Fanfics Brasil - O pesadelo dos navegantes Abaruna

Fanfic:  Abaruna | Tema: Original


Capítulo: O pesadelo dos navegantes

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    Passaram-se três dias desde que a parceria entre os dois meninos fora estabelecida. Em nome da promessa, Pedro cumpria o que lhe era ordenado, suportava as implicâncias de Tomásio e Jeromão e ouvia de D. Alexandre os requisitos necessários para ingressar na Cavalaria Real. Em conversas ao pôr do sol, descobriam coisas em comum e diferenças que se completavam como a figura de dona Rosaura ante a ausência materna na vida do cavaleiro.


-Posso lhe dizer, fui criado de tal forma que deito meu olhar no passado e não imagino uma mãe presente em minha vida. Não pude conhecê-la como todo filho deveria...


-Égua, pra mim é mais fácil chover pupunha do céu do que viver num mundo onde mamãe não me exista... Pensa numa senhora boa, tem vezes que até sinto a presença dela aqui, do meu ladinho!


-E como pode senti-la se ela vive longe daqui?


-Transmissão de pensamento! Quando eu era pequeno e precisava de ajuda, mamãe já percebia e me vinha antes de eu pedir. As vezes eu nada dizia pra tentar resolver sozinho, mas ela sempre descobria. Posso ser o mais forte do mundo! Se eu não admitir minha fraqueza enquanto é tempo e pedir ajuda, não serei ajudado porque ninguém vai saber...


-Admitir a própria fraqueza, sem esconder... Que filosofia!


-Num é verdade? E quando fiquei na dúvida entre partir ou ficar, ela me olhou nos olhos e pediu minha sinceridade. Dela recebi confiança e a certeza de que ela mesmo distante, viajaria comigo! Mas e a bendita da sua noiva, quem é?


-É por esta bendita que vim à floresta. Desde menino estou de casamento marcado com a princesa Berenice de Serruya e Abaruna é o dote que trarei à ela! - Respondeu D. Alexandre, arregalando os olhos de Pedro. Bem que Estefânia lhe dissera!


-Princesa Berenice?! A princesa de Angustura... Aquela que nunca sorri?!


-Bem, ela é bem mais do que dizem... - De fato, a enfermidade da princesa era tão conhecida quanto ela própria e isso ainda incomodava; Pedro já se desculpava quando Tomásio veio todo esbaforido e gritou:


-Corre capitão! Corre que Jeromão perdeu o juízo!


-Outra vez?! - Rapidamente, D. Alexandre se levantou e flagrou Jeromão maltratando os cavalos Corre-Campo, Crina Negra e seu próprio Ajax com várias chicotadas. Uma vez que presenciara coisas assim em Rio Adentro, Pedro se zangou e correu para defendê-los do cavaleiro enraivecido.


-Que houve Jeromão, enlouqueceu?!


-É esse teu Corre-Campo, quer porque quer seguir à direita na mata sendo que temos um caminho a ser seguido! E nenhum de vós percebia ou tomava uma atitude...


-Ouça bem, não é de hoje que seu comportamento destoa de nossos princípios e...


-Espera! - Exclamou Pedro ao se recordar de algo importante. - À direita da mata, se chega à uma praiazinha com céu aberto e um monte de ave revoando, pode ser um sinal pra gente ir lá!


-Já não basta, você se misturando com a gente e ainda quer nos chefiar?!


-Olha, competência pra chefiar não tenho, mas Corre-Campo tem e bem melhor que gente! - A essas horas, Jeromão tomava tudo como ofensa e esmurrou o coitado de Pedro que novamente caía; ânimos estourados geraram uma briga terrível que só terminou quando D. Alexandre desembainhou a espada e fincou entre os dois, ainda embolados no chão.


-Chega de arruaça! Jeromão Guilhon considere-se banido da Cavalaria!


-Que seja, eu devia ter ido antes! E te garanto o couro da Boíuna, você e esses dois não caçam nem um pardal por aqui! - Finalmente Jeromão montou em seu Ajax e saiu de cena sem deixar saudades enquanto Pedro, D. Alexandre, Tomásio e os dois cavalos mais aborrecidos do que aliviados com sua partida.


-Buuu! Já vai tarde com tua raiva!


-Banimentos à parte, é hora de prosseguir! Já estamos na floresta há vários dias e nada de Abaruna, que acham de... Pedro?!


-Psiu, lá vai ele! - Respondeu Tomásio enquanto o jovem acarinhava os dois cavalos que reagiam bem à sua presença, balançando a crina e relinchando livres de chicotadas. Terminado o diálogo, veio a proposta.


-Pessoal, eles querem seguir até a praia. É só seguir na cadência deles que a gente chega rapidinho, não chega?


Talvez a perda conturbada de seus companheiros, o aparente fracasso na busca do pássaro ou os inúmeros imprevistos no caminho tenham levado D. Alexandre a depositar sua confiança nas intuições de Pedro e dos cavalos; fazer o quê se cada coração se atrai por seu maior desejo e não sossega até realizá-lo? Negar sua existência, soterrá-lo na memória ou adorá-lo demais poderia ser prejudicial ou benéfico, por isso o desejo deveria ser bem analisado. Eles não percebiam, mas cada avanço os atraía até Abaruna e ele que cuidava da infância de Dinahi sentia-se atraído por eles.


Se é difícil traduzir anseios humanos, que dirá os de um pássaro lendário e imortal? Não se ouvia um canto tão misto de sentimentos e desejos reunidos com o próprio desejo de realizá-los; enquanto Dinahi o acariciava, Abaruna sentia a natureza vibrar prenunciando o futuro e a canção rompia distâncias, passava de leve na varanda de Berenice até alcançar certo ponto de Rio Adentro.


-Só dona Rosaura sentirá por minha partida, mas preciso ceder ao rio... Quanta saudade eu tive de deslizar em suas águas!


      Ouviste a barca Murmura-Rio? Coitadinha, estava tão deteriorada pelo tempo e os demais pescadores que quase pereceu e engolira bastante água enquanto o céu ganhava tons de azul-marinho e cedia espaço à lua cheia, bastante esperada por bons e maus. No palácio, corriam boatos de que a princesa abandonaria tudo para se tornar monja uma vez que estava mais presente nos jardins, varandas e bibliotecas como o pai fazia em sua juventude, mas poucos se atentavam as mudanças operadas nela; pouco importava! Por sinal, aí vinha a rainha Verônica ao encontro dela após repreender as demais fofocas espalhadas no corredor.


-Mãe, lembra-se de quando me tranquei aqui?


-Nem me lembre, seu pai tanto gaguejou sem saber o que fazer! E você nem me explicou o que houve...


-Nem me lembro do que houve comigo, mas... Quando me vi sozinha, deparei-me com a paisagem desta varanda. Como posso pertencer a um mundo tão bonito e me afastar tanto dele! Então pude desbravar cada detalhe; nessas horas esqueço minhas lágrimas, minha enfermidade e sou atraída por uma beleza que me faz viajar sem sair daqui!


-É como sair de si para desvendar certas maravilhas... Oh filha, pena que seu pai não está aqui! - Exclamava a rainha, também notando que tudo ao seu redor lhe prenunciava grandes coisas, da nova penteadeira aos violinos e quadros ali pintados.


-Como se não bastasse Alexandre, até papai e Odivelas se ausentaram!


-Talvez esta seja a maior das missões que ambos enfrentaram. Desde que me entendo por gente, essa serpente nos ameaça! E quando achávamos que ela já não existisse... - E Verônica se deparou com um quadro inacabado que retratava barquinho solitário navegando sob as ondas prateadas do rio a se mover freqüentemente. - Berenice, vê se não deixa a Boiúna aparecer aqui viu?


          Em Angustura cresciam os apelos da população para que a Boiúna fosse detida depois que a mesma derrubara três embarcações destinadas ao reino vizinho gerando terror e prejuízo aos demais após essas reuniões, o rei Hildegardo Camilo pedira o auxílio da Marinha e encomendara grandes navios para a Cavalaria Real todas munidas de canhões e lanças capazes de abater o pesadelo dos navegantes; só não esperavam que à surdina, os pescadores também se preparavam para o ataque marcado para aquela noite de lua cheia.


Dona Rosaura seguia a vida como toda boa senhora de Rio Adentro, preparava refeições diárias da hospedaria, varria os demais quartos, juntava-se as amigas para lavar roupas à beira do igarapé e cuidava dos pequenos filhos da arrumadeira enquanto a mesma se ausentava. Mas ela não sentia saudade do filho assim como sentia, mas era uma saudade tão amorosa e confiante que de vez em quando o via e dialogava com ele em pensamento.


"Pedro... Pedrinho, sou eu! Você está bem?"


"Pode falar mãezinha, que foi?"


"Ah meu filho, é só saudade. Você demora tanto! Nem sei o que deu na cabeça do Manoel quando ele prometeu... Se aventurar sozinho, até no rio!"


"Também sinto saudade, mamãe! Calma que a senhora vai ver...


"Assim seja. Sua bênção, mãezinha!"


         "Deus te abençoe e guarde meu menino!" E sorrindo, a mãezinha se despediu de Pedro para contemplar o luar. A notícia da Boiúna também serpenteava nas redondezas do povoado assustando os demais e trazendo preocupações à dona Rosaura, que de vez em quando se sentia sozinha mesmo vivendo numa hospedaria cheia de gente e com várias tarefas para fazer... Ah Senhor, se eu pudesse dizer á ela que tudo vai ficar bem e livrá-la de seu sofrimento! Mas preciso retornar à floresta, pois os três ali estão tendo dificuldades em chegar a praia; então cuide bem dela até a gente retornar viu?


-Ei Pedro! Que mania essa tua de falar sozinho?! - Respondeu Tomásio que volta e meia revezava com Pedro na montaria do cavalo Crina Negra, mas isso atrasou a viagem de modo que ambos foram obrigados a dividirem a mesma sela.


-Mania nada, é coisa minha! Só não escorrega daí viu?


-Vejam! - Bradou D. Alexandre. - Já avisto a praia lá na frente, avante cavaleiros!


      Empolgadíssimos, D. Alexandre e Tomásio aceleravam o galope dos cavalos que sobreviviam com a água e o capim oferecido da mata enquanto Pedro se esforçava para não escorregar. Além de dividirem sela, Pedro começava a duvidar se a ideia de seguir a praia fora boa e jurava a si mesmo que juntaria dinheiro para comprar um cavalo antes da próxima viagem. A cada avanço, o solo tornava-se mais arenoso e as estrelas despontavam felizes no céu; finalmente a praia de Marapanim!


-Chegamos! Que espaço perfeito! - Respondia D. Alexandre mantendo o ânimo e a pose heróica de sempre. Tudo estava calmo, somente a areia dificultava o caminhar e as ondas se moviam lentamente enquanto os conduzia.


-É maior do que eu pensava... Que tanto de navio tá fazendo ali no fundo|! - Indagava Pedro, apontando para as embarcações que em nada se pareciam com as barcas de madeira que ele conhecia.


-São os navios da marinha, devem estar numa missão extraordinária! O que significa que há algo grave ameaçando nosso reino e nós estamos aqui, sozinhos... Com certeza o rei está liderando as embarcações, imagine como está Berenice que é tão sensível á espera dele!


-Esperando por ele ou por você? - Indagou Tomásio.


-Calma gente, a missão deles já está feita! - Respondeu Pedro, aparentando tranqüilidade e guardando o medo em si. - Amanhã a gente continua a nossa porque está escuro e eu nem sei se é noite ou madrugada...


-Pois bem, montaremos outro alojamento e Pedro fará a vigília noturna enquanto nós descansamos sim?


-Isso se a Iara não surgir e me levar daqui, hehehe... - Brincava o caboclinho com a famosa lenda da sereia que atraia os homens para o fundo do rio e nunca mais devolvia. Entre dormir e vigiar, ele fazia de tudo para afastar o medo que insistia em incomodar e acendia uma fogueirinha para se aquecer.


         Durante um semestre intercalado por chuvas intensas e noites calorosas, não houve uma tão estranha e mudada onde o vento passara a rugir, obrigando famílias a fecharem suas portas e animais a se refugiarem antes da hora. Entre as raízes da samaomeira, Dinahi contava as pedrinhas coloridas que juntara no caminho e aguardava Abaruna que se ausentara por uns instantes, mas tal ausência durava-lhe uma eternidade! Quase adormeceu quando o viu chegar, mas o belo pássaro que pousara não parecia o mesmo; estava silencioso e opaco, sem o costumeiro esplendor perturbando a pequena.


-Abaruna meu, o que sente? Sinto-te diferente!


-Vê a noite Dinahi, como ficará terrível? Sente o frio... cuide-se, não deixe o medo lhe dominar! - Respondeu-lhe Abaruna. O medo também espantara as estrelas do céu e ela imaginava sobre ele alguma enfermidade ou a proximidade do momento de perdê-la, uma vez que era guardiã e não dona. - Juripuri trama algo para esta noite. Sinto-o serpenteando nas águas, com o bote preparado!


-Mas nós escapamos dele!


-Ninguém escapa totalmente do mal; quando menos se espera ele ataca por isso devemos nos preparar. Esta é a noite das noites!


-Se Abaruna sente... - Novo silêncio. Dinahi apertou o muiraquitã junto ao peito para recordar tudo que aprendera sobre coragem e desejar que seus irmãos estivessem a salvo. - Quando ele vem?


-Quando o rio silenciar as ondas e revelar todos os seus segredos!


     Enquanto D. Alexandre e Tomásio dormiam, Pedro acendia sua fogueirinha e alimentava os cavalos com as plantas que ali encontrava; à ele cabia a certeza de que nada lhes ameaçaria enquanto na hospedaria de Rio Adentro, dona Rosaura recolhia a roupa do varal balançado pela ventania. Feita a última tarefa do dia, ela se voltou para o quadro de Nossa Senhora de Nazaré fixado na parede com seus pertences e acendeu uma vela branca; por um instante viu a si mesma no olhar da Santa e nos cabelos deitados no ombro enquanto segurava o Menino.


-Numa noite dessas que ele fez a promessa, depois tomou a barca e jamais voltou... Pedro era tão pequenino, tão meu que eu podia segurá-lo como a senhora segurava o teu Jesus! - Quando a mãe se pôs de joelhos, o filho percebeu a canoinha vir lenta em sua direção; suas cores vivas destacavam a inscrição que nela se encontrava e convidavam-no para navegar. E quanto aos dois ali dormindo, como ficariam? E a mãe preocupada com o prenúncio de tempestade e a imensidão daquele rio? Murmura-Rio não fora feita para três rapazes e dois cavalos caberem nela!


      "Eles vão pensar que eu deixei os dois de lado pra caçar o Abaruna deles... Onde já se viu abandonar essa gente aqui! Estefânia me ajuda!"


      "Vem meu filho, vem!"


      "Só não sei o porquê, mas sinto que devo ir...”


     "Vem meu filho, vem! Recorda o que te trouxe aqui" 


          "Égua do rio imenso, chega me tonteia..." Pedro abria os braços para sentir a força do vento e certamente voaria se ele próprio não fosse feito de carne e osso e a barca não estivesse ali. "Olha, se algo me acontecer vocês me perdoam e cuidam da minha mãe?"


     "Vem meu filho, deixa tudo e sê livre!" Assim cantava Murmura-Rio enquanto os pés descalços de Pedro dançavam com as águas do rio e apressavam a realização do chamado adormecido. "Recorda o que te trouxe aqui!"


     "Mãezinha... Mamãe... Ô mãe, me ajuda..."


     "Vem meu filho, deixa tudo e sê livre!"


     "Eu prometi... prometi continuar... É mais forte do que eu!" Pensava ele até que o angustiado fio de esperança lhe tomou inteiramente. Os ponteiros de algum relógio e o passar de vinte anos recordavam o instante em que Manoel Jorge partiu no mover das ondas; já não seria um pai entregue ao rio pela saúde do filho mas o próprio que adentrava a canoa e tomava os remos para nele murmurar! Assim iniciava a mais forte das aventuras daquele jovem consciente do perigo e do encanto contido no rio. Remando sem parar, evitava olhar para trás e priorizava à promessa reiniciada do ponto em que fora interrompida, sem temer as ondas e ventos noturnos.


-Essa promessa também é minha, meu pai! É o meu chamado! - Gritava Pedro enquanto nas profundezas do rio, Boiúna preparava seus ataques violentos. E na maior das embarcações, Sua Majestade se admirava com a ousadia de seus súditos presentes em diversas embarcações.


- Quem deu ordem à essa gente?! Odivelas ordene que saiam daqui!


-Eles vieram por conta própria! Pergunte a cada um ou ao rio que convidou todos eles! E se me permite, o céu está nublado e creio que deveríamos recuar e tentar outro dia...


-Outro dia, professor?! Estamos no inverno tropical onde chove quase todos os dias! Não recuarei enquanto essa aberração continuar viva a nos ameaçar!


-Já que insiste... Mas não estou sozinho! - Respondeu Odivelas enquanto Sua Majestade, D. Domingos e os demais ministros começavam a se dividir entre continuar a missão ou retornar à terra firme; nas embarcações, os pescadores que duvidavam da existência da Boiuna brigavam com os que nela acreditavam sem perceber o agito das ondas e o aumento do nível das águas. Finalmente emergia das águas a mais pura maldade de presas afiadas, olhos reluzentes e aterrorizantes!


     Portadora de grande força, ela tinha suas cores confusas entre preto, vermelho, verde musgo e cobre enferrujado, seus olhos reluziam como duas bolas de fogo e suas presas eram capazes de destruir caravelas ao meio com uma rachadura feita. Aterrorizados, cavaleiros, pescadores e marinheiros custavam a utilizar suas armas e os barcos menores lutavam para escapar de seus soco e empurrões violentos que logo emborcavam algumas barcas para baixo. Os que caíam, nadavam rapidamente para sobreviver e segurar nos destroços de madeira.


-Maldita criatura, como pode revidar?!


-Será possível que não há adversária a altura dela?!


-Além de maligna também é tira-prosa!


-Contenham-se! Já passamos da hora do espanto! - Ordenava Hildegardo Camilo, reunindo forças para manter o comando e soltar fogos de artifício para que todos preparassem um contra-ataque, sem tempo a perder.


-Aquela que fez minha gente perecer... Boiúna! - Murmurava Pedro. Também ele acreditou que tal criatura tinha ver com desaparecimento de seu pai e o naufrágio de tantas pessoas conhecidas e sua presença modesta chamava a atenção dos outros pescadores que o conheciam como filho daquela senhora que permanecia diante do quadro de Nossa Senhora; no desfiar das continhas do terço, a alma voava para longe e assim como Abaruna rasgava escuridão e levava consigo as memórias do primeiro filho e do marido até se assustar com o distante barulho dos fogos e os trovões inesperados.


-... Agora e na hora de nossa morte amém! - Rapidamente Dona Rosaura fechou a janela do seu quarto e agarrou o terço como se agarrasse no o filho que navegava durante a turbulenta travessia. Ainda reinava nele a culpa por deixar seus companheiros adormecidos na praia, mas Pedro não tinha como voltar atrás. "Essa é a noite que meu pai teve a barca revirada. Cheguei ao ponto onde ele parou!" Murmurava o jovenzinho que se tornava um dentre tantos a investir contra a serpente.


         Mesmo sofrendo e emitindo sons desagradáveis aos navegantes, a Boiúna se utilizava de modos traiçoeiros para revidar, como varrer inúmeras embarcações com a cauda e vomitar rios de água sobre as demais. Que dizer do momento terrível em que seus olhos que mudaram de cor e lançaram raios de fogo para incendiar as velas dos navios do Rei? Ah, como se divertia com o pânico dos tripulantes que tentavam apagar o incêndio e simultaneamente derrotá-la enquanto Odivelas reunia forças para se exaltar perante a autoridade do rei.


-Por vossa esposa e filha, retornemos à terra firme! Não há como derrotar esse espécime, não há como! Retornemos por favor...


-E deixar os navegantes à mercê de sua liberdade?! Ora, não banquemos os covardes! Sigamos adiante que uma hora esse monstro cairá aos nossos pés! - Respondeu a Sua Majestade com a coragem incentivada justamente pelo bem de seus súditos, de sua própria família e da revolta pela Boiúna que ameaçava. a tranqüilidade de seu reino; tudo ressoava pavor enquanto Abaruna chegava e se deparava com o olhar endurecido de Pedro a remar adiante.


         Abrindo suas belas asas, Abaruna avançou por trás da serpente e desferiu-lhe um golpe valente no pescoço, fazendo a vomitar água para longe e dando vantagem aos navegantes; se faltava munição, pedaços de madeira e mastros serviam de munição enquanto o rei comandava as investidas. Os pescadores atacavam com suas espingardas e vibravam a cada ferida na serpente teimosa, procura de alguém. "Aquele um tem que estar no meio desses aí não é possível! Sibilava a criatura enquanto se atrapalhava com o brilho de Abaruna que formava um imenso círculo de fogo ardente que girava em torno dela, provocando-lhe enorme sofrimento em sua visão, além de temor e raiva. "Argh! Até por aqui ameaças meu poder!"


-Aí vem o fim de tuas maldades, tamanho poder não te adiantou! Chega de ameaçar e destruir por mero prazer! Renda-se enquanto é tempo!


-Não obedeço, não consinto nem jamais te obedecerei! Olha seu tamanho pro meu, achas mesmo que da floresta és rei?! - Desafiava a serpente, que mesmo gigantesca e valente carregava uma fingida felicidade que não correspondia à sua própria verdade. -Nunca me renderei á ti, passarinho desinxabido! Sente só o meu poder! - Aos que chegaram a ter uma cobrinha de brinquedo que se mexia e saltava movida por uma cordinha, devem imaginar o estrondo causado pela Boiúna em mais uma investida surpreendente aos que davam- na por vencida enquanto Pedro seguia remando.


     Eis que a Boiúna cambaleia com as bombas e feridas presentes em seu corpo escamoso, mas ela não se dá por vencida. Como alguém que desarruma uma gaveta e joga tudo no ar enquanto procura o que perdeu, ela ainda buscava daquele que também conquistaria o tesouro que uma vez possuíra e perdera por conta própria. Sem meio termo, ou destruiria Pedro ou reduzi-lo-ia aquilo que havia se tornado com o tempo: Uma criatura amargurada e danificada com o tempo.


"Aquele um que eu quero... Esse! Justamente esse!"


-Essa criatura sibilou alguma coisa? - indagava um navegante quando viu Pedro junto deles.


-Que faz esse caboclo numa canoa velha dessa?! Perdeu a noção do perigo?


-Sai de perto do menino! - Protestava um dos pescadores. - É falta de amor à vida?! Protestava um dos pescadores, mas Pedro não dava ouvidos aquela gente e remava bravamente até ver a Boiúna serpentear em sua direção e elevar o nível do rio com a água que vomitava.


-Guardas, atirem!!! - Ordenava o rei Hildegardo Camilo aos integrantes de seu navio e as demais embarcações. De todos os ataques sofridos, o que mais enfureceu a Boiúna foram os tiros de Pedro que acertaram seu pescoço em cheio e fazendo-a soltar um barulho terrível que por pouco não ensurdeceu quem tomava parte naquela batalha.


-Te entrega Boiúna, você já perdeu! - Gritou Pedro em meio à nova saraiva de tiros de canhão. -Serpente do cão, vem ver o que tenho pra ti!


   "Ora se perdi! Eu também tenho algo para ti... Que nunca mais olvide de meu poder!" Furiosa, ela mergulhou por baixo dos navios para varrê-los longe dali e atirá-los no ar. Pela gravidade da situação, Pedro tentou recorrer ao auxílio dos navegantes quando sentiu uma estranha movimentação por baixo da canoa; era a Boiúna que elevara a pequena Murmura-Rio a uma imensa altura e sacudia várias vezes sua cabeça até derrubá-la! Teimando em viver, o caboclinho ainda atirou por todos os lados até ser ofuscado por um brilho alaranjado e perder a consciência. No momento em que Pedro caíra entre destroços de embarcações, dona Rosaura desfalecia com o rosário em mãos após a Salve-Rainha.


"Deus te abençoe e guarde meu filho... Meu menino..."


    Às 3 horas da madrugada, a Boiúna mergulhou pela última vez e foi dada como morta; dessa vez os fogos de artifício eram soltos para comemorar a vitoria e alguns pescadores planejavam como ostentar a caça mais espantosa já capturada em Rio Adentro e os produtos que poderiam ser feitos a partir de sua carcaça enquanto outros se empenhavam para resgatar aqueles que não sabiam nadar e se seguravam nos destroços. E Juripuri se esvaia daquele corpo com tudo que restava de seus poderes e já procurava outra vítima, que girava de um lado a outro enquanto dormia.


"Aquele um já foi. Quando o outro despertar, vou levá-lo também!"


 



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Autor(a): Ginny Potter

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 2



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  • Magda Postado em 07/04/2019 - 15:41:35

    ah, eu tenho uma fic baseada em tvd com o casal vondy, caso vc se interesse de ler: https://fanfics.com.br/fanfic/24829/memorias-de-uma-vampira-diego-finalizada

  • Magda Postado em 07/04/2019 - 15:40:48

    oiie, leitora nova! se quer uma dica, nao posta tudo de uma vez nesse site. Vai postando ao pouco, uns capitulos por dia ou mesmo por semana, tudo de uma vez o proprio site não divulga mt ai vc perde a chance das pessoas verem. Beijito!!


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