Fanfics Brasil - Felicidade clandestina reescrito O Incrível Dicionário

Fanfic: O Incrível Dicionário | Tema: Felicidade Clandestina de Clarice Linspector - reescrita em forma de fanfiction


Capítulo: Felicidade clandestina reescrito

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O Incrível Dicionário


Havia uma livraria no final da rua, logo ao lado da casa do próprio dono. Era uma das construções mais bonitas e cheirosas que já vi, e digo cheirosa porque, para mim, o cheiro dos livros é maravilhoso. O cheiro se mistura entre velho e novo e suas brancas páginas contam história. Todos os dias, quando chegava da escola, dava uma passada lá só para ler um pouco e sentir o cheirinho que só os livros têm. Quando eu chegava, a filha do dono lá estava. Era baixa, gorda e pálida, e seus cabelos, dos ombros não passava. Sempre estava a ler um livro, vivia concentrada.


Olhei para a capa do livro que ela tinha em mãos e li a palavra dicionário. Não sabia exatamente sobre o que se tratava. Todos os livros que li eram sobre contos de fadas. Aproximei-me dela e perguntei que tipo de livro era este. Ela olhou-me séria, com uma das sobrancelhas erguidas, como quem diz: você me atrapalhou. Perguntei novamente e ela, finalmente, me respondeu. Este é um dicionário, disse ela. Nele estão escritas o significado das palavras. Neste livro, você pode encontrar todo tipo de palavras e seus significados. Estava vendo o que significa estória. Olhei para ela com curiosidade sobre a palavra que ela acabara de falar e, no mesmo instante, achei este livro muito impressionante, pois carrega o significado em suas muitas folhas. Agradeci a ela por ter respondido a minha pergunta, porém, em minha mente surgiam mais duvidas, e eu estava receosa em perguntar-lhe novamente.


Peguei um livro na prateleira, sentei-me e tentei ler um pouco, como fazia todos os dias, contudo, não consegui me concentrar, pois, novamente, a curiosidade sobre aquele livro tão completo e fascinante, não havia desaparecido. Fui até ela novamente e perguntei-lhe sobre o tal livro, se poderia encontrar um como aquele para ler também. Ela disse-me que igual ao dela não havia na livraria, pois o dela era especial, mais completo, e na minha inocência, acreditei. Olhei bem para o livro, era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.


Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.


No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, que iria precisar para uma lição de casa, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Irecê. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte, pois a menina ainda não o tinha devolvido. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.


E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.


Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.


Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa! Você o deixou no quarto, ao lado da cama!


E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Irecê. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.”


Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.


Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.


Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas cheias de significados, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquele livro incrível que era o dicionário. Este livro sempre ia ser incrível para mim. Parece que eu já pressentia. Olhei, finalmente, o que significava estória e, naquele momento, soube o que os livros de contos de fadas eram realmente.  Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.


Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante e, este, informava-me os significados.



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Autor(a): paloma_machado

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).




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