Fanfics Brasil - 22 - Fazemos novos aminimigos Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1)

Fanfic: Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1) | Tema: Fantasia


Capítulo: 22 - Fazemos novos aminimigos

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HA! É BRINCADEIRA, NÃO MORRI. DESCULPA POR ISSO, ACHEI QUE DARIA UM LEVE SUSPENSE.


O que me fez despertar foi o cheiro.


Era uma mistura de água, terra, lama, pelo de bicho molhado, fumaça sendo cuspida por carros, tudo misturado em um grande odor forte e mal cheiroso.


Acordei zonzo, a vista não estava lá muita coisa. Felizmente ainda era de tarde, o que me fez crer que não estávamos tão profundamente seja lá onde quer que estivéssemos indo. Meu pescoço doía toda vez que tentava levantar a cabeça. Tive que piscar os olhos algumas vezes para poder enxergar normalmente, mas ainda acho que não estava tudo cem por cento, já que estava vendo algumas bolotinhas pretas por todo o lugar que olhei. A parte mais estranha é que eu estava em movimento. Não andando com minhas próprias pernas... eu estava sendo arrastado. Mas por quem? Ou melhor, pelo o quê? Onde estavam os outros?


Minha cabeça doeu. Olhei para os lados, Sue, Candy e Ferdinand também estavam sendo arrastados, eles pareciam estar inconscientes. As garotas demonstraram sinais de que estavam recuperadas do acidente, não tinha mais os cortes e queimaduras de quando o carro capotou. Ferdinand tinha uns hematomas aqui e ali, talvez porque não tinha comido do bolo também. Nem eu, aliás. Foi aí que, quando todos meus músculos voltaram a funcionar "perfeitamente", senti todo o peso do meu corpo doer. No processo de salvar a Sue, sair do carro em chamas e ir para o acostamento em segurança, o veículo explodiu e nos arremessou metros à frente, como caí todo torto, minha perna tinha sido fraturada, mas na hora, por causa da adrenalina, não tinha sentido nada.


À minha frente, de costas para mim, um ser de pelugem amarronzada e uma cauda negra oval e achatada me carregava, estava com minha mochila pendurada no ombro esquerdo. Era uma dos castores que haviam nos interceptado no acostamento. Ele me puxava através de um cordame que estava amarrado na altura dos meus calcanhares, o que fez minha perna doer mais ainda, parecendo que estava sendo arrancada. Olhei de soslaio ao redor, meia dúzia de outros castores ocupavam ambas as laterais, nos escoltando através da floresta. Distante, cerca de cinco metros, tinha uma "caravana" rodeando o castor maior, que ostentava uma espécie de coroa de ossos na cabeça.


Meus amigos despertaram, agitados. Ferdinand se esperneou, debateu para tentar escapar do castor que o estava carregando, mas não teve sorte. Outros roedores logo cercaram Ferdinand, impedindo que ele se rebelasse. Um deles, carregando um arco, disparou uma pequena flecha, ou melhor, um dardo, contra o grandalhão, fazendo-o apagar em questão de minutos. Talvez, quando eu fui atingido nas costas, era um dardo, não uma flecha como eu tinha pensado antes de apagar.


Sue, que estava no meu lado direito, viu toda a cena e resolveu ficar quieta, sendo "obrigada" a se deixar ser arrastada pelos castores. Nós trocamos alguns olhares, ela parecia apreensiva e com medo, coisa que ela também deve ter visto nos meus olhos. Candy, horrorizada, gritou exigindo ser liberta, mas os castores apenas a ignoraram e voltaram a andar como se nada tivesse acontecido.


Sem outra saída, fomos obrigados a ser arrastados pela floresta, sendo arranhado por galhos de árvores caídos, pedras, e servindo de aperitivo para formigas. Fora que, minha roupa estava irreconhecível de suja por causa da terra.


Aqueles roedores mutantes nos levou para uma parte mais deserta que se embrenhava na floresta. Era um lugar mais plano, com patacas de terra, poucas árvores ao redor. Parecia ser uma fortificação. As paredes do forte eram feitas de madeiras amarradas e estocadas no fundo da terra. Um portão abriu para a delegação dos castores entrarem. Eu estava espantado e admirado por aquele lugar. Não é todo dia que se descobre roedores inteligentes, capaz de fazer armas, fortificações e mais uma gama de coisas.


Fomos arrastados até a parte central do lugar, vários outros castores vieram nos rodear e ver o que seus confrades tinham trazido para casa. Era estranho ser observado por aqueles um monte de olhinhos pequenos. Os quatro animais que nos carregaram, desamarraram nossas pernas, o que, no meu caso, foi quase ter levado um tiro. O baque da minha perna direita no chão só reforçou a parte fraturada. Urrei de dor. Sue tentou se levantar e me ajudar com a dor, mas outro castor rapidamente ameaçou-a com uma lança em seu peito.


— Contemplem! – anunciou um deles. Era óbvio que eles falavam. Por que não? – Estes são os humanos que estão atrás da Fazenda.


Uma onda de gritos e... celebração tomou conta do lugar. Me perguntei se as outras pessoas veriam aquele lugar sendo controlado por animais. Castores aplaudiam, se abraçavam e comemoravam entre si. Era quase como se fossemos alguém que há muito tempo tivesse anunciados. O intrigante era que eles sabiam que estávamos indo para a Fazenda. Em menos de doze horas todos sabiam nosso destino. Talvez, por sorte, não sabiam qual era nosso objetivo de irmos até lá.


— Acalmem-se, meus filhos. – prosseguiu a voz. Pelo jeito como tinha falado, não me restava dúvidas que era o castor maior. – Não vão querer assustar nossos convidados de honra.


Estranhamente os outros pararam de celebrar e gritar.


Um grande silêncio resplandeceu no forte. Uma grande sombra e peluda veio abrindo caminho até nossa direção. Era o líder deles. Ele é o tipo que você identifica na hora que vê alguém na liderança: peito estufado, um ar presunçoso de ser melhor que você, uma postura de herói, e, obviamente, a lábia de que poderá ajudar aqueles que precisam dele. Este castor em especial era relativamente maior que os demais, que tinham cerca de um metro, ele deveria ter quase um metro e trinta, talvez menos. Ele era, basicamente, quase da minha altura. Aí que ficou um pouco assustador. Quer dizer, geralmente quando se é um remanescente, você é treinado para enfrentar monstros que são duas, três vezes maior que você. Lutar contra um monstro da sua altura é deveras estranho.


O líder castor parou na nossa frente, nos observando e estudando o que fazer conosco. Estávamos à mercê daqueles animais. Por fim, ele ordenou:


— Tito! Poeira! Levem nossos convidados para uma das cabanas e providenciem que eles sejam bem cuidados e que estejam prontos para hoje à noite. Mais tarde conversaremos.


Os dois castores que eram Tito e Poeira (Não me perguntem quem é quem, eles eram idênticos) fizeram uma reverência ao líder e chamou mais dois castores da multidão para ajudar a nos arrastar para a tal cabana.


— O que tem hoje à noite? – perguntei ao líder, na hora em que começaram a nos puxar.


Seus olhos brilharam intensamente.


— É uma leve celebração para vocês, heróis. – respondeu o castor maior. Em seguida, ele riu histericamente e os outros súditos acompanharam na gargalhada.


Se tem uma coisa que aprendi em relação aos monstros é que, quando eles riem, certamente não é coisa boa, ainda mais para nós, remanescentes. Ele estava armando alguma coisa e algo me dizia que seriamos o elemento principal.


Já dentro da cabana, Tito e Poeira junto dos outros castores nos debruçaram em tapetes de palha, com um pequeno travesseiro em um dos lados. Jogou nossas mochilas no chão empoeirado. Meu corpo todo doeu, a perna fraturada latejava de dor, queimava como se tivesse sendo tratada com fogo o tempo todo. Após nos acomodar, os roedores deixaram-nos a sós, talvez não estivessem ameaçados do que poderíamos fazer juntos. Como estava melhor fisicamente, Candy engatinhou para o lado de Ferdinand, que começava a acordar depois do dardo tranquilizante.


O lugar não era muito luxuoso. Tinha apenas os quatro tapetes com os travesseiros. O chão era de terra com algumas plantas rompendo a camada de terra. Alguns insetos rodeavam pela cabana, alguns mosquitos davam rasantes perto de nós. Eu estava tão machucado que não tinha forças para reagir e tentar pará-los.


Sue visivelmente recuperada, veio até mim, preocupada como eu estava. E, obviamente, eu não estava nada bem.


— Adrian... – ela sussurrou.


Sua voz veio distante em meus ouvidos. A garota rastejou rapidamente até sua mochila quando não a respondi. Não que eu estivesse ignorando, era que estava com tanta dor que estava difícil falar alguma coisa. Ela procurou desesperadamente por algo que suspeitei ser o bolo cura tudo.


— Droga! - xingou Sue, jogando suas coisas no chão empoeirado da cabana.


Candy olhou para ela, mas estava preocupada demais com Ferdinand que logo esqueceu o chilique da Sue.


— Adrian, só tenho este pequeno pedaço. - disse Sue, oferecendo o bolo. Bom, era pequeno mesmo. Como se fosse a metade da fatia do pedaço.


Sem pestanejar, Sue colocou o pedaço de bolo na minha boca (em outro momento eu teria ficado completamente vermelho). Desta vez, ele não tinha gosto de nada que eu já tinha provado de bom antes. O gosto não era mais o mesmo, de algo familiar. Era como se eu tivesse comendo marshmellows. E, como o efeito de recuperação causado pelo bolo, a dor dos meus ferimentos se fechando foi quase insuportável. Os cortes foram cicatrizando, as queimaduras nas palmas da mão foram sarando. Em pouco tempo eu estava quase novo. Quase. A parte mais crítica dos meus ferimentos era, sem dúvidas, minha perna quebrada. Infelizmente ela não se curou, apenas suavizando a dor para sabe se lá quando. O lado bom era que eu conseguiria mancar mais rápido caso fosse preciso escapar.


— Vocês estão bem? - perguntou Candy a nós.


Ferdinand respondeu com uma crise de tosse ininterrupta por quase um minuto. Com certeza a poeira não estava ajudando. 


— Não. - resmunguei. A tosse do Ferdinand deveria ser contagiosa porque em poucos segundos eu estava tossindo também. Minha perna, mesmo "anestesiada" dava certos choques de dor por todo meu corpo. Mas, esta era a nossa menor preocupação no momento.


— Candence. - chamou Sue. - Se nós estávamos na hypervelocidade, ou seja lá como você chama, como que aqueles roedores conseguiriam nos atingir?


Candy esperou um tempinho para responder. Suspirou longamente, e disse:


— Eu não sei. Ele são monstros, podem fazer coisas que nenhum de nós sequer imaginamos.


Sue não pareceu estar convencida da resposta. Entretanto, antes que pudesse refutar de alguma forma a explicação da Candy, dois castores portando lanças entraram. Não pareciam estar ali para conversar.


— O rei quer vos falar, humanos. - disse o castor.


— Tito, por que está falando assim? - perguntou o segundo castor.


— Ora, é assim que eu falo sempre, Poeira. 


— Não é, não. 


A cena teria sido hilária, se não fossemos reféns deles. 


— Enfim - Tito virou-se até nós. - O rei está esperando vocês para juntar-se-eis ao banquete. 


Poeira bateu o comando na porta e outros castores adentraram na cabana, arrastando a gente para onde será o banquete.


Devo acrescentar que eles não foram muitos gentis conosco. Quer dizer, eles poderiam ter me carregado, já que por causa deles quebrei minha perna, quando acertaram nosso carro com suas flechas. Sue foi escoltada sem reclamar uma vez sequer. Ela estava cabisbaixa, talvez pensando no que fazer caso a situação azedasse. Candy estava colada no castor que trazia Ferdinand, recém-despertado.  O grandalhão parecia estar acabado. Candence não tivera a oportunidade de dar-lhe um pedaço do bolo.


Quando chegamos no salão onde o banquete seria realizado devo dizer que fiquei realmente impressionado. Não é todo dia que se vê castores inteligentes ao ponto de falar e construir fortificações gigantescas e tão bem trabalhadas. O salão era rústico, mas bem feito. Arrisco dizer que tem cerca de seis metros de altura. As colunas que sustentavam o lugar era de madeira, assim como as paredes e todo o acabamento interno do lugar. No teto, pendurava-se uma luminária, clareando o lugar. Fora que, entre as palhas, havia alguns buracos, dando visão no céu noturno. Estranhamente, ali dentro era aquecido, como se a brisa noturna não penetrasse por aquelas paredes. Aquele salão tão espaçoso era composto por apenas uma mesa grande e algumas cadeiras. Dentre todos os assentos, só um, o da cabeceira da mesa, estava sendo ocupado. E, claro, não era por ninguém menos do que o Rei Castor, nos esperando. Sua coroa óssea tinha um brilho amarelado sinistro. Quando nos viu, o líder daqueles roedores sorriu largamente. Nós estávamos no lugar exato que ele queria. Por estarmos sendo escoltados por soldados armados, não tivemos a oportunidade (e nem faríamos) de contra-atacar. 


Nossa escolta nos deixou nas cadeiras próximas do rei, dois em cada lado; Sue e eu no lado esquerdo, Ferdinand e Candy no lado direito. Ficamos, nós quatro, nos encarando. Ferdinand, vez ou outra, levava a mão à barriga, reclamando de uma dor forte no estômago. O rei, sem ter piedade ou remorso do que fez a nós, começou a comer, como se nada daquilo que aconteceu antes fizesse a menor importância. Entre um cacho de uvas e maçãs, o rei disse:


— Comam, heróis. - Ele não usava um tom cordial. Era mais como uma ordem. 


Peguei algumas laranjas e coloquei no prato. Os outros seguiram o mesmo, "satisfazendo" a vontade do rei. 


— Isso! Muito bom. - prosseguiu o rei. - Agora, como já estão comendo a entrada... vamos ao prato principal.


Ele bateu as mãos, e em uma porta mais a fundo, um castor usando chapéu de chef apareceu trazendo um grande frango assado. Minha barriga roncou. Mais uma vez, eu fui descoberto por causa do meu estômago, mas não era minha culpa. Eu não tinha comido nada desde que chegamos no centro de Bahuessi e, então tudo foi se complicando.


— Obrigado, Julius. - disse o rei, dando um aperto de mão (ou pata) no cozinheiro. 


Julius, o chef, fez uma reverência rápida para o rei e saiu pela mesma porta que entrou.


— O que estão esperando? - o rei nos encarou incisivamente. - Comam! Eu, particularmente, não sou muito chegado a comer aves, ou carne vermelha, sabe? Tento manter o peso em uma medida estável.- Bateu na barriga peluda. - Então, é todo de vocês. 


Então, mais uma vez, peguei algumas frutas da mesa e, claro, um pedaço do frango. Devo confessar que o frango estava delicioso, mesmo sendo feito por castores que duvido não saberem as éticas de culinária. 


 


Após comermos quase tudo que estava na mesa, estávamos satisfeitos. Ferdinand havia despertado, deixando sua moleza de lado. O garoto tinha voltado a ser ele mesmo, quase recuperado do disparo do dardo tranquilizante. Em questão dos ferimentos do acidente, Ferdinand tinha saído praticamente ileso, com alguns pequenos cortes nos braços. As garotas pareciam estar mais relaxadas, principalmente, Candy, após o grandão demonstrar sinais de melhora. Sue, mesmo com sua expressão de tranquila, seus olhos a entregavam, mostrando apreensão e nervosismo.


O Rei Castor nos encarava, atento. Finalmente quebrando o silêncio, ele disse:


— Ótimo! Vocês já estão satisfeitos. - exclamou o rei, enquanto batia as duas patas na mesa, fazendo a comida que ainda restava, cair. - Agora, vamos tratar de negócios, heróis.


Engoli em seco. Na minha mente correu a ideia de que ele tinha nos alimentado para deixar-nos gordos o suficiente para depois nos entregar aos monstros. Nós quatro trocamos olhares apreensivos. Supostamente, agora seria a hora que o rei nos trai.


— Espere um momento. - Sue se adiantou. Dentre nós quatro, ela era, sem dúvidas a melhor diplomata, usando com sabedoria sua cautela. - Antes de "tratarmos de negócios", quem são vocês, castores? E por que estão atrás de nós?


Sue havia colocado as cartas na mesa. O Rei Castor a fitou encantado por sua coragem ao engrossar a voz perante ele.


— Gostei dessa daí. - cochichou para Ferdinand, mas saiu alto e claro para todos nós ouvir. - Você tem fibra, garota. - Riu-se. - Acho que você está certa em querer saber.


O rei limpou a garganta antes de falar, fazendo uma cena dramática.


— Bom, meu nome é Amtha, Quinto Rei Castor. Quanto a meu povo, nós somos uma raça única de castores desenvolvidos, vindo de Harr, um mundo de guerreiros, espelhados pelos deuses da guerra.


Mais uma vez, o rei virou-se para Ferdinand.


— Você cheira como um deles, meu rapaz. Se fosse para arriscar um palpite, eu diria que é filho de Borthus. - Deu uma piscadela travessa. - Estou certo?


Atônito, Ferdinand assentiu.


— Tudo bem. - arrisquei-me a falar. - Se vocês são de Harr, por que estão aqui na Terra?


Esta foi a pergunta que desconsertou o rei. Seu olhar ficou perdido em um certo canto do salão. Seu rosto mudou completamente de expressão. Uma tristeza pairou em sua face.


— É suposto que vocês saibam que os deuses sumiram. - Não era uma pergunta.


— É, a gente ficou sabendo. - concordou Sue. 


Toda vez que falavam sobre o sumiço dos deuses, eu lembrava da Sue quando Gregório havia nos contado sobre isso. Ela simplesmente não acreditava nisso, mesmo sendo uma sensação real. E, depois do episódio do hotel, ela estava mais convicta de que eles estavam por aí, em algum lugar.


— Então, é exatamente por isso que nós viemos para cá. - prosseguiu o rei. - Em Harr, com o sumiço dos deuses, não tinha mais uma entidade para nos guiar, reger e organizar os guerreiros. Traduzido, ficou uma completa zona de guerra. Nós, castores, somos pacíficos, porém, sabemos como utilizar as armas. Como somos em menor número, eu, como rei, decidi vir para a Terra. Foi a decisão mais acertada que um rei poderia fazer. 


Depois do relato sofrido do rei, ninguém disse mais nada. Ficamos ali, apenas deglutindo o que acabamos de escutar. Era uma notícia alarmante. Se em Harr, o lar dos deuses da guerra, que era um ambiente seguido pelas regras impostas pela soberana Advirane, a Senhora da Batalha, havia sucumbido às revoltas, poderia ser uma questão de tempo para nós, da Terra, acontecer o mesmo. E, infelizmente, não tínhamos notícias dos outros Mundos: Urélih'a e Niotani.


— Sinto muito em ouvir isso. - disse Candy. Pareceu que ela havia esquecido o estrago que fizeram contra nós. 


— Ah, não sinta. - apressou o rei. - Quer dizer, Harr, é nossa pátria natal, claro. Mas, aqui na Terra foi um ótimo lugar para nos estabelecer. Além disso, o lar é aonde estamos com aqueles que são importantes para nós. Nós somos Harr.


— Rei Amtha. - disse eu. - Tem uma coisa que não estou entendendo. Se está nos tratando como seus convidados, então por qual motivo explodiu nosso carro?


— Exato. - reforçou Ferdinand. Depois do rei falar sobre o pai do Ferdinand e dos deuses sumidos, não achei que o grandão fosse abrir a boca de novo. - Por que nos tratar bem, se quase nos matou horas atrás?


O Rei Amtha riu. Bateu na mesa, quase abrindo um buraco na madeira. Eu não percebi qual era a graça na pergunta do Ferdinand.


— Ele pediu. - disse o rei com a maior naturalidade.


De novo, quem quer que seja esse Ele, não quer que completemos nossa missão. Principalmente, tem um desejo de matar que é enlouquecedor. Até então não vejo motivos para alguém querer minha morte.


Eu estava prestes a saltar da cadeira para tirar essa história a limpo, quando o rei se apressou a continuar falando:


— Deixe-me explicar, ok? - o rei abriu os braços, sorridente. 


Eu odeio quando eles sorriem.


— Então, uma voz, que se chamou de Ele, me contou através de um sonho que quatro jovens heróis estavam rumando para a Fazenda. - prosseguiu Amtha. - Esta voz disse que, se nós impedíssemos vocês de prosseguirem com a missão, Ele acabaria com a rebelião em Harr e nós, castores, voltaríamos para casa em paz, sem sofrermos rebordosas. - O rei fez uma pausa para caçar umas uvas na bandeja prateada. 


— E aquela conversa de Nós somos Harr? - esbravejou Candy.  - Vocês atiraram flechas no nosso carro, enquanto estávamos em hypervelocidade. COMO?! - disse Candy, entre os dentes. 


— Nós poderíamos ter morrido. - completou Sue.


Agora, sim, todos os argumentos estavam expostos. Quer dizer, era óbvio a traição do Rei Castor, mas não entendi a forma como ele estava nos tratando. Era um tanto contraditório da parte dele.


— Posso continuar? - pediu o Rei Amtha. - Como eu disse antes, nós sabemos lutar e utilizar as armas. Mas não sei se perdeu, somos, tecnicamente, monstros, mesmo que pacíficos. 


Quando percebeu que sua explicação não estava convencendo ninguém, o rei logo de adiantou:


— Sim, nós atrasamos vocês do seu objetivo. Mas, como um bom rei, sempre tenha um plano reserva. E vocês são este plano.


— O quê? - disse eu. - Do que você está falando?


— Se vocês chegarem até a Fazenda, mesmo que seja uma ideia remota e quase impossível, ofereço minha ajuda a expulsar os monstros daquele lugar. - falou o Rei Castor. - E, como forma de agradecimento por termos ido ajudar, a Fazenda ficará conosco, os castores.


— Não! - rebateu Candy imediatamente.


O rei sorriu. Caçou mais frutas da mesa, e sorriu como não quer nada.


— Tudo bem. Receio que terei que matar vocês. Achei que fossemos fazer um acordo. Enfim. - Rei Amtha fez um gesto com as mãos e os guardas que estavam resguardando a porta se aproximaram da mesa rapidamente. - É uma pena ter que matar vocês.


Ele se retirou do seu assento e nos deu as costas.


— Guardas, podem matá-los. - ordenou o rei.


Mais castores adentraram no salão. De repente, eram quase dez castores contra nós quatro. Fora que, estávamos no território deles, muitos outros poderiam aparecer em um piscar de olhos.


— Espera. - disse Ferdinand.


O Rei Castor virou-se para nós, em seu rosto estava estampado um enorme sorriso maquiavélico. Era exatamente o que ele queria.


— Então, repensaram na minha generosa oferta? - perguntou o rei.


— Sim. - resmungou Sue. 


Ela olhou para nós. Desta vez não tínhamos outra saída. Era fazer isso ou sermos mortos.


— Quando chegarmos...


— Se chegarem. - corrigiu Rei Amtha.


— Quando chegarmos - insistiu Sue. - vamos precisar de ajuda para eliminar os monstros que estejam por lá. Adrian - ela ficou de frente a mim. - Você que sonhou com o lugar, quando monstros acha que tem?


— Não sei. - disse eu. - Quer dizer, antes tinham dez monstros. Agora, não sei. Pode ter cem, duzentos, ou vinte. 


—  A questão é: vamos precisar de ajuda. - concluiu Candy. - Não que me agrade, mas será necessário.


— E em relação a posse da Fazenda? - instigou o soberano dos castores.


— Fica com você. - respondi entre os dentes. 


— Ótimo. - O rei abriu os braços, em comemoração. - Agora que estamos de acordo, podem voltar para a cabana de vocês. Esta noite vocês dormirão aqui, e amanhã partirão rumo a Fazenda.


O rei, em um gesto ligeiro com a mão ordenou para que os guardas recuassem. O castor gigante passou em meio aos seus subalternos, desaparecendo logo após atravessar as portas do salão, seus guardas-costas foram logo atrás. Tínhamos ficado a sós ali. Hoje era certamente o dia de fazer os péssimos acordos. Primeiro com Sr. Bocarra e agora com o rei dos roedores. 


— Eu não confio nele. - disse Ferdinand. - Obviamente vocês também não. Mas o desgraçado nos encurralou em uma situação que não teríamos chances de sair, senão acordarmos com ele.


— Olha, grandão, não gosto disso tanto quanto vocês, mas, se formos ter que enfrentar um exército de monstros quando chegarmos lá, é bom ter nosso próprio exército também, mesmo que não sejam de confiança.


— Adrian está certo. - disse Candy. - Mas, por hoje já chega, né?! Quer dizer, chegamos acordos estúpidos? Sim. Estamos sem meios de chegar em Glasten? Absoluta.


— Você tem algo ponto a chegar, Candence? - questionou Sue.


— Ah, estava esperando uma solução? - Candy fez muxoxo. - Desculpa, estava só listando as coisas mesmo.


— Melhor voltarmos para a cabana, pessoal. - sugeri. Não tinha reparado antes, mas eu estava ficando cansado. Olhei na Anoitecer e já eram quase nove da noite.


— É, concordo com o Tampinha. - disse Ferdinand. - Depois de hoje, preciso de uma boa noite de sono.


Voltamos escoltados pelos castores do rei até a nossa cabana. Infelizmente, não tínhamos privacidade nenhuma no quarto, então não pudemos trocar de roupa para dormir, já que a nossa estava coberta de lama, rasgada, queimada e fedendo a fumaça. 


Minha perna voltou a latejar com mais intensidade, mas preferi não contar para ninguém. Todos já estavam com a cabeça cheia demais com problemas, mais um não seria de grande ajuda.


Afofei meu travesseiro e tentei ficar o mais confortável possível no tapete de palha. Porém, o chão duro era um empecilho para qualquer um que tentasse ter uma boa noite de sono. Felizmente, após rodear todo tapete de palha o cansaço foi mais forte e me venceu. A última coisa que lembro é de um longínquo barulho de goteira. 


***


Fui despertado quando vários guardas castores abriram a porta da cabana com toda força. Assustado, tentei levantar rapidamente, mas a visão ficou embaçada, e como poderia ficar pior, movimentei a perna quebrada, o que fez doer fortemente. Desde a noite passada, após diversas tentativas frustradas de conseguir dormir, eu vinha tentando achar uma posição confortável, mas não importava como, eu sempre conseguia magoar minha perna. Ferdinand se levantou pronto para a batalha, com os punhos fechados e a cara inchada de sono. Candy mal conseguiu abrir os olhos de tão cansada que estava. Cambaleante, Susan se levantou, aturdida com os castores.


— Ah, que bom que estejam acordados. - disparou um dos castores. 


Os demais conteram risos.


— Graças a vocês, roedores crescidos. - Retruquei, de mau humor. 


— Quem você chamou de roedor? - esbravejou um castor com a lança.


— O que vocês querem conosco tão cedo? - balbuciou Candy, voltando a deitar-se.


— O Rei Amtha V com toda sua benevolência para com vocês, humanos, autorizou que se lavem antes de partir. - disse o castor que reconheci (Não sei como. Eles são todos iguais.) sendo o Tito.


— Diga a ele que ficamos muitíssimos gratos. - parlou Sue, empregando sua retórica "diplomática".


— Vocês devem nos acompanhar até a área de banho. - ordenou Tito. 


— Tudo bem. - Estranhamente quem tinha dito isso era Ferdinand. - Só nos deem um minuto para arrumar as coisas por aqui. - Ele pediu.


Tito consentiu. Recuou para fora da cabana com os outros castores.


— E ainda mais essa. - continuou Ferdinand. - Este Rei Rato Aquático está tirando sarro com nossa cara. 


— Uma hora nos trai, noutra nos ajuda. - prosseguiu Candy, deitada. 


— Precisamos dele. - disse eu. - Quero dizer, ele poderia ter nos matado assim que chegamos, mas não fez. Foi por motivos próprios? Sem dúvida. Mas, se queremos sair daqui vivos, temos que aceitar o que ele está nos oferecendo. E neste caso... 


Cheirei minha camisa. Estava imunda. Um mix de odores.


— Estamos precisando de um banho, afinal.


Sue, Candy e Ferdinand concordaram em silêncio. Em instantes depois, começaram a arrumar as coisas que tinham nas mochilas. Ferdinand me levantou, o que foi insuportavelmente doloroso. Só de tocar o solo, minha perna doía.  Tentei mancar o mais ligeiro que pude, mas era quase impossível. Candy bateu na porta e um dos castores abriu. Tinha um corredor deles esperando para que saíssemos. 


Apoiado em Ferdinand, seguimos os castores para o lado noroeste da forte, aonde tinha uns chuveiros (É claro que eles usavam banheiros e não moitas) para nos lavarmos. Da minha mochila, retirei uma nova muda de roupas e entrei no banheiro. Fiz de tudo que pude para não pisar com a perna fraturada, mas era pior sair pulando com apenas uma perna do que tentar caminhar normalmente.


Não demorei muito no banho, mas já sentia a fraqueza saindo junto com a lama e a sujeira pela qual passamos ontem. E, se tem um lugar para refletir um pouco, com certeza é durante o banho. Comecei a pensar em quem poderia ser o tal de Ele, e os motivos de não querer que chegássemos na Fazenda. Acima disso, por que me queria morto? Em uma virada brusca de pensamentos, imaginei nas provações que meu pai estaria passando. Uma parte esperançosa de mim queria que ele aguentasse um pouco mais, até chegarmos lá. Mas, a parte realista sabia que ele estava por um fio.  Com um sinal de mão, utilizando dois dedos se distanciando da cabeça, mentalizei os maus pensamentos irei embora. Foi um solução temporária, mas, eficaz.


Saindo do banho, vesti a roupa que tinha pego da bolsa. Uma camisa esverdeada, calça jeans caqui e meus velhos sapatos desgastados e lamacento. No lado de fora do banheiro, uma penca de castores estavam nos esperando, esgueirando e atentos para caso um de nós tentasse algo contra eles. Ferdinand estava esperando também. Seu pouco cabelo estava molhado, vestia uma camisa preta, bermuda cargo verde-oliva e os mesmos sapatos. Alguns minutos depois, Sue e Candy saíram do banho, ambas ainda secavam os cabelos com as toalhas que os castores nos deram. Candy, voltando ao estilo despojado, usava peças de roupas multicoloridas, do lencinho na cabeça, até os sapatos. Sue tinha preferido por usar cores mais neutras e menos chamativas, um conjunto de roupa cinza e branco.


— Agora, vão! - ordenou o castor.


— O quê? - perguntei, sem entender.


— Já estão limpos, agora vocês vão embora. - disse ele.


— Só assim? - Ferdinand tomou a frente. - Estão deixando a gente ir?


O guarda assentiu.


— Então, adeus. - falou Candy. - Vamos.


Sue a seguiu, deixando Ferdinand me carregando para trás. 


Avançamos por quase todo o forte até chegar no portão de entrada. Uma dupla de guardas estavam fazendo a monitoria do lugar. Por onde passávamos, outros daqueles roedores gigantes olhavam para nós, alguns cuspindo palavras obscenas, outros falando que seria um erro nos libertar. Felizmente, o Rei Amtha não estava presente. Não suportaria ver a cara daquele roedor metido a besta.


Quando atravessamos o portão principal, um pensamento bem óbvio me veio a tona. Era algo que já tinha pensado antes, mas que empurrei para o fundo da minha mente.


— Como vamos chegar até Glasten sem um carro? - perguntei.


— Droga! - xingou Candy. - Sabia que estava esquecendo de algo.


— Estávamos tão preocupados com o Rei Castor nos trair que acabamos por esquecer disso. - disse Sue, se repreendendo com tapinhas na testa.


— E agora? - questionou Ferdinand.


Estávamos tentando imaginar uma solução para aquele impasse quando uma quinta voz surgiu em meio a nós. Era o castor Poeira.


— Ainda bem que não foram. - disse o recém-chegado. - O Rei Amtha, comovido pela missão de vocês - Ele ter dito isso quase me fez rir histericamente. Afinal, foi ele quem ordenou em destruir nosso carro. - Fornecerá uma forma de vocês se locomoverem até aquela Fazenda. Mais para dentro da floresta tem uma trilha de terra que vai até um loja de conveniência mais afastada da cidade. Lá tem um carro que, possivelmente, vá funcionar.


— Qual é a pegadinha? - Ferdinand analisou o castor de cima a baixo. Ele sabia que teria algo por trás disso.


— N-Nada. - gaguejou Poeira, nervoso. - Vocês deveriam ir logo. 


E voltou em disparada para dentro do forte. Após ele passar, as pesadas portas de madeira se fecharam.


— E então? - perguntou Candy. - Devemos confiar?


— Não. - Sue e eu dissemos uníssono. 


— Ótimo. - expressou Ferdinand. - Para a loja nós vamos, então.


Com Ferdinand servindo de apoio, seguimos em busca da trilha que nos levaria até a loja. Mas, algo dentro de mim dizia que não era apenas uma loja qualquer. O Rei Castor não deixaria pontas soltas. E nós sabíamos disso.



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  Tínhamos progredido bastante dentro da mata procurando a suposta trilha que levaria até o carro. De novo, dando continuidade ao embate entre nós contra o Sol, estávamos levando a pior. O sol matinal castigava-nos o que fez aumentar o cansaço e, consequentemente, a fome e a sede, uma vez que saímos do forte dos castores e n&at ...


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