Fanfic: A Dama do Coração Partido | Tema: Sherlock Holmes

Nada como uma boa refeição para melhorar o dia, e o almoço preparado por Claire estava mesmo delicioso. Todos nós comemos e repetimos até nos fartar, o que deixou a cozinheira muito feliz.

Após o almoço, Benningfield foi cuidar de seus vários afazeres, já que ele, assim como Claire, tinha assumido outras funções depois de os demais empregados terem ido embora com medo das supostas assombrações. Nós, por outro lado, voltamos para a sala de estar, juntamente da cozinheira, e tivemos uma conversa rápida.

- Então, Sra. Claire...

- Não precisa de tanta cerimônia, pode me chamar só de Claire. – disse a simpática cozinheira.

- Certo... Claire. – continuou Holmes – Robert Benningfield nos disse que foi a senhora quem encontrou sua patroa desacordada. Por acaso ouviu algum barulho que a fez se levantar essa noite?

- Não, senhor. Depois de várias noites turbulentas, tudo estava bem tranquilo. Eu apenas acordei com sede e me levantei para pegar um copo d’água na cozinha, quando vi a senhora caída. Eu costumava dormir no alojamento dos empregados, aqui no andar térreo, mas quando todos se foram, a Sra. Emma pediu para que eu ficasse no quarto de hóspedes, ao lado do dela. Assim seria mais fácil para ajudar com a menina, caso fosse necessário.

- Mas nas outras noites, a senhora também ouviu os barulhos estranhos?

- Sim! Várias vezes fomos acordadas com barulhos de coisas sendo arrastadas e às vezes quebradas, mas nunca tivemos coragem de ver o que era. Como o Robert continua dormindo no alojamento dos empregados, seu quarto fica meio distante e não dá para escutar nada de lá. Queríamos pedir para que ele fosse ver o que estava acontecendo durante as madrugadas, mas tínhamos medo de sair de nossos quartos. Quando contamos para ele sobre os barulhos, ele também ficou preocupado e até passou algumas noites na sala, mas não chegou a presenciar nada de estranho.

- Compreendo. E onde toda essa “atividade sobrenatural” acontecia com mais frequência?

- Sempre foi no mesmo lugar, no escritório do Dr. Edwards.

- Somente lá?

- Aparentemente sim. Os barulhos pareciam vir sempre de lá.

- E podemos vê-lo?

- Mas é claro, venham comigo. O escritório fica lá em cima, no mesmo corredor dos quartos. Depois que tudo começou, passamos a mantê-lo trancado.

Imediatamente, a cozinheira nos guiou de volta para o andar de cima, onde havia somente um corredor com duas janelas bem amplas de um lado, que davam para os fundos da casa, e três portas do outro lado. A porta mais distante, de acordo com Claire, era a do quarto de hóspedes, agora ocupado por ela. A do meio, como já havíamos visto mais cedo, era a do quarto do casal Edwards e a mais próxima a escadaria, era a do escritório do médico, que agora estava trancado.

A cozinheira pegou o molho de chaves do bolso da saia e pude perceber que suas mãos estavam trêmulas. Ela claramente tinha medo do aposento e depois de destrancá-lo, não quis entrar conosco.

- Desde que... desde que as coisas estranhas começaram, confesso que fiquei receosa de entrar aqui, principalmente sozinha. – disse ela envergonhada de seu medo.

- Mas a senhora ou alguém realmente chegou a presenciar algo estranho? – perguntei, curioso.

- Na primeira noite que ouvi os barulhos, levantei-me para ver o que era e vi um vulto, que descia as escadas. Fiquei apavorada e nunca mais me atrevi a sair do quarto. A patroa também viu algo parecido em outra noite.

- Mas o seu quarto é meio distante das escadas e creio que estivesse escuro... tem certeza disso? – perguntou Holmes, ainda cético.

- Sim, senhor. Não posso dizer ao certo o que era, mas que eu vi, eu vi.

- Embora eu possa afirmar categoricamente que fantasmas não existem, - disse Holmes -percebo que a senhora não se sente confortável entrando aqui, então não se preocupe em nos acompanhar. Começaremos a investigação e não se assuste com o barulho, porque dessa vez seremos nós. Temos que verificar tudo minuciosamente.

- Fiquem à vontade. Caso precisem de alguma coisa, eu estarei no quarto ao lado com a menina.

- Muito obrigado.

Assim que Claire se foi, entramos no aposento. Era um escritório bastante comum. Tinha uma mesa bela mesa de mogno com vários entalhes delicados e uma confortável cadeira estofada. Também havia uma estante enorme, feita da mesma madeira, repleta de livros que cobria toda a parede atrás da mesa. Nas outras paredes observei belos quadros de paisagens pendurados, assim como uma janela não muito grande, que dava para a frente da casa.

Como todos haviam afirmado, a noite anterior tinha se passado sem nenhum “distúrbio sobrenatural”, portanto não havia nenhum tipo de desorganização, nem nada quebrado. Era apenas um escritório como outro qualquer.

Enquanto eu observava o local superficialmente, Holmes verificava a janela, abrindo-a e fechando-a, mas em menos de um minuto, quando me virei para mostrar-lhe o belo microscópio que o falecido doutor guardava no armário, me dei conta de que falava com as paredes, Holmes já não estava lá.

- Holmes? Holmes? Onde foi que você se meteu agora? – falei em voz alta, mesmo sem ter ninguém para me ouvir.

Fui até a porta, olhei pelo corredor e nada. Não digo que fiquei surpreso, porque era típico dele fazer tal coisa, então, enquanto ele não reaparecia, peguei um livro muito interessante sobre doenças raras que encontrei na estante, sentei-me na poltrona e comecei a folheá-lo.

Meu colega voltou uns quinze minutos depois, sem sequer se dar ao trabalho de dizer onde tinha se enfiado. Parou em frente à porta e se agachou. Começou a observar a fechadura minuciosamente com sua lupa e depois passou a murmurar coisas ininteligíveis.

- Vê algo interessante por aí? – perguntei depois de algum tempo, sem deixar o livro de lado.

- Sim, meu caro Watson! Venha até aqui e veja por si mesmo. – respondeu ele, todo animado.

Fui até lá e ele me emprestou a lupa.

- Vê esses pequenos arranhões ao redor da fechadura?

- Sim. Não são arranhões causados pelo uso da chave?

- Poderiam ser, mas observe que a parte de dentro não possui os mesmos arranhões.

- Tem razão. – observei com mais cuidado.

- Isso indica que um arrombador bastante hábil passou por aqui. Quase não deixou marcas. Acabei de verificar todas as portas da casa...

- Ah, então foi isso o que você andou fazendo? – interrompi-o.

- Sim, Watson, foi isso o que eu andei fazendo. – repetiu ele - Esta casa possui exatamente onze portas e encontrei os mesmos arranhões apenas na porta dos fundos. Isso quer dizer, que nosso “fantasma” adentrou por lá. Embora, teoricamente, fosse mais prático entrar e sair pela janela, ele não poderia tê-lo feito, porque além de ser bastante alto, daria trabalho e chamaria muita atenção trazer uma escada até ela, já que a janela fica bem na frente casa. Por esse motivo, o vulto que Claire viu descia as escadas. Ele precisava sair por onde tinha entrado, ou seja, a porta dos fundos. Era mais arriscado ter que atravessar a casa toda, mas era o único modo discreto.

- Pode ser... mas isso nos leva a sua outra teoria, a de que o invasor poderia ser um médico inescrupuloso em busca de um dinheiro extra. Acho que seria demais exigir que além de médico, o “fantasma” fosse um arrombador profissional, não acha?

- Bem, ainda não posso afirmar com toda certeza, mas nada impede que fosse uma dupla de invasores: um arrombador para entrar na casa e um médico para saber o que procurar. Estou cada vez mais propenso a acreditar nessa nova hipótese.

- É verdade. Pode ser. Mas será que encontraram o que estavam procurando?

- Isso é o que temos que descobrir agora. Vamos, Watson, precisamos revirar este lugar de cima a baixo para saber se as pesquisas estão por aqui. Mãos à obra! – disse ele animadamente, enquanto jogava o paletó sobre uma cadeira, já desabotoando as mangas da camisa e dobrando-as para cima. Sem ter outra opção, fiz o mesmo e começamos a revirar o lugar todo em busca de um cofre, um compartimento secreto em uma gaveta ou qualquer outra coisa interessante.

Enquanto verificava a estante, encontrei um grupo de livros falsos muito bem feitos que escondia um cofre na parede. Sem muito esforço, Holmes o abriu, mas para a nossa insatisfação, só encontramos joias e dinheiro. Se fôssemos ladrões estaríamos felizes, mas não era o que procurávamos. Resolvemos não guarda-los de volta, pois talvez nem a própria Sra. Edwards soubesse da existência daquele cofre e o dinheiro lhe seria bastante útil. Era melhor entregar a ela quando estivesse recuperada.

Continuamos vasculhando tudo minuciosamente e cerca de três horas depois, a curiosidade de Claire falou mais alto que seu medo e ela foi até o escritório ver como estávamos nos saindo.

Ela veio acompanhada da pequena Angela que já tinha acordado fazia tempo e não chorava mais, apenas observava aqueles dois estranhos bagunçando sua casa.

- Encontraram o que procuravam, senhores? – perguntou ela.

- Nada ainda. – respondi exausto. – Acho que não tem nada aqui, Holmes. Só não sei dizer se as pesquisas nunca estiveram aqui ou se o “fantasma” as encontrou.

- O mistério continua, Watson. Vamos fazer uma pausa por enquanto. – disse Holmes, aparentemente também fatigado.

- Eu preparei o chá. Os senhores aceitam uma xícara?

- Adoraríamos. – respondi, grato pela pausa e pelo chá.

Descemos até a sala de estar onde Claire tinha deixado a pequena Angela sentada no tapete, brincando com alguns brinquedos. A menina parecia ser bem tranquila, apesar de nossa primeira impressão mostrar o contrário. Ela ficou ali quietinha se distraindo com seus brinquedos e de vez em quando, voltava sua atenção para a nossa conversa.

- O Dr. Edwards costumava trabalhar no quarto também? – perguntou Holmes.

- Não, senhor. Às vezes, ele e o Dr. Cooper ficavam trancados por horas trabalhando no escritório, mas jamais o vi trabalhar no quarto. – respondeu a velha cozinheira.

- Bem, creio que não tenho mais perguntas, Claire. – disse Holmes satisfeito - Acho que preciso de um tempo para por minhas ideias em ordem. Vou dar umas voltas por aí e aproveitar para conhecer o lugar.

- Não se afaste muito, porque escurece cedo nessa região. – disse ela - Peça ao Robert para lhe acompanhar. Ele está lá fora dando comida ao cavalo. Ah! E não se esqueça de colocar o casaco, porque está muito frio!

Acatando a ordem da cozinheira quase como se fosse de sua própria mãe, Holmes pegou seu sobretudo, seu cachecol, suas luvas e seu chapéu, e só saiu depois de vestir tudo.

Como ele tinha dito que precisava pensar, não me ofereci para ir junto. Preferi ficar lá dentro, onde era mais agradável, e resolvi fazer amizade com a pequena Angela. Sentei-me também no chão e comecei a brincar com ela e suas bonecas. A menina pareceu gostar da minha companhia e a cozinheira agradeceu por ter um tempinho de folga para fazer outras coisas enquanto eu bancava a babá.