Fanfic: Viver - #ConcursoObrasOriginais | Tema: Originais
A vida é imprevisível, todos sabemos disso. Nós não podemos adivinhar o rumo que nossas vidas vão tomar. A gente tenta, planeja cada passo e monta nossos objetivos, porém, no final das contas, tudo continua imprevisível. Uma risada baixa e sem humor saiu da minha boca enquanto eu via o Sol se por da janela do Terminal Pinheiros, não ligando para o sacolejar típico do ônibus. É irônico que alguém como eu, que não leva a sério essa coisa de casualidade, tenha sido tão afetada por ela.
Olhando bem os eventos da minha vida, eu vejo agora o quanto ela foi conduzida por esta palavra.
Desci no ponto de sempre, atravessando a Giovanni Gronchi, ainda teria que andar cerca de 20 minutos até minha casa, o que era bom já que eu poderia comprar um maço de cigarro e tentar esquecer tudo por alguns instantes. Ah, claro, não posso esquecer de mencionar que sim, eu fumava, como dizia uma antiga colega de sala, eu era uma “Maria fumaça”. Fiz questão de comprar dois maços do meu cigarro favorito, já acendendo um, tragando de forma calma.
Havia uma pequena praça perto da minha casa, um lugar perfeito para desfrutar do meu cigarro, já que era na frente de um bar. Nada melhor do que cigarros e forró no final de tarde de uma sexta-feira. Okay, talvez eu estivesse sendo muito pessimista no momento, havia uma vista razoavelmente bonita de todo o bairro e os arredores, o suficiente para apreciar.
Peguei o celular que estava no bolso da minha blusa de frio, desbloqueando e já indo para minha lista de contatos, mais precisamente na leta “L”. Apertei o botão verde, esperando a voz grossa do meu melhor amigo.
- Alô?
- Oi parceiro. – Eu já sentia meus olhos lacrimejarem e tenho certeza que ele notou minha voz ficando embargada.
- Anne, o que foi? O que aconteceu?
- Adivinha quem é a nova depressiva da área? – Usei de todo o sarcasmo que minha voz chorosa podia oferecer.
- Anne, é sério? Eu... Não sei o que dizer, não esperava por isso...
- Acredite meu caro amigo, eu também não esperava, mas calma que tem mais. Além de estar doente eu vou precisar tomar antidepressivos. Ah, claro, não posso esquecer que não é só depressão. Eu tenho depressão, ansiedade e tabagismo.
- Puta merda, Adrianne-
- Você ‘tá em casa? Eu ‘tô aqui na pracinha, consegue vir aqui? – O interrompi, deixando algumas lágrimas caírem e tragando o cigarro que estava trêmulo nos meus dedos.
- Consigo, eu vou subir. – Desliguei e respirei fundo, jogando o cigarro no chão e pisando para apagar.
Cerca de 5 minutos depois eu o vejo chegando. Ele ficou de pé, as costas no muro que tinha ali, suspirando, o rosto sério e meio debochado me deixava mais a vontade. Ofereci um maço e meu isqueiro, logo estávamos nós dois fumando e eu me preparando para começar a falar mas ele tomou a frente:
- O que o médico disse?
- Exatamente o que eu te falei. Que eu sou doente e um monte de blá blá blá sobre antidepressivos. – Respirei fundo, não queria começar a chorar de novo.
- E como você ‘tá?
- Na merda. – Dei risada, tragando mais uma vez. – Você é amigo de uma doente agora Leandro.
Eu e Leandro nos conhecíamos desde 2014, ele era amigo do meu namorado e a gente se odiava. Sério, eu poderia encher a cara dele de porrada sem remorso nenhum e ele sentia-se assim também. Eu não lembro quando esse ódio virou amizade só sei que, em 2017, ele era o meu melhor amigo e minha âncora. Não havia nada que eu não contasse ‘pra ele e isso era reciproco, então ele foi a primeira pessoa que soube que eu me sentia mal, o primeiro a saber que eu iria em uma consulta com um psiquiatra, nada mais justo que ele ser o primeiro a saber pelo que eu passava.
- Você sabe que não é assim, isso não muda nada. – Não respondi e ele continuou a falar: – E o outro, ele já sabe?
- Vou contar quando ele chegar em casa, mas você sabe que por mim o Marcos não ia saber nem que eu fui nessa consulta.
Marcos era o tão dito meu namorado ou, como eu gostava de chamar, “marido”. Já fazia dois anos que estávamos morando juntos, agora moramos no quintal da mãe dele – que por acaso, não ia com a minha cara – na casa onde um dos irmãos dele já morou. Eu não queria que ele soubesse dos meus problemas, apesar de estarmos juntos, eu tinha a mania de guardar tudo para mim, de querer ter uma vida separada e manter os meus problemas só para mim, pelo menos quando se tratava dele.
- Eu sei, mas é melhor contar já que você vai tomar esse tal remédio.
Ficamos em silêncio e o peso que eu sentia em meu peito naquela hora tornou-se um nó na garganta e encheu meus olhos de lágrimas mais uma vez, eu as deixei cair. Deixei que elas levassem cada sentimento que me invadia desde o momento que eu saí daquele consultório, as palavras saindo gaguejadas e sufocadas da minha boca:
- E-Eu quero colocar a culpa em alguém. Na minha mãe, no meu pai, no Marcos, m-mas eu não p-posso. Porquê a culpa é minha... –Abaixei a cabeça enquanto as gotas salgadas molhavam meu rosto.
- A culpa não é sua Anne, vai ficar tudo bem, você sabe que quando precisar eu vou estar aqui.
Eu sabia disso. Sabia que a culpa não era minha, que eu não deveria me martirizar por isso assim como também sabia que meu melhor amigo não me abandonaria. Mas, mesmo depois disso, eu me sentiria culpada por cada pedido de ajuda que eu faria a ele.
Era dia 15 de Setembro e minha história começa aqui.
Autor(a): A.M.Rezende
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