Fanfics Brasil - Tacoma Eu Estive Aqui - Adaptada - Portiñón/Vondy

Fanfic: Eu Estive Aqui - Adaptada - Portiñón/Vondy | Tema: Rebelde


Capítulo: Tacoma

487 visualizações Denunciar


5


Às vezes, leio algum artigo esperançoso sobre como Tacoma está tão elitizada que chega a rivalizar com Seattle. Mas, quando meu ônibus chega ao meio do deserto, a impressão que tenho é de desespero, como se a cidade estivesse se esforçando demais e fracassando. Tipo algumas das amigas de Blanca no bar: mulheres de 50 anos que usam minissaia, salto plataforma e maquiagem, mas não estão enganando ninguém. Tiazona querendo parecer novinha, é como os caras da nossa cidade costumam se referir a elas.



Quando Any foi embora, prometi que a visitaria todos os meses, mas acabei vindo só uma vez, em outubro passado. Comprei uma passagem para Tacoma e, ao chegar a Seattle, dei de cara com Any à minha espera na rodoviária. A ideia dela era passear por Capitol Hill, jantar em um chinês baratinho em Chinatown e assistir ao show de uma banda em Belltown, de um pessoal que ela conhecia – tudo o que costumávamos falar que iríamos fazer quando fôssemos morar juntas ali. Any estava empolgadíssima com o plano; eu não sabia se a intenção dela era  me convencer a ir de vez para lá ou me oferecer um prêmio de consolação.


De todo modo, foi um fracasso. Na nossa cidade, o tempo estava limpo, mas ali chovia. Outro motivo para não me mudar para Seattle, disse a mim mesma. E nenhum dos lugares que visitamos – os brechós, as lojas de revistas em quadrinhos e os cafés – pareceram tão legais quanto eu tinha imaginado. Pelo menos foi o que eu disse a Any. “Desculpe”, lamentou-se, não em um tom sarcástico, mas com sinceridade, como se o fato de Seattle ser decepcionante fosse sua culpa.



Mas eu estava mentindo. Seattle era maravilhosa. Mesmo com aquele clima horrível, eu teria adorado morar aqui. Por outro lado, tenho certeza que iria adorar morar em Nova York, no Taiti ou em milhares de outros lugares que não conhecia. Acabamos não assistindo ao show, pois falei que estava cansada e preferia não ir. Então, voltamos para a casa em que ela morava em Tacoma. Eu deveria ter ficado o dia seguinte quase inteiro, mas aleguei dor de garganta e peguei um ônibus de volta para casa logo cedo. Any me convidou outras vezes, mas eu sempre tinha desculpas: estava muito ocupada ou a passagem de ônibus era cara. As duas coisas eram verdadeiras, embora não fossem toda a verdade.


Do centro da cidade, você tem que pegar dois ônibus para chegar ao pequeno e bucólico campus da Cascades na zona portuária. Enrique me instruiu a ir até o prédio da reitoria para apanhar alguns documentos e uma chave. Embora Any morasse fora do campus, a universidade era responsável por todos os alojamentos estudantis. Quando explico quem sou, eles percebem imediatamente por que estou aqui. Sei disso por conta dos olhares que recebo.



Odeio esse tipo de olhar, que passei a conhecer muito bem: falsa empatia.



– Sentimos muito pela sua perda – lamenta a senhora que me atende.


Ela é gorda e usa o tipo de roupa folgada que a faz parecer mais gorda ainda. – Temos um grupo de apoio que faz sessões semanais para todos os afetados pela morte de Anahí. Se quiser participar, haverá uma sessão em breve.



Anahí? Ninguém a chamava assim, só os avós dela.



A mulher me entrega um folder informativo, uma xerox colorida com uma foto sorridente de Any que nunca vi antes. Está escrito Apoio à Vida na parte de cima, com corações no lugar dos pingos dos “is”.



– Vai ser na segunda à tarde.



– Infelizmente, já não estarei por aqui.


– Ah, que pena. – Ela faz uma pausa. – Tem sido uma experiência muito catártica para a comunidade aqui do campus. Estão todos muito chocados.



Chocado não é bem a palavra. Chocada eu fiquei quando enfim convenci Blanca a me contar quem era o meu pai, apenas para descobrir que, até os meus 9 anos, ele morava a menos de 30  quilômetros de nós. O que aconteceu com Any é totalmente diferente; é como acordar uma manhã e descobrir que agora você está morando em Marte.



– Vou passar só esta noite aqui.



– Ah, que pena – repete a mulher.



Ela me entrega um molho de chaves, me diz como chegar à casa, pede para eu telefonar se precisar de qualquer coisa e eu saio dali antes que ela me dê um cartão de condolências. Ou pior: um abraço.


Na casa em que Any morava, bato à porta, mas ninguém atende, portanto entro direto. O interior cheira a cerveja, pizza e maconha. Também tem o odor da amônia de uma caixinha de areia suja. Ouço bandas tocando Phish ou Widespread Panic, o tipo de música hippie ruim que faria Any querer se matar. Então me dou conta do que estou pensando e lembro que ela fez isso mesmo.



– Quem é você?



Uma garota alta e extremamente bonita está parada na minha frente. Ela veste uma blusa verde estilo tie-dye com um símbolo hippie da paz, e me encara com um sorrisinho esnobe.



– Dulce. Saviñón. Estou aqui por causa de Any. Para pegar as coisas dela.



Ela fica tensa. Como se a menção do nome de Any tivesse cortado totalmente o seu barato.Já odeio essa garota. E, quando ela se apresenta como Angelique, meu desejo era que Any estivesse ali para podermos trocar aquele olhar imperceptível que desenvolvemos com o passar dos anos para compartilhar nosso desprezo mútuo. 



– Você era uma das colegas de república dela? – pergunto.


Quando chegou ali, Any me mandava longos e-mails sobre as aulas, os professores, o estágio e, às vezes, enviava em anexo desenhos hilários de cada um dos colegas de república, feitos com lápis de carvão, que ela escaneava para mim. Era o tipo de coisa que normalmente eu teria adorado, me deliciando com a arrogância dela, porque era assim que sempre havia sido: Any e Eu Contra o Mundo. Na nossa cidade, as pessoas nos chamavam de Unha e Carne. Mas, ao ler os e-mails, eu tinha a sensação de que ela estava exagerando de propósito os defeitos daquelas pessoas para que eu me sentisse melhor, e isso só fazia eu me sentir pior ainda. Seja como for, não me lembro de nenhuma Angelique.


– Sou amiga de Chris – responde Angelique, a hippie nojenta.



Ahh, Christian Locão, como Any o chamava. Eu o conheci na última vez que estive aqui.



– Vou fazer o que eu vim fazer.



– Então faça – retruca Angelique.



Tanta hostilidade é um choque depois de um mês inteiro de pessoas pisando em ovos ao meu redor.



Espero encontrar, em frente à porta de Any, um daqueles altares que surgiram por toda a cidade; sempre que vejo um deles, minha vontade é destruir as flores e jogar fora as velas.



Mas não é isso que encontro. A capa de um disco está colada à porta. Feel the Darkness, do Poison Idea. A imagem é a de um cara com uma arma apontada para a cabeça. Essa é a ideia de homenagem dos colegas de república dela? Respirando fundo, destranco a porta e giro a maçaneta. O lado de dentro também não está como eu esperava. Any sempre havia sido bagunceira, seu quarto em casa cheio de pilhas
vacilantes de livros e CDs, desenhos, coisas que ela começava e deixava pela metade: uma lâmpada que estava tentando reinstalar, um filme em Super-8 que queria editar. Marichelo disse que os colegas tinham simplesmente trancado a porta e deixado o quarto como estava, mas parece que alguém esteve aqui. A cama está feita. E a maioria das roupas dela já está dobrada. Há caixas desmontadas debaixo da cama.


Vou levar no máximo duas horas para fazer o que preciso. Se soubesse, teria pegado o carro dos Portillas para ir e voltar no mesmo dia. Marichelo e Enrique me ofereceram dinheiro para um quarto de hotel, mas não aceitei. Sei como eles vivem apertados e como cada centavo que sobrava ia para a educação de Any, que, mesmo com uma bolsa integral, ainda tinha vários outros gastos. E a morte dela foi mais uma despesa. Falei que iria dormir aqui. Mas, agora que estou no quarto dela, não consigo deixar de pensar na primeira e única noite que passei nele.
Any e eu dividíamos camas e sacos de dormir desde pequenas, sem nenhum problema. Mas, na noite da minha visita, não consegui pregar os olhos ao lado de Any, que dormiu como uma pedra. Ela estava roncando um pouco e eu a cutucava, como se o ronco fosse o que me
impedia de dormir. Quando nos levantamos na manhã de domingo, algo de ruim tinha se enraizado no meu peito e eu estava louca por uma briga. Porém, a última coisa que queria fazer era brigar com Any. Ela não havia feito nada. Era minha melhor amiga. Então, fui embora mais cedo. E não foi por causa de nenhuma dor de garganta.


Voltei para o primeiro andar. A música tinha mudado de Phish para algo um pouco mais animado. The Black Keys, acho. É uma mudança um tanto estranha. Um grupo de pessoas está sentado em um sofá de veludilho roxo, dividindo uma pizza e uma embalagem de doze
cervejas. Angelique está presente, então passo direto, ignorando todos, bem como o cheiro de pizza que faz meu estômago roncar, pois não comi nada, exceto um bolinho no ônibus. Lá fora está ficando enevoado. Ando um pouco até chegar a uma zona com algumas
lanchonetes. Sento em uma delas e peço um café. Quando a garçonete me olha com cara feia, peço um menu de café da manhã de 2,99 dólares, que pode ser servido a qualquer hora do dia supondo que isso me dê o direito de acampar ali pelo resto da noite.



Depois de algumas horas e de quatro ou cinco xícaras de café, ela basicamente me deixa em paz no meu canto. Pego meu livro, desejando ter trazido algum thriller daqueles que você não consegue parar de ler. Mas a Sra. Banks, a bibliotecária da nossa cidade, me viciou em autores da Europa Central nos últimos tempos. Ela entra nessas fases comigo. Tem sido assim desde os meus 12 anos, quando ela me vira lendo um romance de Jackie Collins no bar onde eu às vezes tinha que ficar, durante o trabalho de Tricia. A Sra. Banks me perguntara o que
mais eu gostava de ler, e eu mencionara alguns títulos, a maioria edições baratas que Blanca trazia para casa da sala de descanso.


– Você é uma leitora e tanto – comentara a Sra. Banks na ocasião, e me convidara a dar um pulo na biblioteca na semana seguinte. Quando fui até lá, ela fez meu cadastro para eu ter um cartão e me emprestou exemplares de Jane Eyre e Orgulho e preconceito.



– Quando terminar, me diga se gostou deles e eu emprestarei alguma outra coisa.



Li os dois em três dias. Gostei mais de Jane Eyre, embora tenha odiado o Sr. Rochester e preferisse que ele tivesse morrido no incêndio. A Sra. Banks sorriu quando eu lhe disse isso, então me emprestou Persuasão e O morro dos ventos uivantes. Daí em diante, passei a ir à biblioteca no mínimo uma vez por semana para ver quais livros ela havia separado para mim.



Eu achava incrível que nossa biblioteca minúscula tivesse um acervo tão inesgotável. Levei anos para descobrir que a Sra. Banks vinha pedindo às outras bibliotecas livros que achava que eu iria gostar. Mas, nesta noite, o contemplativo Milan Kundera que ela me deu está deixando minhas pálpebras pesadas. Todas as vezes que meus olhos ameaçam se fechar, a garçonete, como se tivesse um radar, vem me reabastecer de café, mesmo que eu nem tenha encostado nele desde a
última vez.


Aguento até as cinco da manhã e pago a conta. Deixo uma gorjeta generosa, pois não sei se a garçonete estava sendo antipática ao não me deixar dormir ou se me impedia de ser expulsa daqui. Ando pelo campus até as sete, o horário de abertura da biblioteca, então encontro um canto sossegado e durmo algumas horas.



Quando volto à casa de Any, um cara e uma garota estão tomando café na varanda.



– E aí? – diz o cara. – Dulce, não é?



– É.



– Christian.



– Eu sei, já fomos apresentados antes.



Ele não parece lembrar; devia estar chapado demais.



– Eu sou Maite – fala a garota.


Lembro que Any mencionou que uma nova colega de república tinha vindo para o período de inverno, substituindo outra garota que havia pedido transferência depois de um semestre.



– Onde você se meteu? – pergunta ele.



– Passei a noite num motel – minto.



– Não no Starline! – exclama Maite, alarmada.



– Ahn? – Demoro alguns segundos para me tocar que o Starline é o motel. O motel de Any. – Não, em outro.



– Quer um café? – indaga Maite.



Tomei tanto café na noite anterior que fiquei com azia. Por mais que esteja sonolenta e exausta, não consigo nem pensar em beber mais e o recuso.



– Quer dar uma cachimbada? – pergunta Christian Locão.



– Chris! – Maite lhe dá um tapa no ombro. – Ela tem todas aquelas coisas para arrumar Não acho que vá querer ficar doidona.


– Acho que ela vai querer, sim.



– Não, obrigada – garanto, mas o sol está conseguindo atravessar com dificuldade a fina camada de nuvens e deixando tudo tão claro que fico zonza.



– Sente aqui. Coma alguma coisa – diz Maite. – Estou aprendendo a fazer pão e acabei de assar uma nova fornada.



– Está menos parecido com tijolo do que o normal – garante Christian.



– Está ótimo. – Maite faz uma pausa. – Se você passar bastante manteiga e mel.



Não quero pão. Não quis conhecer estas pessoas antes e certamente não quero conhecê-las agora. Mas, quando me dou conta, ela já buscou o pão e voltou. Estava meio duro e massudo, mas Maite tinha razão: com manteiga e mel, até que era passável.



Terminei de comer e limpei os farelos do colo.


- Bem, é melhor eu começar. – Fui em direção à porta. – Mas parece que alguém já fez a parte mais pesada. Vocês sabem quem arrumou as coisas dela?



Chris e Maite se entreolharam.



– Foi assim que ela deixou o quarto – conta Maite. – Ela mesma o arrumou.



– A garota quis estar no controle da porra toda até o fim – acrescenta Chris. Ele me olha e faz uma careta. – Desculpe.


 


– Tudo bem. Vai me poupar trabalho – tranquilizo-o, meu tom de voz tão indiferente que é como se eu estivesse me livrando de um estorvo.



Compartilhe este capítulo:

Autor(a): Joy

Este autor(a) escreve mais 3 Fanfics, você gostaria de conhecê-las?

+ Fanfics do autor(a)
- Links Patrocinados -
Prévia do próximo capítulo

6 Demoro umas três horas para arrumar o resto das coisas dela. Deixo de fora blusas e calcinhas furadas; afinal, por que iriam querer isso? Jogo no lixo um monte de revistas de música, que estão empilhadas em um canto. Não sei bem o que fazer com os lençóis, pois ainda têm o cheiro dela. E não faço ideia se isso t ...


  |  

Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 24



Para comentar, você deve estar logado no site.

  • capitania_12 Postado em 10/07/2019 - 12:39:28

    Aaaaah. Terminou. . amei,essa fanfic abordou um tema bastante importante. . Obrigadaa

  • capitania_12 Postado em 07/07/2019 - 18:12:50

    Ihu, continua

  • capitania_12 Postado em 05/07/2019 - 20:14:25

    Continua

  • capitania_12 Postado em 02/07/2019 - 19:48:48

    Continua aaaaaaaa

  • Manuzinhaa Postado em 01/07/2019 - 20:11:24

    Meu deus do céu, preciso q tu continueeee

  • capitania_12 Postado em 27/06/2019 - 20:23:46

    Continua

  • capitania_12 Postado em 26/06/2019 - 22:48:19

    Porraaaaaaa. Tá muito FODA, continua

  • Gabiih Postado em 24/06/2019 - 16:32:01

    Leitora nova continua

  • capitania_12 Postado em 24/06/2019 - 15:38:46

    Continua

  • manuzinhacandy Postado em 24/06/2019 - 00:41:29

    Continuaa...


ATENÇÃO

O ERRO DE NÃO ENVIAR EMAIL NA CONFIRMAÇÃO DO CADASTRO FOI SOLUCIONADO. QUEM NÃO RECEBEU O EMAIL, BASTA SOLICITAR NOVA SENHA NA ÁREA DE LOGIN.


- Links Patrocinados -

Nossas redes sociais