Fanfic: O Jogo Da Mentira- Trendy/Vondy | Tema: Dulce, gemeas

Dulce ficou assim pelo resto da noite, com as cobertas até o queixo. Todo som de cano ou assobio de ar dentro de um duto de ventilação fazia seu coração disparar. Quando ouviu o alarme do sr. Pardo tocar às seis horas da manhã, seguido pelo ranger das escadas quando ele desceu com seus tênis de corrida, foi até a janela para vê-lo sair despreocupado e tranquilamente pela rua. Como se não fosse um assassino. Como se não tivesse tentado entrar no quarto de Dulce na noite anterior, provavelmente para matá-la também.

Às dez horas, Dulce não conseguiu mais segurar a vontade de usar o banheiro.

Com relutância, saiu da cama, percorreu o corredor e trancou a porta. Entrou no chuveiro, deixando o som da água corrente abafar seus soluços. Quando por fim se controlou, fechou a torneira e usou a palma da mão para limpar o vapor do espelho.

Olhou para seu reflexo e por um instante fingiu que eram os olhos de Roberta que a encaravam.

– Preciso de você, Roberta – Sussurrou. Ela sabia que era loucura falar com a irmã gêmea morta, mas de fato se sentia meio louca naquele momento. – Diga-me o que fazer. Diga-me como resolver seu assassinato. Diga-me como incriminá-lo.

Eu a encarei, desejando poder fazer um download de minha memória em um DVD e passá-lo para o oficial Quinlan. Mas não podia. Tudo o que podia fazer era observar e torcer para que minha irmã não acabasse como eu.

Depois que Dulce se vestiu, abriu a porta do quarto e viu Taylor parada ali com a mão prestes a bater.

– Aí está você – Disse ela. – Pronta para o café da manhã ou ainda está muito enjoada?

Dulce encarou a irmã de Roberta com os olhos turvos. Por hábito, seus músculos se retesaram, e ela contraiu o maxilar, mas depois lembrou que Taylor não era mais suspeita, mesmo. De repente, quis abraçar a irmã adotiva simplesmente por não ter matado Roberta.

Mas então registrou a pergunta de Taylor. Café da manhã significava encarar o sr. Pardo.

– Ahn, ainda estou me sentindo muito mal – Murmurou ela.

– Ah, qual é? – Taylor lhe deu o braço. – As famosas panquecas do papai vão curar você.

Antes que Dulce conseguisse protestar, Taylor a arrastou escada abaixo até a cozinha. Quando viu as costas altas e retas do sr. Pardo ao fogão, despejando massa de panqueca em uma frigideira, Dulce congelou. Pai Assassino Faz o Papel de Homem de Família Amoroso, pensou ela, imaginando uma foto granulada em preto e branco do sr. Pardo segurando uma espátula e dando um sorriso maníaco para a câmera.

Também observei meu pai, desejando poder agarrá-lo e sacudi-lo com força.

Como você pôde?, Gritei para suas costas. Eu confiava em você! Eu amava você! Mas, como sempre, minha voz se evaporava instantaneamente, como se eu estivesse gritando em um túnel de vácuo.

O sr. Pardo se virou e olhou para Dulce. Os lábios dele tremeram de leve em um espasmo, como se o esforço de conter sua raiva na frente de Taylor fosse demais para ele.

– Ah. Roberta. Você acordou. – Ele coçou o nariz, constrangido. – Está se sentindo melhor?

Dulce baixou os olhos, sentindo as bochechas queimarem.

– Aham – Murmurou ela.

Taylor se deixou cair em sua cadeira habitual junto à mesa de café da manhã.

– Você perdeu a melhor parte da festa do papai, Roberta, o bolo. Estava ma-ra-vi-lho-so. Mas, enfim, parece que você está faltando a todo tipo de festa nos últimos tempos, incluindo a sua. – Ela revirou os olhos.

– Foi um caso sério de intoxicação alimentar – Murmurou Dulce, apertando a barriga para causar mais efeito. – Na verdade, acho que é melhor eu subir e deitar mais um pouco. Ainda estou me sentindo fraca.

– Bobagem. Um pouco de comida no estômago vai lhe fazer bem – Disse uma voz rígida à esquerda de Dulce. Ela olhou e viu a avó à mesa, com uma caneca de café diante de si. Seus olhos estavam frios, e ela olhou Dulce de cima a baixo com os lábios contraídos. – Estranho, você não parece doente. – Seu olhar voltou-se para o sr. Pardo. – Parece?

O sr. Pardo se retraiu, largando a concha dentro da tigela de massa. O coração de Dulce batia com tanta força que ela tinha certeza de que todos conseguiam ouvir.

– O que acha que causou a intoxicação? – Perguntou Taylor, parecendo um pouco preocupada. – Espero não ficar doente também.

Dulce mudou o peso de um pé para o outro, sem conseguir se lembrar de um único prato servido na festa.

– Ahn, talvez um cachorro-quente – Soltou ela, pensando na vez que teve intoxicação alimentar por causa de um cachorro-quente que comprou em uma barraquinha de rua em Vegas.

A avó lançou a Dulce um olhar penetrante.

– Hum. Achei a comida deliciosa. Tem certeza de que não foi outra coisa que... irritou seu estômago?

– Ela disse que foi a comida, mãe – Disparou o sr. Pardo. – Deixe isso pra lá.

Os lábios enrugados da avó se contraíram em uma carranca, mas ela se calou.

Taylor voltava-se para um lado e para outro, olhando todos eles.

– Ahn, alguém pode me contar a piada?

Ninguém respondeu. Dulce se encolheu contra a parede, desejando que a avó mantivesse a boca fechada. Ela estava brincando com fogo e não sabia nem metade da história.

Nesse momento, a sra. Pardo entrou na cozinha, toda alegre.

– Estão todos acordados! – Gorjeou ela. – E vamos comer panquecas! Que ótimo! – Ela foi até o sr. Pardo, junto ao fogão. – E como está o aniversariante? Gostou da festa de ontem?

O sr. Pardo engoliu em seco e murmurou um sim pouco entusiasmado.

A sra. Pardo cutucou a lateral de seu corpo.

– É melhor ter ficado mais feliz que isso! Achei a festa um sucesso estrondoso! Não foi, Gloria?

Ela olhou para a avó, cujo olhar ainda estava fixo em Dulce.

– Acho que teve seus bons e maus momentos – Disse ela com voz tensa.

A sra. Pardo fez uma pausa e deslocou os olhos da avó para o marido e depois para Dulce.

– Perdi alguma coisa? – Perguntou ela, hesitante.

– É isso o que eu quero saber – Disse Taylor. – Eles estão agindo de um jeito muito estranho.

– Estamos agindo normalmente – Retrucou num instante o sr. Pardo, usando tanta força para colocar as panquecas em um prato que uma delas quase caiu no chão. Ele, então, colocou o prato sobre a mesa. – Voilà. Aproveitem.

A sra. Pardo estendeu a mão para pegar uma panqueca, voltando a exibir uma expressão alegre.

– Então, meninas, ontem à noite o sr. Perroni me contou que o baile da escola foi cancelado por causa de um ato de vandalismo – Disse a sra. Pardo. – O que aconteceu?

Taylor pegou a calda, que estava em um jarro de cerâmica listrado.

– Ah, foi só uma idiotice. Foram umas calouras, mas, como não confessaram, o baile foi cancelado. – Ela despejou a calda sobre sua pilha de panquecas. – Mas eu soube que na verdade foi porque os professores queriam usar o dinheiro reservado ao baile para irem a uma conferência em um spa em Sedona.

– Sério?! – Exclamou a sra. Pardo, franzindo a testa. – Bem, vou tocar nesse assunto na próxima reunião de pais e professores.

Taylor comeu um pedaço grande de panqueca e o ajudou a descer com suco de laranja.

– Mas Roberta e eu vamos chegar tarde na noite em que seria o baile. O time de tênis terá uma reunião depois do treino.

Ela estava mentindo, claro. Mas o casal Pardo dificilmente deixaria as filhas invadirem o ginásio da escola para dar um baile.

– Vai ser divertido confraternizar com a equipe fora da quadra – Gorjeou Taylor. – Não concorda, Roberta?

Dulce levantou os olhos de seu prato de panquecas.

– Ahn, sim – Murmurou ela. – Muito divertido.

– E a reunião foi ideia da Anahí – Continuou Laurel, encarando Dulce.

Os olhos da sra. Pardo se iluminaram. Ela colocava Anahí em um pedestal, como se ela fosse uma versão adolescente da Madre Teresa.

– Aquela garota está sempre pensando no que é melhor para a equipe – Murmurou ela.

A avó encarou Dulce.

– Assim como você, Roberta. Lembra-se do ano passado, quando fez aquelas camisetas da equipe? Seu pai contou que a frase era muito inteligente. Qual era mesmo?

Dulce levantou o rosto e sentiu quatro pares de olhos sobre ela. A sra. Pardo, Taylor e a vovó pareciam apenas em dúvida, interessadas. Mas o olhar do sr. Pardo era frio e ameaçador. Ela praticamente conseguia ouvir seus pensamentos: Continue fingindo. Mantenha a boca fechada.

Dulce se levantou abruptamente, quase derrubando o jarro de calda. Não conseguia mais aguentar nem um segundo daquilo.

– Ah, posso sair da mesa?

A sra. Pardo pareceu surpresa.

– Continua não se sentindo bem?

Dulce balançou a cabeça, com o cuidado de não encarar ninguém.

A sra. Pardo soltou um estalo de preocupação.

– Ah, tadinha! – Comentou, saindo da cozinha com Dulce. – Posso fazer alguma coisa por você? Comprar um Ginger Ale? Levar alguns de seus DVDs favoritos lá para cima?

Dulce olhou para a sra. Pardo. Seu rosto era tão bondoso, sincero e generoso.

Seu marido está traindo você, Dulce queria dizer. E acho que ele matou sua filha.

– Obrigada – Murmurou ela, ficando na ponta dos pés e abraçando a mãe de Roberta. Quando se afastou, a sra. Pardo parecia surpresa, mas também emocionada.

A tristeza pesou em meu peito. Percebi o que eu tinha desejado na última noite de minha vida, quando estava perdida no cânion. Tudo o que eu queria era a segurança de minha mãe e de meu pai.

Mal sabia que meu pai era quem eu mais devia temer.