Fanfics Brasil - Você Sabia? Eu Estive Aqui - Adaptada - Portiñón/Vondy

Fanfic: Eu Estive Aqui - Adaptada - Portiñón/Vondy | Tema: Rebelde


Capítulo: Você Sabia?

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A cerimônia de hoje é no Rotary Club, então não é um evento religioso oficial, embora o orador seja uma espécie de reverendo. Não sei de onde eles saem, todos esses oradores que nem conheciam Any direito. Ao final, Marichelo me convida para outra recepção em sua casa.
Eu costumava passar tanto tempo na casa de Any que conseguia adivinhar o humor de Marichelo pelo cheiro que sentia ao atravessar a porta. Manteiga significava que ela estava fazendo bolo, logo estava melancólica e precisava se animar. Um cheiro picante significava que ela estava feliz, preparando comida mexicana para Enrique, embora fizesse mal ao estômago dela. Se fossem pipocas, ela estaria na cama, com as luzes apagadas, sem cozinhar nada, e Any e Scottie tinham que se virar sozinhos, portanto haveria um rodízio de tira-gostos de micro-ondas. Nesses dias, enquanto subia para cuidar de Marichelo, Enrique comentava, em tom de brincadeira, que nós, crianças, tínhamos sorte de poder comer aquele monte de porcarias. A gente fingia que  concordava, mas, depois do segundo ou terceiro enroladinho de salsicha, normalmente minha vontade era de vomitar.


Conheço tão bem os Portilas que, quando telefonei para eles naquela manhã após receber o e-mail de Any, eu sabia que, embora fossem onze da manhã de um sábado, Marichelo ainda estaria na cama, mas não dormindo. Ela dizia que nunca conseguiu reaprender a dormir até tarde depois que os filhos pararam de acordar cedo. E Enrique já teria feito o café e aberto o jornal sobre a mesa da cozinha. Scottie estaria vendo desenhos animados. A rotina era uma das muitas coisas que eu adorava na casa de Any. Era tão diferente da minha, onde o mais cedo que Blanca costumava acordar era ao meio-dia. Mas em certas ocasiões você poderia encontrá-la preparando café da manhã. Em outras, poderia nem estar em casa.
No entanto, agora existe outro tipo de rotina na casa dos Portila, bem menos convidativa. Mesmo assim, quando Marichelo me convida para ir até lá, eu vou, por mais que preferisse recusar o convite.


***


O grupo de carros parado em frente à casa é menor do que costumava ser nos primeiros dias, quando toda a cidade vinha fazer visitas de condolências com um pirex nas mãos. Era um pouco difícil de aturar todas aquelas travessas de comida acompanhadas de “sinto muito pela sua perda”, pois, em outras partes da cidade, a fofoca corria solta. “Não me surpreende. Aquela garota sempre foi muito maluca”, eu escutara sussurrarem no supermercado. Any e eu sabíamos que algumas pessoas diziam coisas desse tipo a respeito dela – em nossa cidade, ela era como uma rosa brotando no deserto; confundia os outros –, mas, agora, esses comentários já não pareciam motivo de orgulho.


E Any não era o único alvo. No bar de Blanca, eu ouvi duas moradoras da cidade soltarem farpas sobre Marichelo. “Eu saberia se minha filha estivesse pensando em se matar”, afirmou a mãe de Carrie Tarkington, que tinha ido para a cama com metade da escola. Eu estava prestes a perguntar se ela sabia disso, já que era tão onisciente. Mas então sua amiga acrescentou: “Marichelo? Você só pode estar de brincadeira! Aquela mulher parece que está no mundo da lua; e isso nos melhores dias.” E eu fiquei pasma com a crueldade delas. “Como vocês se sentiriam se tivessem acabado de perder uma filha, suas vacas?”, explodi. Blanca teve que me levar para casa.


Depois da cerimônia de hoje, Blanca me deixa na casa dos Portillas, pois precisa trabalhar. Eu entro sem bater. Enrique e Marichelo me abraçam forte por um instante a mais do que seria confortável. Sei que minha presença deve servir um pouco de consolo para eles, mas, pelo olhar de Marichelo, dá para imaginar as perguntas que lhe passam pela cabeça, e sei que todas podem ser resumidas a uma só: Você sabia?


Não sei o que seria pior. Se eu tivesse sabido e não contado a eles. Ou a verdade, que é a seguinte: embora Any fosse minha melhor amiga e eu tivesse lhe contado tudo o que havia para contar a meu respeito, supondo que ela tivesse feito o mesmo, eu não sabia. Não fazia a menor ideia.


Estou adiando esta decisão há muito tempo, ela escreveu em sua mensagem. Há muito tempo? Quanto? Semanas? Meses? Anos? Eu conhecia Any desde o jardim de infância. Éramos melhores amigas, quase irmãs. Por quanto tempo ela adiou a decisão sem me contar? E o mais importante: por que ela não me contou?


***


Depois de ficarmos sentados por dez minutos em um silêncio triste e respeitoso, Scottie, o irmão de 10 anos de Any, se aproxima de mim com o cachorro deles – ou melhor, só dele agora –, Samson, em uma coleira.


– Vamos passear? – pergunta ele, tanto para mim quanto para Samson.



Faço que sim com a cabeça e me levanto. Scottie parece ser o único que ainda guarda alguma semelhança com quem era antes, talvez por ser mais jovem – embora não seja tão novo assim e ele e Any fossem muito próximos. Quando Marichelo tinha crises de humor e sumia, e Enrique também desaparecia para cuidar dela, era Any quem cuidava de Scottie. Estamos no fim de abril, mas os pais dele não nos alertam sobre o mau tempo. O vento está forte e gelado. Andamos até o descampado em que todo mundo deixa os cães fazerem cocô, e Scottie solta Samson. Ele sai correndo, eufórico, feliz em sua ignorância canina.


– Como você está, Runtmeyer?


Eu me sinto falsa usando o seu velho apelido para implicar com ele, e já sei como Scottie está. Mas, sem Any por perto para fazer o papel de mãe, e Marichelo e Enrique perdidos em sua própria dor, alguém precisa pelo menos perguntar.



– Já cheguei à sexta fase no Fiend Finder. Posso jogar quanto quiser agora.



– Essa é uma vantagem – comento, tapando a boca logo em seguida.



Meu humor negro não é para ser compartilhado com o mundo. Mas Scottie solta uma risada amarga, velha demais para a sua idade.



– É. Sei.



Ele para e observa Samson cheirar o traseiro de um collie. No caminho de volta para casa, Samson puxa a coleira porque sabe que depois do passeio vem a comida.


– Sabe o que eu não entendo? – pergunta Scottie.



Por achar que ainda estávamos falando de videogames, não estou preparada para o que ele
diz em seguida:



– Por que ela não me mandou a mensagem também?



– Você tem e-mail? – indago, como se esse tivesse sido o motivo dela.



Ele revira os olhos.



– Tenho 10 anos, não 2. Tenho e-mail desde o terceiro ano. Any me mandava coisas por email o tempo todo.



– Ah. Bem, ela deve ter preferido poupar você.



Por um instante, os olhos de Scottie me pareceram tão fundos quanto os de Marichelo e Enrique.
– É, ela me poupou muito.


***


Quando retornamos, os convidados estão indo embora. Flagro Marichelo jogando um gratinado de atum no lixo. Ela me olha com uma expressão de culpa. Me aproximo para lhe dar um abraço de despedida, mas ela me detém.



– Você pode ficar? – pergunta com sua voz suave, tão diferente da inquietude da filha.



Any, tão tagarela, podia levar qualquer um a fazer qualquer coisa a qualquer momento.



– Claro.



Ela gesticula para a sala. Enrique está sentado no sofá, olhado para o nada; Samson está a seus pés, implorando pela tão esperada janta. Sob a luz mortiça do crepúsculo, olho para Enrique. Any havia puxado ao pai: pele morena e traços mexicanos. Ele parece ter envelhecido mil anos desde o mês passado.



– Dulce – fala Enrique. Uma palavra. E é suficiente para me fazer chorar.



– Oi, Enrique.


 


– Marichelo quer conversar com você; nós dois queremos.



Sinto o coração disparar, pois temo que eles enfim me perguntem se eu sabia de alguma coisa. Tive que responder algumas perguntas rápidas à polícia quando tudo aconteceu, mas eram mais sobre como Any poderia ter arranjado o veneno. Eu não sabia nada sobre isso, apenas que, se Any quisesse alguma coisa, ela geralmente encontrava uma maneira de obtê-la. Depois que Any morreu, pesquisei na internet sobre todos os indícios de um suicídio iminente. Any não me deu nenhuma de suas coisas preferidas. Ela não falava sobre se matar. Quer dizer, dizia coisas como “Se a Sra. Dobson passar mais um teste, vou dar um tiro na minha cabeça”, mas isso conta?



Marichelo senta-se ao lado de Enrique no sofá puído. Eles se entreolham por uma fração de segundo, como se isso doesse demais. Então se viram para mim.



– O período da Cascades termina mês que vem.


A Cascades é a prestigiosa faculdade particular para a qual Any ganhou bolsa. O plano era que nós duas nos mudássemos para Seattle depois de terminarmos o ensino médio. Falávamos sobre isso desde o oitavo ano. Nós duas na Universidade de Washington, dividindo um quarto de dormitório durante os primeiros dois anos, e então morando fora do campus pelo restante do curso. Mas Any conseguiu uma bolsa integral na Cascades, uma proposta muito melhor do que a UW tinha a oferecer. Quanto a mim, fui aceita na UW,mas sem nenhum tipo de bolsa. Blanca deixou bem claro que não iria me ajudar. “Finalmente consegui me livrar das minhas dívidas.” Assim, recusei minha admissão na UW e decidi ficar na cidade. Meu plano era cursar a faculdade comunitária durante dois anos e depois pedir transferência para Seattle, a fim de ficar perto de Any.


Marichelo e Enrique ficam sentados em silêncio. Eu observo Marichelo cutucar as unhas; as cutículas estão em frangalhos. Enfim, ela levanta a cabeça.



– A faculdade tem sido ótima; eles se ofereceram para juntar as coisas do quarto dela e enviar tudo para nós, mas não consigo suportar a ideia de pessoas estranhas mexendo nas coisas de Any.



– Mas e os colegas de república dela?



Cascades era pequena e quase não tinha alojamentos. Any mora – quer dizer, morava – fora do campus, em uma casa que dividia com outros alunos.



– Ao que parece, simplesmente trancaram o quarto dela e o deixaram do jeito que estava.



O aluguel está pago até o final do período, mas agora eles precisam esvaziá-lo e trazer tudo...



– A voz dela falha.



– Para casa – conclui Enrique.


 


Demoro alguns instantes para entender o que eles querem, o que estão me pedindo. A princípio, fico aliviada, porque não preciso confessar que não sabia o que Any estava planejando fazer. Na única vez na vida em que ela havia precisado de mim, não fui capaz de ajudá-la. Mas, então, sinto o peso do que eles estão me pedindo; é como um tijolo acertando meu estômago. Isso não significa que não o farei. Vou fazer. É claro que sim.



– Vocês querem que eu arrume as coisas dela?



Eles concordam com a cabeça. Eu repito o gesto. É só o que posso fazer.



– Depois que terminarem as suas aulas, é claro – responde Marichelo.



Oficialmente, minhas aulas terminam mês que vem. Extraoficialmente, no dia em que recebi o e-mail de Any. Passei a tirar as piores notas. Ou fui reprovada por faltas. A diferença entre as duas coisas não importa muito.



– E se você conseguir uma folga no trabalho – completa Enrique.



Ele fala isso em um tom respeitoso, como se eu tivesse um trabalho importante. Eu faço faxina. Como todo mundo na cidade, as pessoas para quem trabalho sabem sobre Any e foram todas muito simpáticas, me dizendo que poderia me afastar o tempo que eu precisasse. Mas se
tem algo de que não preciso é de horas vagas para pensar em Any.



– Posso ir a qualquer momento. Amanhã mesmo, se quiserem.



– Ela não tinha muita coisa. Você pode levar o carro – comenta Enrique.


Enrique e Marichelo têm um carro só, então eles organizam a rotina como uma expedição da Nasa para que Marichelo possa deixar Enrique no trabalho, levar Scottie para a escola, ir para o trabalho e depois pegar todo mundo no final do dia. Nos fins de semana é a mesma coisa, pois precisam fazer as compras e tudo o que não dá tempo para resolver nos dias úteis. Eu não tenho carro.



Às vezes, muito de vez em quando, Blanca me deixa usar o dela.



– Por que não vou de ônibus? Ela não tem tanta coisa. Tinha.



Enrique e Marichelo parecem aliviados.



– Nós vamos pagar a sua passagem. Você pode mandar qualquer caixa a mais pelo correio – diz Enrique.



– E não precisa trazer tudo de volta. – Marichelo faz uma pausa. – Só as coisas mais importantes.



Eu aquiesço. Eles ficam tão agradecidos que eu preciso desviar o olhar. A viagem não é nada de mais: vai levar só três dias. Um dia para chegar lá, um dia para arrumar as coisas, um dia para voltar. O tipo de coisa que Any teria se oferecido para fazer sem que precisassem pedir.



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Autor(a): Joy

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 24



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  • capitania_12 Postado em 10/07/2019 - 12:39:28

    Aaaaah. Terminou. . amei,essa fanfic abordou um tema bastante importante. . Obrigadaa

  • capitania_12 Postado em 07/07/2019 - 18:12:50

    Ihu, continua

  • capitania_12 Postado em 05/07/2019 - 20:14:25

    Continua

  • capitania_12 Postado em 02/07/2019 - 19:48:48

    Continua aaaaaaaa

  • Manuzinhaa Postado em 01/07/2019 - 20:11:24

    Meu deus do céu, preciso q tu continueeee

  • capitania_12 Postado em 27/06/2019 - 20:23:46

    Continua

  • capitania_12 Postado em 26/06/2019 - 22:48:19

    Porraaaaaaa. Tá muito FODA, continua

  • Gabiih Postado em 24/06/2019 - 16:32:01

    Leitora nova continua

  • capitania_12 Postado em 24/06/2019 - 15:38:46

    Continua

  • manuzinhacandy Postado em 24/06/2019 - 00:41:29

    Continuaa...


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