Fanfic: John Widmore - O assassinato de Valquíria Sanchez | Tema: Mistério
Naquela noite eu deixei o garoto na Agência e fui para casa, ainda atormentado pela monstruosa visão daquele hediondo crime. Eu não estava preparado para aquilo, na verdade ninguém está, imagino como ficou a cabeça de Bukowsk.
Encarreguei ele de entregar os relatórios, bem como de interrogar os empregados da casa, para obter mais informações acerca daquela noite, ou qualquer coisa que pudesse ajudar a desvendar esse assassinato. Sei que ele era muito novo e inexperiente, mas qualquer idiota poderia interrogar alguns empregados, bastava seguir as instruções básicas de agente.
Além disso, cuidei de deixar bem claro para ele não me procurar mais, pois detesto ser babá. Assim ele cuidaria das papeladas e eu da ação, sem nenhuma ligação novamente entre nós.
Demorei muito para dormir, mesmo acabando com a garrafa de whisky que consegui aquela noite. Eu me revirava na cama, vendo nitidamente aquela cena horrível em minha mente! Foi uma noite cruel. Após muito tempo, eu peguei no sono e dormi profundamente, quando tive um terrível pesadelo.
Em meu sonho, eu estava ainda na cena do crime, quando tudo se tornava manchado de sangue, que saia do corpo da vítima e se espalhava pelo chão, subindo pelas paredes, até tomar todo o teto. Eu olhava espantado aquilo, quando em minha frente apareceu Valquíria Sanchez, completamente ensanguentada e com cortes nos membros e pescoço, que não paravam de escorrer sangue. Aquilo me apavorou muito, mas eu não conseguia me mover, nem dizer uma só palavra. Ela me olhava fixamente, com um olhar frio, enquanto colocava as mãos em meu rosto. Então ela sussurrou meu nome, com um eco sutil e penetrante: “Widmore”!
Acordei muito suado, com a respiração acelerada e a sensação de que alguém estava ali comigo. Mas sei que era apenas reverberação por causa do pesadelo, que por sua vez, foi ocasionado unicamente pelo horrível momento que vivi naquela cena de crime. Não havia dúvidas que foi algo muito marcante, que iria demorar a sair do pensamento.
Me levantei e fui beber água, ainda eram quatro da madrugada, não sei se voltaria a dormir, pois as seis da manhã precisaria sair para encontrar Ernest Richtraw. Entrei em meu banheiro, acendendo apenas a luz desse ambiente, e lavei meu rosto. Quando levantei a cabeça vi um vulto passar pelo espelho, muito rápido. Me assustei, mas aceitei que fora apenas uma ilusão de ótica, causada pela iluminação no reflexo do espelho.
Então enchi um copo de água, ali mesmo na pia do banheiro, e ouvi novamente aquela voz feminina suave, com o mesmo eco penetrante: “Widmore”!
Um arrepio me subiu inteiro, como se até minha alma tivesse arrepiada. Eu certamente estava tendo algum tipo de alucinação visual e auditiva, mas em pequena escala, o que deve ser comum em meu estado, estando vários dias sem dormir direito e bebendo muito, principalmente após presenciar aquela cena. Não consegui ficar no banheiro, fui rapidamente, quase correndo, de volta para o quarto, onde por algum motivo mantive as luzes acesas.
Apanhei uma garrafa nos pés de minha cama, era um whisky bem vagabundo que eu havia comprado no dia anterior. Bebi até ficar mais tranquilo, o que funcionou excepcionalmente bem. Eu acredito que essas alucinações são causadas em grande parte pelo meu consumo de álcool, mas se eu estiver bêbado o suficiente, não irei dar atenção para essas coisas; isso é um fato.
De tão bêbado, acabei mesmo dormindo novamente, perdendo o alarme das cinco e quinze, acordando apenas às dez e meia da manhã, ainda tonto e meio desorientado. Tomei um banho rápido, bem quente, afinal marcavam três graus essa manhã. Comi alguns pães dormidos, abasteci meu cantil, bebi um bom gole e fui até a sede da Corporação Richtraw, para tentar falar com o dono das iniciais “E. R.”.
Não sei ao certo se conseguiria mesmo falar com ele assim, sem mandato, sem intimação oficial nem provas concretas, mas o que seria da vida se tudo fosse tão fiel as regras, não é mesmo?!
Em uma missão enfadonha eu parti, tendo que enfrentar o maldito trânsito matinal da cidade, observando as pessoas estressadas, conduzindo seus carros pela obrigação de tarefas que elas não querem ter, mas mesmo assim seguem em suas rotinas, para receber seus prêmios no final do mês, em forma de esmola de seus patrões. Quem foi mesmo que disse que a escravidão havia terminado?! Ora, trocar os chicotes por cheques foi mesmo uma ótima estratégia de manipulação.
Por volta do meio dia cheguei até o grande edifício da Corporação Richtraw, um gigante de aço e concreto, todo espelhado em azul, com alguns detalhes vermelhos muito chamativos, exatamente como as cores do colar de Valquíria. Notei algumas chamadas perdidas em meu celular, junto de mensagens na caixa postal, todas de um mesmo número desconhecido. Certamente era o novato, talvez com novidades, mas isso não era hora de trocar figurinhas, eu preciso tentar encontrar Ernest ainda na empresa, afinal ele poderia ter saído para almoçar.
Entrei no edifício e fui direto falar com a recepcionista, uma jovem de uns vinte e dois anos, meio estabanada e ansiosa. Não sei o que há com esses jovens, sempre transparecendo sua tolice e insegurança.
Ela me olhou de cima abaixo, com olhar de desdém, creio que não estava acostumada a ver gente malvestida por aqui, apenas homens e mulheres trajando caras roupas sociais, elegantes como manda o figurino. Deve ter estranhado um homem de sobretudo bege, com um péssimo nó na gravata e uma camisa branca amassada, de calça jeans e tênis no pé.
- Posso ajuda-lo, senhor?
- Na verdade sim, garota. Preciso falar com Ernest Richtraw.
- O senhor Richtraw não recebe visitas sem serem agendadas com antecedência. Por acaso o senhor tem horário marcado?
- Não, nem mesmo preciso disso. Agora, se quiser mesmo fazer alguma coisa útil, ligue para ele e informe que estou aqui em nome da Agência.
Ela me olhou desacreditada, como se duvidasse que eu era mesmo da Agência, mas resolveu ligar para seu chefe. Ernest me mandou subir, disse que estava me esperando, o que era muito estranho. Será que Bukowsk deu com a língua nos dentes?
“Agora estão contratando qualquer maltrapilho para a Agência”.
- Como é, garota?!!
- Eu não disse nada, senhor.
Novamente isso! Sei que ouvi a voz dela, mas ela não disse nada. Como isso é possível?
Foi a mesma coisa com Bukowsk, creio que essas noites mal dormidas estão mesmo afetando meus sentidos. E tem ainda aquela voz do sonho, essa voz desconhecida, não sei o que está havendo comigo.
Subi de elevador até a sala de Ernest, que por sinal era como uma suíte presidencial, ficando no último andar. A porta do elevador se abria diretamente na sala dele, por um sistema que funcionava através de uma liberação especial.
Ao chegar, notei com espanto o escritório de Ernest, que não parecia, nem de longe, um ambiente de trabalho. Logo na entrada, um tapete persa, que se parecia muito com um selo mágico, seguido do tapete de centro, feito com a pele de um leão, totalmente completa, era como se um leão tivesse sido esmagado e colocado ali. Nas paredes haviam esculturas distintas, algumas pareciam ser maias, outras de tribos africanas, algumas me lembraram o povo mongol. Percebi que no teto havia um grande pentagrama, em vitral, algo muito peculiar.
Senti um aroma muito bom, vindo de incensos espalhados pela sala. Certamente eram de artemísia, um incenso raro de encontrar, usado muito em rituais de magia para ampliar os poderes psíquicos e elevar os poderes do magista.
Tudo isso o tornava o suspeito número um.
- Por favor, entre e sinta-se à vontade!
Ernest era um homem gordo e grisalho, já no auge de seus sessenta anos. Meio careca, bigodudo e sorridente, uma pessoa especialmente peculiar, principalmente dentro de um terno roxo, usando pantufas de coelho.
Atrás dele, em uma mesa de canto que formava um mini bar, estavam dois copos de cristal, junto de uma garrafa aberta de whisky. O aroma era único, encorpado e forte, se fazia sentir mesmo com todo aquele incenso queimando.
- Muito obrigado, Ernest. E respondendo a sua pergunta futura; sim, eu aceito um copo desse whisky.
Me sentei em uma poltrona muito macia, que parecia ser feita de couro de crocodilo.
- O senhor é muito observador, senhor...
- John Widmore.
Ele se virou para nos servir whisky.
- Esse whisky é muito especial, John, não existe mais dele no mundo. Se trata de uma safra encontrada dentro de um navio pirata que naufragou no quinto século. Existiam quatro barris apenas, dos quais eu consegui comprar três em um leilão. É um artigo sem preço hoje em dia.
- Então pode encher meu copo até o gargalo, não gosto de beber igual a vocês, ricos. Não sou fã de degustação.
- Haahahaha...gostei de seu estilo, John. Não se preocupe, ainda tenho um barril inteiro guardado.
- Ótimo saber, pois tenho aqui comigo um cantil que acabou, infelizmente, por se esvaziar no caminho até seu escritório.
Ele me olhou com um sorriso bobo e admirado, enquanto sentava-se na poltrona em minha frente, do outro lado mesa, me entregando o copo.
- Quer dizer então que já acabou com a garrafa que pegou na mansão dos Sanchez?
Mas como? Como ele sabia disso?!
Agora tenho certeza que Bukowsk abriu sua boca! Maldito garoto!
- Como sabe sobre a garrafa?
- Não é de se espantar, afinal você está nas manchetes de todos os jornais. Veja isso.
Ele me entregou um jornal, no qual estava minha foto saindo da mansão ontem, segurando a garrafa de whisky, estampando a manchete da primeira página: “Sob custódia – Uma testemunha escocesa de 12 anos”.
Merda! Eu detesto esse tipo de exposição! Talvez devesse ter tido mais cuidado, mandando o Bukowsk levar a garrafa até o carro. Mas que se dane isso, agora tenho coisas mais importantes para resolver.
- Então me diga, John, o que deseja saber de mim?
Ele tinha um ar irônico, com um olhar totalmente despreocupado e superior.
- Você é um homem esperto, não vou fazer rodeios. Quero saber qual seu nível de intimidade com Valquíria Sanchez.
- Bem, Valquíria e eu tínhamos contatos totalmente profissionais. Nos víamos pouco e sempre para tratar de assuntos relacionados a sociedade entre a Corporação Richtraw e a Sagara.
Ele esboçou um sorriso descarado, após um gole de whisky, continuando seu depoimento informal.
- Mas se quer falar sobre intimidade de verdade, sobre temas informais, sugiro que me dê algum bom motivo, John.
O jeito dele estava me dando nos nervos. Não suportava esse ar de superioridade que tinham milionários como ele. Então peguei o colar de meu bolso e joguei-o sobre a mesa.
- Este é meu motivo, Ernest. Valquíria usava este colar quando foi assassinada, ainda estando com ele após ser cruelmente morta. Como sabe, ele possui suas iniciais na parte de trás. Como pode me explicar isso?
- Meu caro, não vejo aqui nenhum motivo para preocupações da parte da Agência. Isto é um amuleto, com o qual eu presenteei Valquíria em uma de suas visitas ao meu humilde escritório, nesta mesma cobertura onde estamos agora.
Ele não parecia ter se incomodado com isso, mas poderia se tratar de alguém muito frio, ainda mais se houver mesmo deixado isso de propósito, como sua assinatura no crime. E vejo que ele é muito ligado a selos, símbolos e afins, o que demonstra ele ainda como suspeito número um.
- Então está me dizendo que tudo não passa de uma grande coincidência? Que esse amuleto foi um presente profissional apenas?
- Obviamente se trata de uma coincidência, na verdade algo sem sentido ou importância. Qualquer pessoa que usa um acessório, não iria tirá-lo para morrer. Não concorda, John?
Ele se levantou e encheu novamente meu copo, ainda muito sorridente.
- Valquíria tinha seus fetiches, assim como todos nós. Digamos que ela gostava de homens mais velhos, o que favoreceu muito meus prazeres. Acho que entende isso, não é John?
- Não me importa os fetiches das pessoas, mas você entende que isso te torna um suspeito, mas não apenas por isso. Sabemos que a Corporação Richtraw tem fortes ligações com a Sagara, uma vez que Valquíria iria tomar posse como maior acionista, seus interesses financeiros somam-se a esse relacionamento. Mas quero saber mais sobre esse colar. Já que o deu para Valquíria, poderia me dizer o que ele realmente é?
- Obviamente, meu caro. Este é um amuleto muito antigo, dizem ter sido confeccionado na Babilônia, há milênios atrás. A lenda diz que ele desperta poderes em seu possessor, poderes místicos. Ele está relacionado a um antigo demônio babilônico, e acredita-se que seja o símbolo desse demônio. Mas são especulações primitivas, tudo que vejo é um artefato histórico e nada mais. Sabe, John, não sou supersticioso, nem acredito em magia e coisas do tipo.
Ele me olhou com profundo sarcasmo, enquanto balançava seu whisky, que ainda estava pela metade no copo.
- É difícil de acreditar no que está dizendo, já que seu próprio escritório te contradiz.
- Eu sei o que parece, mas não me preocupo com isso, sou apenas um fã de culturas antigas, isso não quer dizer que eu acredite em suas crenças primitivas. Mas se está suspeitando de algo desse tipo, precisa ir ver Sally Ramos, pois o que se diz na alta roda é que ela e Valquíria faziam parte de algum culto secreto. Não que eu pense que o assassinato e esse tal culto tenham ligação, mas se está nesse rumo, agora tem uma boa orientação.
Eu não podia mais pressionar ele, ainda mais por se tratar de uma visita informal, sem nenhum apoio oficial da Agência. Isso sem contar o fato de que estou com esse colar, sendo ele uma prova retirada ilegalmente da cena do crime.
- Fico muito grato pela colaboração, Ernest. Caso se lembre de algo importante, me ligue, vou deixar aqui meu cartão. Foi um prazer beber seu whisky.
Ele encheu meu cantil, que eu havia deixado sobre a mesa, em um gesto muito cordial.
- Assim farei, meu caro. E quando estiver pelas proximidades, me faça uma visita, será um prazer te receber aqui novamente para bebermos juntos. Até mais – nesse momento o olhar dele mudou, seus olhos ficaram totalmente brancos e sua voz ficou igual a de meu sonho – Widmore.
Após isso, seu semblante voltou ao normal, continuando sorridente e superior, como durante toda a conversa. Meu espanto foi perceptível.
- O que houve, John?
- Nada, pensei ter ouvido sua voz ficar diferente quando me chamou de “Widmore”.
- Do que está falando, meu caro?! Eu jamais te chamei assim. Não gosto dessas formalidades. Acho que este whisky te pegou...hahaha...até mais, John!
Que droga estava acontecendo comigo?
Seja lá o que for, parece estar ficando mais forte. Que voz é essa?! Nunca a ouvi antes, não conheço e sei disso. Acho que devo ir visitar Sally Ramos, do outro lado da cidade, mesmo que seja uma pista falsa, é a única que tenho no momento.
Esse colar está me intrigando muito, preciso saber mais sobre ele. Pelo menos agora sei que se trata de um amuleto, assim como Bukowsk sugeriu que fosse quando o viu. Acho que o garoto tem mais para oferecer do que eu imaginava, vou passar pela Agência no caminho da casa de Sally e pegar ele, assim aproveito e vejo o que ele descobriu com os empregados.
Autor(a): aleisterdelmiro
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Tudo me indicava que Ernest Richtraw era o suspeito número um, mas dentro de mim creio que ele não esteve diretamente envolvido com o assassinato, mas sei que de alguma forma ele está envolvido. Não restam dúvidas que ele sabe muito mais do que falou, mas por hora eu não tinha como o pressionar mais, nem mesmo motivos fortes o sufici ...
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