alguma coisa nas gavetas do balcão, procurando avidamente. – Aqui! – exclamou o anfíbio gigante. Ele segurava um bloquinho de notas e uma caneta.
Ele começou a rabiscar o papel freneticamente. Nenhum de nós entendeu o que ele estava fazendo, mas resolvemos deixar ele terminar seja lá o que fosse.
— Pronto. – anunciou Sr. Bocarra. Ele tinha largado a caneta longe e empurrou o papel rabiscado para mais perto do lado reservado para o cliente no balcão. – Aqui está a localização precisa da Fazenda. Mas, se quiserem um conselho...
— Não! – exclamamos uníssono. Estávamos farto da ladainha dele.
— Não vão até lá. – continuou, sem dar importância diante a nossa negativa. – Aquele lugar mexer com a cabeça da pessoa. – girou o dedo ao lado da cabeça, sinal que fazem para pessoas e ideias loucas. – Trará à tona os piores pesadelos de vocês. – Por um breve momento o Sr. Bocarra ficara sério, tenso, diante aquele conselho. Para ele, aquele lugar dava mais medo, estando quilômetros e quilômetros de distância, do que nós que estávamos a poucos passos deles.
Era meio óbvio que não poderíamos confiar nele, mas, agora, ele parecia estar sendo sincero. Nos entreolhamos, tendo uma discussão silenciosa, se iríamos acreditar nas palavras dele. Por fim, deu que mesmo com uma pulguinha atrás da orelha, tínhamos que prosseguir com a missão, e seria através da localização que ele cedera que nos levaria até a Fazenda, consequentemente, ao meu pai e o bidente de Baphoraz.
— Obrigado pelo aviso. – disse eu. – Mas nós vamos mesmo assim. – Olhei para Candy e Ferdinand, estendendo as mãos. – As estatuetas, entreguem-na.
Relutantes, eles retiraram as peças de esmeralda das mochilas e me deram. Ainda não me sentia confiante em fazer aquilo, mas não tinha outra opção além dessa. Já tínhamos chegado até ali, prestes a concluir o primeiro passo da nossa jornada, não seria agora que daríamos para trás. Foi a minha hora de assumir a liderança da missão que eu tanto almejei.
Com as peças em mãos, debrucei-as em cima do balcão. Os olhos do Sr. Bocarra brilharam em um amarelo doentio. Ele fez menção de tocar nas estatuetas, mas, assim como não quer nada, coloquei Anoitecer em cima do balcão também. Com a mão livre, peguei o papel que tinha a localização do nosso destino final. Estava escrito em letra cursiva:
SIGA P/ MAIS AO NORTE DE LAGSTEN. PEGUE A RUA MAIS AFASTADA DA CIDADE, VIRE À DIREITA, ENTRANDO NA ESTRADA DE BARRO E SIGA EM FRENTE ATÉ SE DEPARAR COM A FAZENDA.
— Tem certeza que é este o endereço? – questionei. Ele já havia nos traído uma vez, não esperaria menos que uma segunda traição.
— Assim você me ofende, filho de... – antes que terminasse a frase, Sr. Bocarra se interrompeu levando as mãos à boca.
— O quê?! – perguntei. Ele sabia quem era minha mãe? – Fale agora! Quem é minha mãe?
— Não sei. – disse ele, apreensivo. – Eu não sei de nada. – Ele tentou mudar de assunto, mas não adiantava. – É melhor vocês irem logo, o caminho até Lagsten é longo.
— Não! – exclamei. – Diga quem é ela ou irei cortar-lhe ao meio. – Levantei Anoitecer apontando para seu rosto assustado. Seus olhos arregalados de medo.
— Vamos, Tampinha. – Ferdinand me surpreendeu ao me puxar para longe do balcão, me afastando do Sr. Bocarra, perdendo o alcance de usar Anoitecer para desferir algum golpe.
— Me solta! – esbravejei.
Tentei escapar da pegada do grandão, mas ele era bem mais forte do que eu.
— Ele sabe quem é minha mãe. – continuei a gritar. – Vou fazê-lo falar.
Em um movimento rápido, Sr. Bocarra abocanhou as duas estatuetas de esmeralda e correu desajeitadamente para seu escritório. Após cair a ficha do que tinha acontecido, Sue e Candy foram atrás dele, escancarando a portinha do balcão e quase derrubando a porta do escritório.
— Está vazio. – anunciou Sue, berrando do escritório. – De alguma forma ele conseguiu escapar.
Meu sangue ferveu. Definitivamente eu mataria aquele sapo balofo. Me esperneei na tentativa frustrada de escapar do Ferdinand, mas não consegui. Eu odiava o quão forte e marrento ele pode ser, ainda mais quando era para me impedir de fazer alguma coisa, ou quando resolvia treinar vindo em investida que nem uma locomotiva desgovernada.
Candy voltou para a parte da frente do antiquário, junto a Ferdinand e eu.
— Sinto muito, Adrian. – disse ela. – Ele foi mais esperto e rápido, o que é estranho por ele ser gordo. – brincou.
— Vou soltar você agora. – falou Ferdinand, afrouxando a pegada em meus braços. – Tente não fazer nada estúpido, certo?
— Tudo bem, Fer. – garanti.
Mais calmo, ou tanto que poderia ficar depois daquela cena, fui até o escritório do Sr. Bocarra, onde Sue estava vasculhando em meio aos papeis em cima da mesa dele.
— Adrian – disse Sue, solícita. – Ele não sabia quem é sua mãe. – Ela suspirou. Me encarou com seus grandes olhos cor de mel. – Ele só estava provocando você, Cabeção.
Eu estava dividido. Sue tinha ótimos argumentos em relação ao Sr. Bocarra. Uma parte de mim sabia que a Sue estava certa, não tinha como ele saber. Tinha? Quer dizer, eu que era filho não sabia, mesmo tendo conversado com ela algumas vezes. Fora que, Gregório havia dito que saberíamos os nomes dos deuses com o passar do tempo, mas nem isso adiantou. Outra parte, um lado mais explosivo, gritava na minha mente para ir atrás daquele sapo balofo e fazer ele falar tudo que sabia sobre minha mãe. Mas do que adiantaria, afinal? Ela não viria ao meu resgate, ou salvar meu pai. A verdade era que estávamos por nossa conta.
— Você está bem? – perguntou Ferdinand, cutucando me braço.
Saí do meu estado de transe em meio aos pensamentos.
— Sim, claro. – respondi, fazendo sinal de positivo com as mãos.
Mas não estava bem, acho que tinha ficado bem óbvio. Se perceberam, não quiseram falar nada sobre isso.
— Acho melhor irmos andando, então. – sugeriu Candy. – O caminho até Glasten é longo, mesmo utilizando a hipervelocidade nas estradas irá demorar três dias para completarmos o percurso.
Eles três me olharam como se esperassem que eu dissesse alguma coisa, ou aprovasse a nossa partida. Tecnicamente, aquela missão era minha, eu que deveria estar liderando, mas convenhamos que não sou muito bom em liderar nada. Ferdinand que era o líder experiente, então, na lógica, ele que deveria nos guiar. Respirei fundo. Não esqueceria o que aconteceu hoje tão cedo. Por fim, eu disse:
— Vamos logo, então, pessoal.
Candy passou por mim, tocando meu ombro, candidamente. Era em momentos assim que me sentia um pouco mais feliz por ter feito alguns amigos. Eu poderia contar com eles em todos os momentos.
Sem demorar, saímos do antiquário sem fazer a menção de olhar para trás. Aquele era com certeza um dos lugares que não queria voltar jamais, ainda mais olhar para a cara do Sr. Bocarra. E ele, o sapão, não voltaria tão cedo, não quando ainda estivéssemos lá. Mas não tinha mais necessidade de ficarmos.
Já tínhamos o que viemos procurar. Passamos pela primeira etapa da missão: saber a localização da Fazenda. Agora só faltava chegar até lá e salvar o dia.
***
Fizemos todo o caminho contrário da Avenida do Bazar até o local onde Candy tinha estacionado o carro. Passamos pela rua das lanchonetes, e o cheiro de comida industrializada penetrou no meu nariz. O leão da montanha que carinhosamente chamo meu estômago, roncou alto. Costumava ser como um despertador regulado especialmente para saber quando comer. E, infelizmente, como nossa viagem era longa, não paramos para almoçar. Triste, fui arrastado para longe dali.
Chegamos no carro e Candy já foi ligando o som. O rock pesado invadiu os quatro cantos do veículo, cuspindo gritos desconexos e solos de guitarra. Mesmo desgostosos, adentramos no carro. Não passou muito tempo e voltamos a pegar caminho na rodovia, cortando pelo meio de Bahuessi. O caminho para Glasten seria longo, Candy deu a estimativa de três dias, mas como as coisas tendem a não ser como queremos, pode ser que dure mais tempo, coisa que não teremos até lá. Candy, como nas outras vezes, saiu dirigindo feito uma louca, passando centímetros dos outros carros, quase raspando na mureta que divide as pistas. Mas eu não me importei, estava tão focado nos meus pensamentos que o jeito como ela dirigia era a menor das preocupações. De repente, fui teletransportado para um passado recente, cerca de um mês atrás, no meu segundo dia no Instituto. O discurso do Gregório sobre os deuses terem sumido ainda mexia comigo. Fico pensa como seria possível minha mãe falar comigo através dos sonhos, e, mais recentemente, Aezirel, mãe da Sue, ter "ajudado" contra Ayza, no hotel abandonado. Será que elas não estavam encarceradas com os outros deuses?
Fui cortado dos momentos de devaneio quando Sue entregou uma barra de chocolate recém tirada da sua mochila. Não pude recusar tal coisa, e comecei a comer. Foi nesse pequeno intervalo que percebi o quão alto estava o som. O sol estava prestes a se pôr. O dia tinha passado rapidamente que eu nem reparara.
— Desculpa por ter dito aquilo. – disse Sue quase gritando. Ela havia esperado eu terminar de comer o chocolate.
Limpei a boca com as costas da mão.
— O quê? – E foi só então que lembrei do que ela estava se referindo. – No antiquário?
Ela assentiu.
— Eu não quis ter parecido tão rude com você, Adrian. – se desculpou Sue. – Só que você estava tão nervoso e decidido em acreditar no que aquele sapo tinha dito sobre sua mãe...
— Pode parar, Sue. – disse eu, interrompendo ela. – Não precisa se desculpar. Você fez o certo. Não tinha como ele saber, afinal. Se eu não sei, não seria um monstro que iria adivinhar quem é ela.
A conversa duraria mais, mas, súbitos e consecutivas pancadas começaram a vir do lado de fora do carro. Olhei pela janela do meu lado e não tinha nada. Sue parecia ter achado o problema, seus olhos estavam arregalados.
— Gente! – ela gritou, mas sua voz saiu abafada pelo volume da rádio. – GENTE! – Tentou de novo.
Ferdinand rapidamente silenciou o rádio. Outras pancadas vinda na lateral do carro.
— Mas o que... – foi tudo que o grandão conseguiu dizer.
— São flechas? – questionou Sue, incrédula.
Antes que pudéssemos fazer alguma coisa, uma das flechas atravessou a janela do carro no lado direito, cruzou por todo a parte de trás e saiu pelo outro lado, se perdendo na rodovia.
— SE ABAIXEM! – vociferou Ferdinand, se protegendo rente à altura da porta.
A única que continuou sentada normalmente no banco foi a Candy pois era nossa motorista e precisava ter a visão da pista. Como que as flechas conseguiram nos acertar mesmo estando na hipervelocidade? Não tive tempo de pensar em alguma resposta, quando um estouro deu-se na parte de fora do carro. O cheiro de borracha queimada tomou conta do veículo.
— SEGUREM-SE! – Candy gritou lá do volante, tentando manobrar o carro.
Num piscar de olhos senti meu corpo ficar leve. O carro deu uma guinada, seguiu em ziguezague e tudo que vi depois foi minha mochila flutuando, ou era eu que estava voando? A última coisa que lembro foi o carro capotando incansavelmente, em meio ao trânsito da principal rodovia de ligação de Bahuessi. Os carros começaram a desviar de nós. Um cheiro forte de fumaça entrou nas minhas narinas. Quando o automóvel parou de capotar, estávamos emborcados no acostamento. A parte traseira do carro, onde eu estava com a Sue, começou um pequeno incêndio. Ainda bem que eu estava de cinto, senão era adeusinho eu.
Eu tinha um pequeno hematoma na testa, os braços cortados por causa dos vidros. Eu sentia meu corpo todo doído. Estava todo quebrado. Sue estava do meu lado, inconsciente. Olhei para frente e Ferdinand estava tentando soltar-se do cinto de segurança, ele estava coberto de sangue nos braços, mas parecia relativamente bem. Candy, com o airbag espremendo ela contra o cinto, estava apagada. O sangue pingava de seu braço e escorria pelas mãos até o teto (que virou piso) do carro.
— Ferdinand! – chamei-o.
— Tampinha, ajuda a Sue que eu cuido da Candy. – ordenou. Não tínhamos tempo para ver se estávamos bem.
O fogo começou a aumentar, era uma questão de tempo até o carro explodir por causa da gasolina que estava se espalhando.
Soltei-me com dificuldade do cinto de segurança, caindo de barriga nos estilhaços de vidro, cortando ainda mais meus braços. Rastejei-me até a Sue que começara a dar sinais de recuperação. Ela gemia baixinho. Começou a se mexer, presa no cinto.
— Sue? Sue. – disse eu. – Vou te tirar dessa.
Ela não respondeu.
Cuidadosamente desprendi-a do cinto, segurando ela para que se chocasse contra os vidros.
Fogo. Fumaça.
Estava ficando difícil de respirar.
Sue tossiu pesadamente. Acordando, por fim.
— Adrian? – ela gritou, inquieta. – O que aconteceu? – Seus olhos corriam de um lado para o outro freneticamente. – Fogo, Adrian. Temos que sair logo daqui.
Na frente, Ferdinand tinha conseguido se soltar do cinto, indo verificar como estava Candy. Ela ainda parecia estar viva, mas bem machucada. Ele a conseguiu tirar do assento com certa dificuldade, por sorte suas pernas não ficaram presas às ferragens do carro. Ferdinand, após deitar Candy com cuidado, cotovelou a janela do seu lado, quebrando e espalhando vidro para tudo quanto é canto. Sem se preocupar em cortar as mãos, ele saiu engatinhando para fora do carro, para só então retirar Candy pelo mesmo lado.
— Venham logo. – disse Ferdinand a nós. – O fogo está se espalhando.
— Sue. – Me voltei a ela. Nossos olhos se encontraram. Ela estava aflita. – Você tem que quebrar o vidro para podermos sair.
— M-Mas... como? – perguntou, atônita. – Não dá.
— Invoque seu arco, sei lá. – sugeri, apressado. O fogo estava ficando mais intenso. Era questão de minutos para o fogo consumir todo o veículo. – Faça rápido.
Ela fechou os olhos, mas nada aconteceu. Ela socou o teto do carro, mas era em uma porção de vidro quebrado, cortando-lhe a mão mais ainda.
— Não consigo, Adrian. – anunciou. Sue estava chorando. – Você tem que escapar.
Sem outra opção, chutei a janela do meu lado. Eu estava receoso por ser a parte em que estava virado para o trânsito, mesmo ele estando lento, praticamente parado por causa do acidente. Tentei uma, duas, três vezes, até o vidro ceder e ruir aos frangalhos.
— É agora ou nunca, Sue. – disse eu.
Ela não pareceu ter entendido. Levei a mochila as costas, puxei a dela até ir para o asfalto. Por fim, vim puxando pelos braços, enquanto ela engatinhava lentamente para fora do veículo.
Com o joelho estourado, passei o braço de Sue pelos meus ombros, e capengando, conseguimos sair a tempo da explosão do veículo. Se não fosse trágico, teria sido no mínimo interessante vê-lo se desfazer em chamas. O impacto da explosão fez nós dois ser lançado cerca de dois metros à frente, parando em um amontanhado de arbusto. Ferdinand veio até nós, carregando Candy semiconsciente, balbuciando coisas sem sentido.
Olhei ao redor, carros paravam para saber o que estava acontecendo. Gritando procurando por sobreviventes do acidente. Eles pareciam não estar nos enxergando. Estávamos ali, jogados um pouco depois do acostamento, e não nos viam. Éramos nós, os sobreviventes, mas estávamos invisíveis para eles.
Sue, ao meu lado, estava em choque. Chorava horrores, olhava aos próprias mãos cortadas e rajadas pelo sangue. Suas roupas estavam tingidas de vermelho, cinza e preto. Assim como as minhas. Na verdade, as de todos nós. Ferdinand estava cuidando da Candy que acabara de acordar. Seus olhos estavam inchados, vermelhos e chorosos. Não parecia estar correndo risco de acabar morrendo. Felizmente. O grandão vasculhou na sua mochila, atrelada as costas, e pegou um lencinho com algo embrulhado dentro.
Era um pedaço do bolo cura tudo.
Praguejei-me mentalmente. Puxei a bolsa da Sue, procurando por tabletes do bolo. Bingo!
— Sue. – chamei-a. Tinha colocado sua cabeça em minhas pernas. – Você tem que comer o bolo para ser curada dos ferimentos.
Ela balançou a cabeça em sinal de positivo, e abocanhou o bolo. Sue deu um urro de dor, quase que ao mesmo tempo de Candy. Ambas haviam comido o pedaço, e seus ferimentos estavam cicatrizando e curando. Os ossos quebrados, deslocados voltavam para o lugar e, o processo de cura, era doloroso. Eu mais do que ninguém já tinha experimentado como era a sensação.
Quando a tensão abaixou, e elas duas esboçavam sinais de recuperação, as sirenes de caminhões do bombeiro reverberaram aos quatro ventos. Um pingo de esperança percorreu pela minha mente. Mais uma vez, eu estava absolutamente enganado. Senti uma ponta gelada tocar minha nuca. O frio correu pela minha espinha. Olhei para o lado, tinha acontecido o mesmo Ferdinand. Ele me encarou como quem diz: Não faça nada. Não estamos em condições para isso. Lentamente me virei para trás, para saber quem era que estava nos ameaçando. Quase não pude acreditar no que estava vendo. Se minha vida não dependesse daquilo, eu teria gargalhado horrores.
Eram castores. Sim, castores com um poucos de um metro de altura. Era um exército deles. Alguns ostentavam lanças com haste de madeira e a ponta de aço. Outros com arcos e flechas. Mais atrás, um castor maior que todos eles, parecia ser o chefe, sibilou alguma coisa em língua de castor. O que estava com a lança na minha nuca recuou. Mas, não era para fugir, senti uma pancada na parte de trás da minha cabeça. Última coisa que vi foi o rosto assustado da Susan. Seus ferimentos curaram, o sangue voltara para o corpo.
Meus olhos foram se fechando lentamente. Senti uma pontada nas minhas costas. Era uma flecha disparada contra mim.
E então morri.
Autor(a):
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
HA! É BRINCADEIRA, NÃO MORRI. DESCULPA POR ISSO, ACHEI QUE DARIA UM LEVE SUSPENSE. O que me fez despertar foi o cheiro. Era uma mistura de água, terra, lama, pelo de bicho molhado, fumaça sendo cuspida por carros, tudo misturado em um grande odor forte e mal cheiroso. Acordei zonzo, a vista não estava lá muita coisa. Felizmen ...
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