Fanfic: O PRIMEIRO ENCONTRO CLANDESTINO COM A FELICIDADE | Tema: CLARICE LISPECTOR
O PRIMEIRO ENCONTRO CLANDESTINO COM A FELICIDADE
Ele tinha cabelos escuros, lisos, pele morena, “cor de cuia”. Olhos pretos como jabuticadas maduras. Seu olhar era penetrante, parecia ler minh’alma, desvendando meus segredos. Alto, esguio.. e forte.. como sendo o ápice que a flor da idade pudesse permitir a um exemplar do seu gênero. Seu pai, sua família, eram muito conhecidos na região onde morávamos, interior do interior de uma cidade do Rio Grande do Sul. Pudera... eram donos de uma “venda” (bolicho, armazém, boteco).
Eu, em contra-partida, inclusive de outras gurias da minha idade, era miudinha, branquela, magrela, cabelos amarelos... Mas meus olhos... ah... eles diziam e instigavam muita coisa... Meio esbugalhados, transpareciam para aquele moço uma “mulher” cheia de vida, de anseios, de mistérios, pronta para desabrochar para o amor.
Interessante contar que minha família igualmente tinha uma “venda”. Conhecidíssima, famosíssima, “top” da região! Então, na verdade, éramos concorrentes um do outro! Vejam só: que cilada do destino! O que em comum nos aproximava, na mesma hora, nos distanciava. Que destino engraçado!
Antes de continuar a história, vou contar-lhes um segredo: sempre fui apaixonada por livros, letras, contos, poemas. Na ausência dessa época de telefone, internet e afins, os livros e a música significavam passagem certa para as mais lindas viagens e aventuras. Me sorviam, ou vice-versa. Me transportavam, para muito, muito longe e além.
Bom, continuando, por conta dessa desventura (de sermos concorrentes), com alguma desculpa qualquer, ele seguidamente frequentava a nossa casa comercial. Amigos, imaginem a cena de um filme, de uma novela talvez: Aquele boteco cheio de homens embriagados, nevoado da fumaça dos cigarros, risos, conversas, e eu lá, tão pequena, tão distante, sentada atrás do balcão, lendo um livro, viajando. E ele, entre aqueles rostos que me pareciam embaçados, desfocados. Só focava mesmo aquele rosto, aquele olhar. O coração chegava a doer dentro do peito. Conversas não haviam entre nós, tamanho o mistério! Então que me veio a brilhante ideia: Escrever-lhe uma carta!! Claro!!! Poderia externar um pouco dos tantos sentimentos que borbulhavam dentro de mim. Colocá-las em letras, dar forma, dar vida às emoções!!! Porém, sem que ninguém mais soubesse, só eu e ele. Que misto de alegria, entusiasmo, medo, prazer.. ah, sei lá! Tanta coisa!!! Deus, e eu não podia contar a ninguém, só para as minhas cartas. Era um pedaço da felicidade, embora que clandestina, mas confesso, era realmente uma deliciosa felicidade!
Eram tardes de primavera. Uma brisa tão aconchegante soprava em rosto. Era quase tocável aquela sensação. Então ia para a rua sentir na pele aquele dia, aquele momento. Nossa morada fica numa esquina. No início de uma das ruas, ali eu parava contemplando a natureza de um dia radiante, de um silêncio ensurdecedor. Fitava a estrada de chão de terra vermelha que sumia longínqua. Era lá, no final dela, que batia o meu coração. Que morava a minha esperança de um futuro a dois.
Por algum espaço de tempo, e por perder a noção, não sei ao certo o quanto se passou. Mas durante esse período, vivi minha primeira real paixão. E por achar que podia fazer planos de concretizar de fato esse amor, fui me sentindo mulher, adulta, quem sabe. Até que um dia, decidida, resolvi abandonar o perfil de menina e vestir-me como mulher empoderada, conforme me sentia. Achei um sapato de salto alto que era da minha cunhada e que me serviu (só que não, ficava grande), um baton, uma blusinha justa que davam uma boa noção dos peitos em pleno desabrochar. Um pente nos cabelos e um perfume. Pronto! Agora eu já mandava em mim.
Pena que essa sensação perigosa de me “achar” durou o tempo exato, suficiente de o meu irmão mais velho me enxergar. Lembro tão perfeitamente do semblante dele, furioso, à um triz de me castigar fisicamente por aquele absurdo, aquele afronte! Nossa! Não havia maldade em mim, mas fez me sentir tão mal! Desci do meu salto. Tirei o batom. Me despi daquela intensa, fulminante e fugaz felicidade.
Voltei com mais força e apego aos meus livros, minhas leituras. E as cartas? Continuei a escrevê-las, só que para mim mesma. Para Deus, para minha mãe e amiga Maria (mãe de Jesus) e para o meu anjo protetor. Para todos aqueles que suportariam guardar os meus segredos, e não me julgar mal. E os livros, a venda, os sonhos, o amor, a paixão? Bom, os livros e as letras me acompanham até hoje. A venda e a vida no interior ficaram para trás. Os sonhos, o amor e a paixão, estes ora eu acho, ora os perco e este jogo se perpetua, pois esta tal felicidade continua clandestina.
Autor(a): rlopes13
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