Fanfic: Coração Envenenado | Tema: Livro
Resolução número um: Genevieve merecia uma chance, e eu tinha condições de ser generosa.
Resolução número dois: eu garantiria que iria manter meu ciúme sob controle. Resolução número três: Merlin era inacreditavelmente especial e nada no mundo estragaria isso.
Esses eram meus pensamentos enquanto caminhava cheia de determinação para a faculdade na segunda-feira de manhã. O ciúme era um sentimento destrutivo, e eu precisava ficar acima disso.
Apressei o passo ao notar Nat e Hannah esperando na esquina da avenida principal junto ao cruzamento. Ventava bem forte e Hannah estava desesperada tentando segurar a saia evasê, o que me fez rir. Sorri para Nat, já esperando comentários irônicos sobre Merlin, mas, sem nenhum motivo aparente, ela preferiu ficar examinando um bloco de concreto e mal conseguia me olhar nos olhos.
Quando o fez, sua expressão era de culpa.
— Tem algo que você precisa saber...
Esperei que ela falasse, pressentindo que algo estava errado.
— N-não fizemos de propósito — gaguejou. — Quando você saiu com Merlin, ela veio falar com a gente. Acabamos fazendo um tour pelo prédio.
Hannah interveio.
— Foi embaraçoso. Não conseguíamos nos livrar, e ela ficava repetindo como era horrível não conhecer ninguém e não ter companhia para almoçar.
Não precisei perguntar de quem estavam falando; a resposta era óbvia.
— Então Genevieve se convidou para almoçar, com vocês?
Ambas assentiram. Subimos os degraus e fomos juntas ao banheiro feminino. Fiquei aliviada, pois ninguém poderia nos escutar ali.
— Teria sido grosseiro dizer não — desculpou-se Hannah. — Mas sabemos que você acha que ela tem algo de... bruxa.
Eu me apoiei na pia e tentei me controlar. De alguma forma, havia me imaginado sendo magnânima e convidando Genevieve para se juntar a nós vez ou outra, nunca o contrário. Aquilo dava uma sensação de golpe baixo. Ela esperou que eu estivesse longe para fazer sua investida com Hannah e Nat. A realidade da presença dela me pegou de jeito: arrumara uma forma de estudar na mesma faculdade, estava cursando as mesmas disciplinas que eu, a mãe de Merlin a adorava, e agora minhas melhores amigas estavam na sua mira.
— Ela pediu para vocês? — perguntei com curiosidade. — Ela se aproximou com a certeza de que a levariam para um tour?
As duas concordaram de novo.
— Isso vai soar um pouco paranoico — admiti —, mas me dá a sensação de que ela está meio que... invadindo a minha vida.
A voz de Hannah continha um nítido tom de reprovação.
— Isso é muito desagradável para nós, Katy. Você é nossa amiga, e acabamos envolvidas no meio.
Nat começou a ajeitar os cabelos no espelho, o que não passava de uma distração, porque, como sempre, estavam arrepiados, mais parecendo um ninho de pássaro.
— Ela sabe que você não gosta dela...
— O quê? — Explodi. — Eu não disse nada que a levasse a pensar uma coisa dessas.
Hannah remexeu na bolsinha de maquiagem e aplicou um pouco mais de rímel sobre os cílios grossos. Estavam tão caladas que pressenti que aquela conversa não estava indo bem. Mordi o lábio com tanta força que cheguei a sentir gosto de sangue.
Nat pigarreou, nervosa.
— Ela achou que você era um pouco... hostil e estava preocupada que talvez tivesse feito alguma coisa errada. Ela quer fazer as pazes.
Senti uma dor bem no ponto entre meus olhos e pus a mão na testa. Genevieve não estava enganada. Eu não fizera nada que pudesse deixá-la à vontade, e, sem dúvida, ela captara o meu antagonismo.
— Mas o que foi que você disse para ela? — perguntou Hannah, afável.
Fiquei andando de um lado para o outro no piso de azulejos, meus sapatos faziam um som bizarro e oco quando batiam no chão.
— Estava um pouco... incomodada com a aparência dela — confessei finalmente. — Vocês perceberam o quanto ela mudou?
Hannah deu de ombros.
— Sei lá. Mas e daí? Todo mundo muda a aparência de vez em quando e...
— Ela estava usando a minha jaqueta — interrompi. — A que eu mesma desenhei, costurei à mão e bordei.
— Mas, Katy — contestou Nat, devagar —, Genevieve acabou de chegar. Não há como ela ter copiado sua jaqueta em tão pouco tempo.
Fiquei estupefata, porque ela estava certa. Levei as férias de verão inteiras para fazer aquela jaqueta tão cheia de detalhes. Ninguém poderia ter reproduzido aquele trabalho todo tão rápido.
Olhei para o rosto de uma e depois para o da outra, sentindo-me mortificada. Precisava mostrar que não tinha problema nenhum com Genevieve. Tentei desacelerar minha respiração e demonstrar tranquilidade e sensatez.
— Olha, vou provar que não tenho nada contra Genevieve. Vamos esperar que ela venha almoçar conosco, e vou fazer com que se sinta muito bem-recebida.
A expressão de Hannah se iluminou de alívio.
— Você vai mudar de opinião quando puder conhecê-la melhor. Na verdade, ela é bem legal.
— Considerando tudo o que ela passou — acrescentou Nat, com empatia.
Então, Genevieve também havia contado para elas a história de sua vida. Longe de ser um segredo, queria que todo mundo soubesse de seu passado trágico. Tentei falar normalmente, mas minha boca parecia azedar.
— Estou sabendo da desoladora história de nossa órfã do musical Annie... Ela já contou para Merlin e provavelmente para a faculdade inteira.
Meu comentário foi recebido com um silêncio atônito. Nat conseguiu grasnar:
— Katy... você está soando tão rancorosa.
Meu rosto enrubesceu.
— Desculpe, não tive a intenção de ser maldosa, mas... ela parece ter o dom de estimular meu lado ruim.
Foi uma confissão terrível, e me senti totalmente envergonhada de novo. Sorri, sem graça.
— Sinto muito mais uma vez. Vamos tentar não brigar por causa de Genevieve. Nós somos as três mosqueteiras, lembram?
Fomos para nossas respectivas salas, e fingi não ter ouvido o comentário que Hannah fez baixinho:
— Tecnicamente falando, os mosqueteiros eram quatro.
* * *
Tentar me esquivar de Genevieve era como tentar fugir de um incêndio. Ela chegou ofegante, num turbilhão de cores e movimento, quando a aula já havia começado, e foi recebida apenas com um sorriso por nossa professora de inglês, que em geral era bastante austera. Foi um alívio quando se sentou do outro lado da sala, mas, não importava para onde eu olhasse, estava sempre no meu campo de visão. Eu ansiava por quietude, para poder acalmar a dor de cabeça que estava começando a latejar atrás do meu olho esquerdo, mas ela se oferecia para responder a quase todas as perguntas de um jeito tão irritante e desprendido que estava fazendo a sra. Hudson comer na mão dela. A voz da garota me perturbava. A terrível verdade foi se revelando, não só Genevieve era mais bonita, extrovertida e confiante do que eu, como também estava anos-luz à frente em todos os assuntos que eu amava. Comecei a me sentir fisicamente enjoada. Passados vinte minutos, minha visão ficou turva e vi luzes piscando na minha cabeça. Levantei trêmula, balbuciei um pedido de desculpas e retornei ao banheiro.
Mais tarde, curvada sobre a pia e jogando água fria no rosto, comecei a me sentir um pouco melhor. Quando me endireitei, quase gritei de susto, porque Genevieve estava logo atrás de mim, seu rosto refletido no espelho como nos meus sonhos. Minha bolsa caiu no piso, despejando todo o seu conteúdo, mas não senti vontade de me abaixar para recolher. Restou a ela se agachar, apoiada sobre um dos joelhos, para juntar tudo e jogar de volta na bolsa.
— Desculpe, não tive intenção de assustar você, Katy. A sra. Hudson ficou preocupada.
— Estou legal — resmunguei. — É só dor de cabeça e tontura...
— Está enjoada? Seus olhos doem?
Grunhi, concordando com ela.
— É enxaqueca. Também costumo ter. O melhor remédio é deitar em um quarto escuro com uma bolsa de gelo.
Senti outra onda de náusea e me curvei, mas não havia mais nada no meu estômago. Odiei ser vista daquele jeito, mas estava além do meu controle.
— Seria melhor você ir para casa — disse Genevieve, dando um tapinha no meu ombro e apanhando uns fios de cabelo que estavam caídos sobre meu cardigã. — Vou explicar para a sra.
Hudson o que houve.
Ela pôs um braço ao redor da minha cintura e me amparou até a porta, perguntando se eu gostaria que chamasse um táxi. Apertei os olhos sentindo um remorso imenso por ela estar sendo tão gentil.
— Vou ficar bem — garanti, mas minhas pernas bambearam e precisei sentar.
Ela me conduziu até a cadeira mais próxima, que estava posicionada do lado de fora da secretaria, e então entrou para pedir um táxi.
— Vou lhe fazer companhia, caso você desmaie — falou com a voz firme.
— Obrigada por cuidar de mim — respondi, com gratidão.
— Tudo bem.
Decidi desfazer o mal-estar.
— Desculpe se fiz você sentir que não era bem-vinda aqui. Merlin acha que temos muita coisa em comum...
Ela se virou para mim e fiquei mais uma vez surpresa com a cor de seus olhos, que pareciam reagir à luz, suas pupilas brilhantes dilatando-se e depois tornando-se pequenas fendas. A expressão dela era de uma serenidade que desarmava qualquer um; a voz, quase uma carícia.
— Isso é parte do problema entre nós duas, Katy... sermos iguais.
— É mesmo?
— É claro. Simplesmente não há espaço.
— Espaço para quê?
— Não há espaço para nós duas, você precisa entender isso. E eu pretendo ficar.
Aquilo era surreal; Genevieve estava dizendo as coisas mais horríveis para mim, mas o sorriso do gato de Alice não deixava o seu rosto.
Fiquei enjoada de novo.
— Não sei do que você está falando e não quero fazer joguinhos ridículos. Apenas avise Nat e
Hannah sobre o que aconteceu e explique por que não pude almoçar com vocês.
— Elas nem são suas amigas de verdade... Você é apenas um apêndice... Não se aproxima das pessoas... A chata e sensível Katy. Poderia abrir as asas e levantar voo, mas não sabe como...
— Como é...?
Seu tom de voz se alterou de maneira brusca, e fiquei chocada ao ouvir a malícia que lhe permeava a voz.
— Sou tudo aquilo que você não é, e vou tomar sua vida de você.
Assim que ouvi uma buzina, levantei e me lancei na direção do táxi. Percebi um movimento atrás de mim e ataquei, minha mão entrando em contato com a pele macia. Ouvi um gemido alto de dor e olhei para trás apenas uma vez, enquanto o táxi se afastava, para ver a expressão chocada de Nat e Hannah confortando a figura chorosa de Genevieve.
Autor(a): Fer Linhares
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Luke estava saindo do carro bem na hora em que eu deixava o táxi, mas tentei me esgueirar para dentro de casa sem que ele me visse. — O gato comeu sua língua? — gritou ele. Meus músculos faciais se recusaram a formar um sorriso. A expressão dele era de tamanha ternura que, quando dei por mim, aconteceu: derramei-me em lágrimas ...
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