Fanfic: Stranger Tales | Tema: Stranger Things, Mileven, Lumax, Dungeon and Dragons, RPG

10h17m

      Mike ajeitou o casaco e o capuz, fechando-os bem, pegou a bicicleta na garagem e saiu pela rua gelada naquela segunda-feira de manhã.

     O vento frio vinha acompanhado de uma garoa insistente, deixando tudo ainda mais escorregadio do que estivera nos dias anteriores. Desceu a rua com cuidado, pedalando com atenção, embora seus pensamentos estivessem longe.

     Era a segunda vez, que conseguia se lembrar pelo menos, que havia sonhado algo daquele tipo só naquela semana. Os sonhos eram sempre confusos, sempre com Eleven e ele sempre acordava com aquela sensação. Na noite anterior, sonhara com ela batendo na porta de sua casa, chamando-o para ir tomar um sorvete. Pensara tanto no fato de não poder fazer nem as coisas mais simples ao lado de sua namorada que sonhara com isso. Mas o sonho não parava por aí, El usava um vestido e, apesar de não estar chovendo nesse sonho, o vestido estava molhado e colado ao seu corpo, acentuando curvas que Mike antes não havia reparado... não assim.

     E pronto. Lá estava aquela sensação... de novo.

     Tentou não pensar nisso, e foi fácil quando ouviu a buzina de um carro bem em cima de si. Parou a bicicleta, olhou ao redor. Tinha duas ideias em mente: se a primeira não desse certo, tentaria a segunda.

     Quando voltou a pedalar, seguindo para a casa de Will, sentiu a fita k7 em seu bolso batendo contra seu corpo. Ouvira as músicas antes de dormir e soube que Jonathan havia caprichado ao escolher quais colocar naquela fita. Praticamente todas as músicas que havia dançado com Eleven estavam lá, inclusive aquela de quando ela chegara no baile.

     Mike pegou a estrada para a casa dos Byers e lá então pôde pedalar com mais vontade, escorregar lá traria menos machucados do que perto de sua casa. Quando finalmente chegou ao seu destino, desceu da bicicleta a encostando na varanda e tocou a campainha.

     - Will? - Ele chamou. - Sou eu, Mike.

     Ouviu passos atrás da porta e logo Jonathan a abriu. Trazia em si uma cara inchada de sono. Pelo visto só Mike acordara cedo naquele dia.

     - Ei, Mike. Pode entrar, ele está tomando café. - O garoto disse dando passagem para Mike.

     - Obrigado e obrigado pela fita, ficou animal! - Ele agradeceu assim que entrou.

     Jonathan balançou a cabeça, erguendo a mão como quem diz que não foi nada e fechou a porta.

     - Ei, Will! - Mike disse se sentando à mesa junto do garoto.

     - E aí - ele respondeu, tomando um gole do seu leite. - Você quer alguma coisa? Jonathan fez omeletes, posso pedir para ele fazer um ‘pra você...

     - Não, cara, valeu, já comi. Estou aqui porque preciso de um favor.

     - Pode falar... - Will disse, dando uma garfada em sua panqueca.

     Mike olhou de relance para ver se Jonathan estava por perto e baixou o tom de voz.

     - Você, por acaso, se lembra como chegar na casa do Delegado Hopper?

     Will arregalou os olhos terminando de engolir o café e dando mais um grande gole em seu leite.

     - Assim, e-eu não posso dizer q-que me l-lembro e-exatamente. - Ele ficou um pouco nervoso. - Foi um dia que eu não e-estava e-exatamente em mim.

     Mike mordeu os lábios.

     - Desculpa, eu imaginei que você pudesse não saber, mas eu precisava perguntar.

     O amigo soltou o garfo em cima do prato e ficou encarando o outro.

     - Por que você quer saber isso?

     - Porque quero encontrar a El.

     - Você está louco... - Will disse, reprovando.

     - Por que todos dizem isso? O que tem de errado em querer encontrar a Eleven? Preciso dela para me ajudar a pensar em uma maneira mais fácil de ela poder jogar com a gente... além disso, preciso vê-la.

     O garoto avaliou o amigo. Mike parecia um pouco desesperado.

     - É diferente de antes, entende? - Mike continuou. - Agora eu sei onde ela está, pelo menos teoricamente. E sei que ela está perto de mim. - Ele fez uma pausa pegando um pedacinho de bacon frio que estava caído na mesa e brincando com ele entre os dedos. - Eu sinto que eu devo me preocupar com ela agora que sei que ela está viva.

     - Mas você está se preocupando... - Will rebateu.

     - Mas eu quero estar com ela. - Mike falou encarando Will nos olhos.

     Will balançou a cabeça de forma negativa pegando o garfo novamente e terminando de comer seu café da manhã. Mike continuou brincando com o bacon até que se cansou. Soltou o peso do corpo na cadeira, se dando por vencido. Pelo menos por hora.

     - Eu posso tentar lembrar. - Will disse por fim. - Mas não vou garantir nada. Era noite, eu não era eu, se é que você entende. Não dá pra garantir, cara. O lugar é muito longe e é confuso de chegar...

     - Will te contou, Mike? - Jonathan chegou na cozinha interrompendo o irmão mais novo.

     - O que? - Mike franziu a testa e olhou para Jonathan que pegava as louças sujas da mesa as colocando na pia.

     - Qual é! - Will se levantou levando suas louças para a pia. - Você não vai me dar um tempo disso?

     Jonathan riu e Will se sentou novamente ao lado de Mike.

     - O que houve? - Mike perguntou curioso.

     - Jenny... - Will começou a dizer ficando levemente corado.

     - O que tem a Jenny? Você a convidou? - Mike atropelou Will com as palavras.

     - Não! - Jonathan respondeu antes. - Quem convidou o Will para fazer algo foi ela.

     Mike riu. Will ficou ainda mais sem graça.

     - Ela me ligou ontem, não sei nem onde ela conseguiu meu número... - ele ia dizendo, sem encarar nenhum dos dois - e me perguntou se eu não queria ir ao cinema com ela.

     - Ela o quê?! - Mike perguntou, rindo. Jonathan terminou de lavar a louça e se encostou na pia, cruzando os braços, olhando para os garotos na mesa.

     - Ela me chamou para ir ao cinema com ela. - Will respondeu, olhando rapidamente de Jonathan para Mike.

     - E você com medo de convidá-la para tomar um sorvete! - Mike deu tapinhas nas costas do amigo.

     - Mas ele convidou! - Jonathan se intrometeu mais uma vez.

     Will olhava dele para o amigo com uma expressão suplicante. Mas logo caiu na risada também.

     - É, é. Eu falei que sim e se ela não toparia tomar um sorvete antes ou depois do filme...

     - Grande Byers!!! - Mike comemorou e Jonathan passou pelo irmão bagunçando seu cabelo e indo para seu quarto.

     - Tudo bem, tudo bem... - Will disse, mais uma vez sem graça, tentando se desvencilhar de seu irmão. - Não é nada de mais. Nós vamos ao cinema e tomar um sorvete...

     - Vocês vão ter um verdadeiro encontro.

     Will arregalou os olhos para Mike mais uma vez e os dois caíram na risada.

12h26m

     - Ei, Delegado. - Calvin Powell, um dos policiais de plantão, entrou na sala de Jim logo após bater. - Parece que aquela história das abóboras não era o fim do problema...

     - Como é que é? - Jim tirou os pés de cima da mesa, apagando o cigarro e encarando o policial.

     - É, parece que o velho Merrill está no telefone dizendo que ainda há alguma coisa de errado lá por perto...

     - Você só pode estar brincando. - Hopper se levantou e ajeitou a calça e o cinto.

     - Não é o que parece, Delegado.

     - Ok, ok. Diga ele que vamos passar por lá daqui a pouco.

     Powell saiu e fechou a porta. Jim olhou no relógio. Seria melhor almoçar alguma coisa de uma vez para, depois da ronda, ir direto para casa.

     Saiu de sua sala com seu costumeiro cigarro entre os lábios. Florence logo o seguiu tentando tirá-lo de sua boca, mas dessa vez ele foi mais rápido.

     - Flo, vou até o centro e vou lanchar de uma vez. Na volta passo aqui para pegar esses dois babacas e irmos até o Merrill. - Ele disse apontando Powell e Callahan que estavam em suas mesas conversando animadamente sobre qualquer coisa.

     Hopper desceu as escadas da delegacia indo até seu carro, ajeitando o chapéu antes de entrar. A chuva caía branda, pouco mais que uma garoa. Ligou o motor e saiu em seguida, sustentando a postura severa e aborrecida que ele sabia sustentar tão bem estando em sua posição de delegado. Tragou o cigarro olhando em volta, seguindo com o carro devagar pelas ruas. Passou em frente ao mercado, tudo parecia calmo e normal. As pessoas estavam felizes e animadas, o clima de final de ano tomava conta de tudo naquela época. Ele tragou o cigarro mais uma vez, virando à direita, passando em frente à Melvad’s General Store.

     Joyce estava onde geralmente costumava estar, sentada em seu caixa, atendendo um cliente. Hopper estacionou o carro rapidamente, a tempo de pegar seu sanduíche no porta luvas do carro. À distância, ela parecia um pouco menos triste do que nos últimos dias. Saiu com o carro devagar, ainda a observando de longe. Deu uma mordida em seu sanduíche mal desembrulhado e se lembrou que ele, nem de longe, tinha o gosto da ceia de natal que dividira com ela e com as crianças há poucas noites. Lembrar disso o fez colocar um pequeno e discreto sorriso no rosto, por entre as mordidas do sanduíche frio que comia. Ao olhar de relance mais uma última vez antes de virar a esquina, pensou que talvez, apenas talvez, ela o tivesse visto passando por lá, mas provavelmente teria sido só impressão sua.

15h38m

       - Tudo bem, Will. - Mike dizia se levantando do chão do quarto do garoto. - Eu sei que era pedir demais, você estava praticamente inconsciente naquele dia...

       Will se levantou também. Os dois estavam desde depois de almoçarem sentados no chão do quarto de Will conversando sobre a noite em que El fechara o portal. Era penoso para Will conversar sobre aquilo, mas de certa forma era bom ter alguém com quem pudesse compartilhar aqueles sentimentos estranhos. Não gostava de falar sobre isso com qualquer pessoa e sabia que o Mike o entenderia.

     - E, Mike, n-não comenta com ninguém essas coisas que te contei... - Will pediu.

     - Pode deixar, cara. - Mike sorriu de lado. - Agora está na hora de você se arrumar porque você tem um encontro!

     - É, parece que sim! - Will coçou a cabeça, sorrindo sem graça. Estava sentindo um misto de sensações que ele não saberia explicar. Ao mesmo tempo animado pelo encontro, com medo de não saber o que esperar e de dar tudo errado, mas feliz porque faria algo normal com uma garota legal.

     - Vai dar tudo certo, você vai ver. - Mike abraçou o amigo de lado, rapidamente. - Você avisou o Lucas que não iria com ele e a Max na sorveteria?

     - Ihhh... nem lembrei. Vou ligar para ele agora. Vai que eles queiram ir com a gente daqui a pouco no cinema...

     - É, pode ser uma boa! - Mike respondeu. - Então, Byers, vou nessa. Obrigado pelo almoço.

     Will riu levando o amigo até a porta da sala.

     - Tudo bem, mac’n’cheese não pode ser considerado um almoooço...

     - Mas estava bacana! A gente se fala. Boa sorte no encontro! - E pegou a bicicleta saindo logo para a estrada que o levaria de volta à cidade.

     A chuva aumentara um pouco desde que Mike chegara à casa dos Byers. O caminho agora estava um pouco mais enlameado do que quando passara por lá mais cedo, mas ainda assim conseguia pedalar rápido. Em sua mente a segunda ideia fervilhava. Começou a se achar um pouco estúpido por ter ido até a casa de Will perguntar sobre uma noite em que ele praticamente não se lembrava nem de ter vivido. No entanto, era mais fácil fazer isso do que encarar de primeira a segunda ideia que tivera.

     Chegou ao centro de Hawkins com a chuva caindo mais pesada. Seu cabelo começou a grudar em sua testa e sentia o casaco um pouco mais pesado agora que começara a encharcar. Involuntariamente se lembrou do sonho que tivera a noite. Eleven... a chuva... o vestido. Balançou a cabeça de leve afastando aqueles pensamentos. Precisaria estar com a cabeça fria quando chegasse ao seu destino. Por sorte a chuva gelada o estava ajudando nisso.

      Quando avistou a fachada da delegacia, respirou fundo. A chuva tornara tudo um pouco mais dramático do que imaginara em sua cabeça. No momento em que virou a esquina e viu que o carro de Hopper não estava lá, levou um susto, de certa forma. Em sua mente o script estava montado. Ele tinha um plano e não havia pensado em contratempos como aquele, de Hopper não estar lá quando ele chegasse. ‘Falha de principiante’ pensou consigo mesmo enquanto encostava a bicicleta na parede do lado de fora e entrava na delegacia.

16h25m

      - Aquela coisa preta toda já deveria ter sumido, não é Delegado? - Phill Callahan perguntava enquanto saíam da fazenda de Merrill.

     Jim concordou mentalmente. Aquilo não deveria estar lá ainda. Mas sua resposta foi outra, enquanto acendia um cigarro.

     - Aposto que agora o Merrill vai aproveitar para levar em frente essa rixa entre ele e o vizinho. Quanto mais ele puder enrolar por conta disso, ele irá... - Hopper respondeu, dirigindo rapidamente por entre as fazendas.

      A chuva que era mansa quando chegaram lá agora caía acentuada. Mesmo assim, ele pegou a principal em direção à cidade estando lá minutos depois. Com sorte poderia sair a tempo de cumprir com Eleven o que dizia todos os dias, que chegaria em casa mais cedo. Sabia que estava negligenciando-a ultimamente, mas ele não podia conceder a ela mais tempo do que concedia. Tentava se desdobrar em três para dar conta de tudo. Aos trancos e barrancos poderia dizer que estava conseguindo, mas sabia que a garota precisaria de mais do que isso.

      Estacionou o carro em frente à delegacia e os três desceram dele se protegendo da chuva com seus casacos e chapéus como era possível. Hopper bateu o olho na bicicleta do lado de fora e logo soube o que encontraria quando entrasse por aquela porta.

      Flo trazia uma xícara de leite quente em sua mão. Mike se segurava o máximo que podia para não bater o queixo. Ao pegá-la, agradeceu com um aceno de cabeça para evitar abrir a boca e correr o risco de morder a língua. Estava sentado naquela espécie de recepção há alguns minutos. Em sua mente pareciam horas.

      - Garoto, o que você precisa de tão importante que te fez vir aqui com essa chuva? - Ela perguntava a ele procurando por um casaco seco para que ele pudesse usar.

      Ele deu um gole no leite quente e agradeceu por isso. Conseguiria falar agora.

      - É um assunto particular com o Delegado Hopper. - Ele respondeu rápido.

      Florence olhou para ele por cima da armação dos óculos, avaliando-o. Pegou um casaco que encontrou, um pouco maior que Mike, e entregou-o a ele.

      Mike agradeceu novamente com um aceno de cabeça e o pegou. Deu outro gole de leite e seu olhar recaiu sobre a porta da delegacia que se abria nesse momento, com Jim e os dois policiais entrando.

      Hopper franziu o olhar ao encontrar Mike. O garoto fez a mesma coisa.

      - Delegado, o rapazinho diz que precisa falar sobre um assunto particular. - Flo disse, se aproximando dos dois.

      Jim Hopper olhou de maneira dura para Mike enquanto acendia um cigarro. Mike entregou para Flo a caneca e o casaco, se levantando logo em seguida.

      - Pode vir até minha sala, Wheeler. - Hopper falou, seguindo para sua sala, por fim, com Mike em seu encalço.