Fanfic: Desejo Proibido | Tema: Moda
Todo dia 15 de outubro é assim. Chuvoso ou com ares de chuva, um tempo feio como diz alguns cariocas pró-verão. Ainda que tivesse um sol escaldante eu veria esse dia da mesma forma há 15 longos anos. Dia 15 de outubro, 15 anos... Irônico, não? Eu veria como o último dia que vi o sorriso, os olhos claros sempre indagadores, as mãozinhas nervosas querendo mexer em tudo, as perninhas ansiosas evidenciando que não gostava de ficar parada e querendo descobrir o mundo. Eu nunca mais veria as pirraças, as manhas, nunca mais sentiria seu abraço antes de ir e voltar depois de trabalhar quase o dia todo. Nunca mais seria recebida de maneira efusiva pela minha pequena. Eu nunca mais veria a minha Laura. Tudo por culpa de um motorista bêbado. Ou era o que queriam me fazer pensar.
- Pronta? – Elisa me perguntou entrando no escritório.
- Acho que sim. – Suspirei demostrando meu cansaço, balançando-me na cadeira.
- Vai ser um longo dia... - Disse caminhando e parando em frente à minha mesa.
- Eu sei. - Fechei os olhos na tentativa frustrada de conter as lágrimas.
- Quer mesmo fazer isso? – Finalmente sentou-se em uma das cadeiras disponíveis na frente da mesa, livrando-me da agonia de vê-la em pé, através do reflexo da placa de metal devidamente limpa e polida, com nossos nomes gravados. Era um prêmio qualquer que ganhamos há alguns anos.
- Você me faz essa pergunta há anos, não cansa? – Girei a cadeira e parei de frente para Elisa.
- Não, mesmo que passe outros quinze anos, continuarei te perguntando porque me preocupo com você. - Apertou minha mão que estava em cima da mesa e me segurei para não chorar mais. - Para isso que serve as irmãs.
- Eu sei, desculpe. – Limitei-me a sorrir sem mostrar os dentes. - Obrigado por estar sempre ao meu lado desde o início. Te amo!
- Não tem que agradecer nada, vamos?
Após meu consentimento, saímos abraçadas do escritório. Dei algumas instruções aos nossos empregados e os liberei, já que, talvez, não voltaria mais àquela mansão e também não queria ninguém ali testemunhando minha tristeza e me olhando com cara de pena. Odeio esse sentimento. Assim que nós aparecemos na entrada da mansão, o motorista rapidamente abre a porta do carro. Seguimos rumo àquele local que há quinze anos passou a fazer parte de nossas vidas.
***
A casa dos Montenegro era vista como uma fortaleza. A estrutura imponente dava esse aspecto junto com o título de "Magnatas do Mundo da Moda no Brasil". Por fora, a casa parecia um palácio, seguindo a linha dos que foram erguidos com a chegada da Família Real Portuguesa. No entanto, por dentro, respeitando o estilo clássico da dona, a casa tinha uma decoração mais moderna, coisa de Marisa, minha esposa. Eu confesso que hoje é um dia atípico, não pela morte de meu pai, o mito Paulo Montenegro. Pelo menos não exatamente. Estou com a sensação de que algo a mais está para acontecer. Não sei se é um bom sinal, depois de tudo o que aconteceu ontem. "Não deve ser nada de grave, Heitor", repito pra mim como um mantra. Mas, na verdade, depois do que aconteceu ontem, eu espero tudo.
- Você por aqui? - Questionei, bebendo meu companheiro de anos, o whisky.
- Não entendo a surpresa. – Rebateu Danilo, ainda vidrado na janela olhando sei lá o que.
- Como não? Na última discussão você disse que não queria voltar a vê-lo, se arrependeu? – Parei de modo desafiador em frente a Danilo que já havia virado.
- Não, não me arrependo de nada. Mas apesar de todas as brigas, infelizmente, ele segue sendo meu pai. – Repetiu meu gesto.
- Tem certeza que não se arrepende de nada? - Ainda na mesma posição.
- E você, não se arrepende? - Encarando-me.
- Vocês vão brigar no dia em que enterraremos o vovô? - Questiona Júlia ao entrar na sala e perceber o clima de discussão. - Nem hoje teremos trégua?
- O que está acontecendo aqui? – Dona Bernarda entra na sala sendo auxiliada por Marisa. - Ainda não me responderam por quê?
- Nada, mamãe. - Fui encher meu copo para fugir da bronca que provavelmente viria a seguir.
- Agora é nada... – Ouvi meu querido irmão dizer antes de cumprimentar a mãe e depois a cunhada.
- Estavam discutindo, vovó.
- Júlia! - Repreendi.
- Ainda repreendendo sua filha por dizer a verdade, maninho? – Senti seu deboche ao pronunciar a última palavra.
- Chega vocês dois! Vamos logo, quanto antes acabarmos com isso, melhor. Eu odeio cemitérios.
Após a fala da matriarca, seguimos rumo ao cemitério. Por sermos uma família conhecida, haviam muitas pessoas no local. Políticos, celebridades e os funcionários da agência foram prestar uma última homenagem a Paulo Montenegro.
***
Longe dali, numa área mais afastada, Louise e Elisa se abraçavam frente a um túmulo. Não choravam, já não havia mais lágrimas a serem derramadas, ou apenas achavam que não tinham.
- Tem certeza que é isso que você quer? – Elisa indaga visivelmente preocupada.
- Sim, por favor, me deixe só. - Apenas olhando para o túmulo.
- Tudo bem, te conheço o suficiente para saber que, apesar de tudo, ficará bem. Te espero na casa de mamãe.
Elisa beija a testa da irmã e vai em direção ao carro. Quando olha para trás, vê Louise desabar em um choro tão fortemente guardado como só ela era capaz de fazer. Freia o impulso de ir até lá, pois sabe que esse momento é só dela. Para não ceder a esse impulso, caminha rapidamente em direção a saída do cemitério, da mesma forma que entraram, já que haviam muitas pessoas ali e não queriam ser vistas.
No jazigo dos Montenegro não havia só clima de tristeza, havia também muita tensão, que fora provocada por dois irmãos que não conseguiam permanecer em harmonia no mesmo local. A pedido da família, o padre faz uma última oração antes que o caixão seja posto em seu devido lugar. Após o fim da oração, os amigos e conhecidos começam a se despedirem dos familiares.
Heitor e Danilo, assim que podiam, trocavam farpas e eram constantemente repreendidos por Bernarda e Marisa. Júlia se revolta com aquela cena protagonizada pelo seu pai e seu tio e diz que os espera no carro. Na outra parte do cemitério uma mãe sofre calada a perda de sua filha. Uma linda menina, de apenas cinco anos, vítima da responsabilidade de um motorista bêbado.
- Por que te tiraram de mim, minha pequena? Por quê? Hein, Deus? Por que tirou o bem mais precioso que eu tinha? Já não bastava toda a humilhação e sofrimento que eu passei na mão daquela família? – Olhando para o céu.
Após dizer tais palavras, chora copiosamente debruçada sobre aquele túmulo até que sente uma mão acariciando suas costas.
- Sabe que gosto de ficar sozinha. - Diz com raiva.
- Desculpa, não queria atrapalhar. - Assustada.
- Quem é você e o que faz aqui? - Pergunta confusa encarando a menina a sua frente.
- Eu me chamo Júlia. - Estende a mão, mas recolhe ao ver que não é correspondida. - Estava vindo do enterro do meu avô e vi você aqui, decidi ver se estava bem. Não queria incomodar. - Encarando a mulher a sua frente, perturbada com aqueles olhos verdes que também a encaravam.
- Desculpe-me você. - Levantando com ajuda da garota. - Achei que fosse outra pessoa. Perdoe-me pela grosseria. - Seca o rosto.
- Eu é que não devia ter vindo.
- Não justifica o meu erro ao te tratar de modo grosseiro. Eu sou a culpada aqui. - Sorri sem mostrar os dentes.
- Tudo bem. - Sorri. Ficaram em silêncio e Louise volta a encarar o pequeno túmulo tingido de lilás. - Essa pessoa deve ser muito especial para você, te vejo muito abalada. - Aponta para o túmulo.
- Sim, era minha filha, morreu com cinco anos de idade há quinze anos atrás. - Deixa uma lágrima escapar.
- Desculpe, não queria ser indiscreta. - Penalizada. - Sei como é perder alguém muito importante. Não é como perder um filho, mas... - Começaram a caminhar.
- Perder alguém é sempre doloroso.
- É... - Abaixou a cabeça.
- O que houve? - Para e levanta a cabeça dela pelo queixo.
- Meu avô dizia isso.
Dito isso, Júlia começa a chorar. Tomada por um impulso repentino, Louise a abraça. Não sabia o motivo de ter feito, mas sentia que era uma coisa que seu coração pedia. Heitor, que havia saído para atender um telefonema, observava de longe o abraço das duas. Quando reconheceu as vestimentas de sua filha, decidiu se aproximar e interrogar sobre a cena.
- Júlia? Você não disse que ia esperar no carro? O que faz aí abraçada a uma estranha?
As duas se assustaram e olharam em direção àquela voz. Ao ver quem era o dono daquela voz Louise gela. Júlia fica apreensiva.
- Papai? Eu posso explicar.
- Louise? É você?
Ela permanece calada, ainda chocada com o que via. Custava crer que estava frente a frente com a pessoa que arruinou a sua vida. Vendo a inércia de ambos, Júlia decide quebra-la.
- Vocês se conhecem de onde?
- De muitos anos atrás. - Diz sem deixar de olhar Louise.
- Infelizmente. – Era a única coisa que Louise soube dizer naquele momento. Como um estalo, o ódio que sentia por ele e por toda a sua família tomou conta. - Tenho que ir. Obrigado pela preocupação. - Referindo-se à Júlia. - Com licença. - Passa por Heitor.
- Espera! - Segura a mão de Louise, impedindo que ela se distancie. Surpresa, ela apenas olha aquele gesto.
Quando Heitor ia continuar a falar, é interrompido por um trovão, fazendo-os cair em realidade. Rapidamente começa a chover. Louise aproveita para soltar-se e fugir para o mais longe possível, mas é acompanhada tanto por Júlia quanto por Heitor.
Seguiram em silêncio, na cabeça do três formavam-se um turbilhão de perguntas sem respostas. Queriam responde-las, mas o embaraço que estava instalado impedia-os de satisfazer suas curiosidades.
Para Louise a saída parecia que não chegava nunca, queria saber como ele estava, se ainda estava casado com Marisa. Heitor também tinha questões a responder, queria saber o que ela fazia ali, como estava, se havia casado. Pensava que ela estava bem de vida, a julgar pelas roupas que trajava. Júlia também tinha perguntas sem respostas, queria saber, principalmente, de onde seu pai conhecia a tal mulher que encontrara por acaso.
- Quer uma carona, Louise? - Cortando aquele silêncio que só era interrompido pelos barulhos provocados pela chuva.
- Não, obrigado. - Tentou ser educada.
- Tem certeza? – Insistiu Heitor. Queria sondar, saber como ela estava.
- Não, meu motorista está a minha espera.
Mais uma vez ela recusa, mesmo sabendo que não conseguiria tão facilmente um táxi por conta da chuva. Todavia, para a sua sorte, seu motorista estava a sua espera. Agradeceu mentalmente a Elisa.
- Ainda não quer a carona? Táxi a essa hora é difícil. – Insistiu mais uma vez, provocando mais ainda a curiosidade de Júlia.
- Não, como disse, meu motorista está a minha espera. - Acena para o motorista que vinha em sua direção com o guarda-chuva e um sobretudo. - Agradeço a gentileza. Mais uma vez, Júlia, obrigado.
- Não precisa agradecer. Até! - Abraça-a, deixando Louise sem jeito.
- Adeus, querida. - Saindo do abraço.
Louise entra no carro sendo observada por Heitor. Seguiu o caminho inteiro relembrando o que passou instantes atrás. Ao recordar aquele toque, alisou sua mão sem perceber. Reviveu o incômodo que sentiu com aquele gesto involuntário de Heitor. Atribuiu-o ao ódio que sentia por aquela família, principalmente por ele.
- Ainda falta quanto tempo para chegar?
- Meia hora, senhora. - Respondeu o motorista.
Respirou fundo, estava ensopada e provavelmente ficaria gripada, o que a deixou mais irritada pois odiava ficar doente. Exatamente meia hora depois, chega à casa de Fiorela.
- Minha filha o que aconteceu? - Indo em direção à Louise.
- Acabei pegando chuva. - Dando um beijo no topo da testa da mãe.
- Sobe, toma banho e põe uma roupa seca. Vou mandar preparar a mesa. – Disse Elisa, observando a cena.
- Isso, vai lá, minha filha. Ainda falta Luíza chegar.
Louise assente e vai para o quarto que um dia foi seu. Pôs a banheira para encher e começou a tirar a roupa. Novamente lembrou do encontro que tivera. Ao terminar de tirar a roupa, entrou na banheira.
Quase uma hora depois a empregada veio avisar que a mesa estava posta e que Luíza já havia chegado. Apressou-se e se vestiu de maneira impecável, como havia aprendido. Secou os cabelos, penteou-os, maquiou-se e desceu. Almoçaram em silêncio. Todos os anos após a morte da pequena Laura era assim que faziam nesse dia. Após o almoço, se reuniram no escritório.
- Conte o que te aflige. Te conheço e sei que algo te deixou dispersa hoje. – Profere Fiorela, rodeando a mesa e sentando-se em sua cadeira.
- Encontrei com o Heitor. - Elisa, Luíza e Fiorela espantaram-se.
- Como é que é? – Diz as três em uníssono.
Autor(a): casmurra
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Dirigi o tempo todo num profundo silêncio, tentava assimilar o acontecera a pouco. Por conta da chuva o trânsito, que já lento, estava praticamente parado. Liguei o rádio para tentar passar o tempo. Observei minha filha pelo espelho retrovisor e a vi distraída com o seu celular. Aposto que deve estar falando com suas amigas. Recost ...
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