Fanfic: Eu Estive Aqui - Adaptada - Portiñón/Vondy | Tema: Rebelde
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Demoro umas três horas para arrumar o resto das coisas dela. Deixo de fora blusas e calcinhas furadas; afinal, por que iriam querer isso? Jogo no lixo um monte de revistas de música, que estão empilhadas em um canto. Não sei bem o que fazer com os lençóis, pois ainda têm o cheiro dela. E não faço ideia se isso terá o mesmo efeito em Marichelo que está tendo em mim: me lembrar de Any de uma maneira concreta e visceral – das vezes em que dormimos uma na casa da outra, de quando saíamos para dançar e conversávamos até as três da manhã, ficando um bagaço no dia seguinte, mas também nos sentindo ótimas, porque as conversas eram como transfusões de sangue, momentos que pareciam mais reais, mais esperançosos, e que eram pontinhos de luz na escuridão da vida em uma cidade pequena.
Sinto a tentação de cheirar os lençóis. Se fizer isso, talvez seja suficiente para apagar tudo. Mas você só consegue prender a respiração até certo ponto. Em algum momento, terei que soltar o cheiro dela; então, vai ser como aquelas manhãs, em que acordo e me esqueço antes mesmo de lembrar.
***
A agência de correio fica no centro, portanto preciso pegar um táxi para levar as coisas de carro, despachá-las, voltar para pegar as bolsas e estar pronta para apanhar o último ônibus, às sete. No andar de baixo, Maite e Chris estão onde eu os havia deixado. Fico na dúvida se os alunos desta faculdade supostamente prestigiosa estudam em algum momento.
– Quase acabei – falo para eles. – Só preciso fechar as caixas e já vou embora.
– Vou pegar os gatos antes de você ir – oferece-se Chris.
– Que gatos?
– Os dois gatinhos de Any – diz Maite, entortando a cabeça para o lado. – Ela não falou deles?
Eu me recuso a demonstrar qualquer surpresa. Ou mágoa.
– Não estou sabendo de gato nenhum.
– Ela encontrou dois gatinhos na rua alguns meses atrás. Estavam bem desnutridos e doentes.
– Com uma parada nojenta saindo dos olhos – acrescenta Chris.
– É, eles estavam com alguma infecção na vista. Entre outras doenças. Any os acolheu. Gastou uma fortuna no veterinário com tratamentos e cuidou deles até ficarem saudáveis. Ela era apaixonada por aqueles gatinhos. – Maite balança a cabeça. – Foi isso que me deixou mais surpresa. Que ela tenha se dado o trabalho de cuidar tão bem desses gatos e então...
– É, bem, Any era difícil de entender – interrompo, a voz tão azeda que juro que eles devem sentir o cheiro da amargura no ar. – E os gatos não são problema meu.
– Mas alguém tem que tomar conta deles – insiste Maite. – O pessoal da casa vem se encarregando disso, mas é proibido ter animais de estimação aqui e vamos estar todos fora durante o verão. Além do mais, ninguém pode ficar com eles.
Dou de ombros.
– Tenho certeza de que vocês vão encontrar uma saída.
– Você já viu os gatinhos? – Maite dá a volta na casa e começa a ciciar. Logo duas bolinhas de pelo aparecem saltitando na sala. – Este aqui é Grapette. – Ela aponta para o que é quase todo cinza, com uma mancha preta no nariz. – E o outro é Repete.
Grapette e Repete saíram de barco. Grapette caiu na água. Quem se salvou? Xavier, o tio de Any, nos contou esta piada e nós costumávamos atormentar uma a outra com ela. Repete. Repete. Repete.
Maite coloca um dos gatinhos nos meus braços e ele começa imediatamente a fazer aquela coisa com as patas que os gatos fazem quando querem mamar. Por fim, o bichano desiste e pega no sono, uma bolinha em meu peito. Sinto uma fagulha se acender bem fundo, um eco de um tempo distante, quando ainda não estava tudo congelado aqui dentro.
O gato começa a ronronar: estou ferrada.
– Tem algum abrigo para animais por aqui ou coisa parecida?
– Tem, mas eles abrigam dezenas de gatos e só ficam com eles por três dias antes de, bem, você sabe. – Maite passa o dedo pelo pescoço como se ele fosse uma faca.
Grapette, ou talvez seja Repete, continua ronronando nos meus braços. Não posso levá-los para casa. Blanca teria um ataque. Ela se recusaria a deixá-los entrar e eles seriam comidos por coiotes ou morreriam de frio em um piscar de olhos. Posso perguntar se Marichelo e Enrique querem ficar com eles, mas já vi como Samson corre atrás dos gatos.
– Tem uns abrigos que não matam os bichos em Seattle – intervém Chris. – Vi uma parada da Frente pela Libertação Animal que falava sobre isso.
Eu suspiro.
– Está bem. Vou passar por Seattle na volta e posso deixá-los lá.
Chris dá uma risada.
– Não é tipo deixar roupa na lavanderia. Você não pode simplesmente largar os bichos lá. Tem que marcar um horário para, tipo, preencher um registro ou coisa assim.
– Desde quando você deixa roupa na lavanderia? – pergunta Maite.
Grapette/Repete mia nos meus braços.
– A sua viagem de volta demora quanto tempo? – indaga Maite.
– Sete horas, e ainda tenho que enviar as caixas por correio.
Ela olha para mim e depois para Chris.
– São três agora. Se você for para Seattle deixar os gatos em um abrigo, pode ir embora amanhã cedo.
– Por que você não deixa os gatos? Já que tem tudo tão planejado?
– Preciso fazer um trabalho para a minha cadeira de estudos feministas.
– Mas e depois que você terminar?
Ela hesita por um instante.
– Não. Estes gatos eram de Any. Não me sinto à vontade largando-os em um abrigo.
– Ah, então vai deixar o trabalho sujo para mim? – questiono, irritada.
Sei que não foi Maite quem deixou o trabalho sujo para eu fazer, mas, quando ela se retrai, sinto uma espécie de satisfação cruel.
– Caramba. Eu levo você de carro para Seattle – diz Chris. – Deixamos os gatos no abrigo, depois você pode voltar para cá e sair da cidade assim que acordar amanhã.
Ele parece querer se ver livre de mim tanto quanto eu quero me ver livre dele. Pelo menos o sentimento é recíproco.
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Autor(a): Joy
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7 Os abrigos de animais de Seattle acabam por se mostrar mais difíceis de entrar do que as baladas mais concorridas da cidade. Os primeiros dois estão cheios, e implorar não adianta nada. O terceiro tem vagas, mas exige o preenchimento de um formulário e uma cópia do histórico veterinário dos gatos. Digo à garota hipst ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 24
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capitania_12 Postado em 10/07/2019 - 12:39:28
Aaaaah. Terminou. . amei,essa fanfic abordou um tema bastante importante. . Obrigadaa
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capitania_12 Postado em 07/07/2019 - 18:12:50
Ihu, continua
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capitania_12 Postado em 05/07/2019 - 20:14:25
Continua
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capitania_12 Postado em 02/07/2019 - 19:48:48
Continua aaaaaaaa
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Manuzinhaa Postado em 01/07/2019 - 20:11:24
Meu deus do céu, preciso q tu continueeee
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capitania_12 Postado em 27/06/2019 - 20:23:46
Continua
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capitania_12 Postado em 26/06/2019 - 22:48:19
Porraaaaaaa. Tá muito FODA, continua
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Gabiih Postado em 24/06/2019 - 16:32:01
Leitora nova continua
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capitania_12 Postado em 24/06/2019 - 15:38:46
Continua
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manuzinhacandy Postado em 24/06/2019 - 00:41:29
Continuaa...