Fanfics Brasil - Detém-te! Abaruna

Fanfic:  Abaruna | Tema: Original


Capítulo: Detém-te!

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-Pedro! Pedro, onde estás?! Apareça! – De manhã cedo, D. Alexandre não tivera problemas com o próprio alojamento. Tudo estava em seu devido lugar, menos o vigia e as embarcações que há várias horas haviam desaparecido. – Tomásio, onde está Pedro?! Já não me basta perder três cavaleiros...


-Tem calma, ele deve estar por aqui!


-Ter calma, nessa floresta aonde tudo acontece?!


-Duvido que ele tenha abandonado o senhor, capitão! Admito que nele vi mais fidelidade do que em Jeromão e os outros desertores...  – Respondeu Tomásio. Preocupados, os dois cavaleiros sentaram-se novamente enquanto Corre-Campo e Crina Negra esperavam por novas aventuras e sentiam a falta do caboclinho. Há dias não comiam outra coisa que não fossem frutas e estavam tão enjoados delas que decidiram obter carne de alguma forma, nem que fosse de tatu.


-Ei, e o lenço daquela sua admiradora? Esqueceste dela?


-Que admiradora? Aquilo não passava de um lenço velho, joguei fora porque incomodava meu bolso. Além disso, penso todos os dias em Berenice e espero dar o melhor de mim nesta missão!


-Ora, não me diga que... Já dizia Camões, "Amor é fogo que arde sem se ver"!


-E se amo Berenice, que tem o meu amor com sua opinião? Ora, vamos à caça! - Foram as últimas palavras de D. Alexandre antes de sua nova aventura, pois Tomásio ficou no alojamento para ver se Pedro não retornaria. Quem sabe se ele também não fora atrás de carne? Como não sentira os abalos da noite anterior, D. Alexandre viajava em seus pensamentos recém-enamorados por Berenice; tudo ao seu redor lhe encantava, do rouxinol aos macaquinhos que pulavam de cipó em cipó, a onça pintada que amamentava seus filhotes, o revoar das borboletas e um manso veado-mateiro a se alimentar do capim orvalhado.


-Devo estar sonhando... Um veado-mateiro por aqui! Hoje é meu dia de sorte!


           Mesmo destoante dos outros animais, aquele veado de olhos doces e ingênuos era tão belo que parecia ter vindo dos contos de fadas europeus e por algum momento D. Alexandre sentira pena por ter que abatê-lo, mas logo teve sua visão hipnotizada e sua fome aguçada por aquela criatura que também mirava fundo em sua direção! Bem que os parentes lhe diziam que carne de veado-mateiro era a melhor que havia acompanhada de molho amanteigado, portanto beleza ou meiguice alguma apaziguavam tamanha fome de conquista!


-Fique bem mansinho… Vou golpeá-lo de uma vez… - Respondeu D. Alexandre com a espada erguida no ar. Vendo-o se aproximar, o veado-mateiro correu velozmente obrigando o cavaleiro a segui-lo mata adentro. Consumido pela fome de tal forma, nada importava se Abaruna, Pedro ou Berenice estariam bem ou se perdera! Ou satisfazia a fome ou seria devorado por ela! A cada galope do Corre-Campo também enfeitiçado, ele seguia com a espada erguida para o alto sem atentar por onde ziguezagueava com o veado-mateiro.


-De mim você não escapa! Te pego com um só golpe!”


        "Caíste direitinho! De mim que você não escapa e agora vai se juntar a Pedro lá no fundo do rio graças à tua fome desenfreada!"


-Avante Corre-Campo, não o perca de vista!


“Quero ver se Abaruna vem agora… Vem Abaruna! Vem se tem coragem!”


-OUTRA VEZ, NÃO! - De seu nicho, Abaruna escutou o chamado traiçoeiro que ameaçava D. Alexandre e chamou Dinahi com o bater acelerado de suas asas. - Pequena, o mal não sossegou e você deve aguardar aqui; dá-me teu carinho pois talvez eu não lhe veja novamente...


-Não me ver?! Abaruna me deixe ir com você, eu posso te defender!


-Por amor de teus irmãos, aguarde aqui! Não sei se voltarei, por isso afague-me para que eu leve teu amor comigo! - E Dinahi acariciou suas penas e beijou-o, inconformada por ver seu amigo partir novamente. Quando ele partiu, ela não se contentou em perdê-lo de vista e foi tomada pelo forte desejo de acompanhá-lo mais uma vez; desejo de criança sem ser apaziguado vira uma chama crescente que não sossega até incendiar todo o arredor. Sempre mirando o céu, braços e pés pintados se desprenderam da terra até planar livremente no céu, transformando o faz de conta em realidade.


-Ah, faça-me o favor! Por onde estou indo?! - D. Alexandre pensava enquanto cavalgava rumo à cena mais espantosa de sua vida. De propósito, Juripuri lhe desencantara para que tarde percebesse a armadilha desenfreada em que fora colocado; distanciou-se tanto que levaria vários dias para regressar á praia!


-Freia Corre-Campo, freia! Deixe-me frear!


        "Ah como sou esperto! Viva minha esperteza que levou um e levará outro pro rio!", empolgava-se Juripuri sem se dar conta do próprio desencanto. Já nas proximidades de uma cachoeira, ele perdia sua forma de veado-mateiro, conservava os chifres e criava pés de salamandra; formava-se a verdadeira criatura que levaria D. Alexandre ao seu trágico fim. Ele mesmo que fora o maior cavaleiro de Angustura em sua geração se via cansado, sujo, aflito e com forças somente para mirar o céu e pedir o que não tinha costume de pedir.


-Valei-me... NOSSA SENHORA!


Cinco minutos para o meio-dia. Dinahi sobrevoava na imensidão azul á procura de Abaruna e sofria com o calor; subira tão alto que duvidava se estaria muito perto do sol ou ele mesmo descera á terra. Mais adiante, formava-se um quadro belíssimo: certo cavaleiro de Angustura perseguira uma estranha criatura quando a mesma despencou entre as águas da cachoeira e gemia enfurecida ao ver a queda de seu oponente sendo freada com as patas traseiras de seu querido Corre-Campo.


-É cariua... Que faz ele atrás de Juripuri?


-Valei-me Nossa Senhora, não me deixe morrer... Aceito e faço qualquer coisa, mas não me deixe morrer! Não me deixe... - Com os olhos fechados, D. Alexandre estava amedrontado demais para agradecer pelo freio milagroso; que Nossa Senhora o deixasse viver para pedir perdão à Berenice por sua não gentileza e confessar o seu amor.


-Medo, detem-te! Águas da cachoeira, cessem seu curso!


     E Abaruna resplandecia glorioso com seus raios de luz direcionados á cachoeira. Detém-te era a palavra de ordem, não havia olho que resistisse á tanto brilho! Brilho esse que Dinahi conhecia e amava, mas não poderia se aproximar até o desencante; entre o medo de morrer e a esperança de salvação, desencantar cavalo e cavaleiro de uma corrida desenfreada era tão difícil quanto conduzí-los para longe da cachoeira que secara, permitindo o caminhar.


-Detém-te Alexandre! Retorne ao teu caminho... Isso Corre-Campo! Leve teu cavaleiro para um local seguro!


-Abaruna meu! Sai de perto, caruia quer lhe matar!


-Por Deus, onde vim parar? - Murmurou D. Alexandre ainda ofegante quando avistou o horizonte iluminado onde Abaruna destacava-se pelo encanto. Aos olhos do cavaleiro, abria-se um mundo alaranjado de ponta a ponta dos rios aos céus. "Nem Berenice acreditará que eu estive aqui! Ah, se eu pudesse trazê-la aqui ou levar um punhado deste brilho para ela!" Ele suspirava. Mesmo correndo perigo, Abaruna fazia questão de elevá-lo a realidade de um mundo que aparentemente não existia, mas poderia existir uma vez que o desejasse.


      Terminado o êxtase milagroso, Corre-Campo e D. Alexandre já estavam longe da cachoeira. Por quanto tempo estiveram naquele lugar? Algum dia passaria por aquilo de novo ou tudo não passara de um sonho? Que importava, estava vivo e revigorado! Esquecido de todas as normas, o jovem cavaleiro pulou do Corre-Campo para abraçá-lo, beijou o chão enlameado que ainda conservava as pegadas da corrida e agradeceu inúmeras vezes á Nossa Senhora por estar salvo da morte certa. Protagonizar um milagre, quem diria!


     Em terra firme, Dinahi se escondera nos arbustos e preparava sua lança para surpreender o tal cariua embora visse um pouco de si mesma nele, antes pensara em atirar-lhe uma pedra, mas decidira atacar sem alarde para que D. Alexandre fosse pego desprevenido. Entre um nó e outro, pensava em seus irmãos como guerreiros valentes ao seu lado para defender a floresta de “cariuas maus” que saqueavam seus tesouros. Mas existia uma voz dentro de si, questionando sua impaciência e chamando-lhe a atenção pela docilidade no falar.


-Pequena flor, você não me esperou!


-Abaruna, és tu! Não podia esperar, cariua mau anda atrás de ti!


-Tive que ser rápido, senão ele cairia no abismo e se perderia. Sabia que você teria medo de me perder e viria atrás de mim, por isso quando parti a primeira vez deixei parte de minha vida vivendo em você para não sofrer tanto. Mas agora é minha hora, devo sujeitar-me aos que precisam de mim!


-Por isso salvaste cariua e toda aquela gente. – Em sinal de respeito, Dinahi ajoelhou-se e apertou seu muiraquitã junto ao peito, onde Abaruna lhe falava. Sem dúvida, ele não pertencia a ela somente; era o pássaro guardião de todos e deveria agir como tal, destinando-se aos seus. – Chegou a tua hora...


-Pressente Dinahi? Logo não estarás sozinha. Teus irmãos estão perto!


          Á principio o susto. Desde o inicio, a pequena destinou-se a procurar os irmãos e trazê-los de volta á tribo, mas não imaginara o que faria caso os reencontrasse. Como partiram no dia de seu nascimento, eles não poderiam reconhecê-la e se talvez conservassem a raiva por sua existência e as antigas ordens do pai Aritana! Dinahi fez menção de doar-lhe o muiraquitã, mas Abaruna não permitiu e confortou-a com suas asas.


-Confie Dinahi, confie nesse pressentimento e saiba que mesmo partindo, estarei sempre contigo. E quando encontrar ao menos um de teus irmãos, levante teu muiraquitã e se apresente como te ensinei. Se forte Dinahi!


-Serei forte sim! Por amor de meus irmãos e por Abaruna meu que vive em mim! Abaruna meu... Abaruna meu!


-Agora foge Dinahi! Foge que tem gente atrás de ti! - E no melhor da despedida, ambos foram interrompidos por uma flecha vinda sabe-se lá de onde. Dinahi obedecera Abaruna correndo pela mata á procura de um esconderijo pois não seria capaz de deter flechadas velozes, mas esperava que tudo desse certo como prometido. Ele, tão forte e aguerrido, porque não escaparia?


        Treze horas e vinte e três minutos. Forte dor ecoou por toda a mata, gerando calafrios e bastante temor em todos os seres; os peixes cessaram seus pulos, os pássaros deixaram de cantar, os viajantes estremeciam de pavor e no arbusto onde se escondera, Dinahi recordava a mãe lacrimosa ao contar sobre os doze até sobrevir-lhe o desmaio. Abaruna se debatia para se livrar da flecha que ferira sua asa direita até cair no meio das folhagens enquanto D. Alexandre passava com Corre-Campo e ver agonizar.


-Por Deus! Será que... Como sofre tanto, não posso deixá-lo sozinho! Vem meu amigo, seja bonzinho que cuidarei de ti! – Rapidamente, D. Alexandre tirou o ungüento do bolso e retirou-lhe a flecha de sua asa e estancou-lhe o sangue escorrido até se dar conta de quem cuidava; que outra criatura renovar-lhe-ia a sensação do êxtase vivido senão aquela que fora prometida á Berenice?


-Então... Abaruna és tu! Eu te encontrei! E eu que deveria caçar-lhe, encontrei-te ferido e agora cuido de ti!


   Obviamente, sua alegria era contida pela ave ferida que não poderia ser trazida á princesinha naquele estado; se era um pássaro miraculoso por que não regenerava a si mesmo? Tais questões viriam mais á frente. Quantas coisas a se preocupar! O regresso para Angustura, a reação de Berenice, o estado da bela ave, o conflito a ser travado com os quatro cavaleiros desertores de sua missão... E a memória de Pedro a quem julgava perdido de vez e jamais reencontraria em suas missões, uma vez que viviam em realidades distintas e pouco saberia dele, um caboclinho dentre tantos de Rio Adentro.


E no sétimo dia, ele acordou...


-Mamãe... Mamãe!


-Coração ainda bate, ouça… Meu Pedro, você vive!


-Psiu! Deixe-o dormir, ainda está delirando…


-Pobrezinho, tanto tempo na água deixou-o assim!


-Humano sem vergonha! Como pode escapar de mim?!


        Aos cuidados de Estefânia, Pedro ardia em febre e se confundia com as diversas vozes ressoadas ao seu redor; vozes que o amavam e dariam sua vida por ele ou praguejavam contra sua sobrevivência. Mas aquele que ouvia, estava vivo para concluir a promessa e rever a mãe um dia! O tanto de histórias já vividas durante aquela jornada que contaria aos demais, sob o olhar amoroso e feliz de dona Rosaura, os afagos da esposa que um dia teria e dos filhinhos… Tanta maravilha para sonhar!


-Estefânia… Meu coração bate. Sinal que não morri!


-Portanto, bem-vindo á vida! - Anunciava Estefânia ao seu querido afilhado. Cessada a febre e recobrada a consciência. Pedro se viu dentre vários homens ali socorridos numa enfermaria. Uns lamentavam por aqueles que não haviam sobrevivido, outros continuavam atônitos pela aventura vivida no rio e na parede, um bonito brasão de armas adornado com fios de ouro se destacava. Bem que ele conhecia esse símbolo!


-Estefânia, como cheguei aqui? E Alexandre, o Tomásio estão aqui?


-Assim que o corpo da Boiúna desabou, fez-se uma grande operação para resgatar os náufragos e trazê-los para cá, não importava quem fosse.


E fiz você estar entre eles, boiando nos destroços de Murmura-Rio e te trouxeram aqui, molhado febril e com dor de cabeça...


-E disso tudo só me lembro de encher o pescoço daquela malvada de tiro antes de apagar... Estefânia me deixa sozinho um instante?


-Te deixo sim. Você já adivinhou onde está?


-Adivinhei... - Enquanto Estefânia voava até um pote recheado de doces. Pedro fechava os olhos novamente e respirava fundo; certamente era o mais silencioso e feliz dos enfermos até ouvir a saudação de outro, ansioso por notícias de seus companheiros e do filho aspirante.


-Bom dia garoto! Feliz por ter escapado? Ah, isso é só o começo!


-Começo do quê senhor? Ai minha cabeça...


-Sou Jerônimo dos Anjos, pertenço à cavalaria Real e pelo visto, você quer ser um de nós. Mas por quê? Pensa que é fácil assim, só querendo?


-Uma promessa de meu pai e mais uma coisa me fez querer, sabe? É uma história longa, você nem imagina!


-E você precisou dessa jornada toda para cumprir algo que nem é seu, mas dos outros? Que fim levou seu pai?


         Tantas perguntas e uma cabeça dolorida! Pensando bem, aquela jornada vivida era um tanto absurda; estava tão longe de casa e de sua vida tranqüila, arriscara a vida numa floresta e deixara a mãe sem notícias suas, perdera a antiga barca Murmura-Rio para estar numa enfermaria repleta de desconhecidos e um senhor perguntador... E ele nem era nascido quando o pai prometeu! Foi então que surgiu a resposta mais bonita que a saúde lhe permitia criar.


-Me perdoe se te desencorajo, mas é o que penso. Certas decisões e atitudes devem ser bem pensadas antes de partirem da gente e... Está chorando?


-Choro de feliz sabe? No fundo eu precisava dessa aventura toda, para crescer. Agora que cheguei aqui, voltar pra trás e desistir? O senhor me desculpa mas não posso deixar essa promessa pela metade. Não só pelos que deixei, mas por mim... É uma fogueirinha que nasceu comigo, sabe? Não surgiu do nada ou porque meu pai fez a promessa. Claro que seria feliz se eu ficasse em Rio Adentro, mas não tanto se eu não chegasse até aqui.


-E esta fogueira se acende através de uma profissão, um amor, um destino, uma aventura... Um chamado natural à conquista de tudo isso!


-É desse jeito! Égua, tu completaste meu pensamento! - Novo silêncio na enfermaria. Alguns feridos se exaltavam e pediam ajuda aos enfermeiros para se levantar e trocar curativos enquanto Jerônimo dos Anjos refletia sobre o jeito como Pedro falava e levava sua imaginação até sua própria fogueirinha.


-Este é o pensamento de um verdadeiro Cavaleiro. Quem dera se eu ainda tivesse uma fogueirinha, mas como não tenho vejo se apago a dos outros...  Eu sou terrível, nem tenho meu filho junto de mim...


-Calma que ela ainda está em ti. Um pouco apagadinha, mas dá pra acender! - Pedro brincava quando um rapazinho de muletas e pé enfaixado se aproximou do leito de Jerônimo com certa dificuldade e felicidade no olhar. – E agora que seu filho chegou, a fogueirinha não se apaga mais!   


-Meu pai, o senhor está vivo!!!


-E eu não estaria? Ora essa Antônio, que faz por aqui?


-Égua! - Exclamava Pedro. – Isso é jeito de falar com teu filho?


-O senhor não sabe?! Nosso Alexandre Fuas Nolasco regressa hoje mesmo para cá e vem trazendo o pássaro miraculoso para cá!


-Ora dê-me um abraço, que bom lhe ver novamente!


         Enquanto pai e filho protagonizavam seu belo reencontro, Pedro se alongava de todo jeito até perceber que poderia ficar em pé. Uma vez que estava na enfermaria da Cavalaria Real, daria um jeito de pedir ajuda para se tornar aspirante. Um passinho era dado enquanto a maioria descansava; que satisfação reencontrar seu chapéu, as botas e a espingarda, Estefânia pensara em tudo! "D. Alexandre já cumpriu sua jornada, me alegro por ele e agora cumpro a minha!"


       Aos poucos, a enfermaria se esvaziara para priorizar os feridos em estado grave; Jerônimo e Antônio instruíram Pedro a atravessar o pátio como se estivesse de saída e seguir noutro corredor onde ficava a sala de inscrição e apadrinhamento dos aspirantes por algum veterano. Vestindo uma capa marrom-capuchinha, ele se encantava com o pátio bonito, o corredor iluminado e as vitrines onde ficavam espadas, troféus e medalhões de todos os tamanhos.


-Leva muito tempo pra virar cavaleiro?


-No máximo seis meses e uma formação continuada. Tens sorte, estamos no mês das inscrições! Só tenha cuidado porque nem todos os veteranos se dispõem a apadrinhar, até pregam peças nos aspirantes, trocam o letreiro de uma porta por outra... - Respondeu Jerônimo enquanto se despedia com o filho.


        Os cavaleiros reuniam-se diariamente no pátio para conferir em qual função atuariam naquele dia, seja na enfermaria, vigilância no palácio ou expedições na floresta, então interrompidas por conta de D. Alexandre. Através de uma e outra escada de mármore, Pedro chegava a segunda parte do quartel cujas portas de bronze eram ricamente detalhadas e protegidas por um e outro guarda; logo mais seguia o grupo de cavaleiros anciãos sem ser notado até avistar uma porta cujo letreiro dizia: "Sala de inscrições". Tinha que ser ali!


-Se é aqui... - De fininho, ele abrira a porta de bronze e fechava-a novamente. Fácil acesso, porta fechada, sobrevivente presente... Não era sorte demais até então?


-Ah, essa geração que se diz veterana! - Reclamava um ancião. - Hoje mesmo aprontaram com um garoto logo na inscrição, já não temos cavaleiros como antigamente! Centrados em suas missões ao invés de molecagens...


-Não perca a confiança, creio que essa geração também conta com bons exemplos!


-Deus te ouça, porque do jeito que as coisas estão...


          Como Pedro que se esgueirava naquele salão, Dinahi reencontrava a floresta dias depois que Abaruna fora levado dali. A ausência sentida foi tamanha que ela se esqueceu de parte do ele dissera na despedida e se pôs a perguntar às árvores, pássaros e bichos sobre o paradeiro de seu amigo adorado. "Ele não está mais aqui!", "Foi tirado de nós!", "Conforme-se!", "Se ele não existiu?", "Será que não foi sonho?", era o que lhe diziam até reencontrar a certeza da proximidade de seus irmãos e a vida de Abaruna que vivia nela. A natureza, calma e bela retomava seu curso e lhe fazia crer; tudo estava bem. "A vida dele vive em mim!"


-Renda-se! Território proibido para ti! - Bradou um jovem moreno de cabelos lisos que apontava uma flecha em sua direção. Há quanto tempo Dinahi não vira outro ser senão Juripuri e o tal cariua, mas não se conformaria com tal ameaça.


-Tu feriu Abaruna! A natureza quem diz, foste tu!


-Renda-se! Não terei piedade!


          Rapidamente Dinahi tomou sua flecha e começou a lutar, vingando a ferida de Abaruna naquele que lhe agredia sem reparar na semelhança existente em seus amuletos. A briga feroz trazia-lhe de volta aos primeiros dias de solidão na floresta, quando não tinha a quem recorrer e lutava com as feras sem garantia de sobrevivência; em dado momento Dinahi pulou em cima de seu oponente e ambos se engalfinharam como duas onças a disputar sua caça. Quão tamanha era a raiva! Um descuido a mais e ela o golpeou na barriga enquanto a lança voava longe; mais um pouco e furava aqueles olhos!


-Minha flecha! Ah, maldita cunhatã!


-Assim faz Aritana com o inimigo! Diz onde está Abaruna, diz! - Ordenava a pequena. O jovem se arrastava com a mão na barriga e trazia assombro em seu olhar; em seguida apontou para o muiraquitã.


-Aritana... Ele te deu muiraquitã! Nenhuma tribo tirando a minha...


-Mãe Irecê me deu quando nasci e meus irmãos fugiram. Eu sou Dinahi!


-Não! Por Tupã, por Tupã, não!


-Não? - Era a vez de Dinahi se assustar ao ver o jovem se levantar e correr ao seu encontro. Não era mais o oponente, mas alguém que ao longo de oito anos quis conhecê-la, mas isso não lhe foi permitido. - Teu muiraquitã!


-Tupã me manda dizer, sou Moacir de Aritana e Irecê! Sou o sangue de teu sangue... Perdão! Perdão!


-Irmão Moacir! Moacir! Moacir que me feria... Meu irmão! Porquê?


-Quando nós escapamos, Abeguar nos fez jurar que nos vingaríamos de toda cunhã que cruzasse nosso caminho. Pai Aritana quis se livrar de todos se tivesse uma filha e por isso fugimos. E eu... Jamais quis eliminar sangue inocente, mas o passar do tempo me consumia... Devo te deixar, sou indigno de ser teu irmão!


-Moa, é por ti que estou aqui! Por meus irmãos... Mãe Irecê chora por ti!


-Pois vem, te levo nos ombros e combinamos o que fazer. Enquanto não souberem de você, vou te proteger como manda Tupã!


         Moacir tinha uns quinze anos e era muito pequeno quando escapou com os seus irmãos. Os mais novos eram treinados e embalados pela mágoa dos mais velhos a partir de Abeguar, o primogênito que por trás de uma cachoeira construiu uma pequena maloca onde a natureza lhes provinha alimentos e água fresca para sobreviver, mas nada os assombrava tanto como o fato de viverem exilados por conta de uma mulher e o plano de Moacir ela profundamente arriscado e desafiador perante a autoridade deles.


-Um dia isso aconteceria, mas não imaginava ser possível... E tu?


-Também não. Pensava em encontrar e fui encontrada...


-E nunca tiveste medo da floresta, nem da gente?


-Não tive. Passei por muito, mas tive Abaruna e tenho até hoje, embora não o veja mais...


-Andava atrás de caça e minha flecha atingiu teu Abaruna! Quando o vi, lá ia ele nos braços do cariua! Mas a gente ainda encontra um pássaro como ele...


-Um como Abaruna? Impossível...


-Chegamos. Fique em pé e siga-me! - Moacir desceu a pequena dos ombros e atravessou a cachoeira. Ali, a maloca construída no meio de um paraíso e dois corações pulsando forte a cada passo.


-E mãe Irecê, como está?


-Desde que nasci, mamã vive triste e quieta e eu era filha única. Só cantava pra me fazer dormir e de vez em quando sentia uns vultos perto dela, doze vultos de curumim ela dizia. Sai da tribo sem que pai Aritana soubesse, pois ele nunca me contou dos meus irmãos até que descobri, peguei muiraquitã e parti...


-Te esconde Dinahi, eles já vêm aí! – Ordenou Moacir indicando um buraco no fundo da maloca; “Esconde-esconde de novo?!”, murmurava a pequena enquanto surgia a revoada vermelha de onze araras que se transformavam em doze bravos guerreiros de arcos, flechas e tacapes em suas mãos ao pousar; todos liderados por Abeguar, jovem cacique que impunha respeito e temor.


-E então Moacir, como foi tua caça?


-Nada encontrei meu irmão, não estamos em época boa de caça...


-Desde que acertaste aquele pássaro, parece que as matas já não oferecem nada para caçar, nem mesmo as aves! – Lamentava Jucá de mãos vazias.


-É a natureza fazendo justiça sobre os erros do homem, seja índio ou cariua. Além disso, deveríamos esquecer esse juramento absurdo já que não encontramos mulher alguma nesses anos todos!


-Que dizes Moacir? -Indagou Abeguar. – Por uma mulher perdemos nossa vida!


-Também é por uma mulher que hoje existimos e somos descendentes de Aritana! A natureza não quer sangue inocente em seu chão!


-Assim desafia minha autoridade! Pois não contrarie teu irmão!


-Acima de tua autoridade de irmão, vem a de meus pais e de Tupã que sempre zelou por nossa vida! E Tupã me destina a defender quem não tem culpa de nossa desgraça, como nossa irmã inocente que já sabe de nossa história e carrega consigo um fardo desnecessário! Pode me expulsar, mas abro mão desse juramento! Por sinal, foste tu que escolheste e levaste todos a deixar nossa tribo e nossa mãe!


        Inúmeros sentimentos, pensamentos e batalhas contra o passado povoavam Abeguar que embora primogênito sempre fora o rebelde de seus irmãos, desafiando ele mesmo a rigidez de seu pai, sem se por de acordo com ele. Por medo e mágoa havia fugido e arrastado seus irmãos consigo, sem crer no diálogo e no carinho materno capaz de mover corações. Ubiratan, Cauã, Apoena, Jucá, Guaracy e Iberê foram os primeiros a se juntar com Moacir enquanto Raoni, Rudá, Kabianã e Acauã relutavam e pediam tempo para pensar.


-Pois bem, a razão está ao teu lado. Por Tupã, abro mão do antigo juramento e também desejo saber o que lhe gerou tal mudança!


-Mudamos todos os dias, como o sol e a lua mudam seu curso. Até então não encontrava sinal que confirmasse o que acontecia dentro de mim e quando encontrei, ainda era cego pela raiva e em favor dela lutei até reconhecer nela o sinal que tanto esperava e trouxe-a para cá.


            Em silêncio, Moacir afastou-se para a parte funda da maloca onde Dinahi se aprontava e corajosamente tomou-a pela mão. Ambos combinaram deixar tudo em aberto, sem esperar abraços ou ataques até que Abeguar e seus irmãos avistaram a pequena e reconheceram nela a verdade; aquela menina era filha de Aritana e Irecê que tanto odiaram quando crianças sem ter a chance de conhecer e sob o qual nenhum fardo ou castigo deveria ser imposto em seus ombros.


-Eis o sinal de Tupã. Nossa irmã Dinahi que veio nos resgatar de nós mesmos, sangue de nosso sangue em nosso meio!


-Moacir... Dinahi... Aaaaahhhhh!!! - Outrora líder imponente, Abeguar se lançou ao chão com os olhos ardentes de lágrimas e dores reavivadas enquanto os irmãos se dividiam entre socorrê-lo e acolher a pequenina emocionada entre afagos e pedidos contritos de perdão. - Por Tupã, caiam relâmpagos sobre mim!


-Ó Tupã, não caia! Não castigue Abeguar!


-Tem cuidado Dinahi! - Alertava Moacir, mas Dinahi queria mesmo era vê-lo. Por fim, ele teve de ceder e Dinahi se aproximou do irmão que se recompunha do choque; depois de enfrentar e perder tanto que mais deveria perder? Os demais já não sabíamos quem era a criança necessitada de colo e remédio, por isso reuniram-se em torno deles e entoavam uma velha cantiga para que Abeguar também fosse liberto de todo fardo e castigo imposto ainda que lhe custasse tempo e o auxilio de uma criança. "Abeguar querido... Meu irmão, meu irmão!"



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Autor(a): Ginny Potter

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 2



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  • Magda Postado em 07/04/2019 - 15:41:35

    ah, eu tenho uma fic baseada em tvd com o casal vondy, caso vc se interesse de ler: https://fanfics.com.br/fanfic/24829/memorias-de-uma-vampira-diego-finalizada

  • Magda Postado em 07/04/2019 - 15:40:48

    oiie, leitora nova! se quer uma dica, nao posta tudo de uma vez nesse site. Vai postando ao pouco, uns capitulos por dia ou mesmo por semana, tudo de uma vez o proprio site não divulga mt ai vc perde a chance das pessoas verem. Beijito!!


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