Fanfic: O Jogo Da Mentira- Trendy/Vondy | Tema: Dulce, gemeas

Na manhã de segunda-feira, Dulce se sentou num canto na sala de cerâmica do Hollier High. Estava cercada de pelotas de argila cor de cimento, ferramentas de madeira para esculpir e cortar, e tigelas emborcadas sobre tábuas de madeira esperando para entrar na fornalha. O ar tinha um cheiro terroso e úmido, e havia um constante chiado de tornos girando e pés desajeitados batendo contra os pedais.

Belinda se estirou no banco à direita de Dulce, olhando para seu torno de cerâmica com ódio, como se fosse um instrumento de tortura.

– Por que fazer cerâmica? Não é para isso que serve a Pottery Barn?

Maite bufou.

– A Pottery Barn não vende cerâmica só por causa desse nome! Ou você também acha que a Crate & Barrel vende engradados e barris?

– E que a Pier 1 vende píeres? – Taylor riu, uma fileira à frente delas.

– Menos falação e mais criação, meninas – disse a sra. Gilliam, a instrutora de cerâmica, ziguezague ando entre os tornos, fazendo tilintar os sininhos de sua tornozeleira enquanto andava. A julgar pela aparência, a sra. Gilliam era uma daquelas pessoas que não poderiam ter outra profissão além de professora de arte. Usava calças largas de malha, coletes de jacquard e colares chamativos sobre túnicas de batique que cheiravam a patchuli bolorento. Suas palavras eram enfáticas e faziam Dulce se lembrar de uma assistente social que conhecera, a sra. Thuerk, que sempre falava como se estivesse fazendo um monólogo shakespeariano. Ora, Dulce... estás tu sendo bem tratada neste lar para infantes de temporário cuidado em Nevada?

– Ótimo trabalho, Anahí – murmurou a sra. Gilliam quando passou pela mesa de esmaltagem, onde vários alunos pintavam suas cerâmicas em tons terrosos. Anahí Giovanna, que era cocapitã de Roberta na equipe de tênis, virou-se e abriu um sorriso sarcástico e triunfante para Dulce. Seus olhos reluziam de puro ódio, o que causou uma onda de medo no peito de Dulce. Estava claro que Anahí e Roberta se detestavam: Anahí olhava feio para Dulce desde que ela assumira a vida de Roberta.

Desviando o olhar, Dulce posicionou uma pelota de argila cinza no centro do torno, envolveu-a com as mãos e deixou o torno girar lenta mente até obter uma forma semelhante a uma tigela. Taylor soltou um assobio baixo.

– Como conseguiu fazer isso?

– Hã, sorte de principiante? – Dulce deu de ombros como se não fosse nada de mais, mas suas mãos tremeram levemente. Uma manchete apareceu em sua cabeça: Habilidades para a cerâmica revelam que Dulce María se passava por Roberta Pardo. Escândalo! Dulce tinha aprendido a fazer cerâmica em Henderson. Ela passava horas usando o torno depois da aula; era muito melhor que ir para a casa de Ursula e Steve, os pais temporários hippies com quem morava na época e que não eram a favor do banho. A regra da sujeira se aplicava a eles, suas roupas e seus oito cachorros sarnentos.

Dulce atravessou a tigela com a mão e soltou um falso suspiro de tristeza quando ela se despedaçou.

– Minha sorte já era.

Assim que a sra. Gilliam foi para perto da fornalha, Dulce deu uma olhada para Belinda e tirou o pé do pedal. Belinda e as outras ainda eram as suspeitas mais prováveis da morte de Roberta. Mas ela não tinha provas.

Limpando as mãos em um pano, ela pegou o iPhone de Roberta e checou o calendário.

– Hã, gente? – disse ela. – Alguém sabe quando eu fiz mechas pela última vez? Eu me esqueci de marcar no calendário e quero deixar um lembrete para a próxima vez. Foi em... 31 de agosto?

– Em que dia da semana caiu? – perguntou Maite. Ela parecia exausta, como se tivesse passado a noite anterior em claro. Maite apertava a argila com força demais, transformando a tigela que estava fazendo em uma panqueca mole.

Dulce tocou a tela do telefone outra vez.

– Hã... foi no dia anterior à festa de Anahí. – Um dia antes de Beli me sequestrar no Sabino Canyon, achando que eu era Roberta. Ou talvez sabendo que eu não era. – Dois dias antes do começo das aulas.

Maite olhou para Belinda.

– Não foi nesse dia que nós...

– Não – retrucou rapidamente Belinda, encarando Maite com um olhar gelado. Depois, virou-se para Dulce. – Nenhuma de nós sabe onde você estava naquele dia, Roberta. Outra pessoa vai ter que curar sua amnésia.

A luz fluorescente reluzia sobre a pele de porcelana de Belinda. Seus olhos se estreitaram para Dulce, como se a desafiassem a parar de falar naquele assunto. Mai te olhava de Dulce para Belinda, parecendo repentinamente alerta. Até mesmo as costas de Taylor estavam rígidas à frente delas.

Dulce esperou, sabendo que tinha tocado em um ponto fraco e esperava que alguém lhe dissesse o que era. Mas como o silêncio tenso persistiu, ela desistiu. Tente outra vez, pensou, enfiando a mão no bolso e envolvendo com os dedos o pingente prateado de locomotiva.

– Não importa. Então, eu estava pensando que está na hora de fazer um novo trote do Jogo da Mentira.

– Ótimo – murmurou Maite, com os olhos novamente focados na rodopiante pelota de argila que tinha diante de si. – Alguma ideia?

Do outro lado da sala, uma garota lavava as mãos na pia, e um estrondo veio da fornalha.

– Foi incrível quando eu roubei o carro da minha mãe. – Ela se lembrava de ter visto o vídeo desse trote no computador de Laurel. – Talvez devêssemos fazer algo parecido de novo.

Belinda assentiu, pensando:

– Talvez.

– Só que... com uma mudança – continuou Dulce, dizendo as palavras que tinha ensaiado na noite anterior no quarto de Roberta. – Tipo, podíamos deixar o carro de alguém no meio de um lava-rápido. Ou jogá-lo em uma piscina. Ou abandoná-lo nos trilhos de um trem.

Ao ouvir a palavra trilhos, Maite, Taylor e Belinda se retraíram. Uma pontada quente e aguda percorreu as entranhas de Dulce. Na mosca.

– Muito engraçado. – Maite amassou sua argila com um forte golpe.

– Repetições são proibidas, lembra? – sussurrou Taylor, olhando para trás.

Belinda passou as costas da mão na testa e olhou para Dulce.

– Também espera que a polícia apareça outra vez?

A polícia. Tentei ao máximo forçar a memória a vir à tona. Mas o relance que eu vira dos trilhos do trem tinha virado pó.

Dulce olhou para as amigas de Roberta com a garganta seca. Mas, antes de conseguir formular a pergunta seguinte, um som alto de microfonia soou pelo sistema de alto-falantes.

– Atenção! – disse a voz de Amanda Donovan, uma aluna do último ano que lia os anúncios diários. – Está na hora de anunciar as eleitas para a corte do Baile de Dia das Bruxas da Semana de Boas-Vindas, eleitas pelos talentosos times masculinos de futebol e futebol americano, cross-country e vôlei! Faltam duas semanas, fantasmas e gnomos, então comprem seus ingressos hoje, antes que acabem! Eu e meu par já compramos!

Belinda contraiu os lábios, enojada.

– Com quem Amanda vai? Tio Wes?

Maite e Taylor deram uma risadinha. O tio de Amanda era Wes Donovan, narrador esportivo que tinha um programa de rádio na emissora Sirius. Amanda citava o nome dele com tanta frequência durante os anúncios matutinos que Belinda jurava que eles tinham um caso secreto.

– Por favor, vamos parabenizar Norah Alvarez, Madison Cates, Jennifer Morrison, Zoe Mitchell, Alicia Young, Tinsley Zimmerman...

Cada vez que um nome era dito, Belinda, Maite e Taylor colocavam o dedão para cima ou para baixo.

– ... e Gabriella e Lilianna Fiorello, nossas primeiras gêmeas da corte do Baile de Boas-Vindas! – concluiu Amanda. – Meus parabéns, garotas!

Belinda piscou várias vezes, como se estivesse acordando de um sonho.

– As Gêmeas do Twitter? Na corte?

Maite torceu o nariz.

– Quem votou nelas?

Dulce olhava de uma para a outra, tentando acompanhar. Gabby e Lili Fiorello, as Gêmeas do Twitter, eram gêmeas bivitelinas do ano delas. Ambas tinham grandes olhos azuis e cabelo louro-mel, mas também ostentavam outros traços particulares, como a pinta no queixo de Lili ou os lábios de Angelina Jolie de Gabby. Dulce ainda não sabia se Gabby e Lili estavam dentro ou fora da panelinha; elas tinham dormido na casa de Maite duas semanas antes, quando o agressor anônimo quase a matara asfixiada, mas não faziam parte do Jogo da Mentira. Com expressões estúpidas, as mesmas ideias e um vício por iPhones, para Dulce, elas pareciam bonitas e vazias, só servindo de enfeite.

Mas eu não tinha tanta certeza assim. Se havia algo que estava aprendendo era que as aparências enganam...

Como se fosse ensaiado, quatro toques de celular altos encheram a sala. Maite, Belinda, Taylor e Dulce procuraram os telefones. Na tela de Dulce, havia duas novas mensagens de texto, uma de Gabby, outra de Lili. SABEMOS QUE SOMOS MARAVILHOSAS!, dizia Gabby. MAL PODEMOS ESPERAR PARA USAR NOSSAS COROAS!, escrevera Lili.

– Divas – disse Belinda a seu lado. Dulce olhou para o telefone dela. Belinda recebera as mesmas mensagens.

Maite escarneceu, também olhando para o telefone.

– As duas deviam ir de Carrie, a Estranha. Aí, poderíamos jogar sangue de porco na cabeça delas.

O telefone de Dulce tocou mais uma vez. Lili havia enviado mais uma mensagem para ela: QUEM É A MAIS BELA DE TODAS? ENGULA ESSA, VADIA-RAINHA!

– Bom, agora elas oficialmente não vão acampar conosco depois do baile – declarou Maite.

– Vamos acampar de novo? – perguntou Taylor, torcendo o nariz.

– É uma tradição – falou Maite, ríspida. Ela olhou para Dulce. – Não é, Roberta?

Acampar? Dulce levantou uma das sobrancelhas. Aquelas garotas não pareciam gostar de ar livre. Mas ela assentiu.

– É.

– Talvez pudéssemos ir àquelas fontes termais incríveis em Mount Lemmon – disse Belinda, enrolando seu cabelo escuro em um coque. – Gabby e Lili disseram que são cheias de sais naturais que deixam a pele maravilhosa.

– Chega de falar de Gabby e Lili – resmungou Maite, ajustando a faixa azul-centáurea no cabelo. – Não acredito que temos que planejar uma festa para elas. Elas vão ficar insuportáveis.

Dulce franziu a testa.

– Por que temos que planejar a festa?

Por um instante, todas fixaram os olhos nela. Maite estalou a língua.

– Você se lembra de uma organizaçãozinha chamada Comitê do Baile de Boas-Vindas? A única atividade que você faz desde o primeiro ano?

Dulce sentiu o pulso acelerar. Ela forçou uma risada falsa.

– Eu estava sendo irônica. Já ouviu falar disso?

Maite revirou os olhos.

– Bom, infelizmente a festa de coroação não pode ser irônica. Temos que fazer melhor do que a do ano passado.

Dulce fechou os olhos. Roberta... em um comitê de baile? Sério? Quando Emma estudava na Henderson High, ela e a melhor amiga, Demi, zombavam das garotas ridículas do comitê. Eram todas projetos de Martha Stewart, obcecadas com o preparo de cupcakes, colocação de serpentinas e escolha das melhores seleções de música lenta.

Mas, pelo que eu me lembrava, era uma honra fazer parte do Comitê do Baile de Boas-Vindas do Hollier. A escola também tinha uma política rígida que ditava que as planejadoras do baile não podiam fazer parte da corte, e era por isso que Amanda não dissera meu nome. Mas, se minha memória fraca não me falhava, no último baile eu tinha desfilado pelo salão com uma faixa da corte ao redor do torso.

Fiquei pensando se Dulce ainda estaria presente para assumir meu lugar no baile de formatura daquele ano. Meu assassinato poderia ficar tanto tempo sem solução? Será que Dulce ainda estaria vivendo essa mentira na primavera? Todos esses pensamentos me deixaram apavorada. E também me encheram de uma tristeza agora familiar: não haveria mais bailes de formatura para mim. Nunca mais corsages bregas, limusines e festas pós-baile. Eu sentia falta até das músicas ruins e dos DJs idiotas que achavam que seriam a próxima grande sensação. Quando era viva, tinha deixado tudo aquilo passar rápido demais, sem registrar aqueles momentos, sem me dar conta do quanto eram bons.

O sinal tocou, e as garotas se levantaram dos tornos. Dulce ficou diante da pia, deixando a água fria lavar suas mãos sujas de argila. Enquanto as secava em papel toalha, o celular de Roberta tocou em sua bolsa mais uma vez. Suspirando, Dulce o pegou. Será que Gabby e Lili tinham enviado outra mensagem?

Mas era um e-mail da conta da própria Dulce, que ela tinha registrado no telefone de Roberta. DE DEMI, dizia. ESTOU PENSANDO EM VOCÊ! LIGUE QUANDO PUDER. MAL POSSO ESPERAR PARA CONVERSAR! BJS

Dulce segurava o iPhone, pensando em como responder. Fazia dias que tinha escrito para Demi, a única pessoa além de Christopher que sabia sobre sua viagem para o Arizona. Mas ao contrário do que fizera com ele, Dulce tinha maquiado a verdade para Demi, que ainda achava que Roberta estava viva e que acolhera a irmã. Às vezes, ao acordar, Dulce tentava fingir que tudo aquilo acontecera mesmo, e que os eventos e ameaças anteriores tinham sido um sonho. No diário, ela começara até uma seção chamada Coisas que Roberta e eu faríamos se ela estivesse aqui. Ela ensinaria Roberta a preparar profiteroles, algo que tinha aprendido ao trabalhar em um bufê depois da escola. Roberta ia mostrar a ela como curvar os cílios, coisa que Dulce nunca tinha dominado. E talvez, na escola, elas trocassem de lugar por um dia, indo uma às aulas da outra e atendendo pelo nome uma da outra. Não porque precisavam. Porque queriam.

De repente, Dulce teve a clara sensação de que alguém a observava. Ela se virou rapidamente e viu que a sala de cerâmica estava quase vazia. Mas, no corredor, dois pares de olhos estavam fixos nela. Eram Gabby e Lili, as Gêmeas do Twitter. Quando perceberam que Dulce as vira, abriram um sorriso malicioso, aproximaram-se uma da outra e sussurraram. Dulce estremeceu.

Alguém tocou o braço de Dulce, e ela tomou outro susto. Taylor estava atrás dela, encostada ao grande barril cinzento cheio de argila que ficava ao lado da pia.

– Ah, oi. – O coração de Dulce pulsava em seus ouvidos.

– Só estou esperando você. – Taylor jogou uma mecha de cabelo com reflexos louros para trás do ombro e olhou para o iPhone na mão de Dulce. – Escrevendo para alguém interessante?

Dulce deixou o telefone de Roberta cair dentro da bolsa.

– Hã, na verdade, não. – O lugar onde vira as Gêmeas do Twitter agora estava vazio.

Taylor segurou seu braço.

– Por que você falou do trote do trem? – perguntou ela com a voz baixa e severa. – Ninguém acha isso engraçado.

A nuca de Dulce ficou salpicada de suor, e ela abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. As palavras de Taylor ecoavam o bilhete que ela recebera: Talvez as outras queiram esquecer o trote do trem, mas essa lembrança sempre me fará estremecer! Algo tinha acontecido naquela noite. Algo terrível.

Dulce respirou fundo, endireitou os ombros e envolveu a cintura de Taylor com o braço.

– Não seja tão sensível. Agora vamos. Este lugar está fedendo. – Ela torceu para ter parecido mais tranquila do que estava.

Taylor olhou para Dulce por um instante, mas depois foi com ela para o corredor cheio. Dulce soltou um suspiro de alívio quando Taylor seguiu na direção oposta. Sentiu que tinha escapado por pouco de algo grave.

Ou talvez, pensei, tivesse aberto a caixa de Pandora.