Fanfics Brasil - 23 - Nunca entrem numa loja de conveniência abandonada Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1)

Fanfic: Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada (Livro 1) | Tema: Fantasia


Capítulo: 23 - Nunca entrem numa loja de conveniência abandonada

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Tínhamos progredido bastante dentro da mata procurando a suposta trilha que levaria até o carro. De novo, dando continuidade ao embate entre nós contra o Sol, estávamos levando a pior. O sol matinal castigava-nos o que fez aumentar o cansaço e, consequentemente, a fome e a sede, uma vez que saímos do forte dos castores e não comemos nada. 


Mesmo tendo avançado bastante, a árdua tarefa que Ferdinand tinha de me carregar fez com que o ritmo fosse vagaroso, mas não impedindo de continuarmos. A cada dez minutos de caminhada a gente parava para recuperar o fôlego, e em uma dessas paradas, alguns metros à frente, um pequeno regato de águas cristalinas corria velozmente, cortando um dos lados da floresta.


Nós corremos até lá... Quer dizer, eles correram até o regato, com cantis em mãos. Eu, com a perna quebrada, tinha ficado para trás, encostado numa árvore e aproveitando as poucas sombras que se formavam por causa das outras árvores. Estiquei minha perna com uma enorme dificuldade, beirando o impossível. Era possível que o efeito do bolo cura tudo estivesse passando. Entre um suspiro abafado e outro, lembrei-me de algo que minha mãe sussurrava na minha mente durante minha primeira caçada: As sombras é sua aliada. Use-a com sabedoria. E, naquela ocasião, de alguma forma senti-me "atraindo-a" até mim, dando um gás a mais, me revitalizando na luta.


Com meus amigos longe, eu tinha uma pequena brecha de oportunidade para me concentrar. Distante, eles bebiam da água do regato, lavavam o rosto e molhavam a cabeça para amenizar o calor. Olhei uma última vez para eles antes de tentar fazer algo imprudente e que poderia ser muito útil. Fechei os olhos e respirei fundo. Mentalizei as sombras criadas pelas árvores. Imaginei-as que, em cada canto que estivesse naquele raio de distância que eu estava, pertenciam a mim. Faziam parte de mim, e agora eu estava ordenando para voltarem. Foi quase instantâneo o baque que tive. As sombras obedeceram meu comando e vieram até a mim, me enchendo de vitalidade. Me concentrei em direcioná-las até minha perna quebrada, começando um leve formigamento. Desta feita, a perna começou a esquentar. A dor do osso fraturado voltando ao lugar foi tão forte que se tornou impossível não gritar e, posteriormente, perder o foco.


Mas, felizmente, tinha dado certo.  Minha perna estava restaurada.


Quando eles três chegaram para ver o que tinha acontecido, só me encontraram suado e arfando muito. Eu estava com uma pequena dificuldade em respirar. Canalizar aquela quantidade de sombras tinha sido demais pra mim, quase me esgotando por inteiro.


— Adrian, o que houve? – perguntou Sue, preocupada.


— N-nada... – respondi com uma pequena mentira.


— Como assim nada? – insistiu Candy.


Eles me olhavam meticulosamente, curiosos. Quer dizer, eu gritei por causa da dor na minha perna, mas eles não sabiam o motivo. Eu tinha que contar a verdade.


— Encontrei um pedaço de bolo cura tudo na minha mochila. – expliquei-vos.


A mentirinha estava ficando maior.


— Minha perna, ó.


Articulei o joelho, movimentando a perna. Provando que estava recuperado.


— Estou inteiro de... – Fui interrompido por uma breve crise de tosse.


— Ou quase. – pigarreou Ferdinand.


Sue me encarou tão firmemente que, se eu desviasse o olhar ou demonstrasse incerteza ela saberia que eu estava mentindo. Então, se eu tivesse que explicar como curei minha perna eu teria que falar sobre os sonhos que tive sobre minha mãe e mais um bocado de coisa. Esta parte da missão não lhes dizia respeito. Não por enquanto.


— Aqui. Toma. – Sue deu um dos cantis cheio d’água.


Ela continuava me encarando. Mas eu não dei importância, não enquanto eu pudesse despistar qualquer suspeita. A água gelada do cantil foi o bastante para me refrescar e recuperar a energia. Eu já estava me sentindo novo.


Ferdinand se aproximou e estendeu a mão.


— Vem, levanta que temos um longo caminho a seguir ainda.


Meio capenga consegui me sustentar em pé. A perna ainda latejava um pouco, afinal tinha passado várias horas quebradas suportando o peso do meu corpo. Levaria um tempinho para sentir firmeza novamente na perna.


— Vai conseguir acompanhar o ritmo, Adrian? – perguntou Candy.


A garota parecia um pouco impaciente, como se ela precisasse estar sempre em movimento para extravasar toda a energia que tem dentro dela, talvez tivesse alguma relação por ela ser filha de Xaylã, deusa das estradas.


Assenti.


— Se ficar na minha frente passo por cima. – retruquei bem-humorado.


— Então vamos.


Candy tomou a dianteira do grupo como se fosse nossa guia. Até que não estava tão difícil acompanhar as passadas que davam. Mesmo mancando consegui segui-los sem ficar muito para trás. Minha perna foi parando de doer gradativamente enquanto embrenhávamos na mata. Infelizmente, eu ainda não estava cem por cento, e mancava um pouco, até porque é difícil se recuperar quase que prontamente quando está andando em meio a poças de lama, barro e buracos no meio da floresta.


Sue havia se decidido não sair do meu lado para nada (Só uma vez quando tive que usar o arbusto. Foi muito embaraçoso). Ela fica me analisando como se, repentinamente ela fosse ser capaz de ler meus pensamentos. Durante o caminho ela tentara arrancar alguma coisa que entregasse minha mentira, mas contei tantas vezes sobre ter achado um pedaço do bolo que já parecia verdade até mesmo pra mim.


Mais à frente, Candy encarregada de encontrar a trilha, estacou-se e começou a olhar freneticamente em todas as direções. Ferdinand ao lado dela parecia preocupado e sem saber o que fazer com a garota.


— O que houve com ela? – perguntei quando me aproximei deles.


— A trilha! – exclamou Candy. Seus olhos vidrados na direção que seguia ao leste.


Então, subitamente Candence começou a correr. Apreensivos e sem entender, fomos atrás dela. Como eu não estava conseguindo correr fui mancando mais rápido que pude, atento para não machucar novamente a perna.


Adiante, quando finalmente consegui chegar até eles, Candy tinha parado novamente. Ela havia voltado ao normal como se não tivesse acontecido nada. Estávamos em um emaranhado de algumas árvores frutíferas e outras não frutíferas. Fora o montante de folhas caídas e de galhos repartidos. Contudo, aquela breve corrida nos levou direto até a direção em que a trilha se estendia. A “trilha” que Poeira, o castor, tinha dito não passava de um “filete” de terra que cortava e seguia por pelo leste da floresta.


— O que diabos foi isso? – perguntou Sue quando tudo voltou à regularidade.


Candy respirou fundo.


— Às vezes, por ser filha de Xaylã consigo rastrear... hã, estradas. – Explicou-se.


— Então, basicamente, seria um GPS interno? – questionei, irônico.


Ela assentiu, sem graça.


Um breve pensamento veio à tona: Cada um de nós tinha uma função naquela missão. Candy, provavelmente, seria nossa guia até a Fazenda. Sue dificilmente se limitaria a ser apenas incumbida por matar Ayza, a Dama das Sombras. Mais adiante nós três teríamos “nossas funções” reveladas, assim eu pensava.


— Bom – disse Ferdinand, focado na próxima etapa. – Encontramos a trilha agora só falta chegarmos à loja de conveniência.


Passamos a seguir a trilha para ver onde nos levava. Toda uma nova área da floresta foi revelada para nós, era quase completamente o oposto da parte de aonde viemos. Quer dizer, ainda tinha árvores e plantas para todos os lados, mas ali parecia ser mais acessível às pessoas. Tinha um pequeno playground para as crianças, um par de mesinhas de piquenique e alguns bancos de metal espalhados. Fora uma grande fonte de mármore encrustada no meio. Mais parecia uma praça do que uma parte da floresta. Uma parte de mim queria ficar ali e aproveitar o dia, mas, simplesmente não podíamos.


Por fim, após atravessarmos a pequena praça, já nas últimas centenas de metros da trilha, abriu-se uma bifurcação: o lado esquerdo levava para um estacionamento; o direito, não tinha nenhuma informação escrita. Logo, concluímos que se havia uma loja de conveniência, era para ali.


E estávamos certos.


Encontrar a loja não foi tão difícil quanto esperávamos. Em uma distância “considerável” era possível enxergar uma longínqua silhueta de concreto e tijolo se formava entre a coloração esverdeada da floresta mais à frente.


— O que estamos esperando? – indagou Ferdinand, apressado.


— Tem alguma coisa errada. – repreendeu-o Candy.


Sue assentiu.


— Tem sempre algo de errado. Não podemos simplesmente chegar lá e pegar o carro.


— Por que não? – insistiu o grandão.


— Se formos pegos quem irá nos ajudar? – rebati a pergunta do grandão.


Eles pareciam considerar meu ponto de vista.


— Enviamos dois de nós para ir até lá. – Sugeri. Na verdade, eu queria dizer “mais um de nós” porque certamente eu iria também. – Se não regressarem em trinta minutos, os outros dois vão atrás.


Os três discutiram entre si. Não tinha uma alternativa melhor do que essa, afinal. Seria muito arriscado irmos nós quatro sem ter alguém para nos resgatar depois. Por fim, após entrarem em consenso, Candy disse:


— Eu vou. Como a única que sabe dirigir por aqui, então eu tenho que ir.


— Excelente. – disse eu. – Então vamos.


— O quê? Você vai? – questionou Ferdinand. – Por quê?


— Simples. – respondi secamente. – Foi minha ideia.


O grandalhão bufou de raiva. Vez ou outra era bom irritar o Ferdinand, deixá-lo no clima para caso de errado aconteça.


— Tudo bem, Fer. – disse Candy, sorrindo. – Provavelmente não acontecerá nada.


A garota foi até ele e deu um beijo. Demorado. Admito que fiquei envergonhado de ver aquilo. Quer dizer, não é sempre que as pessoas demonstram afeto na minha frente. Sue olhou pra mim, também parecia envergonhada. Ela estava ficando vermelha.


— O quê? – ela falou repentinamente. – Não vou dar um beijo em você, Adrian.


Foi aí que senti que estava derretendo por dentro. Meu rosto estava corando fortemente, minhas bochechas ficaram quentes. De onde ela tirou essa ideia de me beijar?


Os pombinhos sorriram.


— Ahh, crianças, vocês têm muito que aprender. – disse Candy, didaticamente.


Depois da cena romântica entre Candence e Ferdinand, fomos em direção à loja. Como não tinha um caminho mais rápido para irmos (já que a trilha acabava metros atrás), nos embrenhamos pelas árvores e todo aquele verde florestal. Candy fazia questão de marcar as árvores com “X” feito com uma ponta de flecha, para sabermos o caminho de volta caso não dê em nada na loja de conveniência, ou, no pior caso, para Susan e Ferdinand nos seguir para ver se algo deu errado.


Eu tentei evitar contato direto com Candy depois do beijo com o Ferdinand. Não sei bem por que, afinal era algo comum em casais demonstrar afeto um pelo outro. Num certo momento, ela me chamou:


— O que houve? – perguntou-me, embora ela talvez soubesse a reposta.


— Ah, nada. - tentei disfarçar.


Candy parou na minha frente, bloqueando o caminho.


— É por causa daquilo com o Fer? Qual é Adrian, você está bem grandinho para se sentir envergonhado por algo tão comum. – Ela cutucou com seu dedo fino no meu peito. – Vai dizer que nunca fez isso?


— Eu só tenho treze anos. – disse eu, vermelho de vergonha.


— Então... não?


— Já. – confessei. – Ano passado, antes de ir a High Tower. Anne Doe. Não foi uma das experiências mais agradáveis.


— Awn, que fofinho. – Candy começou apertar minhas bochechas.


— Ok. Chega, né?! – Afastei as mãos dela do meu rosto. Minhas bochechas estavam doloridas de tanto ela apertá-las.


— Certo. Foco. – disse Candy.


Ela saiu da minha frente e voltou a marcar as árvores com a flecha. A garota cantarolava por todo o trajeto. Até que finalmente chegamos a loja.


— A vigilância sanitária deve ter pesadelos com esse lugar. – pontuei, ironicamente.


Candy torceu o nariz em represália.


O prédio em si parecia deteriorado com o passar do tempo. Em algumas partes tinham patacas de cor amarelada, explicitando ser a cor que estava pintada anteriormente. Tirando isso, o resto do local estava acabado, montante de sacos de lixo estavam empilhados na latera da loja. O toldo azul estava rasgado e enferrujado. As janelas danificadas estavam com tábuas pregadas para que ninguém entrasse. Ou saísse.  Aquela loja parecia ter saído direto de cenas em que precedem o terror que está por vir. Mais afastado tinha uma placa giratória com letras em neon dizendo: Aberto 24hrs. No meio do pátio tinha uma velha bomba de combustível. Entretanto, nada de avistarmos o carro que, supostamente tinha por aqui.


— Adrian. – chamou Candy. – Que tal nos separarmos?


— Muito arriscado, não? – retruquei.


— Não sei... – disse a garota. – Mas temos que encontrar logo o carro, daqui a pouco vai dar quase meio-dia, e quanto antes estivermos na estrada, melhor.


Assenti, nervoso. Ela tinha razão, não poderíamos perder horas preciosas.


— Você olha ao redor da loja. – disse eu. – Enquanto isso vou olhar dentro da loja na esperança de encontrar algo para comer que não esteja fora da validade.


— Combinado. – concordou Candy. – Ainda temos o quê, vinte minutos antes de o Ferdinand vir com a Susan atrás de nós?


Olhei na Anoitecer. Faltavam precisos dezoito minutos para retornarmos com o carro.


— Sim. – falei. – Que tal nos encontrarmos aqui em dez minutos?


Ela assentiu. Candy foi em direção aos contornos da loja procurando o carro.


Entrei na loja que aparentemente não funcionava a um bom tempo. Afinal, o que poderia dar errado ao entrar em um lugar abandonado em meio à floresta? Senti Anoitecer soltar “cargas elétricas” no meu pulso, vibrando como se dissesse: Não entra aí. Vai dar tudo errado. Era como se eu conseguisse ouvi-la, mas, espera aí. Espadas não falam.


Já dentro da loja, mesmo não tendo uma boa luminosidade fui vasculhar atrás do balcão à procura de alguma evidência sobre o carro, fosse as chaves ou até mesmo alguma foto do veículo. Infelizmente, não tinha nada. Então, na melhor das circunstâncias, procurei por comida que estivesse boa o suficiente para comermos sem ter alguma intoxicação. Em uma das prateleiras tinha vários pacotes de biscoitos que, surpreendemente, estavam dentro da validade. Aproveitando a oportunidade única, enchi a mochila com todo o tipo de coisa que achei pela frente: biscoitos, salgadinhos, doces, comida enlatada etc.


Quando já estava para sair da loja, ouvi um ruidoso barulho vindo de uma das prateleiras à frente de mim. Se aprendi algo com o episódio no hotel Santo Sonho, enfrentando Ayza, é: Nunca se deve ir em direção ao barulho/ perigo. E foi o que fiz: saí andando de volta a entrada quando outra vez deu-se o barulho, agora de latas caindo.


— É apenas o vento derrubando as latas. – disse a mim mesmo.


Eu queria muito acreditar no que eu disse, mas o único problema é que não tinha corrente de ar passando dentro da loja. Anoitecer vibrou novamente no meu pulso. Quase a ouvi dizer: Eu disse para não entrar aí, otário. EU DISSE!  


Mais uma vez quando tentava sair, agora a pancada não foi das latas caindo, e sim das portas da loja se fechando. Como já não era bem iluminado, com as portas fechadas o interior da loja ficou às escuras. O lado bom (Se houve um, aliás) era que eu conseguia enxergar perfeitamente no escuro, por isso caminhei até a porta novamente, mas um chiado chamou minha atenção. Tentei me forçar a não olhar, mas a curiosidade prevaleceu: uma criatura horrenda se fazia presente. Ela parecia ter saído diretamente de um laboratório onde se fazem experiências, criando híbridos. Da cintura pra cima, ela era como uma mulher qualquer. Das mãos cresciam garras enormes. No rosto, seus olhos amarelados cintilavam, suas presas afiadas eram umedecidas por sua longa língua bifurcada, como se estivesse prestes a almoçar. Vestia uma simplória camisa branca com um pequeno colete jeans por cima. Já na parte inferior ao tronco era algo a mais. Parecia ser pernas reptilianas, escamosas e tudo que tem direito até mesmo uma cauda. Eu sabia o que ela era já tinha visto em um dos livros sobre monstros: uma Vorakma, seres híbridos (macho e fêmea) entre humanos e lagartos que foram “jogados fora” por Kahliz por serem imperfeitos. Extremamente vorazes com suas presas, causando paralisia com o simples corte com sua cauda.


A mulher-lagarto não se mexeu e ficou apenas me encarando, passando a língua no ar como se estivesse farejando o medo. Eu estava sem saída, aparentemente. As portas estavam fechadas e as janelas pregadas com pedaços enormes de tábua.


— Achou mesmo que sairia sem pagar? – perguntou a mulher-lagarto, seus olhos brilhavam em um amarelo doentio.


— Não quero problemas. – disse eu. – Posso pagar por tudo que peguei.


Era um blefe. Eu não tinha dinheiro algum, estava tudo com a Candy quando Paul entregou a ela.


— Fique com seu dinheiro. Aceito algo... como posso dizer? Definitivo. – gargalhou.


Estava claro que o “definitivo” seria minha morte. Porém, eu não me permitiria ser morto, obviamente. Anoitecer mandou outro pulso elétrico, agora percorrendo por todo meu corpo. Parecia ser um pedido para que eu a sacasse, mas fiquei receoso de não dar tempo de brandi-la ao ponto de incapacitar a mulher-lagarto. O máximo que eu poderia fazer era enrolar pelo tempo necessário da Candy voltar e tentar arrombar a porta pelo lado de fora, permitindo que eu escapasse. E, só então, liquidar com aquela criatura de vez.


— Por favor, não me mate. – implorei, falsamente. – Tenho que voltar para minha família lá.


— Ah, coitadinho. – disse ela, ironicamente. – Vou deixar você sair assim que fizer algo bem simples pra mim.


Engoli em seco. Fiquei curioso sobre o que seria esse “algo bem simples”. A forma como ela falava era tão viciante, parecia cativar cada parte do meu corpo. Então, em um gesto rápido com a mão, as portas atrás de mim se abriram escarnando-as, fazendo a luz do sol penetrar no interior da loja. Com a luz solar entrando na loja, ocasionalmente tocou-lhe a pele, dando um tom esverdeado a ela, característica dos repteis.


— Fique paradinho aí, criança. Se quando eu voltar, você estiver saído... sabe a sua família? Vou trucidá-la na sua frente. – falou a mulher-lagarto.


E entrou em uma salinha ao lado do corredor.


Institivamente pensei em correr sem olhar para trás, encontrar Candy e dar um fim nisso tudo. Mas, se assim eu fizesse, que garantias eu teria de que mais destas criaturas não estaria nas proximidades? Anoitecer vibrava ensandecidamente no meu pulso como se estivesse dizendo: Viu? Eu te disse.


— Tá. Tá. Você estava certa ao me alertar do perigo. – disse eu a Anoitecer.


Felizmente ela não respondeu, senão eu teria certeza de que tinha ficado maluco.


A mulher-reptiliana retornou e consigo trazia um prato com diversas guloseimas doces e salgadas. Um corte superficial marcava seu braço esquerdo, fora feito recentemente, provavelmente no momento em que ela entrou na sala ao lado. Ela veio até mim com um sorriso tão sutil quanto aquelas guloseimas.


— Antes de terminarmos a conta que você está devendo, coma estes aperitivos. – Ofereceu a mulher-lagarto.


— Sabe o que é dona, eu não estou com muita fome no momento. Deixa para outra pessoa.


— Ora, eu insisto, criança. – disse ela, empurrando o prato contra mim. – Pegue só um para provar. Quem come diz que o sabor é de matar.


— Meu pai diz que é perigoso aceitar coisas de estranhos. – desconversei. Mirei Anoitecer e faltavam mais dois minutos para Candy voltar à frente da loja.


— Não seja por isso. Meu nome é Ourália. – falou a mulher. – E quanto a seu pai... não é ele que está preso com os seojis?


Minha expressão de surpresa deve ter sido muito engraçada porque Ourália gargalhou ruidosamente, tanto que deixo cair algumas guloseimas no chão, mas ela não pareceu se importar tanto.


— Ah, eu sei tudo sobre você, Adrian West. – sibilou Ourália. – Estou sendo misericordiosa consigo e dando a oportunidade de uma morte mais amena do que você encontrará indo a Fazenda.


Engoli em seco. Era óbvio que todos os monstros e pessoas que fossemos encontrar pelo caminho sabiam para onde estávamos indo e o motivo de irmos.


— Não quero essas coisas daí. – disse eu, apontando para o prato. Tentei ser forte e não surtar quando ela mencionara meu pai.


Ourália deu de ombros.


— Tudo bem. Então, somando tudo que pegou – Ela fez gesto com os dedos como se tivesse contando. – Dão cerca de sessenta ouros. Ouros para Ourália. – brincou a mulher-lagarto.


— Eu não peguei tanta coisa assim. – repreendi-a, mas era em vão.


— Ora, criança, a loja é minha eu que dito os preços aqui. Agora, se não tem a quantia em dinheiro, aceito outra coisa em troca. – E gaitou fazendo jus aos vilões de desenho animado.


— E o que seria? – perguntei já sabendo qual seria a resposta e me preparando para correr, torcendo para que Candy aparecesse a qualquer momento.


Ourália abriu a bocarra, as presas a mostra, a saliva escorrendo pelos lábios.


— Sua vida. – ela respondeu.


E deu o bote.


***


O ataque de Ourália errou por muito pouco, sorte que fui mais ágil em desviar para o lado. A Vorakma derrubou as prateleiras que estavam atrás de mim.


Ourália já em pé novamente veio se arrastando com toda a ferocidade para cima de mim. De suas costas brotaram asas reptilianas. (Nunca duvide de algo que já é assustador, sempre pode ficar mais aterrorizante quando ganham asas.) Suas asinhas bateram fortemente tentando alçar voo, mesmo estando dentro da loja, esta que ela não parecia se importar tanto, já que começou a derrubar as prateleiras com sua cauda.


— Vou acabar com você, Adrian West. – rugiu Ourália, macabramente.


 A roupa que ela estava usando tinha ficado suja por ter caído em cima do prato com os aperitivos, sua blusa branca tinha sido manchada de vermelho por causa do ketchup, no cabelo tinha farelos de biscoito. Ela soltou um urro horrendo, seus olhos de amarelados estavam ficando coralinos. Tentei correr para fora da loja, mas, mesmo distante de suas garras, sua cauda ainda me alcançou, me dando uma rasteira e, dois segundos após, ela já estava em cima de mim impossibilitando que eu me soltasse.


— Parece que não saída para você, heróizinho. – Enquanto ela falava sua saliva nojenta pingava no meu rosto e, se não fosse ruim o bastante, ainda tinha o hálito horroroso de coisa morta. – Você vai desejar não ter cruzado meu caminho, remanescente. Logo serão seus amigos que vão sofrer a mesma consequência que você.


Ourália saiu de cima de mim e com a cauda me enrolou quase que completamente bem apertado e foi me arrastando. Não parecia que tinha muita saída pra mim. Se eu conseguisse sacar Anoitecer talvez conseguisse fazer algo, mas só antes de ser levado para onde quer que fosse.


Ela não suavizava em passar por cima pelos vidros quebrados, meus braços estavam cortados e as mãos também. Minha camisa, na parte das costas, estava começando a ser rasgada. Pelo caminho ela se virava e ria enquanto me olhava, se vangloriando por ter me capturado.


— Candence! – Gritei na tentativa desesperada por resgate.


Ourália gargalhou.


— Isso! Chama seus amigos para cá.


Me agarrei em uma das prateleiras, me esforçando para tentar escapar dela, mas sem muito sucesso. Ela era muito mais forte do que eu, além disso, eu estava estirado no chão sem muitas forças para lutar de volta.


O caminho até onde eu estava sendo levado deveria estar perto do fim e o desespero começou a bater mais forte. Não adiantaria dialogar com aquela mulher-lagarto. Tentei apertar o botão para invocar Anoitecer, mas não tinha muita força me restando. Se houvesse um momento para escapar, com certeza seria agora ou nunca, depois dali não teria mais volta pra mim. Reuni todas as forças dentro de mim e ergui meu braço direito para apertar no relógio. Como sempre, em poucos segundos, Anoitecer cresceu de tamanho e virou uma espada de lâmina negra e runas roxas. Ourália pareceu não ter visto a minha movimentação, talvez para ela eu estivesse me esperneando para escapar. Com Anoitecer em mão não esperei um segundo sequer e atingi a Vorakma na cauda, fazendo-a soltar um urro ensurdecedor de dor. O líquido esverdeado provido de quando os monstros são feridos começou a escorrer do toco que ficara no lugar de seu rabo reptiliano. Ourália se virou horrorizada para mim, atordoada por ter tido a cauda amputada de maneira tão brusca.


Prontamente eu fiquei em pé. Suado e arfando, levantei Anoitecer em posição de ataque contra Ourália.


— Como ousa, seu pedaço de lixo humano? – vociferou a vorakma. – Você antecipou sua morte.


Ela avançou para cima de mim com tremenda fúria. Seus braços antes humanos se transformaram em uma camada de aço, armada para guerra. Como estava sem a cauda, seu “poder de alcance” caiu drasticamente. Ourália gritava toda vez que tentava me golpear e eu esquivava, mas, felizmente pra mim, ela sempre acertava as estantes com o restante das comidas.


— Você teve a chance de me matar antes. Por que não o fez? – perguntei a ela. Eu tinha recuado alguns passos atrás para recuperar minha mochila que, entre esquivas acabara caindo.


— Ele tem planos para você, Adrian West. – disse Ourália. – Eu ia entregá-lo a Ele.


— Quem é Ele? – questionei. Quem quer que fosse já estava se tornando um grande pé no saco.


— Ah... – sibilou Ourália. – Ele é seu maior pesadelo, criança. Agora, morra!


Investiu mais uma vez sem sucesso. Meu plano que se resumia a me reunir com a Candy ainda estava de pé. Então, em uma brecha que Ourália deu ao tentar tirar a mão que ficara presa em uma das prateleiras, eu corri para o lado de fora da loja. No lado de fora, corri como se não houvesse amanhã. Não tinha nenhum sinal de Candy por perto, invés disso tinha marcas de pneus que seguiam em caminho a trilha de terra.  Quanto mais corria mais coração parecia querer pular fora do peito, eu estava arfando pesadamente quando olhei para trás e tudo que vi foi uma silhueta borrada da loja de conveniência. Tive a audácia de me encostar-se a uma das árvores para recuperar o fôlego. Mas eu estava muito errado ao fazer isso.


Detrás de uma das árvores, Ourália veio pairando para cima de mim como todo seu corpo de réptil, sedenta por sangue e vingança.


— Você cortou minha cauda, destruiu minha loja. – vociferou Ourália. – Por anos usei-a como isca para atrair desavisados e comê-los, mas agora não tem mais como reconstruí-la. Se tivesse aceitado comer as guloseimas nada disso teria acontecido. – Ela fez uma pausa. – Entretanto... isto deixou as coisas mais interessantes.


Cansado, eu não tinha para onde correr. Era enfrentá-la para, talvez, quem sabe, ficar vivo. Eu estava cara a cara com o perigo e possível morte, mas não fugiria. Minhas pernas e mãos tremiam. Levei novamente Anoitecer em posição de ataque. Ourália rangia os dentes, afiava as garras de aço nas árvores mais próximas.


— Se não restava outra opção...  – disse eu.


Joguei a mochila em um dos arbustos.


— Vamos nessa. – gritei.


E ela veio mesmo. Ourália se jogou em cima de mim toda ameaçadora, mas consegui desviar para o lado. Golpeei com Anoitecer em seu braço, mas o choque da lâmina com o braço de aço da vorakma tilintou não dando em nada efetivo. Ela tentou novamente me atacar, mas pulei para trás, caindo desequilibrado, de bunda no chão.


— Jeito patético de morrer, herózinho. – observou Ourália. – Diga adeus!


Só tive tempo de fechar os olhos e levantar Anoitecer na esperança de conseguir defender a investida. Porém, ela não veio com toda a força que esperei.


Ouvi alguns Zuum! Zuum! Passando por cima de mim. Ourália chiou. Me arrisquei a abrir os olhos. Duas flechas estavam cravadas no peito de Ourália. Atrás de mim apareceram duas garotas portando arcos, uma ostentava um arco negro e a outra um arco dourado. Elas dispararam mais duas, três, quatro vezes contra a mulher-monstro. Sabendo que iria morrer, ela ignorou Sue e Candy e voltou sua atenção até mim, descendo suas garras de aço nos meus braços, rasgando-me a pele. De sua boca escorria o sangue verde dos monstros. Ela cambaleou zonza, desabando perto da árvore em qual ela afiou suas garras.


Antes que pudesse proferir alguma coisa, se desfez em uma pilha de pó esverdeado, como a pigmentação de sua pele reptiliana, se desfazendo com uma nada suspeita corrente de ar.


Sentado no chão, ostentando Anoitecer e o braço sangrando, fiquei mais relaxado.


— Você está bem, Cabeção? – perguntou Sue, se aproximando de mim.


Me permiti um fraco sorriso.


— Nunca estive melhor.


Minha visão estava ficando embaçada por causa da perda de sangue.


— Acho que vou desmaiar de novo... – balbuciei


— Desta vez não. – disse Candy. Consigo trazia um lencinho amarrado. Minha suspeita era de que fosse um pedaço do bolo cura tudo. E eu estava certo.


No mesmo instante que comi, já sentia minhas energias voltando. Os cortes se fechando, o sangue estancando. Era como se eu não tivesse sofrido nada.


Voltando para o ponto de encontro, Ferdinand estava impaciente encostado em uma pick-up marrom um pouco enferrujada. Felizmente, ela era grande o suficiente para suportar nós quatro. Não era muito estilosa, mas serviria para o que precisávamos: levar-nos até a Fazenda. Sem mais rodeios, entramos no carro.


Candence, como sempre, fez todo seu ritual: ligou o carro. O motor roncou. Infelizmente o carro tinha rádio, o qual ela ligou prontamente procurando a estação onde toca só toca rock pesado. Desta vez, eu estava no banco da frente, enquanto Sue e Ferdinand ia atrás.


— Estão prontos, crianças? – perguntou Candy. – Próxima parada: Fazenda Amaldiçoada. Segurem que a viagem é longa e a tia Candy dirige rápido!


E acelerou a pick-up. Última coisa que me lembro daquele lugar são as árvores ficando para trás.



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Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

Prévia do próximo capítulo

  Se tiver algo mais chato do que as aulas da Sr.ª Allen, com certeza é viajar de carro. Sério, ficar horas e horas sentado no carro, fazendo a bunda ficar quadrada tomando o formato do assento do veículo e ver a contínua paisagem de solo árido e de árvores escassas pelas bordas da rodovia é praticamente uma puni&cc ...


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