Fanfic: Coração Envenenado | Tema: Livro
Já era hora do almoço quando tive a chance de confrontar Hannah e Nat. Eu me esgueirei até a mesa delas no refeitório, meus olhos ainda estavam vermelhos do dia anterior. Minha performance foi digna de um Oscar.
— Por favor, posso me explicar? — comecei, puxando a cadeira para sentar. As duas pareciam acanhadas, confusas e um pouco distantes. Minha voz falhou, o que não era fingimento, pois eu estava de fato nervosa. — Eu... deveria ter contado a vocês como as coisas andam ruins lá em casa. Não estou conseguindo lidar com a situação, e isso está me deixando... com um humor péssimo e meio
esquisita. A primeira lágrima escorreu pela minha bochecha e caiu na mesa de plástico feia. Muitas outras se seguiram, e sequei o rosto com as mãos.
A reação foi imediata. As duas se aproximaram e me abraçaram.
— Por que você não contou nada? — censurou Hannah. — Poderíamos ter ajudado em alguma coisa.
— Sabíamos que você estava estressada — acrescentou Nat. — Você tem suportado tanta coisa.
Era certo que um dia acabaria explodindo.
O abraço em grupo durou alguns minutos até eu me desvencilhar.
— Minha mãe vai procurar ajuda, conversar com determinadas pessoas e tentar algum tipo de aconselhamento.
Nat deu soquinhos no meu braço até doer.
— Isso é ótimo. Vou pedir um latte duplo com chocolate granulado para você, para comemorar.
— Eu não mereço vocês duas — funguei mais um pouco. — Obrigada por serem tão compreensivas.
— É para isso que servem as amigas — declarou Hannah, no mesmo instante em que Genevieve passara pela porta. Nossos olhares se encontraram, e o tempo parou. Ela tentou se recompor ao ver a imagem de nossas três carinhas felizes e contentes, mas fracassou totalmente. Vi a fúria e a descrença lutando dentro dela. Ela deu um passo à frente, tentando sorrir, mas parecia mais uma careta.
E, então, foi o momento da verdadeira roubada de cena. Levantei-me, sequei minhas lágrimas e fui até lá. Meus braços enlaçaram o seu corpo esbelto, e ela se encolheu na mesma hora, mas segurei firme, impiedosa, deliciando-me com o desconforto dela. Estávamos entrelaçadas em um estranho abraço simbiótico, e quase cheguei a acreditar que um pouco do seu sangue corria nas minhas veias naquele instante.
Falei mais alto de propósito para que todo mundo escutasse.
— Desculpe se fiz você se sentir mal. Essa atitude não tem nada a ver comigo. Estou passando por algumas dificuldades em casa.
— Tudo bem — resmungou de um jeito indelicado. — Não me incomodei.
— De jeito nenhum. Foi péssimo da minha parte. Você me perdoa?
— Sim. Claro — respondeu ela, dura.
— E podemos ser amigas?
Deixei que ela se soltasse e recuasse como se tivesse sido atingida. Nat dera as costas por um segundo, com a bolsa aberta, perguntando se Hannah tinha algum trocado. Genevieve se aproveitou da distração das duas.
— Só por cima do meu cadáver — sussurrou, cheia de maldade.
Joguei minha cabeça para trás e gargalhei fazendo troça.
— Genevieve, você tem um senso de humor bizarro.
Ela não contava com essa reação, e o rubor que se espalhou no seu rosto me deu um arrepio de poder. Eu encontrara a fenda na sua armadura e estava determinada a não afrouxar o ataque. No momento seguinte, eu ri, girei na cadeira e mantive o fluxo de bate-papo animado e alegre para mostrar a todos o quanto eu estava à vontade. Fiz questão de incluir Genevieve em todos os assuntos e usei seu nome constantemente, chegando mesmo a encurtá-lo para Gen. Os olhos verdes se arregalavam com mais e mais desgosto. As más vibrações entre nós duas eram tão fortes que pensei que todos estivessem sentindo, mas, quando olhei para Nat e Hannah, não vi nenhum sinal de suspeita.
Passado mais um tempo, aconteceu a coisa mais estranha do mundo: Genevieve começou a perder o viço diante dos meus olhos, como uma flor que vai murchando. Quanto mais eu agia, falava e fingia que ela não me atingia em nada, mais fraca ela ia ficando, como se estivéssemos num cabo de guerra e eu estivesse vencendo. Cheguei a pestanejar, questionando se estaria enxergando bem. Seus olhos se apagaram, o discurso secou a ponto de ela se expressar apenas em monossílabos, e até seus cabelos pareceram perder o brilho. Ela ficou invisível, enquanto eu brilhava.
Depois do almoço, Nat e Hannah foram para suas aulas, deixando-me a sós com Genevieve.
Parte de mim estava se deliciando com aquilo, enquanto eu tentava impedir que o sorriso de gato da
Alice preenchesse o meu rosto.
— Você está se achando esperta? — disse ela.
— Não, não estou.
— Não importa o que você esteja planejando, não vai dar certo...
— É você quem fica fazendo joguinho.
Ela chegou mais perto, os olhos quase me hipnotizando.
— Não me subestime. Não se trata de um jogo.
Fiquei cara a cara com ela, endireitando minhas costas e levantando o queixo.
— É óbvio que você quer atenção e faz de tudo para conseguir.
Ela falou num tom de séria ameaça:
— Não venha aplicar sua psicologia barata comigo. Você não sabe com o que está lidando.
Debochei, fingindo tremer de medo.
— Uuuh, você está me deixando aterrorizada.
Ela não moveu um músculo, conseguia me encarar por uma eternidade sem piscar. Por fim, precisei desviar o olhar.
— Não desgosto de você, Genevieve, nem guardo rancor.
— Obviamente, Katy, porque não estou me esforçando o suficiente. Quando tudo estiver terminado, você vai me detestar tanto que vai querer...
A garota não chegou a completar a frase. Dei meu sorriso mais benevolente, lembrando-me do conselho de Luke para manter a calma.
— Não somos iguais. Não tenho esse sentimento. Se quer mesmo saber, eu sinto pena de você...
Todo esse ódio deve devorá-la por dentro.
Genevieve me examinou com desprezo e saiu dali, jogando a mochila nas costas.
— Você está enganada — disse ela, tranquila. — É o que me mantém viva e me dá forças.
Na saída, esbarrei em Merlin. Ele me olhou duas vezes, dando uns passos para trás e me examinando dos pés à cabeça.
— Tem algo diferente em você.
— Ah, é? — provoquei. Eu não precisava me olhar no espelho, sentia minha pele resplandecente e meus cabelos soltos e leves com a vitória.
— Você está tão maravilhosa... Não... Digo, você sempre foi maravilhosa, mas hoje tem um brilho especial. Seus olhos estão tão... luminosos.
Ele se inclinou para a frente e passou os dedos pelos meus cachos.
— Quando a pintura ficar pronta, quero que ela exprima seu rosto como está agora, neste exato momento.
Agarrei sua mão e puxei-o para o vão de uma porta, sem me preocupar se o diretor passaria do nosso lado e nos suspenderia por comportamento inadequado. Minhas bochechas queimavam com os beijos longos e intensos que ele me dava. Como pude chegar a pensar que Genevieve fosse tomá-lo de mim?
— Katy, vamos embora — disse ele com a voz rouca. — Vamos dar uma escapulida juntos... para algum lugar, qualquer lugar...
— Não posso. A srta. Clegg já me viu aqui.
— Diga que você está passando mal.
— Não posso deixar de fazer o trabalho.
— Depois da aula, então.
— Prometi à minha mãe que iria direto para casa.
Ele suspirou, desapontado.
— Você sempre está correndo para algum lugar ou está nervosa por causa de sua mãe.
Fiquei na ponta dos pés e segurei seu rosto entre as minhas mãos.
— Nós vamos ficar juntos... logo.
Ele fechou os olhos.
— Isso é uma promessa?
— É uma promessa.
— Katy Rivers... você é absolutamente incrível — disse Merlin, colando os lábios nos meus.
— Você não acreditaria em nada horrível a meu respeito, acreditaria? — perguntei, ofegante, quando finalmente nos separamos.
— Nunca. Por que acreditaria?
Um súbito sentimento de pânico tomou conta de mim.
— Alguém poderia fazer ou dizer coisas que manchassem a minha imagem.
— Isso não mudaria o que penso de você.
— Sério? — Sorri.
— Sério.
Ele sorriu de volta e beijou a ponta do meu nariz.
Toda acanhada, cheguei atrasada na aula seguinte, guardando só para mim a memória de cada toque, de cada palavra que trocamos. Ele enxergara a verdadeira Katy. Nat e Hannah poderiam vacilar, mas Genevieve nunca conseguiria envenenar a cabeça de Merlin e botá-lo contra mim.
Sonhei acordada, relembrando todos os momentos, um delicioso formigamento de emoção percorrendo o meu corpo. Não durou muito. Voltei à realidade num terror repentino, me lembrando da promessa que fizera e percebendo com o que acabara de concordar. Eu precisava de conselhos, e rápido._
Autor(a): Fer Linhares
Este autor(a) escreve mais 10 Fanfics, você gostaria de conhecê-las?
+ Fanfics do autor(a)