Fanfic: Uma nova chance para ser feliz | Tema: Herroni

Disléxica, com uma mãe que nem merece ser chamada desta forma, a vida não foi fácil para a minha amiga… até o imbecil Christopher aparecer. Ok, ok, tenho que parar de chamá-lo assim. Ele faz Dulce feliz e, por consequência, me faz também. Ou isto, ou eu estava muito perto de pedir ajuda aos amigos de Hanna para sumir com um corpo.

E por falar nele, o barulho do celular e um sorriso pouco contido no rosto de Dul dão conta de que o homem está à sua espera lá embaixo.

— Chistopher já chegou… Eu disse que iria de metrô — seu sorrisinho se estende e as bochechas coram com a mensagem escrita por ele.

Reviro meus olhos, sem esconder o sorriso.

— Até parece que ele deixaria a “raposinha” dando mole de metrô por aí — brinco.

— Eu o amo tanto, Mai… — ela suspira, sonhadora.

— Como se isto fosse uma novidade, garota. Os dois são malucos um pelo outro – ele no sentido real da palavra, esta é a verdade.

Levo Dul até o elevador e a seguro num abraço bem apertado em despedida. Eu sinto falta dela, mas me recuso a dizer. Dulce está bem em sua nova vida e isto é o que importa.

Ela entra no elevador e eu ando de volta para meu apartamento. Ao passar em frente à porta que leva às escadarias do prédio, risadinhas e conversas me chamam a atenção. Parecem de crianças… Inevitavelmente, a imagem da pequena trapaceirinha me vem à mente.

Sem poder explicar o porquê, me pego abrindo a porta silenciosamente, curiosa sobre os sons.

— Tem que ser sem isso aí… — pela fresta, vejo uma garotinha loira de cabelos escorridos, com uma mão apoiada no quadril e a outra apontando para algo à sua frente, desdenhosa.

A maneira desafiadora como ela eleva a sobrancelha soa um tanto impertinente para alguém de seu tamanho.

— Mas sem eu não consigo… — esta voz eu reconheço, é da Luz do Sol.

Com cuidado, abro um pouco mais a porta.

E não gosto do que vejo. A loirinha e outra menina estão praticamente cercando minha pequena vizinha. O alvo é a prótese da criança.

A busca por aceitação no rosto de Luz do Sol leva um calor familiar às minhas bochechas.

— O desafio é este. Se você não consegue, então não podemos te deixar ir.

Não se meta, Maite, não se meta.

— Ir aonde? — digo, sem conseguir controlar minha língua intrometida.

As três crianças se assustam com a minha presença, isto é óbvio (e até engraçado). E se calam.

Encaro a megerinha loira.

— E então? — sorrio com falsa doçura, esperando a explicação.

— Maite!

Apesar da repentina alegria da Luz do Sol, mantenho meus olhos na outra criança. E não deixo de perceber que minha vizinha tem um jeito estranho de mudar repentinamente de humor, como se a cena anterior não tivesse acontecido, tal qual ela fez no saguão há alguns dias, quando seu pai discutia com aquele casal.

— Para onde vocês não podem deixá-la ir?

A loirinha se ajeita e leva a outra mão ao quadril, confiante.

— É um assunto só nosso…

Bruxinha!

— E por que ela tem que tirar a… — hesito — perna para ir a esse lugar?

— É um desafio — a outra menina, que até então estava calada, abre a boca.

Oh, claro que é.

Concentro minha atenção na mais nova vizinha, que até este minuto estava acuada pelas duas pestinhas.

— Princesa, você gostaria de ir à minha casa para tirarmos as medidas de seu vestido?

Ana Carolina se levanta rapidamente do degrau onde estava sentada (sim, agora eu sei o seu nome verdadeiro, o esquentadinho do Poncho apresentou a garota ao meu irmão).

— Você vai fazer meu vestido agora, Maite?

Dou a ela um sorriso. Droga, qual é o motivo desta minha urgência em querer ajudar a menina?

 — Vamos começá-lo hoje, sim — respondo, mantendo passagem para que ela venha até mim — Vá avisar seu pai e me encontre em minha casa, a porta estará aberta.

Não preciso dizer duas vezes: ela sai sem olhar para trás, parecendo mais do que feliz com a notícia, e me deixa a sós com as duas pestinhas.

Fecho a porta e fico com elas na escadaria.

— Então vocês gostam de desafios, não é? — mantenho-me muito amigável.

A garota de cabelos escuros inocentemente sorri em expectativa, já a megerinha loira estreita seu olhar, desconfiada.

Esperta, gosto disto.

— Pois o desafio que vou propor é o seguinte: cheguem perto daquela menina de novo com esta brincadeira estúpida de envergonhá-la, e eu arranco os olhos de vocês duas pra fazer um colar bem bonito.

Sim, sou tão má quanto elas. Com a diferença de alguns bons vinte e três anos nos separando.

— Você não pode falar assim com gente… — a megerinha me desafia. Sorrio com mais vontade.

— Pague para ver e arrancarei os olhos de seus pais também, para que aprendam a educar melhor a filha feia deles.

Abaixo-me à altura das duas e as encaro, ameaçadora, sem nenhum constrangimento.

— Ouçam bem, suas pestinhas malvadas: só se aproximem daquela menina se for para serem amigas de verdade dela. Do contrário, se eu sequer imaginar que vocês estão fazendo algum tipo de brincadeira, cumprirei a minha promessa, ouviram bem?

Elas não respondem. Acho que o medo não permite. Eu deveria me sentir mal por ameaçá-las, porém, estou leve como uma pluma. Tsc*, tsc*… Isto não é nada bom…

* Tsc são três consoantes que quando triplicadas são usadas para representar uma onomatopeia; mais especificamente quando vemos escrito “tsc, tsc, tsc” temos uma onomatopeia que representa o som que costumeiramente emitem com a boca aqueles que querem demostrar reprovação ou desapontamento.

O som que o “tsc, tsc, tsc” representa é aquele que é feito com a boca fechada enquanto a língua golpeia os dentes cerrados de modo a criar um ruído audível em uma comunicação ou conversa. Em geral o som é acompanhado com gestos com a cabeça ou com as mãos que reforçam o sentido de reprovação que tem o ato.