Fanfics Brasil - Capítulo 02 Coração Envenenado

Fanfic: Coração Envenenado | Tema: Livro


Capítulo: Capítulo 02

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Katy — Seja a primeira a conhecer meu novo estúdio. Bjs.


Em minha ânsia por responder logo, estiquei demais o braço e derrubei o telefone da mesinha de cabeceira. Ouvi uma batida alta e seca seguida de uma série de reverberações menores, isso porque arranquei o carpete do meu quarto no ano passado e pintei o piso de madeira com um incrível tom índigo, minha cor favorita. Quase não tive coragem de olhar, temendo que o telefone estivesse quebrado, e, quando o fiz, minhas mãos estavam trêmulas. A mensagem de texto de Merlin continha a promessa de algo que me apavorava só de pensar, mas deixar de ir não era uma opção.


Fiquei pronta em menos de quinze minutos, mas não era legal parecer tão ansiosa, então me debati, roí as unhas e troquei de roupa seis vezes antes de ir para a casa dele. Minha mãe ficou me olhando partir com aquela cara de abandono que ela faz, mas nada me faria sentir culpada naquele dia. Apertei o passo, não queria falar com Luke, meu vizinho de porta, porque ele sempre implicava comigo, e eu não conseguiria lidar com aquilo naquele momento. Estava tão tensa com a expectativa que todos os meus sentidos ficaram superalertas. Tivemos um verão chuvoso, e meus olhos quase doíam com a exuberância verde da paisagem. Podia ouvir criaturas se movimentando na grama, as folhas sussurrando com a brisa e o silvo de um pássaro distante. Um tênue arco-íris se formando logo atrás da casa vitoriana de Merlin me impelia. Nunca fiz muita questão de acreditar que, mesmo que eu corresse longe e rápido o suficiente, ainda assim, não conseguiria alcançá-lo.


— Oi, Katy... Vou levar você até lá.


A mãe de Merlin sorriu ao abrir a porta da frente. Ela era alta e esguia, com cabelos longos e brilhantes enrolados no topo da cabeça. Estava usando um robe parecido com um quimono e ficava linda mesmo sem o menor vestígio de maquiagem. Sabia que era uma escultora que recebia encomendas de gente famosa, o que me deixava um pouco intimidada diante dela. Eu a segui até o sótão, que fora convertido em um estúdio para Merlin. Ela deu uma batidinha discreta na porta.


— Merlin, é a Katy.


Ele não ouviu porque estava absorto com a pintura: a pontinha da língua um pouco para fora, as sobrancelhas unidas, e os olhos acinzentados e penetrantes estavam ao mesmo tempo focados e distantes. Os traços do rosto dele eram intensos e interessantes, cheios de ângulos, com as maçãs do rosto marcadas e uma covinha funda no queixo. A pele parecia excepcionalmente pálida, contrastando com os cabelos escuros e despenteados que lhe caíam nos olhos e eram enxotados com o movimento impaciente da mão. Eu poderia passar o dia inteiro olhando para ele, mas um toque na minha cintura me estimulou a entrar, e uma voz disse baixinho:


— Vou deixar vocês dois a sós.


Não queria quebrar o encanto, porque Merlin estava voltado demais para os próprios pensamentos, mas depois de um tempo achei que não era certo, era como se eu o estivesse espionando.


— Merlin... sua mãe abriu a porta para mim.


— Katy? Você chegou.


Levantou depressa e cobriu a tela com um lençol.


— Posso ver?


— Não antes de ficar pronto — insistiu. — Então... gostou do espaço?


— É demais — falei, sabendo que, mesmo que fosse um barraco nos fundos de um jardim fedendo a gatos, eu teria dito a mesma coisa. — As janelas são imensas e a vista é incrível.


Fomos até as janelas anguladas do telhado, meus sapatos ecoavam no piso salpicado de tinta.


— A luz é perfeita — admitiu Merlin. — Eu poderia passar o dia inteiro aqui.


Era a primeira vez que estávamos assim tão próximos. Nossos braços estavam se encostando, e não arrisquei me mexer para não estragar o momento. Algumas vezes em que estava com Merlin, sentia dificuldade para respirar. Nenhum de nós disse nada. Se fosse no século passado, provavelmente eu teria desfalecido, porque meu espartilho seria apertado demais, e Merlin — que parecia um daqueles heróis românticos melancólicos — teria me levantado em seus braços, como se eu fosse tão leve quanto uma pena. Porém, não tem mais cabimento as garotas desmaiarem apenas por estarem perto de alguém do sexo oposto.


Merlin começou a passar um dos dedos na palma da minha mão e depois outro. Meu coração estava batendo desesperadamente. Minha mão encontrou o conforto da mão dele, mas permanecemos olhando fixo pela janela, estáticos.


Por que sempre acontecia assim? Não suportei por muito tempo e precisei dizer alguma coisa.


— Por que você não me beija? — falei de repente.


Não pude acreditar que tinha dito aquilo, mas tive a impressão de ter quebrado o gelo. Ele se virou e baixou a cabeça devagar, diminuindo a distância entre a altura dele, de 1,82m, e a minha, de 1,64m, até nossos lábios se tocarem e a sala se transformar em um caleidoscópio multicolorido.


— Valeu a pena esperar, Katy.


O rosto lindo de Merlin se iluminou no mesmo instante com um sorriso, como se o sol tivesse rompido a barreira das nuvens.


— Você estava esperando que isso acontecesse?


Merlin pronunciou uma única e gloriosa palavra.


— Desesperadamente.


Eu ainda precisava de mais garantias.


— Quando foi que começou a pensar em mim desse jeito?


Ele suspirou.


— A primeira vez que vi você passando, senti um negócio estranho. Como se estivesse sendo puxado na sua direção, como se você fosse um ímã.


Tentei não abrir um sorriso enorme e bobo, mas fracassei terrivelmente e, melhor ainda, Merlin não havia concluído sua lista de elogios.


— Você quase irradiava um brilho. Acha isso muita tolice?


— Acho fantástico. — Mas essa afirmação era um eufemismo; na verdade, eu era capaz de morrer fulminada de tanta felicidade. Nervosa, fiquei observando os meus pés. — Isso significa que estamos... sabe... juntos?


Ele apertou minha mão e olhou direto nos meus olhos.


— Estamos juntos. — Não desviou o olhar nem por um segundo, e fui sugada pela intensidade com que me fitava, reparando no arco perfeito das sobrancelhas e nos cílios de uma espessura absurda. — Tem algo que preciso dizer a você.


— O que é? — Fiquei preocupada no mesmo instante.


Os lábios dele se curvaram para cima.


— A pintura... é você.


Levei as mãos ao rosto.


— Quando vou poder vê-la?


— Só depois de ficar pronta... estou pintando de memória.


A ideia de que ele conhecia detalhes suficientes do meu rosto para retratá-lo era demais para a minha cabeça. Queria ficar saboreando aquele momento, mas Merlin fez uma sugestão brusca que soou mais como uma ordem.


— Vamos sair.


Mal tive tempo de pegar minha bolsa e senti-me sendo arrastada para fora do estúdio e três andares escada abaixo.


— Para onde? — perguntei ofegante.


— Qualquer lugar.


Vi a mãe de Merlin apenas de relance em sua aula de artes no conservatório, a sala de estar com mobília descombinada, pinturas em telas de cores vibrantes e tapetes orientais, a sala de jantar com uma mesa enorme apoiada sobre cavaletes e a cozinha com um fogão antigo original, lajotas e um aparador gigante. Em alguns cantos, vi armadilhas para ratos em vez de ratoeiras que torturariam o animal, e não pude deixar de pensar que até as pragas da casa de Merlin eram inevitavelmente legais.


Finalmente chegamos à rua, respirando os últimos resquícios do verão, o que parecia ainda mais especial, de certa forma, por sabermos que seria a despedida do sol, antes de o inverno acabar com tudo. Demoramo-nos ao longo do canal e, depois, passando pelo arco da estrada de ferro que vai até o centro da cidade. Merlin se destacava na multidão, as pessoas olhavam para ele e depois para mim, por estar com ele. Eu ria e chegava o mais perto possível dele. Chegamos a um café, La Tasse, um lugar moderno que serve espresso, sempre lotado de executivos com seus laptops e senhoras almoçando. Sentamos em uma mesa junto à janela, com estofados de couro claro posicionados no estilo cabine de trem. Estávamos juntos havia pouco tempo, e acredito que emanávamos alguma espécie de energia. Até a garçonete chegou a olhar duas vezes quando chegamos, e apoiei uma das mãos no braço de Merlin enquanto ele fazia o pedido.


Então era essa a sensação de ser uma daquelas garotas radiantes, que têm o mundo a seus pés, daquele tipo que conta com a felicidade em vez de ficar o tempo todo se desculpando por ocupar espaço no universo. Certa vez, em uma festa, algo estranho aconteceu — eu de fato brilhei. Todo mundo ria das minhas piadas, as meninas conversavam comigo como se eu fosse alguém, e os meninos me chamavam para dançar. Sabia que havia alguma magia no ar e eu não era de fato a mesma pessoa naquela noite, a Katy sempre invisível. Essa outra ainda morava dentro de mim, mas nunca mais apareceu. Quando eu estava com Merlin, quase me atrevia a sonhar em me tornar essa outra garota, essa versão melhorada de mim mesma.


Ele ficou me observando tomar meu latte e beijou a espuma que ficara no meu lábio superior.


Ruborizados e com sorrisos felizes, sentamo-nos lado a lado e fizemos planos para o futuro. Ficamos imaginando a primeira exposição de arte de Merlin, o meu primeiro desfile em um evento de moda.


Falamos sobre Roma, Veneza e Paris como se essas cidades incríveis estivessem esperando ser conquistadas por nós. Merlin baixou o olhar para a mesa e ficou brincando distraído com a colher.


— Tem outra coisa, Katy. — Por um momento ponderou se deveria ou não continuar, e o rosto dele ficou tão atraente, os olhos arregalados e suplicantes, a boca generosa levemente aberta e a voz rouca. — Não sou muito bom com relacionamentos... as meninas esperam que eu telefone quando estou pintando e daí parecem ficar muito ciumentas a troco de nada...


— Não tenho ciúme — interrompi, apressada. — Sou a pessoa menos ciumenta do mundo.


— Pressenti isso — respondeu ele, aliviado. — Senti que você era diferente... e totalmente especial.


Estava nas nuvens, sorvendo cada palavra dele, feliz por Merlin parecer estar baixando a guarda, mas algo me distraiu — um súbito brilho esverdeado —, embora, pensando bem, o verde deva ter aparecido apenas dentro da minha cabeça. Passando do lado de lá da vidraça, do meu lado, estava aquela garota, toda vestida de jeans. Ela girou o corpo para me encarar.


— Você viu? — perguntei a Merlin. — Aquela garota de olhos verdes.


Ele não tirara os olhos de mim por um segundo.


— Estou olhando para ela agora. Você tem olhos verdes lindos.


— Não como aqueles — protestei —, os dela são bastante... impenetráveis e aterrorizantes.


Ele riu, beijou a minha mão e foi até o balcão pagar por nossos cafés. Tive um calafrio ao cogitar que ela teria estado no café ao mesmo tempo que nós.


— Por favor — pedi à garçonete. — Minha... amiga estava aqui, mas acho que nos desencontramos. Ela tem cabelos escuros, lisos e estava usando jeans e...


— Estava sentada logo ali — respondeu a mulher, apontando para a mesa ao fundo. Ela me olhou de um jeito esquisito e comecei a tossir para esconder meu constrangimento.


Mais uma vez fiquei assustada ao pensar nela sentada tão perto de nós, embora, para o meu alívio, não tão perto a ponto de escutar nossa conversa. Merlin me acompanhou até em casa, e tentei tirar a lembrança dela dos meus pensamentos. Não foi difícil — com ele ao meu lado, eu praticamente flutuava. Quando chegamos à minha rua, puxei Merlin para uma viela estreita que passava nos fundos da minha casa, a entrada era ladeada por uma parede de dois metros, a altura perfeita para nos manter protegidos dos olhares curiosos. Levamos séculos até finalmente nos despedirmos. Sempre que tentava me soltar, Merlin me puxava de volta para ele. Meu rosto e meu pescoço ardiam como se estivessem em chamas. Esfreguei as bochechas, preocupada, pensando na explicação que daria para o vermelhão deixado pelos beijos, mas, quando finalmente entrei em casa, mamãe não pareceu notar nada. Sorriu corajosa para mim quando perguntei como fora o seu dia, mas pude detectar uma ponta de censura apesar das aparências.


Cantarolei por toda a casa, delirando de felicidade, revivendo cada minuto do dia e enviando mensagens de texto para Nat e Hannah, contando tudo para elas. No meio de uma sequência de pontos de exclamação, minha mãe chamou meu nome. Desci correndo para a sala e dei de cara com ela sacudindo um maço de cigarros no ar, com uma expressão enfurecida.


— Estou muito decepcionada, Katy — disse ela, baixando a voz para um sussurro que, de alguma forma, conseguia ser pior do que se estivesse berrando comigo. — Você sempre jurou que não se deixaria apanhar por vício tão nojento.


— Não são meus — respondi, incrédula. — Fumar é uma coisa horrível.


— Caíram da sua bolsa — continuou, os olhos cravados nos meus. — Suponho que Merlin a convenceu de que é uma atitude cheia de estilo ou qualquer coisa do tipo, e você quer agradá-lo.


— Merlin odeia cigarros — insisti, cada vez mais indignada. — Todos os meus amigos odeiam... não faço ideia de como foram parar aí.


Mamãe fez um gesto de quem corta uma linha imaginária no ar.


— Acabou a discussão, Katy. Se Merlin estiver envolvido, não vou hesitar em impedir que você saia com ele. Pode apostar nisso.


Não fazia sentido dizer mais nada a partir dali. Ela sempre tinha a última palavra. Era um mistério como aqueles cigarros foram parar na minha bolsa para azedar o fim de um dia tão perfeito, e fiquei ofendida por ter sido acusada de maneira tão injusta, mas minha mãe deixara claro que o assunto estava terminado. Tive a nítida impressão de que ela não estava feliz por eu estar saindo com Merlin, e aquilo era a desculpa de que precisava para expressar sua desaprovação.


Levei séculos até pegar no sono e tive uma noite bem agitada. Aquele sonho sempre ressurgia quando eu estava estressada e nunca mudara... até aquela noite. Dessa vez, quando eu agarrava a figura sentada diante do espelho, forçando-a a olhar para mim, o rosto não era meu, pertencia à garota do ônibus. Dessa vez, os olhos dela eram verdes e insondáveis. Dei um passo para trás, afogando-me no ódio dela.



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Autor(a): Fer Linhares

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